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Militares no Império, heróis na República: os monumentos a Osório e Caxias no Rio de Janeiro ( ) Mariana Pastana 1

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Militares no Império, heróis na República:

os monumentos a Osório e Caxias no Rio de Janeiro (1894-1899)

Mariana Pastana1

Resumo: O presente artigo pretende analisar as políticas de memória desenvolvidas na

Primeira República brasileira em torno da valorização das figuras do general Osório e de duque de Caxias, heróis da Guerra do Paraguai (1864-1870). Ambos militares tiveram estátuas erguidas na primeira década do novo regime, em diferentes praças do Rio de Janeiro, então capital federal. Nesse sentido, buscaremos examinar as escolhas realizadas no processo de construção dos monumentos, do general Osório e do duque de Caxias até suas respectivas inaugurações em 1894 e 1899. Assim, será importante perceber de que forma o recente governo republicano se apropriou da memória de heróis de uma guerra vencida no Império.

Palavras-chave: Monumento. Memória. Guerra do Paraguai. General Osório. Duque de

Caxias

Abstract: This article aims to analyze the memory policies developed in the First Republic around the valorization of the figures of general Osorio and Duke of Caxias, heroes of the Paraguayan War (1864-1870). Both military had statues erected in the first decade of the new regime, in different squares of Rio de Janeiro, then federal capital. In this sense, we will try to examine the choices made in the process of construction of the monuments, General Osorio and Duke of Caxias until their inaugurations, respectively 1894 and 1899. Thus, it will be important to understand how the recent republican government appropriated the memory of heroes of a war won during the Empire.

Keywords: Monument. Memory. Paraguayan War. General Osório. Duque de Caxias.

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ. Bolsista CAPES. Email: pastanamariana@gmail.com

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Osório e Caxias: soldados do Império

Manoel Luis Osório nasceu na antiga província de Conceição do Arroio, atual Osório, no Rio Grande do Sul, em 1808. Às vésperas dos seus quinze anos, e contra sua vontade, alistou-se na Cavalaria da Legião de São Paulo, acompanhando seu pai. Posteriormente, obteve seu primeiro posto oficial, de alferes, e foi aceito na Academia Militar do Rio de Janeiro, porém foi impossibilitado de ir devido ao início da Guerra da Cisplatina (1825-28). Ao final do conflito, Osório já possuía experiência militar e o posto de tenente2. Osório participaria ainda da Revolução Farroupilha (1835-1845), da Guerra contra Oribes e Rosas (1851-52) e, por fim, da Guerra do Paraguai (1864-70), na qual foi enaltecido como herói devido a suas realizações na Batalha do Passo da Pátria e na Batalha do Tuiuti, ambas em 1866. Esta última sendo oficializada em 1901 como a principal data do calendário do Exército brasileiro3.

Além de militar de carreira, Osório também possuía vida ativa na política sendo filiado ao Partido Liberal. Seu primeiro cargo político foi como deputado pelo Rio Grande do Sul, em 1845, contudo, não era muito assíduo às sessões e não quis concorrer novamente, alegando falta de competência de sua parte4. Sua profissão de militar não provia renda suficiente para sustentar toda sua família e, por isso, mantinha estância no Uruguai. O general alternou suas funções dando em determinados momentos mais atenção a uma que a outras.

Já Luiz Alves de Lima e Silva, o duque de Caxias, nasceu no Rio de Janeiro em 1803. Seguindo tradição família, entrou na vida militar aos cinco anos no “regimento da família”. O título era simbólico, uma vez que o militar só ingressaria de fato na carreira quando completasse quinze anos5. Em 1818, Luiz Alves entrou na Real Academia Militar e em 1822 já havia conseguido o posto de tenente. De acordo com Adriana Barreto, em 1823, o futuro duque de Caxias seguiu com o Batalhão do Imperador D. Pedro I que buscava libertar a Bahia das tropas portuguesas no pós-independência. Esse período conferiu certa experiência ao jovem tenente que, em seguida, participou também da Guerra da Cisplatina. Segundo Barreto:

As trajetórias de Luiz Alves de Lima e Manoel Luis Osório se assemelham. Apesar de ter cursado a Real Academia Militar, não foi nos bancos escolares que Luiz Alves aprendeu ofício. Também aprendeu na prática, à moda dos tarimbeiros. Mas esse aprendizado não

2 DORATIOTO, Francisco Fernando Monteoliva. General Osório: a espada liberal do Império. São Paulo; Companhia das Letras, 2008.

