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ESPAÇO DA DOENÇA E EXCLUSÃO: uma enfermaria do antigo Hospital da Santa Cruz de Barcelona

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Academic year: 2021

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ESPAÇO DA DOENÇA E EXCLUSÃO: uma

enfermaria do antigo Hospital da Santa Cruz de

Barcelona

Antonio Pedro Alves de Carvalho Professor Adjunto da Faculdade de Arquitetura da UFBA

Esta imagem fala de um tempo em que o hospital existia como instrumento de caridade, para o necessitado, aquele que não podia receber o tratamento em sua própria casa. Um depósito de doentes, luz e sombras de uma arquitetura de dor e consolo. Hoje, este mesmo espaço abriga uma biblioteca.

Interior de uma enfermaria do antigo Hospital da Santa Cruz, de Barcelona, no início do séc. XX. Fonte: DANON I BRETOS, 2001, p. 41.

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A figura do Hospital Geral da Santa Cruz de Barcelona, acima, fornece uma idéia bem precisa do tipo de tratamento prestado aos que necessitavam de cuidados de saúde no início do século XX. A primeira característica que se observa é a quantidade de leitos dispostos num grande salão. A preocupação com a privacidade ou com a transmissão de doenças é claramente negligenciada, permanecendo o partido em nave como prevalente. A estrutura física do hospital medieval, portanto, ainda se impõe. Outro fator que chama a atenção na imagem é a informalidade, algo raro em fotos da época, onde cada tomada exigia um esmerado preparo técnico. Não houve tempo da retirada de um urinol no piso, em frente à primeira cama, à esquerda. Um paciente de muletas, em pé, aparece como principal personagem da cena, enquanto três funcionárias, na sombra, param o labor de preparação de lanches para posar. O primeiro plano, escuro, e o fundo bem claro, onde fachos de luz iluminam figuras diáfanas de branco, dão um caráter onírico à figura, que parece indicar uma suave transição da concreta realidade da dor à vaporosidade de outra dimensão.

A arquitetura a tudo fornece uma perfeita moldura. Os arcos ogivais, sustentando a estrutura de madeira de um telhado em duas águas, garantem a largura mínima do vão, bem como seu pé direito elevado – características que permitem atingir a metragem cúbica de ar mínima por leito, que era um fator importante na arquitetura hospitalar da época. A maioria das camas está disposta perpendicularmente às paredes laterais, deixando um corredor central para a circulação.

Nas paredes, azulejos estão até a altura de, aproximadamente, dois metros, auxiliando a limpeza e protegendo contra o choque das camas. O piso cerâmico apresenta-se desgastado e com irregularidades. Cortinas recolhidas demonstram a possibilidade de separação dos leitos em alguns procedimentos.

Esta imagem fala de um tempo em que o hospital existia como instrumento de caridade, para o necessitado, aquele que não podia receber o tratamento em sua própria casa. Um depósito de doentes, luz e sombras de uma arquitetura de dor e consolo. Hoje, este mesmo espaço abriga uma biblioteca.

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Isolamento e Exclusão

A prestação de cuidados públicos de saúde mantém vínculos estreitos com a cidade desde seu surgimento. Da localização inicial, ao lado de templos religiosos, até tornarem-se instrumentos de políticas de estado, os estabelecimentos de saúde participam ativamente das propostas de ordenação, controle e crescimento das aglomerações urbanas, notadamente a partir do fim da Idade Média.

Neste novo aglomerado de edificações que aumentava de densidade, os hospitais (ou hospícios) surgem com a primeira função de abrigo de peregrinos e viajantes, sendo que, de acordo com Miquelin (1992, p. 33), “Durante o Concílio de Nice, em 325, a Igreja recomenda que cada vila reserve um local separado para o abrigo dos viajantes, enfermos ou pobres”. A região da Catalunha, Espanha, demonstra com clareza esta situação, com os primeiros estabelecimentos de assistência sendo aproveitados de antigas tabernas ou casas de repouso para viajantes, mantidos por autoridades civis ou religiosas. O papel da caridade, portanto, é o indutor de transformação inicial do hospital para fins de tratamento de doentes e marginalizados. Seguindo a tradição árabe, a Catalunha possuía estabelecimentos de atendimento geridos por autoridades civis, sendo que o primeiro hospital de Barcelona teve fundação atribuída ao Visconde Guitard, entre os anos de 971 e 985 (RIU I RIU, 2001).

Com o crescimento das cidades, no entanto, a função de abrigo dos hospitais passa a ter outra face. De acordo com Foucault (1979, p.101): “Antes do século XVIII, o hospital era essencialmente uma instituição de assistência aos pobres. Instituição de assistência, como também de separação e exclusão.” Ainda de acordo com Foucault (2003, p. 55): “Não se deve esquecer que poucos anos após sua fundação, o único Hospital Geral de Paris agrupava 6000 pessoas, ou seja, cerca de 1% da população.”

