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35.º CURSO VIA ACADÉMICA 2.ª CHAMADA GRELHA DE CORRECÇÃO

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Academic year: 2021

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VIA ACADÉMICA – 2.ª CHAMADA

GRELHA DE CORRECÇÃO

GRUPO I

[Aprecie a eventual responsabilidade criminal de cada uma das pessoas infra identificadas, todas elas maiores de 16 anos de idade]

(14 valores)

FACTOS NOTAS DE APRECIAÇÃO VALOR

1

AMARO e CAROLINA vendem resina de canábis a diversos indivíduos em diferentes pontos de Portugal.

No dia No dia 4 de Janeiro de 2019, AMARO e CAROLINA transportam 10 kgs de resina de canábis para entregar a ELISEU em Lis-boa.

a. AMARO e CAROLINA cometem, em co-autoria material e

na forma consumada, um crime de tráfico de

estupefacien-tes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.I, com referência à tabela I-C, anexa a esse diploma.

Há um só crime (o crime de tráfico de estupefacientes é um crime de trato sucessivo e exaurido).

Face ao tipo de estupefaciente, desconhecendo-se há quanto tempo desenvolvem essa actividade e outros aspectos rele-vantes (dimensão dos lucros, etc.), afigura-se mais defensável considerar que não se verifica qualquer das circunstâncias

agravativas previstas no artigo 24.º da mesma lei.

0,8

b. É DAVID quem conduz o automóvel.

b. A conduta de DAVID também é susceptível de integrar o

crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.I, com refe-rência à tabela I-C, anexa a esse diploma, pois DAVID tem a posse e transporta esse estupefaciente.

Porém, tal conduta insere-se no âmbito da acção encoberta

autorizada pelo Ministério Público e validada pelo Juiz de Instrução. Assim, a conduta não é punível – artigo 6.º, n.º 1,

da Lei n.º 101/2001.

1

2

ELISEU compra 10 kgs de reside de canábis a AMARO pelo preço de 10 000€ (dez mil euros), a entregar em Lisboa.

ELISEU comete, como autor material, um crime de tráfico de

estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.I, com referência à tabela I-C,

anexa a esse diploma.

O mero acto de adquirir já preenche o tipo, ainda que não esteja na efectiva posse do estupefaciente. Para a celebração do contrato de compra e venda não é necessário a tradição da coisa.

(2)

3

a. Depois de se juntarem à manifestação

dos coletes amarelos, AMARO e CAROLINA gritam, repetidamente, “vamos partir isto tudo” e “queremos ver Lisboa a arder”, sendo depois seguidos por outros indiví-duos. Começam a correr e vários manifes-tantes não identificados empurram alguns transeuntes, atiram pedras a montras de várias lojas, partindo os respetivos vidros, e colocam vários caixotes do lixo a arder.

AMARO e CAROLINA cometem, em co-autoria material e na forma consumada, um crime de participação em motim,

previsto e punido pelo artigo 302.º, n.º 1 e 2, do Código Penal.

Não há autoria mediata (não há quaisquer factos que

permi-tam afirmar que os indivíduos que actuam são dominados por AMARO e CAROLINA) ou instigação aos crimes de ofensa à integridade física e de dano praticados pelos indivíduos não identificados. Não se pode considerar que foram as palavras de AMARO e CAROLINA que determinaram esses indivíduos a agir dessa forma.

Não se verificam os elementos típicos objectivos dos crimes de instigação pública a um crime (artigo 297.º do Código

Penal – não há provocação ou incitamento em reunião públi-ca, nem através de meio de comunicação social, por divulga-ção de escrito ou outro meio de reprodudivulga-ção técnica) e de

apologia pública de um crime (artigo 298.º do Código Penal –

não há qualquer apologia de crime).

1

b. DAVID junta-se a AMARO E CAROLINA a

correr, porque deles não se quer separar.

Esta conduta de DAVID integra o crime de participação em

motim, previsto e punido pelo artigo 302.º, n.º 1 e 2, do

Código Penal.

