• Nenhum resultado encontrado

Víctor Gabriel Rodríguez - Argumentação Jurídica - Técnica de Persuasão e Lógica Formal - Ano 2005.pdf

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Víctor Gabriel Rodríguez - Argumentação Jurídica - Técnica de Persuasão e Lógica Formal - Ano 2005.pdf"

Copied!
345
0
0

Texto

(1)

Argumentação

Jurídica

(2)

ARGUMENTAÇÃO

JURÍDICA

Técnicas de persuasão

e lógica informal

Víctor Gabriel Rodríguez

Martins Fontes

(3)

1- edição 2002 (Editora LZN )

3 â edição 2004 (Editora V ox) 4- edição revista e ampliada

2005

Acompanhamento editorial H elen a G uim arães B itten cou rt Preparação do original A n a M aria de O. M . B arbosa

Revisões gráficas M aria Luiza Favret lv an i A parecida M artins C azarim

D inarte Z orzanelli da Silva Produção gráfica

G eraldo A lves Paginaçâo/Fotolitos S tudio 3 D esenvolvim ento Editorial

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) R o d ríg u ez, V ícto r G abriel

A rg u m en tação ju ríd ica : técnicas d e p ersu asão e lógica in­ fo rm al / V íctor G ab riel R odríguez. - 4* ed. - S ã o Pau lo : M artin s Fon tes, 2005. - (Justiça e direito)

ISBN 85-336-2194-9

1. A rg u m en tação forense 2. L ógica 3. Persu asão (R etórica) I. Título.

05-6235 C D U -34:16

índices para catálogo sistemático: 1. A rg u m en tação ju ríd ica 34:16

Todos os direitos desta edição reservados à Livraria Martins Fontes Editora Ltda.

Rua C onselheiro R am alho, 330 01325-000 São Paulo SP Brasil Tel. (11) 3241.3677 F ax (11) 3101.1042

(4)

índice

Introdução (aos professores)... XIII P refácio... XVII

I. A argumentação existen te... 1

Um mínimo escorço histórico... 8

II. O argum ento... 13

Os três tipos de discurso... 13

A disputa entre dois certos... 16

Argumento e verdade... 20

Os objetivos e os meios da argumentação... 23

Características da argumentação... 27

III. Argumentação e fundam entação. Pensan­ do no ou v in te... 31

O discurso científico... 31

Um corte de casim ira... 33

Argumentação x fundamentação: a distinção relativa... 40

Uma eterna desvantagem: o ponto de vista comprometido... 44

IV. Ouvinte específico e discurso genérico. In-tertextu alid ad e... 49

O auditório universal... 50

(5)

A coerência... 57

Coerência e percurso... 60

Estabelecendo a coerência... 63

Coerência e sentido: a dependência do mundo exterior... 65

Coerência e extensão da argumentação... 72

Texto e ritm o... 75

Coerência, intertextualidade e intenção: que­ brando regras... 80

Falar algo, dizer outra coisa... 82

Quatro dicas a respeito da coerência... 85

VI. Narrando os fato s... 89

Características da narrativa: figuratividade... 90

Características da narrativa: transcurso do tempo. 91 Função argumentativa da narrativa dos fatos. A questão do ponto de vista do narrador... 94

Coerência narrativa... 100

Conclusão... 106

VII. Argumento de autoridade: apelando para a opinião do exp erto ... 107

Apresentação: os tipos de argumento... 107

A autoridade... 108

Argumentum ad verecundiam... 110

Ciência e verdade... 114

A confiabilidade da opinião da autoridade: quia nominor leo... 117

Estabelecendo a validade do argumento... 119

A questão do experto... 121

Questão da área... 124

Questão da validade da opinião... 126

Questão da confiabilidade... 128

Questão da consistência... 130

Questão das provas... 131

(6)

Combatendo o argumento ad verecundiam... 137

Nada contra os clássicos. Mas... 140

VIII. Argumento por analogia: o uso da jurispru­ dência ... 143

A analogia e a ilustração... 143

Jurisprudência: analogia e autoridade... 145

Uso da jurisprudência: quantidade e qualidade 148 Segue: valor e uso da jurisprudência... 150

Combatendo o argumento de analogia... 151

IX. Exemplo, figuratividade e ilustração do dis­ curso... 153 O exemplo... 153 Requisitos do exemplo... 155 Representatividade do exemplo... 159 Falando em ilustração... 160 Ilustração e argumento... 162

Mau uso da ilustração... 166

Tendência atual da figuratividade... 167

A imagem e sua importância: a questão da presença... 169

Conclusão... 171

X. Estrutura lógica e argum ento: a fortiori, ad absurdum e ridículo... 173

O argumento jurídico... 173

O argumento contrario sensu... 173

O argumento ad absurdum... 176

O uso da ridicularização... 182

O argumento a coherentia... 184

Lei ou brechas da lei?... 187

Argumento a fortiori... 190

O córax... 194

Argumento ad hom inem ... 195

(7)

A argumentação corriqueira... 203

O argumento de senso com um... 204

Argumento de fu ga... 210

Conclusão... 213

XII. Quando a linguagem é argum ento... 215

Predisposição à argumentação... 215

Palavra... 217

Conteúdo e form a... 219

A linguagem adequada... 221

O discurso jurídico... 224

Linguagem técnica x jargão... 226

Competência lingüística e linguagem corrente 229 Carga sem ântica... 232

Expressões latinas e brocardos jurídicos... 233

Conclusão... 235

XIII. Honestidade da argumentação e ordem dos argu m entos... 237

Honestidade e falácia... 237

Ordem dos argumentos... 243

Momentos principais da argumentação... 245

Criando argumentos... 250

Argumentar ou mostrar erudição?... 253

Conclusão... 254

XIV. Espaço da argumentação jurídica: sentença e teses su bsid iárias... 255

Sentença como espaço argumentativo... 255

Teses subsidiárias e efeito argumentativo... 258

Argumentar é colocar em dúvida... 259

Tese subsidiária e aceitabilidade em juízo... 262

A fundamentação do juiz: demonstrativa ou argumentativa?... 264

(8)

Discurso oral e discurso escrito... 269

Discurso oral, papel e evidência... 270

Predisposição à argumentação no discurso oral 274 Carisma e empatia: uma difícil definição... 278

Discurso parlamentar... 282

Discurso no tribunal do jú ri... 284

Conclusão... 286

XVI. Peculiaridades do texto escrito ... 287

Uma premissa: quem lê o que escrevemos?.... 288

Escrita e coesão textual... 290

Gramaticalidade e pontuação... 295

Algumas dicas de construção... 298

Escrita como fator argumentativo... 302

XVII. Argum entação, estilo e subjetividade... 303

Construir um estilo, edificar uma im agem ... 306

O segredo final: a humildade... 308

Conclusão... 310

XVIII. Argumentação e criatividade... 311

Medo de mudanças ou medo de que as coisas não m udem ?... 312 Criatividade e informação... 317 Novidade e persuasão... 322 Renovando o discurso... 325 Conclusão... 327 Bibliografia... 329

(9)

Cervantes, "De los consejos segundos que dis Don Quijote a Sancho Panza", p. 734.

(10)

Introdução

(aos professores)

Este livro foi idealizado em sala de aula. Quando veio em primeira edição, trazia a experiência de nosso trabalho na Escola Superior de Advocacia da OAB/SP. Ao notar que os alunos, todos advogados, interessavam-se muito pelo te­ ma da argumentação, acreditei que as principais lições pu­ dessem ser perfiladas em um manual.

Hoje aqui já se encontra em quarta edição, bastante re­ formulada. Tive novos aprendizados, não só pelo aprimora­ mento científico e por repensar em todas as sugestões que me foram feitas, mas principalmente por coordenar um cur­ so específico de argumentação, na graduação em Direito.

Sei que este livro tem sido adotado em muitas faculda­ des, como norte de matérias zetéticas ou como referência de construção de discurso em vários cursos ligados à área jurídica, no pós-graduação. Tenho visto de perto alguns de­ les e louvo a iniciativa de muitos professores de ministrar essa disciplina, principalmente (vá lá a modéstia) caso utili­ zem esta obra. Porém indico a todos que queiram conhecer, em especial a coordenadores de departamento, como nós, a experiência que se tem feito ao instaurar uma disciplina específica deste tema na graduação em Direito. Em outros países, como se sabe, a prática é comum.