3 OLIVEIRA, Rodrigo Perez. As armas e as letras: a Guerra do Paraguai na memória oficial do Exército brasileiro (1881-1901). Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: PPGHIS/UFRJ, 2011.

4 Op. Cit.,DORATIOTO, p.80

5 SOUZA, Adriana Barreto de. Experiência, configuração e ação política: uma reflexão sobre as trajetórias do duque de Caxias e do general Osório. Topoi, v.10, n. 19, jul-dez, 2009. p.90-11.

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incluía apenas lições de guerra: esses jovens, ao circularem entre tantos militares e autoridades políticas de prestígio, aprendiam a negociar6.

Todavia, apesar da semelhante trajetória, ao final do conflito da Cisplatina, Luiz Alves foi promovido ao posto de sargento-mor do Exército. Tal situação explicada pelas redes de socialização de Luiz Alves e ao fato de que sua família já possuía uma tradição militar. Assim como Osório, o futuro duque de Caxias também estava inserido na política imperial, mas distintamente de seu contemporâneo, era filiado ao Partido Conservador.

Duque de Caxias foi o comandante-em-chefe das forças brasileiras na guerra contra o Paraguai. Quando assumiu o posto, em 1866, tinha a missão de reorganizar o Exército, colocando um fim nas disputas políticas entre os chefes, buscando, dessa forma, fortalecer a posição brasileira no conflito. De acordo com Francisco Doratioto:

A atividade de Caxias para reorganizar o Exército era intensa: comprava cavalos e mulas, vitais para as operações militares, e melhorava a alimentação desses animais. Realizaram-se obras adicionais de defesa, que transformaram o acampamento de Tuiuti em verdadeira posição defensiva. Caxias tentava organizar melhor suas tropas, ao treiná-las, e, enquanto, aguardava a chegada do reforço do 3º Corpo de Exército, buscou mapear a região em volta de Tuiuti e identificar posições inimigas7.

Tanto Osório, quanto Caxias foram militares com papel de extrema relevância para a vitória na Guerra do Paraguai. Ambos de trajetória militar e políticas no Império, foram elevados a heróis da nação após o conflito que seria o maior e mais sangrento da América do Sul. Além de terem chegado ao posto mais alto da hierarquia militar, o de marechal, ambos foram ainda agraciados por D. Pedro II com títulos nobiliárquicos: Manoel Luis Osório, o de Marquês do Herval, e Luiz Alves de Lima e Silva pelo que é mais conhecido, Duque de Caixas.

Considerando isso, nosso objetivo nesse artigo é compreender como a jovem República brasileira ressignificou a memória de dois militares do Império com a construção de monumentos em sua homenagem no Rio de Janeiro em um período de turbulência e na busca pela legitimação do regime.

6 SOUZA, Adriana Barreto de. Experiência, configuração e ação política: uma reflexão sobre as trajetórias do duque de Caxias e do general Osório. Topoi, v.10, n. 19, jul-dez, 2009. p.103.

7 DORATIOTO, Francisco Fernando de Monteoliva. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 293-295.

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jovem República e a busca por legitimação

Com a proclamação da República em 1889, o Brasil passou por um período de crises e incertezas políticas. Promulgada em 1891, a nova Constituição brasileira promoveu a separação entre Estado e Igreja. Com isso, passou a se manifestar no Brasil a noção de

religião civil 8, que seria o fim do culto aos reis e religiões por um culto e sacralização do Estado. Segundo Anne-Marie Thiesse, “a ideia de nação triunfa, estende-se a todo o mundo e realiza uma catolicidade, no sentido etimológico do termo” 9.