Porém, ainda se enquadra no âmbito da acção encoberta,

sendo necessária para não quebrar a confiança de AMARO e CAROLINA. Não há desproporcionalidade com a finalidade da

acção encoberta. DAVID tem, pois, isenção de

responsabili-dade – artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 101/2001.

0,5

4

Enquanto desciam a Avenida, DAVID repara que BELA – sua ex-namorada e que, antes de Natal, contra a sua vontade, terminara a relação que já levava dois anos – se encon-trava a sair de uma das lojas. Querendo dela se vingar, e sabendo que o pai de BELA era um grande produtor de pêra rocha na região do Oeste, DAVID propõe a AMARO e CARO-LINA que dali a lêem contra a sua vontade e a mantenham presa até o pai proferir uma declaração pública dizendo que a laranja do Algarve é a melhor fruta portuguesa. En-quanto AMARO e DAVID a seguram, CARO-LINA coloca-lhe um dos coletes laranjas. Após, puxam-na em direcção ao local onde ficara estacionado o automóvel de AMARO.

DAVID, AMARO e CAROLINA cometem, em co-autoria e na forma consumada, um crime de rapto, previsto e punido pelo artigo 161.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal.

É de excluir o crime de tomada de reféns, pois o rapto não é

feito com intenção de realizar finalidades políticas, ideológi-cas, filosóficas ou confessionais.

DAVID também comete um crime de violência doméstica,

previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), do Códi-go Penal. Este crime está numa relação de concurso

aparen-te com o de rapto (subsidiariedade expressa no artigo 152.º,

n.º 1). Esta conduta de DAVID está completamente fora do

âmbito da ação encoberta. Não há isenção de

responsabili-dade.

1

5

CAROLINA, AMARO e DAVID entram na loja de XAVIER sem autorização e aí permane-cem depois de este lhes ordenar para saí-rem.

CAROLINA, AMARO e DAVID cometem, em autoria material e na forma consumada, um crime de introdução em lugar

vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.º do

Código Penal.

(3)

6

AMARO diz a XAVIER que se não ficar quieto e calado leva uma tareia. Temendo pela vida, XAVIER cala-se e mantém-se imóvel.

Apesar de ser apenas AMARO a falar, estando DAVID e CA-ROLINA no local, com domínio do facto, e estando a executar o plano que era de todos, há que considerar que AMARO, DAVID e CAROLINA cometem, em co-autoria material, um

crime de sequestro, previsto e punido pelo artigo 158.º, n.º

1, do Código Penal.

0,8

7

CAROLINA telefona para GOMES, pai de BELA, a quem disse que tinham a sua filha e que se a queria voltar a ver teria de, no período de uma hora, proferir uma declara-ção à comunicadeclara-ção social no sentido de a laranja do Algarve ser a melhor fruta nacio-nal. Temendo pela vida da filha, GOMES envia imediatamente um e-mail à agência LUSA com a declaração pretendida por CA-ROLINA.

a. Apesar de ser apenas CAROLINA a falar, estando DAVID e

AMARO no local, com domínio do facto, e estando a executar o plano que era de todos, há que considerar que CAROLINA, AMARO e DAVID cometem, em co-autoria material, um

cri-me de coação, previsto e punido pelo artigo 154.º, n.º 1, do

Código Penal.

Deve ser excluída a extorsão, pois não há constrangimento à

prática de uma acção que acarrete prejuízo patrimonial.

0,8

b. Há concurso efectivo com o crime de rapto. A vítima do

crime de rapto é BELA e a do crime de coação é GOMES, ou seja, ofensa a bens jurídicos pessoais de diferentes pessoas.

0,5

8

XAVIER, pretendendo criar condições para conseguir fugir, convida AMARO, DAVID e CAROLINA para consumirem 2 gramas de anfetaminas que ele havia adquirido recen-temente, dizendo que isso lhes daria muita energia para o resto do dia. AMARO, DAVID e CAROLINA aceitam e tomam os comprimi-dos que XAVIER lhes entrega e que, na ver-dade, como este sabia, eram um poderoso soporífero.

