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FROM THE FEMINIST MOVEMENT TO THE DOMESTIC DISPUTE FORMS OF RESOLUTION: THE REAL MOTIVATION OF THE CRIMINAL POLICY TO COMBAT VIOLENCE AGAINST WOMEN.

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DO MOVIMENTO FEMINISTA ÀS FORMAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS DOMÉSTICOS: A REAL FUNDAMENTAÇÃO DA POLÍTICA

CRIMINAL DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER.

FROM THE FEMINIST MOVEMENT TO THE DOMESTIC DISPUTE FORMS OF RESOLUTION: THE REAL MOTIVATION OF THE CRIMINAL POLICY TO

COMBAT VIOLENCE AGAINST WOMEN.

Débora de Lima Ferreira1

RESUMO

Os movimentos feministas, visando o “empoderamento”, demandaram maior enrijecimento penal, o que resultou na criação da Lei Maria da Penha – Lei n.º 11.340/2006. O recrudescimento das penas abstratamente previstas legitima o objetivo do ordenamento jurídico, mas esta regra é inapropriada para os problemas domésticos e familiares, manifestando-se um simbolismo penal. O presente trabalho se propõe a evidenciar, sob a égide da Criminologia Crítica, os objetivos declarados de punição criminal da Lei Maria da Penha. Para tanto, fez-se necessário situar o papel da mulher no direito penal brasileiro, destacar a trajetória dos movimentos feministas, analisar as formas de resolução de conflitos domésticos introduzidos pela Lei 11.340/2006 e, por fim, investigar as reais funções da referida lei no enfrentamento da criminalidade doméstica de gênero.Foi fundamental, ainda, trazer dados da realidade da violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como os argumentos utilizados nos embates travados na academia e nos Tribunais relativos ao recrudescimento no tratamento dos conflitos domésticos e familiares.

PALAVRAS-CHAVE: movimentos feministas; violência doméstica e familiar contra a

mulher; Lei Maria da Penha; formas de resolução de conflitos domésticos.

ABSTRACT

Feminist movements, aimed at "empowering", demanded greater criminal stiffening, which resulted in the creation of the Maria da Penha Law - Law No. 11.340/2006. The resurgence of penalties provided abstractly legitimizes the goal of the legal system, but this rule is inappropriate for domestic and family problems, manifesting criminal symbolism. This study aims to demonstrate, under the aegis of Critical Criminology, the stated objectives of criminal punishment of Maria da Penha Law. For this purpose, it was necessary to define the role of women in the Brazilian criminal law, highlight the trajectory of feminist movements, examine ways of resolving domestic conflicts introduced by Law 11.340/2006 and finally, investigate the actual functions of the Law in fighting domestic crime genre. It was also essential to bring data from the reality of domestic violence against women, and the arguments used in the academical debates and in the Courts relating to the stiffening of treatment of domestic and family conflicts.

KEYWORDS: feminist movement; domestic and familiar violence against women; Maria da

Penha Law; forms of domestic dispute resolution.

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Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Católica de Pernambuco. Professora de

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1 O papel da mulher no direito penal brasileiro

As dimensões das relações na sociedade sempre inferiorizaram a mulher, tendo em vista os pilares de seus estabelecimentos: o patriarcalismo e o capitalismo. Reservaram-se a elas os aspectos estáticos e privados, em razão de um controle social neutralizado, que reflete padrões e comportamentos construídos e aceitos culturalmente. O poder exercido sobre as mulheres é reflexo de fundamentos ideológicos e não naturais e condiciona a repartição dos recursos e a posição superior de um dos sexos (BARATTA, 1999, p. 32), estabelecendo, assim, limites específicos para as mulheres exercerem sua cidadania e autonomia.

Foi comum haver, na cultura ocidental, a divisão entre o masculino e o feminino, entre o público e o privado, entre o ativo e o passivo, entre o forte e o fraco e entre o viril e o recatado. Foi, pois, a partir dessa divisão, que os espaços, papéis e estereótipos femininos foram criados, posto que, em cada uma dessas dicotomias, ao homem era associada a primeira categoria, hierarquicamente superior à segunda, atribuída à mulher (BARATTA, 1999, p. 27).

