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CAMINHOS PARA A ABOLIÇÃO: Relação senhor/escravo, consequente abolição da escravatura e a participação do Nordeste nesse processo.

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CAMINHOS PARA A ABOLIÇÃO: Relação senhor/escravo,

consequente abolição da escravatura e a participação do Nordeste

nesse processo.

Maria Rayane Patriota de Carvalho1

RESUMO

Durante vários anos a liberdade fora um sonho dos escravos que vivia no território brasileiro e que sofriam com o preconceito e racismo praticado pela sociedade luso-brasileira. Esse sonho era consequência dos diversos castigos empreendidos de forma incauta pelos senhores. Os negros da época, além de terem de suportar essas condições de vida, ainda tinham que continuar tendo a esperança de que as autoridades, ou seja, propusessem uma libertação imediata, o que decididamente não aconteceu, e nem estava nos planos desses inicialmente. Mas do que exatamente estamos falando aqui? É possível compreender que houveram muitas tentativas internacionais, principalmente vindas da Inglaterra, para se alcançar a liberdade escrava no Brasil. Tudo porque, através da leitura de alguns documentos, é possível compreender o que se passava na mente desses e como eram vistos esses acontecimentos, tanto no período regencial como imperial. O presente artigo também vai retratar o que estava acontecendo na mentalidade da população livre e escrava, pois, muitos escravos, desacreditados de uma melhora significativa na situação, acabariam por fugir para os quilombos, também conhecidos como mocambos, ficando os brancos divididos entre o apoio a liberdade ou apoio ao governo imperial. Demasiada foram as vezes em que, capitães do mato se viam contratados por senhores para fazer uma busca e encontrar os escravos até então fugidos, se tornando um grande obstáculo para os cativos que queriam antecipar sua liberdade. Por fim, apenas em 1888, tornaram-se livres todas pessoas de condição escrava, deixando aberto o caminho para uma vida livre das amarras da escravidão, pelo menos no papel.

INTRODUÇÃO

A pesquisa, enquanto meio de contribuição histórica, sempre representou um suporte de valiosa importância para o entendimento da sociedade como um todo. Essa inquirição dialoga diretamente com a necessidade de entendimento acerca de determinadas questões correlatas a construção histórica e identidade de um povo. Tendo discernimento sobre isso, essa deve ser escrita levando em consideração todas as possibilidades disponíveis para tal. Logo, é de decisão do historiador/pesquisador o caminho para seguir nessa pesquisa. A partir disso, torna-se possível a construção do passado, nem sempre de forma precisa, mas sim de forma imprescindível para a compreensão dos fatos sociais, culturais e políticos de um determinado povo ou comunidade.

1 Graduada em História pelo Centro Universitário UniAGES, de Paripiranga-Ba.

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Sabendo disso, perceptivelmente a grande maioria dos historiadores afirmam, através das demandas de cativos que chegaram ao território brasileiro nos séculos XVI, XVII e principalmente no século XVIII, que existiram várias formas de impor um relacionamento, baseado na força de trabalho escravo, entre os escravos e seus senhores. Isso porque, muito se sabe sobre os açoitamentos e castigos dados aos escravos, mas pouco se sabe sobre as reais formas de tratamento mantidas entre senhores e escravos (propriedade). Todos esses pontos, muitas vezes, faziam com que os escravos fugissem para os chamados quilombos, localizados principalmente no Nordeste do país, o que pode ser justificado também ao se considerar a localidade com a maior quantidade de escravizados. Essas questões serão melhores dialogadas através do texto que será apresentado a seguir.

RELAÇÃO SENHOR/ESCRAVO, FUGAS PARA OS QUILOMBOS E CAPTURA DE ESCRAVOS.

A possibilidade e consequente existência de um relacionamento, de qualquer espécie, entre senhores e escravos é uma questão bem mais complexa do que se pode imaginar, pois, existiam até pessoas que possuíam escravos, que antes eram considerados da mesma condição. Entendendo isso, Libby & Paiva afirmam em seu livro que “[...] havia libertos, inclusive indivíduos nascidos na África, que possuíam escravos. [...]” 1, o que adentrava justamente

nessa ideia abstrata sobre as relações entre essas duas classes, que conviveram por mais de três séculos. Esse mesmo autor ainda mostra que essa prática era bastante comum, principalmente na Bahia, mais precisamente em Salvador, afirmando que era possível, inclusive encontrar engraxates, acompanhantes e até escravos de aluguel (todos esses chamados “escravos de ganho”).