BELA pede a XAVIER para também tomar; XAVIER entrega-lhe um dos comprimidos. Minutos depois, como XAVIER previra, AMARO, DAVID, CAROLINA e BELA ficam nauseados e após adormecem.

a. XAVIER comete, em autoria material e na forma

consuma-da, três crimes de ofensa à integridade física simples, previs-to e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal

(AMA-RO, DAVID e CAROLINA). 0,8

b. Também o comete relativamente a BELA, apesar de ter

sido ela a solicitar o consumo (o consentimento de BELA não é esclarecido, pois desconhece a verdadeira natureza do que

vai tomar – artigo 38.º, n.º 2, do Código Penal). 0,5

c. XAVIER age em legítima defesa face a AMARO, CAROLINA e DAVID – artigos 31.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a), e 32.º do

Códi-go Penal.

Quanto a BELA, há direito de necessidade – artigo 34.º do

Código Penal.

Está excluída a ilicitude da sua conduta.

0,5

d. O consumo, por 3 pessoas, de 4 gramas de anfetaminas

integra o crime de consumo de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 40.º, n.º 2, do DL 15/93, e tabela II-B, por referência ao AFJ STJ n.º 8/2008, e à Portaria 94/96 (mapa anexo ao artigo 9.º), pois tal quantidade excede a necessária para o consumo médio individual em período de 10 dias (4

(4)

gramas são 40 doses, o que, divididos por 3, dá 13,3 a cada). Porém, a tentativa de crime de consumo de estupefacientes

não é punível, pois o crime não é punível com pena superior

a 3 anos e não está especialmente prevista a punição da tentativa para este crime (artigo 40.º, n.º 2, do DL 15/93, e artigo 23.º, n.º 1, do Código Penal).

9

XAVIER, observando BELA adormecida, acha-a muito bonita e beija-a nos lábios.

Há que discutir se o beijar os lábios (apenas lábios com lá-bios, sem introdução de língua) entre pessoas adultas é ou não acto sexual de relevo.

Afigura-se mais defensável o entendimento de que tal com-portamento, embora possa ser considerado como acto sexu-al, não é acto sexual de relevo, pois, pela sua pequena signifi-cância, “não entrava[m] de forma importante a livre deter-minação sexual da vítima” (Figueiredo Dias, Comentário Co-nimbricense ao Código Penal, Tomo I, 1.ª ed., p. 449). Como refere o acórdão do STJ de 12.07.2005, processo 05P2442 (www.dgsi.pt), citando Simas Santos e Leal-Henriques, Códi-go Penal, vol. II, p. 368-369, que não é qualquer acto de natu-reza, conteúdo ou significado sexual que se integra naquele conceito e serve ao espírito da previsão normativa, “mas apenas aqueles actos que constituam uma ofensa séria e grave à intimidade e liberdade sexual do sujeito passivo e invadam, de uma maneira objectivamente significativa, aqui-lo que constitui a reserva pessoal, o património íntimo, que no domínio da sexualidade, é apanágio de todo o ser huma-no”. E, no mesmo acórdão, “Para justificar a expressão "de relevo" terá a conduta de assumir gravidade, intensidade objectiva e concretizar intuitos e desígnios sexuais visivel-mente atentatórios da auto-determinação sexual; de todo o modo, será perante o caso concreto de que se trate que o "relevo" tem de recortar-se.”.

Assim, afigura-se mais defensável que não há crime de

abu-so sexual de pesabu-soa incapaz de resistência (artigo 165.º, n.º

1, do Código Penal).

Os crimes de coacção sexual e violação serão sempre de excluir, pois não há violência, nem ameaça grave, nem foi

para esse fim que XAVIER colocou BELA inconsciente.

O crime de importunação sexual não exige que o acto sexual seja de relevo (tem de ser apenas “contacto de natureza sexual”, onde o beijar os lábios se pode incluir), mas não há

importunação, pois BELA está a dormir (e assim continua

após o beijo).

1,2

10

XAVIER retira as chaves do automóvel a AMARO, sai da loja e, conduzindo o auto-móvel de AMARO sem consentimento des-te, ruma com BELA para o Sul.

XAVIER e BELA cometem um crime de furto de uso, previsto e punido pelo artigo 208.º, n.º 1, do Código Penal (note-se que não se refere a intenção de apropriação, o que afasta o crime de furto; há apenas a utilização não autorizada do automóvel).