A este autor vem a alegria de ver, recentemente, reco­ nhecida a argumentação - assim, autônoma - como fator relevante de estudo para os cursos de Direito, pelo próprio

(11)

Conselho Nacional de Educação (Resolução CES/CNE n? 09, de 27/9/04, art. 4?, inc. VI). Entendemo-nos pioneiros na instauração de um curso dessa natureza, bem como em perfilar um manual do assunto que desse a ele tratamento moderno e prático no país.

Neste livro, espera-se que tanto o professor quanto o aluno e o operador do Direito tenham uma leitura agradá­ vel, mas principalmente - como aqui nos dirigimos aos pro­ fessores - que se possa apresentar um programa, em lições diversas, que venha efetivamente a desenvolver o potencial argumentativo de cada aluno, principalmente ao que inte­ ressa em curso de graduação em Direito.

Como livro de leitura didática ou paradidática, as nor­ mas de metodologia científica certamente não se encon­ tram rígidas. As anotações de rodapé são incluídas apenas nos momentos mais decisivos, em que foi necessário um argumento de autoridade, ou para fazer complementações e remissões que, por coerência, não couberam no corpo do texto.

Aos professores que utilizam a obra, em primeiro lugar os agradecimentos pelas considerações que são feitas a res­ peito dela. Depois, o conselho - talvez evidente - de que o curso de argumentação siga metodologia de ensino aberta e interdisciplinar. Nossos exemplos, aqui, muitas vezes abor­ dam as artes, a literatura e o cinema para servir de apoio à intelecção e estímulo ao diálogo com os demais tipos de lin­ guagem, em que está alicerçada a tese fundamental do livro e do curso: a de que o operador do Direito é também um profissional da comunicação. As aulas, portanto, não devem ser diferentes: devem estimular o diálogo e a leitura cons­ tantes, para muito além deste manual.

Aliás, as idéias e conceitos aqui não se cristalizam e es­ tão, claro, apresentados à crítica e ao debate.

De qualquer modo, seguro é que vale implantar a dis­ ciplina de Argumentação Jurídica, como autônoma, nos cur­ sos de Direito, não apenas pelas diretrizes curriculares ora vigentes, mas por fazer parte da formação do aluno, já que,

(12)

neste mundo pós-moderno, por questões que aqui não vale aprofundar, é imprescindível fomentar o trabalho do racio­ cínio, para que não prevaleça a ilusória impressão de que o excesso de informação importa diretamente em capacidade para a construção do raciocínio.

(13)

Conheci o advogado Víctor Gabriel quando ele ainda era estudante, no Largo São Francisco. Lá, eu ministrava aulas na matéria de Técnicas de Negociação e Arbitragem e já notava seu interesse pelas técnicas de argumentação, as quais faziam parte de nosso programa curricular.

Sempre entendi serem as disciplinas de argumentação imprescindíveis ao operador do Direito, em especial ao ad­ vogado, por isso me satisfazia adentrar nesse tema, lecio­ nando na Faculdade de Direito. Vejo, agora, que aquelas au­ las renderam frutos: Víctor, hoje professor na Escola Supe­ rior de Advocacia, escritor de ficção e mestre e doutorando na mesma Faculdade de Direito, com intensa atividade leti­ va, apresenta-me para prefaciar uma interessante obra so­ bre técnicas de persuasão.

O livro não abandona a retidão científica, mas, antes de apresentar-se como uma obra caudalosa, destinada à re­ flexão acadêmica sobre a lógica informal e a lógica jurídica, é uma obra didática, que certamente contribuirá para o lei­ tor em sua atividade profissional, no desenvolvimento de suas teses, em seus discursos forenses ou em suas mono­ grafias jurídicas.

Com exemplos claros, retirados de casos famosos, da literatura ou da doutrina, o autor apresenta uma gama de lições sobre os vários tipos de argumentos, seu uso, sua pro­ priedade e, também, seus defeitos; mostra-nos que pensar

(14)

ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

sobre a argumentação é tarefa imprescindível ao bom opera­

dor do Direito, para que seu estudo jurídico possa se tornar dinâmico, vindo a operar-se com maior eficiência.

Sem dúvida, o leitor da obra perceberá que, ao terminar sua leitura, terá adquirido relevante conhecimento, que lhe permitirá lidar com a necessidade de persuadir com maior desenvoltura, ampliando vastamente a gama de recursos suasórios a sua disposição.

Trata-se de leitura extremamente recomendável aos que querem operar o Direito com competência e refletir sobre a lógica argumentativa, além de bom livro-texto para a disciplina. Mais uma mostra da capacidade e do preparo do autor.

Celso Cláudio de Hildebrand e Grisi

Professor Titular da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo Bacharel em Direito pela USP

(15)

A argumentação existente

Estudar argumentação não significa, hoje, rever discur­ sos empolados. Mas não resta dúvida de que, em sistema ju ­ rídico aberto, essa disciplina alcança campo de estudo muito maior que o para ela reservado alguns anos atrás. Por quê?

"Terias preferido limpar os estábulos de Áugias"1, afir­ mou o imperador Cláudio a Hércules, querendo provar que o herói teria preferido fazer a limpeza daqueles estábulos, o que representara um de seus doze trabalhos, a administrar a justiça e ouvir a argumentação dos advogados. Realmen­ te, fica a impressão de que a argumentação, para quem a faz ou a escuta, seja algo enfadonho, ligado aos discursos lon­ gos, empolados e capciosos de advogados e políticos, que muito falam e pouco dizem. E, a julgar pela antiguidade da citação, essa impressão não é nova.

Mas será que toda argumentação é enfadonha?

Quando se pretende tornar um tema qualquer aplicável a determinada realidade, não se pode afastar dela. Assim, se aqui se tem o anseio de, como já apresentado na Introdu­ ção, rever algumas técnicas argumentativas para colaborar com o operador do Direito na construção de seu discurso persuasivo, ou seja, na forma de tomar mais convincentes suas teses, precisamos, a princípio, saber se existe realmen­ te compatibilidade entre a teoria e a prática, se o mundo real demanda ou ao menos aceita as técnicas argumentativas a serem desenvolvidas.

1. "Maluisses cloacas Augeae purgare". In: TOSI, Renzo. Dicionário de sen­ tenças latinas e gregas, p. 747.

(16)

Em outras palavras, para dar continuidade à questão anterior, procuremos apresentar a resposta a esta pergun­ ta: para o operador do Direito atual é importante bem ar­ gumentar?

A resposta não é imediata. A experiência na atividade forense não raro tem mostrado a toda classe de operadores do Direito algo como a massificação da atividade: os advo­ gados, com demandas em excesso, algumas delas financei­ ramente pouco promissoras, utilizam-se dos recursos tec­ nológicos para reproduzir argumentações copiadas de tex­ tos já existentes, nem sempre com propriedade. Juizes, dian­ te da obrigatoriedade de dar célere desfecho às lides sob sua presidência, proferem julgados cujo relatório mal per­ mite ao leitor depreender que seu autor tenha sequer to­ mado conhecimento da extensão e dos limites do processo. Na fundamentação das decisões judiciais a praxe não al­ cança caminho diverso: a pressa em proferir a decisão e a repetição das teses levadas a juízo justificam, ao menos na aparência, discursos progressivamente sucintos ou padro­ nizados, com remissões a outros julgados como prova de legitimidade do posicionamento adotado, quando não se furtando a responder a argumentos pertinentes de ambas as partes demandantes, que merecem, na exposição do ra­ ciocínio do julgador, a demonstração do devido provimen­ to jurisdicional.

Mas esse problema não é exclusivo do discurso jurídi­ co e pode ser encontrado em todo o contexto social, que ousamos rapidamente invadir.