Nesse contexto, é válido pensar que a Bahia,

Na primeira metade do século XIX, [...] impressionava visitantes pela intensidade de sua vida urbana, pela imponência de seus edifícios públicos e religiosos, pelo movimento de seu comércio, pelo volume de bens que circulavam por seu porto. [...]2

Ou seja, a Bahia era considerada o polo gerador do desenvolvimento, especialmente ao se pensar os séculos XVIII e XIX, pois era onde acontecia mais fervorosamente a vida social do território, logo, também funcionava como espaço de comercialização e desenvolvimento econômico, já que grande parte dos produtos consumidos pela população do território e também

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de Portugal passava pelos portos de Salvador, considerando também que grande parte dos comerciantes e produtores vivam ao redor dessa região.

Um outro ponto a que Walter Fraga Filho3 retrata em seu livro, é que a desigualdade decorrente dessas questões econômicas acabava por dividir mais ainda os baianos entre senhores, escravos, brancos e negros, ricos e pobres. Essa ideia de desigualdade e separação adentra-se justamente na percepção de que as relações entre essas duas classes, que se resume em ser senhor de escravos ou ser um escravo, se tornavam cada vez mais insustentável, se tornando piores com o passar dos anos. Novamente, vale salientar que a Bahia, enquanto Província mais importante da história colonial e por que não imperial do Brasil, deve ser considerada como um reflexo do Nordeste como um todo, pois, enquanto polo urbano mais importante da região, Salvador tinha uma grande participação do processo de influência dos costumes e até das relações entre senhores e escravos, entre brancos e negros, esses vindos da África ou nascidos no território brasileiro.

Para entender como realmente funcionavam essas relações entre senhores e escravos, é mais que importante avaliar o que Gilberto Freyre expos em seu livro4, momento em que ele avalia diferentes jornais brasileiros, chegando a conclusão de que os escravos que fugiam, faziam isso principalmente em consequência dos maus-tratos excessivos que sofriam dos seus senhores e/ou dos seus capatazes5. Nesse sentido, é percebido que desde o início da colonização do Brasil isso acontece, tornando-se qualquer informação coletada de 1.500 a 1850 como reflexo de um todo, ou seja, como reflexo do processo da escravidão no Brasil, especialmente se pensarmos a questão voltada para os quilombos.

Diante de tais informações, se torna extremamente necessário compreender que o quilombo, de acordo com Donald Ramos6, funcionava como uma negativa a escravidão e como imãs de escravos fugidos, que chegavam ali através da iniciativa de negação do cativeiro e dos maus-tratos que muitas vezes sofriam por parte de seus senhores. Isto é, de acordo com João José Reis7, o quilombo pode ter funcionado ainda como uma espécie de válvula de escape das

tensões escravistas que de diferentes formas explodiram na senzala, especialmente se pensarmos sobre as relações entre senhores e escravos, tema foco da discussão apresentada aqui.

Após o momento da fuga, os escravos tinham ciência de sua situação e dos diferentes problemas que iriam enfrentar, já que os conhecidos capitães do mato8 literalmente caçavam os

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exposição, que a própria polícia também funcionava como meio de o senhor de escravos conseguir reaver sua propriedade.

Isso por ser observado no que é exposto pelo Presidente de Província de Sergipe, Luiz Alvares d’Azevedo Macedo, ao definir a região da Villa de Porto da Folha, atual município de Porto da Folha, como “[...] o theatro de scenas de um grande numero de criminosos, cuja captura tem sido requisitada pelo Governo da Província da Bahia ás autoridades de Alagôas e Sergipe.”9. Esses criminosos citados nesse documento eram, em sua grande maioria, escravos

que fugiam das propriedades de seus senhores e acabavam por entrar para a lista de criminosos procurados, como o próprio Luiz Alvares d’Azevedo Macedo deixa claro no mesmo documento citado anteriormente. Isso tudo pode e deve ser representativo de várias questões relacionadas ao nordeste brasileiro, considerando que no Relatório de Presidente de Província citado se menciona os Estados de Alagoas e da Bahia, que à época tinham uma grande quantidade de escravos, principalmente os que trabalhavam nos engenhos de açúcar, e por assim ser tem uma enorme representatividade quando o assunto é a escravidão, principalmente antes de 180810.