Não há exclusão da ilicitude ou da culpa.

(5)

11

BELA encontra o pacote com os 10 kgs de canábis e lança-o pela janela do automóvel para o rio Tejo quando passavam na Ponte 25 de Abril. O pacote cai sobre a cabeça de HEIDI, que viaja num navio de cruzeiro, com pavilhão do Panamá, e se encontrava deita-da a apanhar sol junto deita-da piscina. Com a pancada, HEIDI morre imediatamente.

a. BELA comete, como autora material e na forma

consuma-da, um crime de homicídio por negligência, previsto e puni-do pelas disposições conjugadas puni-dos artigos 137.º, n.º 1, e 15.º, alínea b), do Código Penal. Embora não se diga que ela previu esse resultado, o mesmo era previsível (a negligência é inconsciente), evitável e há nexo causal.

Não constando facto sobre ter previsto o resultado, está excluída a possibilidade de dolo eventual.

0,6

b. Apesar de o navio não ser português, considera-se que o facto foi praticado em território nacional, pois foi cá que

BELA actuou, embora o resultado tenha ocorrido no navio

estrangeiro – artigo 7.º, n.º 1, do Código Penal. 0,5

c. BELA não tem responsabilidade pelo crime de tráfico de estupefacientes, pois, embora esteja na posse do mesmo

durante um breve momento, age de imediato com vista à sua destruição.

O crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstracto e, se, como no caso, não houver qualquer perigo, em abstracto, para o bem jurídico (a saúde pública), a ilicitu-de da conduta ilicitu-deve ser excluída por imperativo constitucio-nal (princípio da estrita necessidade das penas – artigo 18.º, n.º 2, da CRP).

(6)

GRUPO II

Questão 1

[Procedimento para exame para detecção de estupefacientes no interior do corpo]

3 valores

Uma vez que o que se pretende é determinar se FERNANDO tem estupefacientes no interior do seu corpo (no seu sistema digestivo), o meio de prova em causa é o exame. Exigindo-se especiais conhecimentos técnicos para realizar tal exame e percepcionar os seus resultados, considera-se o mesmo como pericial. Seria revista se o estupefaciente estivesse meramente na sua roupa. Em casos destes, o exame médico consiste em radiografia ou ecografia.

O procedimento está definido no artigo 53.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.I. Aí se termina, no n.º 1, que, quando houver indícios de que alguém oculta ou transporta no seu corpo estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, é ordenada revista e, se necessário, procede-se a perícia. No n.º 2, que o visado pode ser conduzido a unidade hospita-lar ou a outro estabelecimento adequado e aí permanecer pelo tempo estritamente necessário à realização da perí-cia. O n.º 3 prescreve que na falta de consentimento do visado, mas sem prejuízo do que se refere no n.º 1 do artigo anterior (realização de perícia médico-legal para determinação do estado de toxicodependência), a realização da revista ou perícia depende de prévia autorização da autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência. Quem, depois de devidamente advertido das consequências penais do seu acto, se re-cusar a ser submetido a revista ou a perícia autorizada nos termos do número anterior, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias – n.º 4.

Não consentido FERNANDO a sua realização, a questão relevante está em saber quem é a autoridade judiciária com-petente para ordenar este exame pericial: Ministério Público ou juiz de instrução?

A resposta tem de ser encontrada no Código de Processo Penal e nas alterações que nele foram introduzidas em data posterior à do início da vigência do DL 15/93. Aí, haverá que conjugar o disposto nos artigos 172.º, n.ºs 1 e 2, 154.º, n.º 3, e 269.º, n.º 1, alínea b). No artigo 172.º, n.º 1, determina-se que se alguém pretender eximir-se ou obstar a qualquer exame devido ou a facultar coisa que deva ser examinada, pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente. Nesses casos, é correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 3 do artigo 154.º e nos n.ºs 6 e 7 do artigo 156.º, dispondo o primeiro destes normativos que, quando se tratar de perícia sobre característi-cas físicaracterísti-cas ou psíquicaracterísti-cas de pessoa que não haja prestado consentimento, o despacho é da competência do juiz, que pondera a necessidade da sua realização, tendo em conta o direito à integridade pessoal e à reserva da intimidade do visado.