Na estrutura da sociedade patriarcal, portanto, o varão é o produtor e as mulheres não precisam se preocupar em ganhar dinheiro; a “prestação” que lhes cabe no contrato do casamento, em contrapartida, é a satisfação de seu marido, provedor da casa, e a manutenção da instituição familiar (LARRAURI, 2008, p. 1-13).

Desenvolveu-se, nesse contexto, uma sociedade patriarcalista e, obviamente, o direito não ficou alheio à reprodução da diferenciação entre os gêneros. Nesse sentido, afirma Marília Montenegro:

A grande preocupação do direito era limitar a mulher na sua capacidade cível, no seu poder patrimonial, na sua educação, e, de forma geral, no seu poder de decisão no seio social e familiar. E essa limitação cabia ao Direito Civil. Já para o Direito Penal, a preocupação era mínima, pois as mulheres, como regra, representavam o papel de vítima. Um ser frágil, doméstico, dependente, pouco ou nenhum perigo oferecia à sociedade e não precisaria, assim, sofrer tutela do Direito Penal. O papel de cometer crimes cabia ao homem sujeito ativo, dominador e perigoso (MELLO, 2010a, p. 138).

A força da ordem masculina é tão forte que dispensa qualquer forma de justificação: a visão androcêntrica impõe-se como neutra e não tem necessidade de se enunciar em discursos que visem a legitimá-la (BOURDIEU, 2003, p. 75). O direito é também, sem dúvida, uma das formas de legitimar essa visão.

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Nesta sociedade patriarcalista, os estigmas impostos pelo sistema penal, especialmente os relacionados à sexualidade, legitimavam exigências de padrões comportamentais femininos, e também contribuíam para ressaltar os mecanismos de controle sobre as mulheres, que, neste contexto, resumiam-se à aplicação, pelos homens, de penas privadas no núcleo da instituição familiar, em nome da “proteção da família”, da “defesa da honra” e da “garantia do pátrio poder”. Nesse ínterim, com frequência, o controle patriarcal resultava na prática de violência contra a mulher (BARATTA, 2002, p. 19-80).

Como não havia igualdade de direitos entre homens e mulheres, a maioria dos crimes praticados contra as mulheres não chegava ao conhecimento das autoridades ou, quando chegava, por algum motivo, não resultava em processo criminal, gerando a chamada “cifra oculta” do crime (SUTHERLAND, 1985, p. 86). Por conseguinte, tinha-se falsa impressão de que não havia violência alguma contra a mulher. Após a vigência da Constituição Federal Brasileira de 1988, com a equiparação dos direitos das mulheres aos dos homens, contudo, a violência de gênero passou, paulatinamente, a ter um tratamento diferenciado no sistema jurídico brasileiro.

Com o objetivo de reformar o Poder Judiciário, maculado pela morosidade e sobrecarregado de processos, em 1995, foi promulgada a Lei n.º 9.099 que, em atenção ao disposto no artigo 98, I, da Constituição Federal, regulamentou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Pautados pela oralidade, economia processual e informalidade, buscando, na medida do possível, a conciliação e a transação, os Juizados Especiais foram bastante aclamados por terem recepcionado preceitos minimalistas voltados para a despenalização e não carcerização, gerando um aparente avanço na política criminal brasileira.

Os Juizados Especiais Criminais passaram a ser competentes para julgar as infrações penais definidas pela Lei como de menor potencial ofensivo e, conforme o modelo de justiça consensual, a solução dada era sempre voltada para a conciliação, transação penal ou suspensão condicional do processo.

Os delitos praticados contra a mulher no contexto da violência doméstica são, majoritariamente, ameaças, crimes contra a honra e lesões corporais leves. Em razão da pena a eles cominada, passaram a ser concebidos como crimes de menor potencial ofensivo e, portanto, julgados no âmbito dos Juizados Especiais Criminais. Não se esperava, entretanto, que estes crimes praticados contra a mulher chegariam a corresponder a cerca de 70% (setenta por cento) dos processos julgados nesses Juizados (CAMPOS; CARVALHO, 2006, p. 419). Na cidade de Recife, capital do Estado de Pernambuco, por exemplo, a demanda foi tão

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grande que tornou necessária a criação de um Juizado Especial Criminal específico para atender a enorme demanda dos casos de violência contra a mulher.