Essa questão que retrata a criminalidade relatada pelo Presidente de Província Luiz Alvares d’Azevedo Macedo, se evidenciou ainda mais quando em 1871 foi promulgada a Lei 2.040/1871, também conhecida como a Lei do Ventre Livre, em que, de acordo com o relatório desse mesmo Presidente de Província, muitos problemas surgiram com essa lei, já que essa fez com que muitos escravos, não sabendo do que a lei realmente tratava, começassem a pensar que estariam livres e por consequência poderiam fazer o que quiser, inclusive se desvincular da propriedade em que trabalhava e cometer atos ilícitos, tornando-se criminosos aos olhos da justiça e dos seus próprios senhores.

O FIM DA ESCRAVIDÃO NO NORDESTE E SUAS RUPTURAS SOCIAIS: JUSTIFICATIVAS E MOTIVOS.

O período da escravidão representou, para a História do Brasil, um fator determinante para o modo de vida e a intensidade social das pessoas que viviam no território, principalmente para o Nordeste, que como já fora dito anteriormente, tinha uma das maiores bases no que se refere a chegada de escravos africanos e local de vivência de escravos negros nascidos no Brasil. Nesse sentido, o escravo era visto como “coisa”, sendo considerado apenas como uma propriedade, podendo ser comercializados a qualquer momento pelo senhor que o possuía.

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Ao se pensar a ideia de escravidão em si, percebe-se que essa funcionava através de um processo legitimado pelo poder estatal e até pelo poder da Igreja, essa última sendo vista como a representação fidedigna de Deus na terra, logo seriam suas ações, opiniões e dogmas inquestionáveis diante do povo. Para entender melhor essa ideia sobre a participação da Igreja no desenvolvimento da escravidão no Brasil, Luis Anselmo da Fonseca, considerado pela historiografia como um dos grandes abolicionistas baiano que viveram no período imperial, afirma que a opinião da Igreja tinha grande validade através da percepção de que essa se distinguia pela sua virtude, por sua cooperação para o progresso nacional e seu patriotismo em relação ao país, especialmente quando o tema era a escravidão. Apesar de demonstrar factualmente a participação e aspirações da Igreja quando o assunto era escravidão, Luis Anselmo da Fonseca, afirmava que o abolicionismo existia na medida em que se apresentava como um novo espirito brasileiro, representante da mora e do dever, seguindo a ideia de que todos os seres humanos nascem livre e assim devem permanecer, jamais sendo consideradas como coisas.11

Notoriamente, a escravidão dividia as opiniões da população brasileira como um todo, não sendo diferente no Nordeste. Para justificar essa ideia, levando em consideração diversas e divergentes opiniões, Emília Viotti da Costa traz que:

[...] Dizia-se que a escravidão era benéfica para o negro, pois que o retirava da barbárie em que vivia para introduzi-lo no mundo cristão e civilizado. Afirmava-se que o negro não era capaz de sobreviver em liberdade. Alguns, embora reconhecessem que a escravidão fosse condenável em termos morais, argumentavam que ela era um mal necessário, pois a economia nacional não poderia funcionar sem o escravo. A abolição da escravatura, diziam eles, seria a ruína do país. [...]12

Nesse sentido, Theodoro Parker, ao tratar do Elemento Servil, entendeu que as opiniões não levariam ao fim da escravidão, pois ao se tratar desse assunto, as ideias entram no ramo da vida e consciência pública.13 Ou seja, apesar de haver uma certa pressão interna para que houvesse o fim da escravidão, se viu pouco sendo feito por parte dos governantes, ou por parte de Dom Pedro II (Imperador do Império do Brasil à época) para mudar essa situação, que ia contra as ideias propostas pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, assinada em 1789 na França.14