A linguagem se dinamiza, e, à medida que a velocidade de transporte de informações aumenta, diminui - ao menos é o que parece - o espaço para a construção do raciocínio argumentativo. Isto é observável em nosso cotidiano: su­ portes eletrônicos armazenam quantidade inimaginável de texto, um disco de leitura de computador consegue guardar mais jurisprudência que, quiçá, uma biblioteca inteira; mais que isso, todo esse teor de informações pode ser transporta­ do virtualmente pela internet, em questão de fração de se­ gundos, para o ponto mais distante do globo.

(17)

Ter à disposição um número excessivo de informações, a exemplo do mundo virtual levado a efeito pela internet, não significa, porém, maior possibilidade de construção de raciocínio. De forma paradoxal, parece que o efeito é total­ mente inverso: uma geração criada com as inúmeras infor­ mações da televisão e da internet parece - ao menos parece - cada vez menos capaz de uma construção argumentati- va competente, de elaboração de teses e raciocínios con­ vincentes.

Isto porque, nesse excesso de informações, dispensa­ mos cada vez menos atenção aos raciocínios mais comple­ xos. O fluxo informativo é tão caudaloso que qualquer com­ binação entre enunciados mais intrincados, ao menos nas matérias humanas, parece ser de menor importância, dis­ pensável. Não há tempo de compreendê-lo, quanto mais de elaborá-lo. A velocidade de produção e absorção de in­ formações não permite reflexão aprofundada.

Tomemos por exemplo um jornal impresso qualquer, desses de grande circulação nacional. Um periódico mo­ derno tem várias seções: empregos, internacional, cultura, informática, imóveis, tecnologia, caderno rural, cada qual com sua miríade de informações, produzidas por agências de notícias espalhadas pelo mundo. São tantas as informa­ ções disponíveis ao alcance da redação do jornal que fica difícil selecionar o que irá ser publicado. Nesse contexto, as notícias, porque várias, assumem tamanhos menores, sen­ do raras as reflexões, as opiniões aprofundadas a respeito de cada uma delas, salvo em uma ou outra página de edito­ rial ou em um destaque especial. O periódico que trouxer notícias muito longas, procurando conduzir seus leitores a uma reflexão mais aprofundada, pode ver surgir contra si um efeito deletério: dispondo de pouco tempo para absorver in­ formações, os leitores elegem o jornal concorrente, que lhes fornece conteúdo parecido, exigindo menor leitura.

Pior ainda ocorre com um jornal televisivo, que conta com minutos e segundos cronometrados para apresentar um denso, ou melhor, um extenso conteúdo informativo: suas

(18)

notícias serão compactadas ao extremo, e procurar-se-á asi­ lo nas imagens para complementar a linguagem telegráfica que o compõe.

Tudo isso não é novidade, apenas ilustração: queremos velocidade na comunicação porque temos pouco tempo dis­ ponível para qualquer atividade, principalmente as secun­ dárias. Maximizar produção, otimizar o tempo, aplicar a reengenharia das atividades são máximas do discurso da Administração de Empresas, que convergem para um úni­ co ponto: a necessidade de cortar excessos, de concentrar informações, de não se estender em raciocínios que não se­ jam, antes de tudo, produtivos. Daí, no contexto empresarial, a comunicação sempre direta, as mensagens curtas, as reu­ niões céleres, a tecnologia fazendo por si só tudo quanto lhe for possível.

Quando voltamos à área jurídica - percebe-se - a reali­ dade não é em nada diversa, seguindo essa mesma tendên­ cia: as petições são feitas com forçosa rapidez, muitas vezes recheadas de julgados de pertinência discutível, mas a que se tem fácil acesso. O trabalho argumentativo afigura-se menos compensador porque surte resultados progressiva­ mente menores: na medida em que os juizes não se persua­ dem com a leitura, o tempo de redação de um texto suasório ou o tempo de preparação de um discurso para convenci­ mento, na reengenharia moderna, pode ser mais bem utili­ zado na realização de uma audiência, na apreciação de ou­ tro processo, em outra reunião em que se cuide de maior valor econômico etc.

É aí que a argumentação parece perder espaço na ativi­ dade do advogado e, conseqüentemente, dos demais ope­ radores do Direito. A produção exige fins e não meios, e a re­ tórica do advogado aparece como exemplo mais corriqueiro de um meio pouco adequado ao fim perseguido, o resultado interessante ao cliente.

Será possível, realmente, encarar hoje a argumentação dessa maneira? Para se falar bem claro, é possível crer que, para o advogado de hoje, é necessário mais o conhecimen­

(19)

to jurídico propriamente dito e menos a retórica, a argu­ mentação? E a teoria da argumentação seria algo do passa­

do, daqueles advogados antigos que gostavam de discursos

longos e monótonos, que seriam totalmente inadequados ao ritmo da advocacia moderna? A argumentação é coisa do passado?

Manuel Atienza, na introdução de seu trabalho As ra­

zões do direito2, traz como premissa a seguinte afirmação:

Ninguém duvida que prática do Direito consista, fun­ dam entalm ente, em argumentar, e todos costum am os co n ­ vir em que a qualidade que m elhor define o que se entende por um "b om jurista" talvez seja a sua capacidade de con s­ truir argumentos e m anejá-los com facilidade.

A premissa é agradável e precisa a todos os estudiosos, mas nossa humilde experiência em sala de aula tem de­ monstrado que a idéia de capacidade argumentativa como qualidade principal do jurista não tem sido aceita de forma tão unânime como observa o autor. Visões imediatistas ou reducionistas do Direito, observadas do prisma mercadoló­ gico, por vezes trazem a ilusão de que a argumentação seja atividade de menor importância para o advogado, como es­ tudo, por assim dizer, antiprodutivo. Daí a necessidade des­ tas informações iniciais, dando conta de que a argumenta­ ção é trabalho importante de todo operador do Direito, por mais grave que seja sua demanda por produção.

Vamos responder negativamente. A argumentação é tão imprescindível ao operador do Direito quanto o conhe­ cimento jurídico. Como atividade provinda do raciocínio humano, o Direito não se articula por si só, daí porque so­ mente pode ser aplicado através de argumentos. São os ar­ gumentos os caminhos, os trilhos da articulação e da apli­ cação do Direito.

No Direito, nada se faz sem explicação. Não se formu­ la um pedido a um juiz sem que se explique o porquê dele,

(20)

caso contrário diz-se que o pedido é desarrazoado. Da mes­ ma forma, nenhum juiz pode proferir uma decisão sem ex­ plicar os motivos dela, e para isso constrói raciocínio argu- mentativo.

Sem argumentação, o Direito é inerte e inoperante, pois fica paralisado nas letras da lei, no papel. A partir do momento em que se exercita o Direito - e é essa a função de todo profissional que nessa área atua - , a argumentação passa a ser imprescindível. Ela surge de várias fontes: da doutrina dos professores que interpretam e analisam o or­ denamento jurídico, das peças dos advogados que articu­ lam teses para adequar seu caso concreto a um ou a outro cânone da lei, da decisão dos juizes que justificam a adoção de determinado resultado para um caso concreto.

Argumentação é instrumento de trabalho do próprio Direito, e então é objeto de previsão legal. Quando a Cons­ tituição fala em fundamentos da decisão legal, evidentemen­ te está se referindo aos argumentos formulados pelo Poder Judiciário (embora ainda façamos alguma distinção entre fundamentação e argumentação propriamente dita, mas com princípios muito próximos). Quando determinado re­ curso cuida a respeito das razões, pede os argumentos que o sustentam, caso contrário será inoperante.

Os argumentos são também a própria essência do ra­ ciocínio jurídico. A teoria do Direito somente é aceita na m e­ dida em que bons argumentos a sustentem, e também só pode ser aplicada a um caso concreto se outros argumentos demonstrarem a coerência entre estes e a teoria.

Nesse contexto, quem mais argumenta, melhor opera o Direito, melhor o aplica.

O conhecimento jurídico propriamente dito represen­ ta, então, uma série de informações que se encontram à dis­ posição do argumentante, mas elas por si mesmas não ga­ rantem a capacidade de persuasão. Informações puras não se combinam, não fazem ninguém chegar a conclusão al­ guma, a não ser que sejam intencionalmente dirigidas, arti­ culadas para convencer alguém a respeito de algo.