O exame no caso em apreço não pretende conhecer características físicas da pessoa (apenas se existe ou não estupe-facientes no seu sistema digestivo), mas é inevitável que no seu decurso tal suceda (com a radiografia/ecografia). Finalmente, no artigo 269.º, n.º 1, alínea b), dispõe-se que, durante o inquérito, compete exclusivamente ao juiz de instrução ordenar ou autorizar (…) a efectivação de exames, nos termos do n.º 2 do artigo 172.º

Do exposto, resulta que apenas o juiz de instrução seria competente para autorizar, a requerimento do Ministério Público, a realização do exame pericial que FERNANDO recusa realizar voluntariamente.

Recorde-se que a actual redacção dos n.ºs 1 e 2 do 172.º foi introduzida pela Lei n.º 48/2007, na sequência dos acór-dãos do Tribunal Constitucional n.º 155/2007 (de 02.03.2017) e 228/2007 (28.03.2007), que julgaram inconstitucio-nal, por violação do disposto nos artigos 25.º, 26.º e 32.º, n.º 4, da Constituição, a norma constante do artigo 172.º,

(7)

n.º 1, do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de possibilitar, sem autorização do juiz, a colhei-ta coactiva de vestígios biológicos de um arguido para determinação do seu perfil genético, quando este último tenha manifestado a sua expressa recusa em colaborar ou permitir tal colheita.

Assim, PEDRO SOARES DE ALBERGARIA, Comentário Judiciário ao Código de Processo Penal, Tomo II, Coimbra: Almedina, 2019; SANDRA OLIVEIRA E SILVA, O arguido como meio de prova contra si mesmo - considerações em torno do princípio “nemo tenetur se ipsum accusare”, Coimbra: Almedina, 2018, p. 734.

Questão 2

[Escuta ambiente no interior de cela]

3 valores

O artigo 189.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, determina que o disposto nos artigos 187.º e 188.º é correspon-dentemente aplicável (…) à intercepção das comunicações entre presentes. Estando em causa a investigação de cri-me de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.I, e visan-do arguivisan-dos, tal meio de obtenção de prova é, em abstracto, admissível – artigo 187.º, n.º 1, alíneas a) e b), e n.º 4, alínea a), do Código de Processo Penal.

Não se afigura existir violação do direito à não auto incriminação (v.g., um meio enganoso de contornar o eventual silêncio dos arguidos em interrogatório), pois a actividade delituosa continua a existir e o facto de serem já arguidos não lhes confere o direito à inutilizabilidade deste meio de prova contra si quanto a esses novos factos. A situação não se enquadra, pois, naquele que foi objecto da atenção do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos no caso Allan

v. Reino Unido (decisão de 05.11.2002).

A questão essencial está, porém, na realização dessas intercepções no interior de uma cela. Há que ponderar se a previsão do artigo 189.º, n.º 1, abrange todos os locais onde essa intercepção pode ser feita, nomeadamente espaços de privacidade, como o domicílio, ou se, pelo contrário, havendo aí um outro direito a proteger, se exigiria previsão legal expressa nesse sentido.

A cela deve ser considerada domicílio (espaço de privacidade). Esse é um espaço onde o recluso reside e pratica actos da sua vida íntima privada. Locais como celas prisionais “integram também o conceito d domicílio (do domínio penal, a doutrina, com boas razões, tem entendido que a invasão do domicílio por parte do pessoal da prisão ou do hospital é justificada pelo exercício de um direito (…). No entanto, tal não significa que essas autoridades aí possam recolher indícios probatórios da prática de um crime fora das condições previstas no artigo 34.º)” – Germano Marques da Silva e Fernando Sá, Constituição Portuguesa Anotada, Jorge Miranda e Rui Medeiros (Org.), Lisboa: Universidade Católica Editora, Volume I, 2.ªç edição revista, 2017, p. 561.