Dessa forma, com a laicização do poder, caracterizada pela união entre povo e Estado, a elaboração do imaginário social passa a ter um lugar essencial para disseminar o discurso oficial da nação. Segundo José Murilo de Carvalho10, o imaginário é formado e expressado por meio de símbolos e ritos dos valores políticos e sociais adotados. Neste período no Brasil, a construção de uma identidade nacional estava relacionada com a necessidade de construir mitos fundadores da República, mas ainda permeada pelas memórias do recente passado Imperial. A definição dos heróis da nação, considerando as disputas políticas e ideológicas neste momento de ruptura com o regime monárquico, torna-se ainda mais problemática.

A capital da jovem República, o Rio de Janeiro, foi o centro das transformações decorrentes das primeiras décadas do regime republicano. As alterações eram circunscritas ao âmbito político, mas afetavam também os econômicos, sociais e culturais. A República, que em sua essência aludia a mais liberdade e participação popular, trazia consigo expectativas de progresso para a cidade. No entanto, o cenário não era tão promissor quando considerada a grave crise econômica promovida pela política de especulação do Encilhamento, atrelada ao impacto no crescimento da população ocasionado pela chegada de imigrantes e o êxodo das cidades interioranas. Além disso, existiam intensos problemas de saúde, saneamento e habitação no distrito federal. Considerando todo esse quadro de instabilidade na capital, e no país, o governo instaurado viu a necessidade, ainda maior, de buscar determinados alicerces para fundamentar o regime. De acordo com José Murilo de Carvalho:

A elaboração de um imaginário é parte integrante da legitimação de qualquer regime político. É por meio do imaginário que se podem atingir não só a cabeça, mas, de modo especial, o coração, isto é, as aspirações, os medos e as esperanças de um povo. É nele que as sociedades definem suas identidades e objetivos, definem seus inimigos, organizam seu

8 “Conjunto deísta de crenças, ritos e símbolos indissociável de um projeto de educação nacional”. (CATROGA, Fernando. Pátria e nação. p. 19).

9 THIESSE, Anne-Marie. A criação das identidades nacionais: Europa - séculos XVIII-XX. Lisboa, 2000, p. 225.

10 CARVALHO, José Murilo. A formação das almas: O imaginário da república no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

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passado, presente e futuro. O imaginário social é constituído e se expressa por ideologias e utopias, sem dúvida, mas também (...) por símbolos, alegorias, rituais, mitos11.

Além da necessidade de sanar toda a crise e incerteza ocasionada pela transição de governo, os republicanos precisavam, ainda, fortalecer e justificar o sistema político proclamado. Segundo Anne-Marie Thiesse, a consolidação do Estado-Nação exigiu antes a determinação de uma memória oficial, constituída por meio de mitos e ritos de um passado comum construído através de escolhas e apropriações. Para a historiadora, a construção da nação está diretamente ligada à modernidade e para sobreviver às intensas transformações sociais e econômicas, ela se equilibra a partir do culto da tradição. Nesse sentido, a nação só se mantém a partir do interesse coletivo, ou seja, ela deve ter significado para a população. Para isso, existe a necessidade de um projeto pedagógico nacional de transmissão e perpetuação da memória nacional12.

Segundo Pierre Nora, a modernidade teria promovido uma ruptura no equilíbrio temporal, ou seja, ela teria provocado um distanciamento cada vez maior entre presente-passado e, com isso, a perda de um referencial identitário nos indivíduos. Assim, a emergência do culto a memória está relacionada com uma aceleração da história. Para Nora, as sociedades-memória, onde habitava a memória verdadeira, espontânea e em permanente evolução, transportaram-se para as sociedades-história, condenadas ao esquecimento e ao trabalho reconstrutor da história. Sendo assim, o sentimento de continuidade dos indivíduos torna-se residual aos “lugares de memória”, os quais necessitam de significação, em outras palavras, precisam carregar simbolismo para alguém. De acordo com Nora:

São lugares com efeito nos três sentidos da palavra, material, simbólico e funcional, simultaneamente, somente em graus diversos. Mesmo um lugar de aparência puramente material, como um depósito de arquivos, só é lugar de memória se a imaginação o investe de uma aura simbólica. Mesmo um lugar puramente funcional, como um manual de aula, um testamento, uma associação de antigos combatentes, só entra na categoria se for objeto de um ritual13.