(21)

Por exemplo: uma folha de antecedentes criminais do réu juntada aos autos de um processo constitui uma infor­

mação, assim como um livro de doutrina jurídica representa

também um conteúdo informativo denso em relação a um caso concreto que se pretenda defender. Eles não têm fun­ ção autônoma para alterar o resultado de um processo judi­ cial qualquer, a não ser que sejam invocados como razão, intencionalmente, por um trabalho de raciocínio: a folha de antecedentes, revelando primariedade do acusado, pode convencer um juiz a aplicar-lhe uma pena no mínimo legal, assim como a citação de um trecho do livro de doutrina ju ­ rídica pode convencer a respeito de determinada tese, expli­ cada e defendida por uma reconhecida autoridade no cam­ po do Direito. Em ambos os casos, à informação foi aplica­ do um raciocínio argumentativo, e somente a partir disso ela passou a surtir um efeito prático.

Assim, a argumentação é a própria prática do Direito, é como ele se opera, principalmente nas lides forenses. En­ gana-se quem pensa que apenas o conhecimento jurídico interessa ao operador do Direito, pois este representa con­ teúdo essencialmente informativo.

Por isso, voltando à nossa primeira questão formulada, pode-se dizer que nem toda argumentação é enfadonha, pois assim o próprio Direito o seria. A argumentação é a prática e a dinâmica da operação do Direito, o que nele há de mais ágil e concreto. E vale estudá-la como meio de aprimoramento da atividade jurídica como um todo. Toda­ via, quem pensa em construção argumentativa como aque­ le discurso retórico complexo, gongórico, e no estudo da argumentação com reiterada referência a escolas clássicas, pode-se supreender com o estilo deste livro. O que faremos será constituir um estudo com método que efetivamente contribua para a atividade do operador do Direito, de for­ ma que enriqueça sua enunciação argumentativa e tenha parâmetros e exemplos suficientes para conhecer a boa ar­ gumentação e assim poder aplicá-la ao conjugar-se com seu conhecimento jurídico em busca de um resultado pretendi­ do. Basta conhecer os métodos.

(22)

Um mínimo escorço histórico

O estudo da argumentação data de antes de Cristo, e sua evolução na Antiguidade pode merecer análise apro­ fundada para aquele que aprecie a matéria. Porém aqui pre­ ferimos não nos prolongar nesse percurso histórico, apenas naquilo que se faz essencial para realçar a importância do estudo desta nossa matéria no Direito atual.

É porque recentemente passaram a existir trabalhos pioneiros de inserção da disciplina de argumentação nas faculdades de Direito brasileiras e, sem falsa modéstia, te­ mos atualmente a honra de participar e dirigir tal matéria em instituições que se preocupam muito com a formação aca­ dêmica integral de seus alunos, que ora nos ocupamos em demonstrar como o estudo dessa disciplina bem se aplica ao Direito. Mas foi no início de 1970 que um filósofo do Di­ reito, e também lingüista, Chaím Perelman (autor, dentre outras obras, do Tratado da argumentação: a nova retórica, já com edição brasileira pela Martins Fontes, 1996) inseriu o curso de argumentação na Universidade de Bruxelas. Por isso, recorremos a ele para discorrer uns poucos parágrafos a respeito da pertinência deste estudo, e desta disciplina, na visão atual que se tem do Direito, ainda que incorramos em certo reducionismo, ou seja, na falta de consideração de alguns fatores muito importantes no assunto.

O autor nota que, durante séculos, o papel da argu­ mentação no Direito era secundário porque as decisões ju ­ diciais não necessitavam ser fundamentadas. O juiz, que deveria buscar antes de tudo o "justo", tinha fontes do Di­ reito não muito claras e não raro confundia - porque assim o era - os preceitos jurídicos com critérios morais e religio­ sos. O Direito restringia-se quase à atribuição de certos ór­ gãos para legislar e outros para aplicar a lei. Sem a necessi­ dade de fundamentação específica dos julgados, de persua­ são racional, era natural que o papel da argumentação e de seu estudo fosse alijado a segundo plano, ainda que valores e maior subjetividade fossem elastério para a aplicação de

(23)

elementos de persuasão. Pense-se, por exemplo, no abso- lutismo monárquico, em que o rei intervinha nas decisões judiciais e raramente se encontravam sentenças com gran­ des fundamentos, somente uma sucinta exposição de con­ texto probatório.

Por isso Perelman elege a Revolução Francesa como marco importante para a diferenciação de todo esse con­ texto. De fato, o advento da separação de poderes, as leis es­ critas e a obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais trouxeram à tona a necessidade da construção do discurso, dos processos escritos, da racionalização do pro­ cesso de construção do Direito. Depois de muito tempo de arbitrariedade, a Revolução Francesa marca como maior va­ lor jurídico a segurança e a igualdade, ali entendidos como conformidade da decisão com a lei prévia. O juiz submete- se à letra da lei, e é isso o que mais há de relevante em sua atividade: a racionalização como fuga ao subjetivismo e aos privilégios.

E em todo esse contexto misturam-se as idéias de Dar- win, determinando uma origem genética para a raça huma­ na em evolução de espécies, Freud dizendo que pode inter­ pretar sonhos e descobrir a origem para as personalidades, seguidores de enciclopedistas opondo-se à fé e recontando a história, e assim a cultura como um todo aproxima-se do auge do empirismo, da impressão de que, grosso modo, to­ dos os fenômenos podem ser explicados no laboratório. E enquanto o mundo vive o fascínio, como ilustra o persona­ gem Brás Cubas, da "pura fé dos olhos pretos e das consti­ tuições escritas", quando passa "fazendo romantismo prá­ tico e liberalismo teórico", no campo das ciências humanas floresce o positivismo de Comte, refratado no Direito por pensadores como Duguit e Hans Kelsen. O Direito afasta- se definitivamente do jusnaturalismo, da crença de que exis­ tam valores superiores às leis postas e, assim, procura siste­ matizar sua atividade com o raciocínio e o cálculo quase cartesiano em sua aplicação. Evolução louvável, mas que parece trazer à argumentação, à linguagem natural e às téc­

(24)

ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA

nicas de persuasão menor valor, porque afastados da exati­ dão que demandava o raciocínio jurídico àquele tempo, im ­ pregnado de concepções naturalistas.

Porém a crença nos valores exatos e deterministas che­ ga a tal ponto que um tirano calcula que consegue desen­ volver empiricamente uma raça naturalmente superior no mundo, a ariana. Tal superioridade física justificaria, de for­ ma empírica, a dominação e o possível extermínio das raças inferiores. Assim, a Segunda Grande Guerra chegou a ex­ tremos de quase conduzir a humanidade à extinção. Ao mesmo tempo, o ser humano observa a matemática e a en­ genharia, que construiu máquinas absolutamente moder­ nas, que tanto eram admiradas, incrementar o instrumental bélico e transformar-se em potencial de morte e extermí­ nio. Mais ou menos por esse percurso é que Perelman ele­ ge o processo de Nuremberg como marco de uma nova vi­ são na filosofia do Direito, quando demonstrou que um Es­ tado poderia ser criminoso. Em outras palavras, ainda que juridicamente posto, o Estado poderia ser tremendamente injusto. E cruel.

Entre a Revolução Francesa e o processo de Nuremberg o que se viu foi a valorização do aspecto absolutamente for­ mal e sistemático do raciocínio judiciário, embora atualmente este entendimento seja tido como parcialmente superado. É que se percebe que trabalhar com valores sociais, com ex­ pectativas e com conceitos mais amplos, ou confusos, como justiça e igualdade, também é tarefa do Direito como maté­ ria humana. Nas palavras de Perelman, "faz algumas déca­ das que assistimos a uma reação que, sem chegar a ser um retorno ao Direito natural, ao modo próprio dos séculos XVII e XVIII, ainda assim confia ao juiz a missão de buscar, para cada litígio particular, uma solução eqüitativa e razoável, pe- dindo-lhe ao mesmo tempo que permaneça, para consegui- lo, dentro dos limites autorizados por seu sistema de Direito". O Direito como processo absolutamente empírico e na­ turalista está superado. As mais diversas áreas de seu estu­ do estão progredindo cada vez mais para acrescentar valo­

(25)

res e possibilidade de argumentação em cada processo e até mesmo conceito da ciência jurídica. Os conceitos têm-se flexibilizado para poder trabalhar paradigmas humanos e acrescentar carga valorativa a seu processo de aplicação.