A Constituição confere protecção à intimidade da vida privada (artigo 26.º, n.º 1: a todos são reconhecidos os direitos à (…) à reserva da intimidade da vida privada (…)) e, como manifestação desse direito (Acs. TC 452/89 e 507/94), ao domicílio (artigo 34.º, n.º 1: O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis).

Há ainda que considerar o disposto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição: “A lei só pode restringir os direitos, liberda-des e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (reserva de Constituição e reserva de Lei na restrição dos direitos, liberdades e garantias). O n.º 2 do artigo 34.º determina que “A entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as

(8)

formas previstos na lei.”.

Por outro lado, o artigo 32.º, n.º 8, prescreve que “São nulas todas as provas obtidas mediante (…) abusiva intromis-são na vida privada, no domicílio (…)”.

Já no Código de Processo Penal, o artigo 126.º, n.º 3, declara que, “Ressalvados os casos previstos na lei, são igual-mente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio (…) sem o consentimento do respectivo titular.”.

Ora, “(o) domicílio não e violado somente quando se entra na morada de alguém sem o seu consentimento. Os mo-dernos meios técnicos possibilitam a invasão e a devassa do domicílio mediante meios electrónicos, que, além disso, permitem também a devassa das conversas e da vida privada dos moradores. A inviolabilidade do domicílio e segu-ramente incompatível com tais mecanismos” – Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portu-guesa Anotada, Volume I, Coimbra: Coimbra Editora, 4.ª edição revista, 2007, p. 540-541.

Embora a Constituição preveja a restrição aos direitos à privacidade e à inviolabilidade do domicílio, a lei não prevê a introdução no domicílio para nele instalar um aparelho de intercepção (e gravação, ou, pelo menos, de transmissão para gravação noutro local). Prevê essa introdução no âmbito das buscas, mas aí a finalidade é proceder ou examinar objectos ou espaços reservados ou não livremente acessível ao público. Por outro lado, a previsão do artigo 189.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, é apenas para a utilização do meio de obtenção de prova (intercepção entre presen-tes), não para o local onde tal pode suceder. O domicílio é merecedor de protecção distinta e exige previsão legal expressa para a violação da reserva da intimidade da vida privada.

Afigura-se, pois, que, não estando isso expressamente ressalvado na lei, esse meio de obtenção de prova é proibido (método proibido de prova e proibição de valoração) – artigo 32.º, n.º 8, da Constituição, e artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

Neste sentido, cfr. acórdão do TRL 27.02.2008, Processo 10898/2007-3 (TELO LUCAS): A realização de escutas através de microfone a colocar em cela de duas camas em estabelecimento prisional com a finalidade de registar as conver-sações efectuadas por dois arguidos ocupantes de tal cela, com vista à investigação de crime de homicídio, não é legalmente admissível face ao disposto nos art.ºs 187º, 188º, 190º CPP e 34º n.ºs 1 e 4 CRP, sob pena de violação intolerável dos direitos constitucionais de inviolabilidade do domicílio e da reserva de intimidade da vida privada (sumário). Contra, porém, Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal, Lisboa: Universida-de Católica Editora, 3.ª edição, 2009, p. 527 e 529), para quem a lei (artigo 189.º, n.º 1) não distingue entre as con-versações privadas entre presentes no domicílio ou fora dele. O mesmo Autor, no entanto, refere o núcleo do direito constitucional à privacidade (artigos 26.º e 35.º) impõe restrições a essa interferência, não sendo constitucionalmen-te admissíveis inconstitucionalmen-tercepção de comunicações entre presenconstitucionalmen-tes com pessoas de especial confiança, como cônjuges, filhos e pais. Não aborda o Autor a questão da entrada no domicílio.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos proferiu há várias decisões onde enfatiza a necessidade de expressa, clara e precisa previsão legal para que possa, sem ofensa da Convenção (artigo 8.º, n.º 2), existir gravação das conversas dos reclusos, ou seja, violando o seu direito ao respeito pela vida privada. Assim o fez nos casos Wisse v. França, P.G e J.H v. Reino Unido e Doerga v. Holanda. Quanto à gravação no interior de residência, e com a mesma exigência de expressa, clara e precisa previsão legal quanto ao local da gravação, vide as decisões no processo Khan v. Reino Unido e Vetter v. França.

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