Já para Fernando Catroga14, história e memória compartilham das mesmas características, são dependentes das demandas do tempo presente. Ambas se definem a partir de atos de re-presentificação, que ocorrem pela institucionalização de símbolos que

11 CARVALHO, José Murilo. A formação das almas: O imaginário da república no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.10.

12 THIESSE, Anne-Marie. A criação das identidades nacionais: Europa - séculos XVIII-XX. Lisboa, 2000. 13 NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. In: Projeto História: São Paulo, 1993. p.21.

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648 promovam no presente um vínculo com o passado comum, com o objetivo de manter a coesão social. Segundo Catroga, a memória se constitui pelas inúmeras vozes que a cercam. Ou seja, a memória individual se desenvolve a partir da coexistência de várias memórias – família, grupo social, região, etc. − em uma sobreposição de memórias. Da mesma forma se constitui a memória de determinado grupo social ou, mais amplamente, a memória de uma nação.

O projeto de nação, ao mesmo tempo em que buscava apresentar um Estado moderno, deveria estar vinculado às tradições, garantindo a estabilidade da nação15. Para tanto, a construção de monumentos se insere nessa demanda de produção de cidadãos orgulhosos das conquistas e heróis da nação. De acordo com Paulo Knauss, a primeira escultura urbana inaugurada no Brasil foi a estátua equestre de D. Pedro I, em 1862, iniciando no país a tradição do monumento. Para Knauss, “a iniciativa de promoção da imagem urbana de caráter histórico e escultórico baseava-se na recordação de um personagem do passado, concebido como herói, capaz de uma ação extraordinária fundadora da nação” 16.

Conforme o historiador17, o monumento erguido em praça pública, acessível à população, cumpre um objetivo didático de expressão dos valores simbólicos idealizados pelo poder público. A construção de um monumento em homenagem a um personagem da história do país, no caso, um herói de uma guerra nacional, coloca em pauta questões que envolvem a escolha desse indivíduo. Essa escolha não é arbitrária, ela é realizada com um objetivo específico de materializar um discurso, uma determinada memória, sendo assim um mecanismo de construção da identidade nacional.

Osório e Caxias: os heróis de bronze da República

A primeira intenção de erigir um monumento em homenagem ao general Osório ocorreu por ocasião do seu falecimento, em 1879. A ideia não se concretizou sendo retomada somente em 1887, quando definida a Comissão do Monumento ao General Osório. Dois anos antes, em 1885, já havia sido determinado que a estátua seria alocada na praça entre o Campo da Aclamação e o quartel militar18.

Da mesma maneira, um pouco após a morte de duque de Caxias têm-se a primeira iniciativa de construir uma estátua em sua homenagem. Em 30 de junho de 1880, uma

15 THIESSE, Anne-Marie. A criação das identidades nacionais: Europa - séculos XVIII-XX. Lisboa, 2000. 16 KNAUSS, Paulo. A festa da imagem: a afirmação da escultura pública no Brasil do século XIX. 19&20, Rio de Janeiro, v. 5, n. 4, out./dez. 2010. p. 180. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/obras/pknauss.htm>. Acesso em: 06/05/2017.

17 KNAUSS, Paulo. (coord.). Cidade vaidosa: Imagens urbanas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Sette letras, 1999.

18 Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro (Agora, AGCRJ). Fundo Câmara Municipal. Série Monumentos. 46.3.34

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649 comissão de nobres e militares encaminhou um ofício a Câmara Municipal da Corte comunicando a intenção de se erguer um monumento na capital:

Não podem, portanto, os brasileiros esquecerem um vulto dos mais elevados dotes, dos mais nobres sentimentos, dos mais relevantes serviços, do mais acrisolado patriotismo, que paira e realça com fulgor particular nos anais e fastos da sua pátria. Não é dever provar-lhe a gratidão pública, até mesmo para animar os vindouros a respeitar os nossos dignos de perpétua memória19?

Para a construção de ambos os monumentos foi aberta a subscrição popular e o artista escolhido para esculpi-los foi Rodolfo Bernadelli. Bernardelli foi um dos principais escultores no período, estudou em Roma durante nove anos e retornou ao Brasil, em 1885. Além disso, foi nomeado professor de estatuaria da Academia Imperial de Belas Artes20, o que demonstra sua importância. O contrato do monumento ao Osório foi assinado em 14 de janeiro 1888 e quatro meses depois foi assinado também o de duque de Caxias. O local sugerido pela comissão, à época, foi a Praça Duque de Caxias, atual Largo do Machado.