Nesse sentido, o ordenamento jurídico não mais signi­ fica verdade absoluta de um sistema fechado, até porque, como veremos, algumas características suas, indeclináveis, impedem-no de contar com essa exatidão. Encarar o Direi­ to como sistema aberto, que permite a analogia, a compa­ ração, a absorção de características próprias da sociedade cultural implica dar maior relevo à atividade argumentati- va, que demonstra, entre as várias soluções possíveis para uma lide, uma mais razoável. Assim, o ordenamento jurídi­ co não é posto de lado, mas encarado como fator orienta­ dor e limitador de uma atividade argumentativa que se ini­ cia com aquele que pleiteia a aplicação da norma e termi­ na com aquele que a decide, todos em um grande processo comunicativo.

E a tendência à abertura da hermenêutica do sistema jurídico tem feito desta matéria, a argumentação, algo acei­ to e cada vez mais aprofundado nas faculdades de Direito, o que é bastante proveitoso.

(26)

O argumento

Para compreender a argumentação deve-se abandonar o conceito binário de certo/errado. No Direito concorrem te­ ses diferentes, e não necessariamente existe uma verdadeira e outra falsa. O que existe é, no momento da decisão, uma tese mais convincente que as demais.

Vimos que a argumentação é necessária àquele que tra­ balha com o Direito, pois o conhecimento jurídico desen­ volve-se por meio de argumentos.

Mas o que são os argumentos? Sem nenhuma dúvida, definir o argumento de um modo bastante simples terá para nós efeito prático.

Acompanhemos, então, essa definição.

Os três tipos de discurso

Argumentar é a arte de procurar, em situação comuni­ cativa, os meios de persuasão disponíveis.

A argumentação processa-se por meio do discurso, ou seja, por palavras que se encadeiam, formando um todo coeso e cheio de sentido, que produz um efeito racional no ouvinte. Quanto mais coeso e coerente for o discurso, maior será sua capacidade de adesão à mente do ouvinte, por­ quanto este o absorverá com facilidade, deixando transpa­ recer menores lacunas.

Desde Aristóteles, adota-se uma divisão tripartite en ­ tre os tipos de discurso. O critério de diferenciação entre eles é o auditório a que se dirige, ou seja, quem são os destinatá­ rios finais das mensagens transmitidas pelo discurso. Para cada tipo de auditório, uma maneira distinta de compor o texto que lhe será levado a conhecimento.

(27)

Pode-se citar Aristóteles:

São três os gêneros da retórica, do m esm o m odo que três são as categorias de ouvintes dos discursos. Com efeito, um discurso com porta três elem entos: a pessoa que fala, o assunto de que se fala e a pessoa a quem se fala. O fim do discurso refere-se a esta última, que eu cham o o ouvinte. O ouvinte é, necessariam ente, um espectador ou um juiz. Se exerce a função de juiz, terá de se pronunciar ou sobre o p as­ sado ou sobre o futuro. Aquele que tem de decidir sobre o futuro é, por exemplo, o m em bro da assem bléia. O que tem de se pronunciar sobre o passado é, por exemplo, o juiz pro­ priam ente dito. Aquele que só tem que se pronunciar sobre a faculdade oratória é o espectador.1

São os tipos de discurso em Aristóteles:

a) O discurso deliberativo é aquele cujo auditório é uma

assembléia tal qual um senado - atual ou da Grécia

antiga. A assembléia é chamada a decidir questões

futuras: um projeto, uma lei que deverá ser aplicada,

o direcionamento de um ou outro plano para se atin­ gir uma meta. Enfim, questões políticas, em que se discute o que é útil, conveniente ou adequado. b) O discurso judiciário é aquele que se dirige a um juiz

ou a um tribunal. Nele decidem-se questões que di­ zem respeito ao tempo pretérito. Tudo o que está do­ cumentado em um processo qualquer são, evidente­ mente, questões do passado, ainda que possam tra­ zer como resultado eventos futuros. Tais fatos pas­ sam por um esclarecimento, para que se comprove sua ocorrência de determinada forma, e depois vão a julgamento, quando são atingidos por um juízo de valor, para que se lhes aplique determinada con ­ seqüência.

Para Aristóteles, o discurso judiciário pode ser a acusação ou a defesa. E esse o tipo de discurso que

(28)

aqui mais nos interessa, na medida em que nos pro­ pomos a tratar da argumentação jurídica,

c) O discurso epidíctico ou demonstrativo é aquele co­ locado a uma platéia para louvar ou censurar deter­ minada pessoa ou fato, não se interagindo com o ou­ vinte a ponto de este necessitar tomar posição sobre o que lhe é relatado. Esse é o tipo de discurso, por exemplo, dos comícios políticos atuais, a que com­ parecem apenas os eleitores daquele a quem cabe a fala principal, diante de uma enorme platéia, enalte­ cendo seus próprios predicados.

Mesmo no discurso demonstrativo, em que não existe contraditório, está presente a arte retórica, de valorizar os pontos favoráveis àquele que fala. Por exemplo, é porque em um comício político um candidato não encontra, em número relevante, opositores a quem discursar que sua fala pode deixar de trilhar um caminho argumentativo que leve à adesão de seus ouvintes às idéias que são momentanea­ mente proferidas.

Veja-se que curioso o trecho de Arte retórica, de Aristó­ teles, intitulado "Habilidade em louvar o que não merece louvor":

Convém igualm ente utilizar os traços vizinhos daque­ les que realm ente existem num indivíduo, a fim de os con ­ fundir de algum modo, tendo em mira o elogio ou a censura; por exemplo, do hom em cauteloso, dir-se-á que é reservado e calculista; do insensato, que é honrado; daquele que não reage a coisa alguma, que é de caráter fácil [...]. Importa igualm ente ter em conta as pessoas diante das quais se faz o elogio, pois, com o diz Sócrates, não custa louvar os atenien­ ses na presença de atenienses.2

O que têm em comum os três tipos de discurso vistos? A resposta é simples: todos procuram convencer. Ainda no

(29)

discurso demonstrativo, cuja única finalidade é enaltecer ou criticar determinada pessoa ou atitude, procura-se conven­ cer os ouvintes a respeito daquilo que se fala: que determi­ nada pessoa é importante, que só tem qualidades etc.

Mas a platéia que temos, quando nos voltamos à ativi­ dade principal do operador do Direito, é o juiz ou tribunal, e, se o Poder Judiciário existe para pacificar contendas, tem- se duas partes debatendo. Quando se argumenta nas ativida­ des forenses, na acusação ou na defesa, não se tem como fim principal a deliberação ou o elogio, mas sim a vitória em uma controvérsia.

E a idéia de controvérsia nos conduz a alguns outros comentários um tanto pertinentes. Como a disputa é con­ dição do discurso judiciário, este reveste-se de qualidades que lhe são peculiares, que vale compreender.

A disputa entre dois certos

Participar do discurso judiciário é envolver-se em uma demanda, em uma disputa entre partes. Cada uma das par­ tes, como bem se sabe, procura obter para si o melhor re­ sultado: a sentença e o acórdão favorável. Para isso, têm de fazer vingar uma tese, que envolve questões relativas à pro­ va dos fatos alegados e à incidência de determinado insti­ tuto ou conseqüência previstos por lei, para que se aplique o Direito ao efetivo caso concreto. Por isso as partes se di- gladiam, afinal, seria desnecessário um juiz se não houves­ se controvérsia: poderia ser fechado um acordo de vontades, tal qual ocorre na assinatura de um contrato. Mas não é as­ sim, naturalmente: cada uma das partes, quando se socorre do Poder Judiciário, entende estar com a razão, às vezes lançando sobre a realidade um olhar por demais compro­ metido com seus próprios interesses. Na justiça criminal assim também ocorre, pois, ainda que um réu venha a re­ conhecer seu erro pelo cometimento de um delito, sempre entenderá merecer reprimenda mais leve que a que seu per- secutor lhe deseja.