Logo, o período ao qual se tem referência maior ao se tratar do processo de abolição da escravatura foi o Império do Brasil, que foi marcado por rupturas e frustrações desde seu início, em 1822, quando há a separação do Brasil do Reino Unido de Portugal, com a independência

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do primeiro. Esse retardo só ocorreu “[...] porque os ingleses tentaram conseguir do Brasil a imediata extinção do tráfico de escravos. [...]”15, se tornando perceptível que essa questão deve

ser discutida e analisada de forma mais profunda, tratando a escravidão como uma unidade e o fim dela de forma gradativa, entendendo por fim que foi o Nordeste a região mais afetada pelo fim dela e a mais agraciada pelo menos motivo.

A questão principal ao se pensar tal pressão está alocada no que estava acontecendo na Inglaterra nesse período, em que o desenvolvimento da industrialização estava a todo vapor e que por isso dava abertura para a extinção da mão de obra escrava. O que acontece a partir disso, é que a Inglaterra queria continuar produzindo e expandindo seu mercado exterior, mas não iria conseguir tal feito com a escravidão, como meio de produção econômica, ainda em alta no restante do mundo, principalmente nas Américas, que estavam representadas pelos principais países consumidores de produtos advindos da produção industrial da Inglaterra. A partir dessa constatação, por ser a maior potência do mundo, no período em questão, a pressão para o fim do meio de sustentação econômica do Continente Americano, especialmente na parte sul do Continente, tornou-se imediata e imprescindível para o pleno desenvolvimento das exportações e para a economia da Inglaterra, essencialmente no início do século XIX, período discutido e observado aqui.

Numa tentativa de conter tal bloqueio econômico, o Império do Brasil, mais precisamente o seu representante, D. Pedro II, se viu obrigado a dar uma resposta aos ingleses, que ficou definida historiograficamente, a partir da análise de todo esse contexto, como a abolição gradual da escravatura. Essa definição pode ser entendida como meio de conter os ânimos dos ingleses e acalmar os dos senhores de terras no Brasil, que iriam perder suas propriedades, dando vias ao futuro econômico do país, que à época dependia, quase que exclusivamente, dessa implantação econômica dos senhores de escravo. Tais ações podem ser vistas alocadas na promulgação de algumas leis específicas, como a Lei dos Sexagenários e Lei do Ventre Livre, que participaram do processo de abolição gradual da escravatura.

Essa ideia traz à tona a tentativa de continuar com a escravidão como forma de fonte econômica. Tal discurso espelha-se na colocação dos senhores como detentores de poderes no Império do Brasil, mais precisamente do Nordeste do País, considerando os fatores expostos anteriormente. Traduz-se isso tudo num legítimo embate político, travado impreterivelmente como forma de diferentes percepções acerca do Brasil e qual caminho esse deveria seguir para torna-se uma grande Nação, pensada com lentes voltadas para o maior ponto de referência da

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civilização à época, a Europa, mais precisamente a Inglaterra, pelos motivos citados anteriormente.

Pensando essa questão política, Mario Maestri16, em seu texto, dialoga sobre a defesa de D. Pedro II em relação a essa situação, alegando que seria necessária a abolição, para poder romper o isolamento internacional que existia em consequência da abolição das colônias europeias e dos países do restante da América. Esse apoio se iniciou mais gradativamente com a proposta de libertação do ventre da mulher escrava, para com isso trazer à baila a libertação de todos os escravos, de forma gradual, conseguindo de fato apoio de diversas partes da sociedade, o que refletia no Nordeste como um todo.