Em 1889, ocorreu o golpe militar que apeou o Império e, apesar de a República ser um tipo de sistema de governo que por ideal deveria ser centrado no povo, a mudança de regime no Brasil se caracterizou pela ação dos militares e apoio de classes dirigentes, praticamente sem participação popular. Nesse sentido, havia uma necessidade de ressignifcar a identidade da nação, valorizando um passado glorioso e, assim, legitimando o recente governo republicano, ainda que tivesse que se recorrer a eventos do Império.

Considerando isso, em 1890, o lugar em que o monumento ao general Osório seria erguido foi modificado do Campo da Aclamação para a Praça XV de Novembro, região central do Rio de Janeiro. Logo, podemos perceber um destaque a figura de Osório, neste momento, uma vez que tal local está diretamente vinculado a data de instauração do novo regime. Outro esforço que a República desempenhou foi conceder a remoção dos jardins da praça para melhorar a circulação do público e colocar o monumento em evidência, adquirindo maior imponência.

Apesar de ambas as estátuas equestres serem de autoria do mesmo artista, pode-se perceber as diferenças realizadas nos conjuntos monumentais. O Osório de Bernadelli foi representado em contexto de batalha. Enquanto empunhava a espada, segurava as rédeas, como se guiasse o cavalo. O animal, esculpido com uma das patas para cima, imprimia

19 ACGRJ. Fundo Câmara Municipal. Série Estátuas. 43.1.66.

20 Com a Proclamação da República, a Academia passa por uma reforma e muda seu nome para Escola Nacional de Belas Artes, a qual Rodolfo Bernardelli ocupou o cargo de diretor durante 25 anos.

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650 movimento à estátua. O general foi eternizado vestido com uniforme militar de combate, no entanto, sem suas botas, pois já não as usava mais devido a ferimentos obtidos na guerra.

O monumento de general Osório foi inaugurado em 1894, o primeiro a ser erguido pela recente República. Em 12 de novembro, em uma semana de comemoração ao aniversário do regime, teve lugar uma grande cerimônia para a divulgação da estátua de bronze de canhões derretidos da guerra. No pavilhão central em frente a ele, encontrava-se a família de Osório, a comissão promotora do monumento, ministros, o futuro presidente Prudente de Moraes, senadores e deputados, o prefeito da cidade e legações da República Argentina e Uruguaia. O presidente, marechal Floriano Peixoto não compareceu por motivos de doença, tendo sido representado pelo tenente-coronel Borges da Fonseca Junior e capitão-tenente Sadock de Sá21.

Na parte dianteira da estátua os dizeres: “A Osorio o Povo 1884” 22. Além disso, inscrições e coroa de louro na lateral e alto relevo representando as suas principais batalhas. No primeiro degrau, parte anterior, emblemas em bronze com os principais atos da vida civil e, parte posterior, “livro da história”, onde seria gravado o dia do nascimento do general. Além disso, deveria ser colocado seu poncho e espada e de ambos os lados do monumento colocados seus troféus militares23. Um dia antes da inauguração, o jornal republicano O Paiz publicou em sua capa uma enorme imagem do monumento que viria a ser apresentado ao público no dia seguinte24.

Já a estátua equestre de Caxias foi inaugurada, em 15 de agosto de 1899, na praça escolhida ainda no Império e de mesmo nome do militar. O Caxias de Bernadelli se encontra austero, não empunha sua espada e nem seu cavalo parece estar em movimento. Os relevos representam a Batalha de Itororó e a entrada do comandante em Assunção, capital paraguaia. De um lado a inscrição “A Caxias tributo nacional 1899” e doutro a coroa ducal com as minúcias heráldicas25. Apesar de o jornal O Paiz não ter divulgado a solenidade de divulgação com o mesmo entusiasmo ocorrido com o monumento de Osório, no dia seguinte demonstrava a importância do evento com a descrição de toda a cerimônia que contou com a presença do então presidente, Campos Salles, de delegação argentina, de membros de várias esferas políticas e de militares de alta patente.