Dentro dos Juizados Especiais constatou-se, pois, que a família, espaço de proteção, onde laços de amor e afeto são construídos, é também, paradoxalmente, um local de violência e violação. No contexto da violência doméstica, então, o homem, marido e companheiro passou a ser confundido com o agressor (ANDRADE, 2005, p. 95).

O conceito de crime de menor potencial lesivo da Lei 9.099/95, todavia, não compreendeu a natureza específica da violência doméstica, visto que desconsiderou a relação hierarquizada e de poder sobre as mulheres presente no ambiente afetivo e familiar (ROMEIRO, 2009, p. 54). Logo, na prática, o julgamento da violência de gênero nos JECrims demonstrou-se ineficaz, pois o propósito de escuta das vítimas era inverso ao procedimento utilizado, e as soluções apresentadas, através da transação penal, composição civil, aplicação de multas e “penas de cesta básica”, findaram em banalizá-la (CAMPOS; CARVALHO, 2006, p. 421).

Assim, sob forte pressão política, dada ao aparente aumento dos casos de violência doméstica contra a mulher e a evidente incapacidade dos Juizados Especiais e em julgar casos de violência doméstica contra a mulher e consequente disparidade com o estabelecido na Convenção de Belém do Pará e Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, das quais o Brasil é signatário, surgiu a Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha.

2 O movimento feminista e o empoderamento via direito penal

No Brasil, o reconhecimento das mulheres enquanto novo sujeito social deveu-se, essencialmente, ao estabelecimento do feminismo, um movimento que visa consagrar não só os direitos das mulheres, mas também os direitos sociais, humanos e políticos. Neste sentido, as feministas têm um desafio político e pedagógico - o da formação de mulheres conscientes da experiência de ser mulher sob o sistema patriarcal e o capitalista (CAMURÇA, 2007, p. 19).

O feminismo, como movimento social, é um movimento essencialmente moderno, surge no contexto das ideias iluministas e das ideias transformadoras da Revolução Francesa. Desde os primórdios da Revolução Francesa, no século XVIII, é possível identificar mulheres, que de forma mais ou menos organizada, lutaram por seu direito à cidadania, a uma existência legal fora da casa, único lugar em que tinham algum tipo de reconhecimento como esposas e

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mães. No entanto, os movimentos feministas só passaram a ganhar reconhecimento e a se organizarem no Brasil, a partir da década de setenta, empreendendo muitas lutas em favor da emancipação e da igualdade entre os sexos (ANDRADE, 2003, p. 133-134).

As mulheres aceitaram o princípio da diferença sexual, mas o rechaçaram como fundamento para a discriminação injustificada. As líderes dos movimentos de mulheres criticaram seu tratamento diante da lei e impugnaram os termos de sua exclusão social e política, mas o fizeram de forma que reconheciam a importância do seu papel na família, um argumento que foi utilizado tanto pelas feministas quanto pelos estados, ainda que com fins distintos (MOLYNEUX, 2003, p. 79).

O feminismo busca a transformação de um nascer mulher, para um tornar-se “mulher”, baseando-se no enfrentamento das questões de gênero, um termo identificado como categoria de análise para demonstrar e sistematizar as relações de dominação e subordinação, que envolvem homens e mulheres, em que aqueles se impõem sobre estas (TELES, 2003, p. 16).

Sobre a construção do conceito de gênero Joan Scott destaca:

Na sua utilização mais recente, “gênero” parece primeiro ter feito sua aparição entre as feministas americanas que queriam insistir sobre o caráter fundamentalmente social das distinções fundadas sobre o sexo. A palavra indicava uma rejeição ao determinismo biológico implícito no uso de termos como “sexo” ou “diferença sexual”. O gênero enfatizava igualmente o aspecto relacional das definições normativas da feminilidade. Aquelas que estavam preocupadas pelo fato de que a produção de estudos femininos se centrava sobre as mulheres de maneira demasiado estreita e separada utilizaram o termo “gênero” para introduzir uma noção relacional em nosso vocabulário de análise (SCOTT, 1990, p. 5).