Ao se tratar dessas leis que levariam a abolição, por vários meses, de acordo com o Jornal do Senado, os deputados dos partidos Conservador e Liberal discutiram as duas propostas principais (Lei dos Sexagenários e Lei do Ventre Livre). Os defensores dessas leis, e por consequência da abolição, afirmavam que essa, juntamente com a proibição do tráfico negreiro, assegurava a extinção gradual da escravidão. Já os donos de escravos acusavam o governo de querer provocar uma crise econômica. As controvérsias foram desproporcionais aos seus efeitos práticos.17

O isolamento internacional exposto aqui é justamente ao se tratar da pressão que a Inglaterra estava fazendo para que o Brasil abolisse a escravidão, tentando isolar o país, pela via marítima, das outras regiões do mundo e dos outros Continentes, buscando evitar o tráfico e com a isso a escravidão. Também se relaciona essa questão com o mercantilismo, ou seja, a prática de comércio internacional, baseada no capitalismo.

Nesse viés, não fora apenas esse fator que estimulou o processo de abolição, pelos menos não durante o Império por inteiro, já que “A Lei Rio Branco de 1871 arrefecera os ânimos e levara a campanha pela abolição a entrar, momentaneamente, em colapso. [...]”18 , o

que ajudou ainda mais o que se define como caminho para a abolição, que fez com que, pelo menos dessa vez, alguns direitos contidos na Lei fossem colocados quotidianamente em prática, garantindo assim um bom andamento da ordem, mesmo que fosse algo temporário, como viria a ser constatado de fato.

Esse período ao qual se propôs o discurso voltado para os ânimos da Câmara de Deputados e da população em geral, em relação ao que estava acontecendo no Império, traz à baila o entendimento de que as mudanças estavam acontecendo, mesmo que não fossem desejadas, em consequência da modernização que estava ocorrendo no mundo, sendo o Brasil

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considerado como um território que precisava se adequar a esses acontecimentos e nessa nova fase não estava incluída a escravidão, ou pelo menos não na visão dos abolicionistas e da própria Inglaterra, como defensora da liberdade dos escravos e da modernização dos países.

De acordo com Altamirando Carneiro19, no ano de 1866, José Antônio Pimenta Bueno, então marquês de São Vicente, elaborou, a pedido de Dom Pedro II, cinco projetos diferentes que propunham a emancipação dos escravos, porém, a guerra do Paraguai, que o Brasil viera a se envolver, atrasou os planos relacionados a esses projetos. Na Câmara o projeto final, ao se tratar da Lei 2.040/1871, foi elaborado pelos conselheiros Francisco de Sales Torres Homem, José Nabuco de Araújo e Bernardo de Souza Franco, se baseando no Projeto de Pimenta Bueno, enquanto que na imprensa os discursos de descendente de escravos, como André Rebouças, José do Patrocínio e Luís Gama, perduraram por um bom período, criticando diretamente o texto da lei do ventre livre e exigindo a abolição imediata.

Essa discussão dialoga com o entendimento de que a abolição era algo inevitável, considerando todas as pressões internacionais e internas, para o futuro do país. O que sobrava aos deputados, ao próprio Dom Pedro II e Dona Isabel, era tentar, mesmo que de maneira frustrada, diminuir o ritmo dessa. E para evitar que isso se tornasse algo ainda mais discutido e fora de controle ficou resolvido que dever-se-ia ceder as diversas pressões, começando um processo de abolição gradual da escravidão, tentando, de todas as formas, agradar a todos os lados, evitando mais discussões e problemas, principalmente com os senhores de terras, considerados como a minoria, com a maior fonte de riqueza do Império, e o outro lado, o dos escravos e dos próprios abolicionista, que seriam alvos dessa legislação que começava a entrar em vigor.

A própria Princesa Isabel tinha um lado abolicionista, fato discutido e demonstrado por Eduardo Silva, em seu livro “As camélias do Leblon”20, em que demonstra que a Princesa Isabel

disponibilizava, tanto apoio como refúgio aos escravos fugidos, no lugar onde hoje é a Zona Sul do Rio de Janeiro e que isso tudo resultou num movimento de subversão de escravos, com a camélia como símbolo desse movimento.