21 Jornal do Commercio (RJ). 13 de novembro de 1894. Hemeroteca Digital Biblioteca Nacional. 22 A inscrição está datada erroneamente, com 10 anos mais cedo.

23 AGCRJ. Fundo Câmara Municipal. 46.3.41 24 O Paiz. 11 de novembro de 1894.

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651 Apesar de terem sido esculpidas pelo mesmo artista e confeccionadas ao mesmo tempo, a representação dos militares é distinta, assim como suas personalidades são descritas em suas biografias. Osório sempre aludido a um caráter descontraído e bravo soldado e Caxias como um típico militar, mais enrijecido e estrategista. Nesse sentido, pode-se fazer um paralelo ao maior investimento dado ao monumento de Osório, pois ainda que não fosse ligado ao Partido Republicano, era do Partido Liberal e apoiava uma descentralização política, enquanto Caxias era do Partido Conservador. Além disso, no conjunto monumental de Osório não existe nenhuma alusão ao seu título nobiliárquico, todavia no de Caxias se encontra menção a Monarquia, com a representação da coroa ducal.

Outro ponto relevante é a escolha do local para a construção do monumento, enquanto a estátua de Caxias foi erguida numa praça de mesmo nome do militar, a de Osório foi colocada na Praça XV, remetendo diretamente a data de proclamação do novo regime. Monumentos possuem um sistema complexo de significados, no qual mesmo o lugar onde são construídos é carregado de simbolismo26. Nesse sentido, a praça onde foi estabelecida a construção do monumento era historicamente uma praça simbólica para a nação, cujo em torno possuía referências importantes para a memória popular, como, por exemplo: o Paço Imperial, a Casa do Trem, o Chafariz do Mestre Valentim, além de ser a primeira visão dos visitantes e estrangeiros que chegavam ao Rio de Janeiro, então capital federal.

26 PROST, Antoine. Monuments to the dead. In: Pierre Nora (ed.), Realms of memory: rethinking the French. Traditions 2 (1996): 307-32.

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Figura 1

Estátua equestre General Osório

Figura 2 Estátua equestre Duque de Caxias

Considerações finais

O presente artigo buscou demonstrar que as estátuas do general Osório e de duque de Caxias fizeram parte de um esforço da recente República brasileira em ressignificar a memória de ambos militares, assim como da Guerra do Paraguai. Os dois monumentos foram construídos em praça pública evidenciando o caráter pedagógico da estatuária urbana.

As primeiras investidas em erguer as estátuas ocorreram ainda no Império, contudo, foi durante a primeira década da jovem República que se estabeleceu todo o imaginário social em torno das imagens dos militares em questão. O projeto inicial do monumento ao Caxias não sofreu modificações, sendo mantido até mesmo o local a ser erguido. No entanto, o monumento ao Osório sofreu alteração no lugar de construção do monumento, da praça próxima ao Campo da Aclamação para a Praça XV, quem além da importância histórica, era também porto de chegada e saída de visitantes, e, por isso, cartão de “boas vindas” da capital do país, o que demonstra o investimento em destacar a estátua.

As festas promovidas para a inauguração de ambos os monumentos ocorreu com solenidades e contou com a presença de figuras importantes para a sociedade brasileira, de distintos segmentos sociais, assim como legações estrangeiras. Logo, ainda que o general

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Osório e

duque de Caxias tenham sido militares e reconhecidos por suas realizações na Guerra do Paraguai, empreendida pelo Império brasileiro, suas memórias foram apropriadas pela jovem República. Sendo assim, ainda que tenha existido, num primeiro momento, esforço maior na promoção da figura de Osório, os dois monumentos fazem parte de um esforço republicano em promover uma história de glórias da nação e, assim, apaziguar as turbulências legitimando o regime republicano, ainda sem um símbolo maior.

Referências Fontes

- Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro

Fundo Câmara Municipal. Coleção Conselho de Intendência. Série Monumentos. - Hemeroteca Digital Biblioteca Nacional

O Paiz (RJ) 1884-1899

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