(30)

No Direito, quando se fala em disputa havida por meio da argumentação, surge, primariamente, sempre a idéia do

justo. Se duas partes debatem, é natural que se entenda que

ao menos uma delas não deva estar com a razão, não seja acobertada pelo Direito, pois não é possível que duas idéias contrárias estejam certas.

Sob tal ótica, a argumentação ou a retórica seriam um instrumento de fazer com que aquele que não tem razão se valha de artifícios formais para enganar o julgador3. Quem nunca viu um advogado ser chamado de velhaco porque disfarça a verdade através de truques, de falácias em seu discurso?

Essa idéia não é rara, mas bastante tragicômica. Em um evidente prejulgamento, entende-se a argumentação como um debate entre um certo e um errado. Ora, se duas teses são conflitantes, uma é correta, outra não, e a disputa da argu­ mentação somente viria a revelar quem é essa parte que procura fazer uma comprovação impossível. Assim, o de­ bate argumentativo poderia ser comparado àquelas ima­ gens dos desenhos animados: a personalidade do protago­ nista divide-se em dois pólos diferentes: à esquerda, sua imagem travestida de demônio o tenta a uma atitude eviden­ temente má, enquanto a mesma figura, travestida de anjo, tenta dissuadi-lo, mostrando-lhe o caminho do bem. Fácil sa­ ber quem tem a razão, qual o melhor caminho, apenas de­ cidindo-se procurar a forma angelical.

Alguns tentam ver as lides processuais com a mesma obviedade que o jocoso discurso entre o anjo e o demônio, afirmando fazer uso do conceito de justiça. A disputa argu- mentativa seria uma lide em que se daria a oportunidade de retirar o véu que encobre a divisão entre o justo e o in­ justo: aquele que tem o direito e a justiça a seu lado reforça sua razão, mostrando, por meio de argumentos, que seu ra­ ciocínio é o único correto porque decorre de premissas vá­

3. "Fada, non verba" - Fatos, não palavras! Frase latina que indica que a

(31)

lidas. Qualquer comportamento está em acordo ou em de­ sacordo com o Direito e, portanto, se existe alguma diver­ gência entre duas partes, somente uma delas pode estar agasalhada pelo direito e/ou pela justiça.

Veja-se como Kelsen, cuja lição sempre constitui uma aula de raciocínio, defende, ao analisar a justiça no concei­ to de Aristóteles, a idéia de que dos fatos somente se pode fazer dois juízos: adequados ou inadequados ao ordena­ mento jurídico:

A afirm ação de que uma virtude é o m eio entre um v í­ cio de deficiência e um vício de excesso, com o entre algo que é pouco e algo que é muito, implica a idéia de que a re ­ lação entre virtude e vício é um a relação de graus. Mas, com o a virtude consiste na conform idade, e o vício na não- conform idade de um a conduta a uma norm a moral, a rela­ ção entre a virtude e o vício não pode ser um a relação de graus diferentes. Pois, no que diz respeito à conform idade ou à não-conform idade, não há graus possíveis. U m a co n ­ duta não pode ser muito ou pouco, só pode ser conform e ou não conform e um a norm a (moral ou jurídica); só pode co n ­ tradizer ou não contradizer uma norma. Se pressupom os a norm a: os hom ens não devem m entir, ou - expresso positi­ vam ente - os hom ens devem dizer a verdade, um a afirm a­ ção definida feita por um hom em é verdade ou não é verda­ de, é m entira ou não é m entira. Se for verdade, a conduta do hom em estará em conform idade com a norm a; se for uma m entira, a conduta do hom em estará em contradição com a norm a.1

O ordenamento jurídico prescreve modelos de condu­ tas e sanções àquelas que aparecem em desacordo com a norma. Dele surgem problemas intrínsecos, como a hierar­ quia entre as normas, as antinomias e as lacunas. Daí a ne­ cessidade do discurso judiciário, que pode ser caracterizado como aquele que procura comprovar a conformidade ou o

(32)

afastamento das condutas humanas às prescrições jurídi­ cas. Mas isso não importa em dizer que, sempre que duas partes se encontram em litígio, uma necessariamente de­ fende uma conduta justa ou legal e a outra está afastada da norma jurídica, ou longe da justiça.

Vale a pena ler o texto abaixo, adaptado do filme Um

violinista no telhado5, em que o protagonista, Tevie, escuta a

discussão entre Perchik e outro aldeão, ambos contrapon­ do-se em suas opiniões:

Perchik - A vida é mais do que conversa. Deviam saber o que acontece com o m undo lá fora.

Aldeão - Por que esquentar a cabeça com o mundo? Q ue o m undo esquente a própria cabeça!

Tevie (apontando para o aldeão) - Ele tem razão. O Livro Sagrado diz: "Cuspindo para o alto, cairá em você."

Perchik - Não pode fechar os olhos para o que passa no mundo.

Tevie (apontando para Perchik) - Ele tem razão.

Avram - Um e outro têm razão? A m bos ao m esm o tempo não podem estar certos.

Tevie - Você tam bém tem razão. (Risos.)

Em obra de qualidade, como o citado filme, é evidente o teor ilustrativo de cada diálogo. O personagem Avram faz, no trecho recortado, observação final que pode ser tra­ duzida como: se dois personagens discutem e argumentam em teses antagônicas, ambos não podem estar certos! O pensamento do personagem rechaça a idéia de dois discor­ dantes ao mesmo tempo terem razão, porque aceitá-la se­ ria assentir com a impossível idéia de que duas verdades

opostas coexistam.

Quantas dificuldades isso pode trazer! Imaginemos um juiz que prolate uma sentença dizendo que as teses de am­ bas as partes estão corretas; forçosamente nenhum litígio

(33)

seria resolvido, porque é impossível uma conclusão como essa. Uma das teses deve estar errada.

De fato, duas verdades opostas não coexistem. Ou uma conduta é contrária à lei ou não é, pois não se pode ser

meio contrário à lei, como já visto. Quer dizer, é até possível

que uma conduta seja permitida por uma norma jurídica e proibida por outra, mas aí entraríamos em conflito de nor­ mas, que não é nosso assunto aqui. O que de fato se tem é que um juiz não pode aceitar duas teses opostas como ver­ dadeiras, porque nesse caso seu julgamento seria inócuo, motivo pelo qual aponta como verdadeira apenas uma das teses, aquela vencedora em seu julgamento, em sua decisão.

Mas se duas verdades opostas não podem coexistir, duas argumentações opostas não significam necessariamen­ te que alguma delas seja incorreta.

Como isso pode acontecer?

Argumento e verdade

A argumentação não se confunde com a lógica formal, não sendo então equivalente à demonstração analítica, ab­ soluta, como acontece, por exemplo, em uma equação ma­ temática.

Em uma equação matemática verdadeira, somente se admite um resultado, fixando-se as variáveis. Sua resolução, passada em uma demonstração analítica, quaisquer que se­ jam os métodos válidos pelos quais ocorra, sempre chegará a um mesmo resultado.

Imaginemos dois matemáticos discutindo o resultado de uma equação bastante complexa. Cada um deles utiliza um método de resolução, mas chegam a resultados dife­ rentes: o matemático A demonstra que a proposição resul­ ta em 350, enquanto o B demonstra que ela, em vez disso, traz forçosamente o resultado de 700. O que se deduz des­ se contexto? Evidentemente, um dos matemáticos, A ou B,

(34)

O matemático lida com números, e estes representam, antes de tudo, exatidão. Na matemática ou em outras ciên­ cias exatas não existem opiniões ou posicionamentos, porque os números não o permitem. São linguagem artificial. Mas é um erro tentar aplicar ao Direito essa mesma premissa.

Quem argumenta não trabalha com a exatidão numéri­ ca, por isso se afasta do conceito binário de verdadeiro/falso,

sim/não. Quem argumenta trabalha com o aparentemente ver­ dadeiro, com o talvez seja assim, com aquilo que é provável. E

diante dessa carga de probabilidade com a qual se opera que surge a possibilidade de argumentos combinados comporem teses totalmente diversas, sem que se possa dizer que uma de­ las esteja certa ou errada, mas apenas podendo-se afirmar que uma delas seja mais ou menos convincente.