Diferentemente dessa ideia que os escravos tinham sobre a liberdade, os senhores visualizavam que a abolição, enquanto meio de libertação do ser escravo, em nenhum momento representaria a igualdade entre negros e brancos, considerando a visão preconceituosa e racista que existia no período e que perdurara por muitos anos. Nesse mesmo viés, a liberdade, enquanto meio de libertação da vida ou da expressão, é vista e determinada por diferentes e

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surpreendentes maneiras, sendo compreendidas de acordo com o lugar de onde se olha, como exposto no parágrafo anterior, e com quais lentes essa é percebida. Essa ideia entra em contato com a própria percepção que o negro escravo tinha da liberdade, mas nem sempre essa expunha seu significado em totalidade na sociedade em que se apresenta, e como essa começou a ser observada a partir da promulgação da lei aqui apresentada, já que a nova legislação traria novidades e uma maior liberdade para essa parte da população, algo que será explicado mais tarde e numa perspectiva voltada para a região de Porto da Folha, como objeto apresentado aqui.

Se adentrando na própria ideia de liberdade, Eric Foner21, diz que a liberdade, vista pelos

escravos e até ex-escravos, era algo bem mais que uma definição ou determinação social, sendo entendida com um ponto final para o espaço vazio entre a formação familiar e estruturação social, além da abolição dos castigos com açoites e até a oportunidade de ir e vir. O que ainda fica mais claro é que havia um desejo incontrolável, em todos os lugares, principalmente no Nordeste, de conseguir uma independência em relação ao controle branco, obtendo assim uma maior autonomia ao se tratar da individualidade do ser negro, chegando, muitas vezes, a participar de uma comunidade.

Sobre esse aspecto da liberdade, Sidney Chalhoub22, através de suas pesquisas, no que ele define como “arquivos abafados e poeirentos”, tenta mostrar que os escravos produziam seus próprios valores e suas próprias definições do significa de liberdade e que deve-se pensar e discutir isso de maneira a deixar um pouco de lado as percepções de pessoas alheias à questão da escravidão e da coisificação do ser escravo, que é definido como quando “[...] as condições extremamente duras da vida sob o cativeiro haviam destituído os negros das habilidades necessárias para serem bem sucedidos na vida em liberdade. [...]”23, o que na

verdade nunca existiu, não passando de uma opção para pensar a escravidão de forma mais cômoda, dessa forma excluindo ainda mais o escravo de sua própria realidade.

É necessário entender que “A abolição da escravidão para os negros significou não uma fuga a todo o trabalho, mas um fim às labutas sem recompensa. [...]”24, que eram diariamente

motivo de castigos corporais e psicológicos 30, e o início de uma nova fase para a convivência em sociedade e para a própria vivência escrava, situação essa que irá seguir tanto durante o século XIX como no século seguinte, século XX. Toda essa questão vai se adentrar em diversas percepções acerca disso, com a formação de famílias e comunidades escravas.

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CONCLUSÃO

Como foi possível perceber aqui, a abolição da escravatura não foi apenas um acontecimento, mas um processo banhado de sentido e demonstrativo de questões sociais, culturais, políticas e identitárias. Ou seja, o movimento abolicionista foi um processo longo, principalmente para os negros escravizados, mas representou um evento marcante para a História do Brasil escravista. A Lei Áurea foi uma lei muito específica, clara e concisa, se tornando muito esperada pela classe dita escrava da época, sendo a promulgação da Lei foi muito festejada.

Dessa maneira, os dados e tema aqui analisados e expostos carecem de um aprofundamento mais adequado, confrontando fontes, e buscando sempre pesquisar mais, ainda que não se obtenha sucesso nos arquivos, tais como Arquivos Judiciários e os Arquivos Públicos. Além disso, é importante mencionar a contribuição de altíssimo grau dos textos legislativos como fonte histórica, já que são testemunhas de uma realidade destoante da atual. Muito embora, alguns tenham a linguagem mais rebuscada e com ortografia diferente da atual, ainda assim, apontam para fatos para a reconstrução da nossa história, a brasileira, a qual está intimamente ligada à sua formação política e cultural, além de social.

Logo, com os referenciais apresentados aqui, os estudos acerca da abolição gradual no Nordeste e as relações impostas pela escravidão são importantes na medida em que descrevem desejos e relações sociais do período em questão, e que estão ligados, em sua essência, com a necessidade de mudança, tanto no âmbito econômico, como social e até cultural, já que o que é imprescindível à História é o estudo da sociedade como ela é, e sobre o que representava.