O papel de instrumento de segregação, contudo, passa a ser preponderante no decorrer da evolução da estrutura urbana

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havendo pressões dos poderes constituídos para a localização mais condizente desta instituição:

A questão do hospital, no final do século XVIII, é fundamentalmente a do espaço ou dos diferentes espaços a que ele está ligado. Em primeiro lugar, onde localizar o hospital, para que não continue a ser uma região sombria, obscura, confusa em pleno coração da cidade, para onde as pessoas afluem no momento da morte e de onde se difundem, perigosamente, miasmas, ar poluído, água suja etc? É preciso que o espaço em que está situado o hospital esteja ajustado ao esquadrinhamento sanitário da cidade. É no interior da medicina que deve ser calculada a localização do hospital. (FOUCAULT, 1979, p.108).

Assim, os pobres, os perseguidos e os doentes são colocados em estabelecimentos fora das áreas urbanizadas, numa tentativa de isolá-los e proporcionar segurança aos demais. Segundo Antunes:

Ao promoverem a exclusão e o isolamento asilar de ponderáveis segmentos sociais, os hospitais prestaram-se ao controle e ao disciplinamento da vida urbana. Nesse sentido, pode-se perceber em seu funcionamento diversos pontos similares aos observados nos estabelecimentos penais do mesmo período. (ANTUNES, 1991, p. 161)

Lembre-se que o paradigma médico da época é o da retirada dos fluidos “miasmáticos”, sendo os principais instrumentos de cura o purgante e a sangria. Os estabelecimentos de saúde, portanto, deveriam ter o mesmo papel em relação à cidade, retirando doentes e mendigos da zona urbana como forma de proteger a população, que sofria com epidemias freqüentes.

Diversas instituições hospitalares surgiram em Barcelona a partir do século X, administradas por religiosos ou poderes públicos. Na época da fundação do Hospital Geral da Santa Cruz, existiam os hospitais da Sé (1045), de Colom (1229), Pere Vilar (1256), Bernat Marcus (1166), Santa Marta ou da Almoina (1311), Santa Eulália do Campo ou de Santa Anna e o de Santa Margarida ou de Sant Llàtzer (DOMÈNECH, 2001; FERRER, 1996; MARTIN, 1990). O antigo Hospital da Santa Cruz, de Barcelona, teve sua construção iniciada a dezessete de abril de 1401, aproveitando as instalações do antigo Hospital de Colom, que se situava “[...] longe do centro,

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(DANON I BRETOS, 2001, p. 226). A intenção era a centralização das ações de caridade como medida de racionalização de despesas. Este hospital tornou-se, por mais de quatrocentos anos, o único hospital de Barcelona, mantendo-se em serviço até 1926, quando foi transferido para outra edificação. Durante o seu funcionamento, em sua antiga sede, sofreu diversas reformas e ampliações, chegando a possuir um total de 950 leitos no ano de 1740 (DANON I BRETOS, 2001, p. 227).

A lógica da segregação permanece em Barcelona mesmo no início do século XX. O Hospital da Santa Cruz, que apresentava uma estrutura física precária e estava situado em zona central da cidade, é transferido para região mais distante, caracterizando a necessidade de exclusão que se mantinha. O hospital continuava sendo o destino de marginalizados.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, José L. F. Hospital: instituição e história social. São Paulo: Letras & Letras, 1991. 168p.

DANON I BRETOS, Josep. L’hospital general de la Santa Creu. In: LUNWERG (Ed.). L'Hospital de la Santa Creu i Sant Pau: 1401-2001. Barcelona: Lunwerg, 2001. p. 37-48.

DOMENECH, Natividad C. Els primers cent anys de construcció de l’hospital de la Santa Creu de Barcelona. In: LUNWERG (Ed.). L'Hospital

de la Santa Creu i Sant Pau: 1401-2001. Barcelona: Lunwerg, 2001. p.

29-36.

FOUCAULT, Michel. História da loucura. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003.

______. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

FERRER, Antònia M. P. L’arquitectura civil del segle XVII a Barcelona. Barcelona: l’Abadia de Montserrat, 1996.

MARTIN, Manuel G. L’Hospital de Sant Pau. Barcelona: Catalana de Gas SA, 1990. 235p.

LUNWERG (Ed.). L'Hospital de la Santa Creu i Sant Pau : 1401-2001. Barcelona: Lunwerg, 2001. 271p.

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MIQUELIN, Lauro Carlos. Anatomia dos edifícios hospitalares. São Paulo: CEDAS, 1992.

RIU I RIU, Manuel. Els centres assistencials i hospitalaris a la Catalunya medieval. In: LUNWERG (Ed.). L'Hospital de la Santa Creu i Sant Pau :

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