Vejamos um exemplo:

Conta-se que, em um plenário do júri, um promotor exibia aos jurados as provas processuais. Procurava, por­ tanto, na prática de um discurso judiciário, convencer os ju ­ rados a respeito de sua tese. Mostrava a eles, com muita pro­ priedade - argumentando - , que o laudo elaborado pela po­ licia técnica concluía que havia 99% de chance de que o projétil encontrado no corpo da vítima fatal houvesse sido disparado pelo revólver de propriedade do réu. Queria di­ zer o acusador que o réu não poderia, diante daquela prova concreta, negar a autoria do crime.

Diante de tal fortíssimo argumento, a probabilidade matemática, o defensor, em tréplica, formulou aos jurados a seguinte pergunta retórica: "Suponhamos que eu tivesse um pequeno pote com cem balinhas de hortelã. E que eu, então, pegasse uma delas, tirasse do papel celofane que a envolve e, dentro dela, injetasse uma dose letal de um ve­ neno qualquer. Em seguida, que eu embrulhasse novamen­ te o caramelo letal, colocasse dentro do pote com outras 99 balinhas idênticas e misturasse todas. Teria algum dos jura­ dos coragem de tirar do pote um caramelo qualquer, desem­ brulhá-lo e saboreá-lo? Certamente que não. Pois, se nin­ guém se arrisca à morte ainda que haja 99% de chance de

(35)

apenas se saborear um caramelo de hortelã, ninguém pode condenar o acusado, ainda que haja 99% de chance de ha­ ver disparado sua arma contra a vítima!"

Conta-se que, lançando mão desse argumento, o de­ fensor conseguiu a absolvição de seu cliente.

Analisemos o exemplo. Trata-se de um discurso em que duas partes defendiam posicionamentos contrários, cada qual com seu argumento. A acusação procurava comprovar ser o réu o autor de um crime, enquanto a defesa negava tal autoria. Daí que, quando a acusação trouxe um argumento

forte, a defesa procurou enfraquecê-lo perante os jurados.

Assim se esquematiza a argumentação:

Acusação: argumento forte, com uma prova concreta -

99 chances em 100 de que a arma que efetuara os disparos fosse a do acusado, o que o colocaria indiscutivelmente como autor do crime.

Defesa: argumento mais fraco matematicamente: uma

chance em 100 de que a arma não fosse a que efetuara os disparos. Todavia, esse 1% não autoriza a certeza, como de­ monstrou seu exemplo dos caramelos de hortelã.

Note-se que, nessa argumentação, cada qual tinha sua

parcela de razão, embora ambos procurassem comprovar

teses totalmente opostas.

Porém, ao mesmo tempo que valorizavam sua razão, ambos os argumentantes tinham sua parcela de falta de ra­

zão: ao argumento acusatório faltava revelar que realmente

existia uma probabilidade de a arma letal não ser a do acu­ sado, enquanto ao argumento de defesa faltou dizer que, apesar da falta de certeza, as probabilidades apontavam far­ tamente para a razão da acusação.

A boa argumentação consistiu, no caso concreto, em

valorizar para o ouvinte, no caso os jurados, aquilo que é

meramente provável como se verdadeiro fosse. Tanto não é ver­

dade que daquela porcentagem pertinente à criminalística

se possa inferir ser um acusado real autor de um crime (porque 99% não são 100%), quanto não é de todo verdade a conclusão que a defesa pretende inferir: a de que o teste

(36)

de balística não pode ser levado em consideração para a constituição da culpa do acusado.

Porque o processo não é matemático, mas matéria hu­ mana, não existe uma conclusão única: acusação e defesa estão, ao mesmo tempo, certas e erradas! O argumento, en­ tão, antes de ser um modo de comprovação da verdadeb, é ape­ nas um elemento lingüístico destinado à persuasão.

Argumento é elemento lingüístico porque se exterioriza por meio da linguagem. E, por isso, elemento que aparece inserto em um processo comunicativo, que deve ser o mais eficiente possível.

Argumento é destinado à persuasão porque procura fa­ zer com que o leitor creia nas premissas e na conclusão do retor, ou seja, daquele que argumenta.

Os objetivos e os meios da argumentação

Qual é o objetivo da argumentação? Quem argumenta tem, como objetivo final, fazer com que o destinatário da argumentação creia em alguma coisa, como já dissemos.

Tal idéia, no entanto, não é unânime, pois há quem afirme que o objetivo principal da argumentação vai além de levar o leitor a crer em algo, uma vez que o escopo últi­ mo do retor seria o de fazer com que o destinatário viesse a

agir da maneira como se prescreve. E a diferença é relevante.

Quem defende que argumentar é primordialmente le­ var o ouvinte a agir de maneira determinada, no discurso judiciário, tem uma visão, curiosamente, ao mesmo tempo pragmática e utópica. Pragmática - explicamos já - porque é destinada ao resultado de modo bastante imediato. Defen­

6. João Mendes Neto (Rui Barbosa e a lógica jurídica, p. 27) comenta que a verdade é a conformidade do intelecto e da coisa (conformitas intelectas et

rei). Entendemos que, para a argumentação, a definição é bastante válida, na

medida em que o intelecto somente assume a coisa como um significante, uma representação.

(37)

de, com sua parcela de razão, que o objetivo de quem argu­ menta é uma ação específica do ouvinte: o advogado que arrazoa um recurso, sustentando certa tese, intenciona que o magistrado - seu destinatário - pratique uma ação determi­ nada por ele: julgar a causa a seu favor. De nada adiantaria - defende essa corrente aparentemente pragmática - o ma­ gistrado crer nas razões do advogado argumentante, mas não agir deferindo-lhe o pedido.

Porém os defensores dessa corrente tropeçam em um elemento da realidade que não se pode ignorar, sejam eles os casos em que fogem do alcance do trabalho argumenta- tivo os motivos que ensejam a ação do ouvinte. Entre a cren­

ça do ouvinte e sua ação determinada existe um claro em

que, infelizmente, a argumentação não pode interferir. Pode-se, com bons argumentos, convencer um fuman­ te de que muito maior do que o prazer que o cigarro pro­ porciona seriam os benefícios que imediatamente lhe viriam se deixasse o vício. Ele pode vir, por meio de elementos não raros de persuasão, a crer que é necessário abandonar o ci­ garro. Mas elementos exteriores à comunicação argumen­ tativa interferem na realidade - a exemplo da necessidade química de nicotina do fumante - e podem fazer com que ele não aja da maneira como se lhe prescreve. Melhor se o fizesse, mas a argumentação não pode, por si só, garanti- lo. O fumante crê, porém não age.

Outro exemplo: um advogado defende excelentemen­ te uma tese perante o tribunal. Dos três julgadores do caso, relator e revisor não lhe dão razão, fundamentando a tese da parte contrária. O terceiro juiz, entretanto, pensando so­ bre os argumentos que lhes foram dirigidos, crê que a tese do nosso argumentante, a despeito da opinião de seus co­ legas, é a correta. Todavia, uma questão exterior à argumen­

tação se lhe coloca: se agir da maneira como prescreve o ar­

gumentante, terá de discordar de seus colegas. Isso lhe trará - pensa o magistrado - duas conseqüências desagradáveis, sendo a primeira delas o próprio fato de discordar de uma turma que há tempos é uníssona, e a segunda a necessidade

(38)

de redigir um voto, imprescindivelmente bem fundamen­ tado por dissuadir de seus colegas. O comodismo indevido assola o julgador, e ele, contrariamente a seu dever, deixa seu livre convencimento e sua independência funcional de lado, e, embora creia na tese defendida pelo argumentan- te, não age da maneira como lhe fora prescrito. Acaba por acompanhar o voto dos colegas.

Assim, para definir a argumentação não se pode apartar muito da realidade, devendo-se reconhecer que existe, en­ tre o crer e o fazer, um intervalo que a argumentação deveria alcançar, mas nem sempre o consegue, por mais eficiente que seja.

Essa idéia tem valor prático, pois todas as vezes que ar­ gumentamos precisamos ter em mente que o leitor deve ser levado a crer em algo. Fazê-lo crer na tese representa o obje­

tivo da argumentação.