A perspectiva de gênero para a mulher enquanto sujeito político pode ser sintetizada: para nós, trata-se de uma categoria de análise sobre como se constroem e se manifestam as relações de poder na sociedade, fundamentadas na percepção das diferenças entre os sexos (LARANJEIRA, 2008, p. 13).

Na esteira das evoluções dos direitos das mulheres, salienta-se a importância do feminismo brasileiro na realização de políticas públicas a fim de estabelecer cidadania e democracia. Sabe-se, ademais, que a luta dos movimentos feministas são contínuas e árduas, pois as injustiças e mazelas causadas em nossa sociedade como consequência de uma

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colonização patriarcal capitalista fragmentam-se no espaço e no tempo, atingindo gerações. A cartografia da opressão nunca está terminada, nem mesmo agora (CAMURÇA, 2007, p. 15).

Na perspectiva de emancipação da mulher e seu respectivo empoderamento, o pleito dos movimentos feministas foi uma novel legislação – Lei nº 11.340/2006 - a título de equilíbrio, que pretende proteger a mulher nas situações em que ela possa ser fragilizada pela violência. Cabe à lei ordinária tratar desigualmente os desiguais em determinadas situações excepcionais e específicas (MELLO, 2009, p. 474).

A Lei Maria da Penha nasce no sentido de atender esta demanda feminista, e a despeito de inúmeras críticas que foram lançadas, afastou do âmbito do JECRIM o julgamento dos crimes perpetrados com violência doméstica e familiar contra a mulher.

Assim, todas as infrações, quando cometidas em razão de vínculo de natureza familiar, estão sob a égide da Lei Maria da Penha. Nesses casos há possibilidade de aplicação de penas restritivas de direitos, exceto as de natureza pecuniária, e penas privativas de liberdade. A pretensão do legislador de retirar a possibilidade de apenar o agressor com medidas que são, reconhecidamente, inócuas – sob o olhar daqueles que têm a crença na prevenção geral, atendendo as demandas de castigo de algumas vertentes do movimento feminista - e que por certo não cumpririam com uma das finalidades da pena, qual seja a chamada prevenção geral negativa (cujo fundamento é a intimidação do criminoso levada a efeito pela espécie e quantidade da pena atribuída àqueles que cometem determinada conduta criminosa) (DIAS, 2010, p. 141).

O movimento feminista, portanto, representou um grande marco na história do Brasil e de importância indiscutível no combate à violência contra a mulher. As pretensões de inibição das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher fundamentaram o discurso criminalizador, isto é, a estratégia penal, em falência no cenário atual, foi selecionada como maneira de enfrentamento daquelas formas, representando o falacioso discurso oficial de emancipação da mulher.

3 As estratégias sistemáticas da Lei Maria da Penha: o recrudescimento do tratamento da violência doméstica contra a mulher como reflexo de um direito penal simbólico

O posicionamento político-ideológico que defendeu a criminalização da violência doméstica e familiar contra a mulher e o recrudescimento das normas penais e processuais penais no enfrentamento dessa violência tendeu por afastar a aplicação das medidas despenalizadoras por tê-las como representação da impunidade. O principal argumento para

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essa postura se funda, em síntese, na banalização do crime praticado contra a mulher, decorrente da brandura da resposta penal proposta pela Lei 9.099/95, de modo que além de não contribuir para a prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher, têm contribuído para exarcebar o sentimento de impunidade e alimentar o preconceito e a discriminação contra as mulheres na sociedade brasileira (CUNHA, 2009, p. 116).

A Lei Maria da Penha nasce a partir deste discurso a depeito de inúmeras críticas que foram lançadas sobre a Lei dos Juizados Especiais no tratamento dos conflitos domésticos e familiares.