NOTAS

1LIBBY, Douglas Cole; PAIVA, Eduardo França. A escravidão no Brasil: Relações sociais,

acordos e conflitos. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2005, p. 53. (Coleção Polêmica)

2 FILHO, Walter Fraga. Mendigos, Moleques e Vadios na Bahia do século XIX. São Paulo,

SP / Salvador, BA: EDUFBA, 1996, p. 21.

3 Ibidem.

4 FREIRE, Gilberto. O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX. Recife:

Imprensa Universitária, 1963.

5 Nesse sentido, faz-se referência aos capatazes, pois, esses ficavam responsáveis pelo cotidiano

e cuidados com os escravos, principalmente no meio rural brasileiro.

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6 RAMOS, Donald. O quilombo e o sistema escravista em Minas Gerais do Século XVIII.

In: REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos. Liberdade por um fio: História dos Quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

7 REIS, João José. Quilombos e Revoltas escravas no Brasil. Revista USP, São Paulo, Vol.

28, p. 14 – 39, Dez/Fev 95/96.

8 Homens contratados pelos senhores, que eram contratadas para procurar e prender os escravos

fugidos.

9 Relatório de Presidente de Província (Sergipe) – Presidente: Luiz Alvares d’Azevêdo

Macêdo. Typ. do Jornal de Aracaju, 04 de Março de 1872.

10 Ano em que a Família Real Portuguesa chega ao Brasil, após a invasão de Portugal.

11 FONSECA, Luis Anselmo. A Escravidão, o Clero e o Abolicionismo por L. Anselmo da

Fonseca. Bahia: Imprensa Ecinomica, Rua Nova das Princezas, 16, 1887. ACERVO DO SENADO FEDERAL DO BRASIL. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/4/browse Acesso em: 13 de agosto de 2017

12 COSTA, Emília Viotti. A abolição. 8ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora UNESP, 2008, p.

19.

13 PARKER, Theodoro. Elemento Servil: Estudo. Rio de Janeiro: Typografia da Rua da Ajuda,

n. 20, 1871. ACERVO DO SENADO FEDERAL DO BRASIL. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/4/browse Acesso em: 13 de junho de 2018.

14 A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi citada porque essa viria a influenciar

todos os processos de libertação do homem posteriores, como acontece nos EUA.

15 FAUSTO, Boris. História Concisa do Brasil. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de

São Paulo, Imprensa Oficial do Estado, 2008.

16 MAESTRI, Mario. Uma história do Brasil: Império. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2002. 17 JORNAL DO SENADO. Dom Pedro II defendeu a Lei do Ventre Livre. Rio de Janeiro,

segundafeira, 14 de maio de 1888. Edição comemorativa dos 120 anos da Lei Áurea; ano XIV. nº 2.801/172. 13 de maio de 2009. p 02. Disponível em: http://www.senado.gov.br/noticias/jornal/arquivos_jornal/arquivosPdf/encarte_abolicao.pdf. Acesso em: 08 de junho de 2018.

18 SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do Imperador: D. Pedro II, em monarca nos tópicos.

São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 436

19 CARNEIRO, Altamirando. Abolição: Esperança de Ontem, Promessa de Hoje. São Paulo:

Editora Panorama, 2000.

20 SILVA, Eduardo. As Camélias do Leblon e a Abolição da Escravatura: Uma Investigação

de História Cultural. São Paulo: Companhia das Letras.

21 FONER, Eric. O significado de Liberdade. Revista Brasileira de História. São Paulo:

ANPUH / Marco Zero, vol. 8, nº 16, março de 1988 / Agosto de 1988, p. 09 – 36.

22 CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade: Uma História das Últimas Décadas da

Escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

23 MARTINS, Vitor Nazareno da Mata; CORDOVIL, Danilson Jorge Coelho; CANGUSSU,

Dawdson Soares; SILVA, Mauricio Sousa. A COISIFICAÇÃO DO ESCRAVO. Disponível em: http://static.recantodasletras.com.br/arquivos/147393.pdf. Acesso em: 02 de junho de 2018.

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