E quais são os meios utilizados para esse objetivo? Para que o leitor creia na tese é necessário que ela lhe seja transmitida de forma que seu raciocínio venha aderir ao percurso transmitido pelo leitor. Nesse ponto, a atividade fo­ rense (o discurso judiciário) tem algumas peculiaridades.

Quando um renomado jogador de futebol aparece na televisão e, em um comercial, afirma utilizar determinada marca de chuteiras, não há dúvida de que ele exerce um efeito de persuasão em seus espectadores. Em um anúncio como esse existe um argumento que não está expresso, mas pode ser resumido em: se esse atleta usa tal chuteira, é porque esse calçado é o melhor de sua categoria; afinal, um jogador desse gabarito só pode usar produtos de pri­ meira linha.

Dúvidas não existem de que a figura daquele atleta re­ nomado, no comercial, funciona como uma forma de fazer

crer na qualidade do produto anunciado. A figura do joga­

dor é, então, parte de uma argumentação que dispensa um raciocínio complexo a ser transmitido, mas que ali existe sim­ ples e implícito, caso contrário o comercial não teria ne­ nhum efeito prático nas vendas do produto. Pode-se afir­

(39)

mar que, no anúncio, foram predominantes a imagem e o

conceito do jogador, sendo o raciocínio lógico um elemento

imprescindível, porém de menor importância. De qualquer modo, existiam argumentos.

Se um indivíduo vai comprar um tênis esportivo, é fá­ cil (e muito provável) que valorize imagens associadas aos ídolos dos esportes. Mas quando um juiz avalia uma tese ju ­ rídica, pouco (mas não nada)7 lhe importa a figura do argu­ mentante, mas sim o raciocínio que lhe apresentam as partes, pois é um raciocínio desse tipo, em um percurso determi­ nado, que deve refratar-se em sua sentença.

O fator de persuasão mais válido no discurso judiciário é, então, o raciocínio jurídico, seja na interpretação da lei, seja na análise das provas. Acontece que esse raciocínio não é unidi- recionado, como já explicamos, pois a lógica jurídica não é exata8. Ele depende dos argumentos para ser exteriorizado.

E, ao se fazer essa exteriorização do raciocínio, o argu­ mentante procura valorizar o que lhe é favorável, e isso se faz por meio de técnicas de argumentação.

Assim, pode-se dizer que, se o objetivo da argumenta­ ção é fazer crer em uma afirmação, seus meios são a hipertro­

fia dos elementos favoráveis, ou seja, a valorização deles.

7. Não deve causar espanto ao iniciante o fato de se afirmar que o julga­ dor é persuadido, ainda que em menor grau, por elementos externos aos pró­ prios argumentos que fazem parte do aqui chamado raciocínio jurídico. O que não se deve é retirar deste trabalho o objetivo prático, e para isso é necessário observar a realidade. Por exemplo, é impossível negar que quando se cita, para fundamentar uma peça, a doutrina de um famoso jurista, em parte se está valendo de sua imagem, tal qual faz o esportista de nosso exemplo ao anun­ ciar a marca de chuteiras.

8. Vale conhecer como o professor Alaôr Caffé Alves expõe esse tema: "Por isso, a Lógica formal jamais poderá orientar a ação dos homens. Por con­ seqüência, ela não pode ser a lógica dominante nos assuntos humanos, de­ vendo ser, a teoria da argumentação retórica, a única forma de justificar os va­ lores e os atos morais dos homens. A argumentação retórica, ao contrário da lógica simbólica ou Matemática - caracterizada por universal e, por isso, im­ pessoal, neutra e monológica - , supõe sempre o embate (dialético) de opiniões ou o confronto das ideologias e consciências no interior de situações e cir­ cunstâncias históricas determinadas e particulares" (Lógica, pensamento form al

(40)

Fazemos hipertrofias com freqüência, e elas não são mo­ nopólio do discurso jurídico. Desde a propaganda de uma famosa doçaria que diga que seus produtos propiciam sabo­

rosa energia ou doces momentos, em vez de dizer, obviamen­

te, que seus alimentos engordam demais, até um elogio a um colega de trabalho, afirmando-se que ele é muito compene­

trado em vez de lento em suas funções. Evidentemente, a

argumentação jurídica desenvolve-se por meios mais com­ plexos, mas de mesma natureza: a valorização dos aspectos favoráveis à tese defendida.

O advogado que defende uma tese em juízo procura um percurso argumentativo eficiente naquilo que é mais persuasivo a seu leitor: o raciocínio jurídico válido.

Fortalecer o raciocínio jurídico válido é a tarefa de quem procura chegar a um resultado efetivo.

Características da argumentação

Visto o que se entende por argumento e os meios da argumentação, cabe sistematizá-los em algumas breves ca­ racterísticas, que serão retomadas com maior profundidade no decorrer dos capítulos posteriores.

A argumentação diferencia-se da mera demonstração porque tem o ouvinte, o interlocutor como alvo. A demons­ tração é absolutamente impessoal e, exagerando, poderia ser realizada por uma máquina, como já foi aqui afirmado, tal qual o computador resolve qualquer equação matemáti­ ca. E, assim, axiomática e segue um percurso definido por sistemas formais de raciocínio.

Para que possa haver um raciocínio demonstrativo for­ mal, em sistema fechado, como aponta Olivier Reboul, é ne­ cessário que coexistam três condições: a) que não haja am­ bigüidades na significação dos signos - por isso a matemá­ tica se utiliza de uma linguagem artificial (o número um, o zero, o dois... são meros conceitos); b) o sistema deve ser coerente - não se pode afirmar dentro dele sua proposição e

(41)

negação: assim os sistemas de raciocínio formal progridem de modo único e não encontram contradições e quebra de coerência; c) o sistema deve ser completo - vale dizer que para cada proposição formada em um sistema deve-se ter condições de demonstrar sua verdade ou falsidade. Em ou­ tras palavras, cada proposição feita no sistema axiomático deve trazer uma resposta única, um resultado inequívoco e não pode haver proposições, se aceitas pelo sistema, que não encontrem resultado seguro.

Todas essas características de um sistema formal em muito se afastam de nosso esquema argumentativo. A ar­ gumentação traz, ainda aproveitando-nos de Reboul, cinco características que devemos compreender, para aprofundá- las em momentos seguintes do nosso estudo. São elas:

a) A argumentação dirige-se a um auditório.

Sempre argumentamos para alguém, diante de alguém. Os argumentos e a progressão do discurso devem variar de acordo com aquele a quem este é direcionado. Tal caracte­ rística é objeto de nosso estudo, principalmente quando tratarmos a intertextualida.de.

b) Utiliza-se de língua natural.

Ponto muito importante. Quando argumentamos, uti- lizamo-nos da mesma linguagem com que nos comuni­ camos no dia-a-dia. E isso sujeita a construção argumen- tativa a diversas regras, que são as mesmas da comunica­ ção em geral. Se, por um lado, a língua natural dificulta o trato com os argumentos, já que eles não podem vir dis­ sociados de uma enunciaçâo, por outro confere-lhes uma série infindável de recursos: o trato com a palavra. Assim, os mesmos recursos da enunciaçâo em geral, da lingua­ gem como um todo, aplicam-se integralmente à constru­ ção argumentativa. Tais características serão exploradas neste livro, principalmente quando tratarmos de competên­

cia lingüística.

c) Suas premissas são verossímeis.

Essa característica foi matéria do presente capítulo, por­ que contida na classificação do argumento. Da realidade re­

Referências

Documentos relacionados

A placa EXPRECIUM-II possui duas entradas de linhas telefônicas, uma entrada para uma bateria externa de 12 Volt DC e uma saída paralela para uma impressora escrava da placa, para

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

Starting out from my reflection on the words cor, preto, negro and branco (colour, black, negro, white), highlighting their basic meanings and some of their

Finally,  we  can  conclude  several  findings  from  our  research.  First,  productivity  is  the  most  important  determinant  for  internationalization  that 

2 - OBJETIVOS O objetivo geral deste trabalho é avaliar o tratamento biológico anaeróbio de substrato sintético contendo feno!, sob condições mesofilicas, em um Reator