No entanto, resta questionar: as aspirações de emancipação feminina viabilizadas via discurso criminalizador têm sido atendidas? As situações de violência domésticas e familiar contra a mulher reduziram desde a promulgação da Lei Maria da Penha? Ou vislumbra-se, ainda que por meio dessa nova legislação penal específica, que as situações de violência doméstica contra a mulher ganharam outras formas, fazendo funcionar a ordem social como uma imensa máquina simbólica tendente a ratificar a dominação masculina sobre a qual se alicerça, condenando tudo que pudesse ofuscar tal dominação, já que os discursos não mudaram muito do final do século XIX até hoje? (BOURDIEU, 2003, p.18).

Com efeito, as soluções contemporâneas dadas ao crime ganham um novo semblante bastante paradoxal, visto que na tentativa de se tutelar bens jurídicos, garantir a segurança populacional e educar a moral societária, são utilizadas leis penais. Contudo, tais legislações são simbólicas, pois não conseguem cumprir, sequer minimamente, as funções que lhes são atribuídas, como também, muitas vezes, põem em risco os próprios bens que pretendem proteger (FAYET JÚNIOR; MARINHO JÚNIOR, 2009, p. 86-89).

É bem verdade que o conceito de direito penal simbólico não guarda nenhuma sistematicidade e significado preciso, mas não se pode olvidar que representa, pelo menos do ponto de vista crítico, a oposição entre o explícito e o implícito, entre realidade e aparência, entre manifesto e latente, entre o verdadeiramente querido e o que de outra forma é aplicado (HASSEMER, 1991, p.103).

Face, portanto, ao compadecimento social com a história de Maria da Penha, à fácil aderência por todos às causas feministas, no que tange à violência doméstica contra a mulher, como também aos fortes anseios e apelos vindicativos midiáticos e coletivos por uma máxima intervenção penal, o Estado, por meio de seus discursos políticos-demagogos, não inovou e decidiu governar através da simbólica intervenção punitiva e fez por encerrada sua suposta atuação voltada para a solução do problema social “iluminado”. Surgiu, assim, no cenário

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jurídico nacional a Lei n.º 11.340/2006 como resposta política às fortes demandas midiáticas e populacionais por ações mais incisivas contra a criminalidade doméstica.

Diante do exposto, a Lei Maria da Penha, no contexto das legislações de emergência, trouxe muitas alterações recrudescedoras para o mundo jurídico-penal, de modo que foi bastante aclamada pelos militantes em prol dos direitos das mulheres e tida como um marco para autonomia e segurança feminina. No entanto, as pretensões da criminalização provedora são tidas como falaciosas e inócuas.

Nesse sentido, Marília Montenegro assegura:

O uso simbólico do direito penal foi sem dúvida um forte argumento do movimento feminista para justificar a sua demanda criminalizadora. É certo que as normas penais simbólicas causam, pelo menos de forma imediata, uma sensação de segurança e tranquilidade iludindo os seus destinatários por meio de uma fantasia de segurança jurídica sem trabalhar as verdadeiras causas dos conflitos. Daí a afirmação que mais leis penais, mais juízes, mais prisões, significam mais presos, mas não menos delitos. O direito penal não constitui meio idôneo para fazer política social, as mulheres não podem buscar a sua emancipação através do poder punitivo e sua carga simbólica (MELLO, 2010b, p. 940).

A legislação, portanto, trouxe, através de sua redação, a simbólica criminalização de complexos problemas sociais, a qual legitima a ação do sistema penal. No entanto, os estudos de criminologia crítica comprovam o quanto esse sistema está deslegitimado por produzir um falso discurso de erradicação da violência e promoção da segurança (CASTILHO, 2007, p. 104-106).

A lógica da imposição de sanções do sistema penal, através da teoria da pena, apresenta-se aparentemente perfeita, porque, além da promessa de acabar com a criminalidade e garantir a segurança, afirma-se que o delinquente será corrigido. Com efeito, alude-se ao sistema penal, diante de suas promessas, como melhor forma de solução de mazelas sociais.

Entretanto, pesquisas revelam que existe uma relação direta de proporcionalidade entre as variantes: índice de encarceramento e taxas de criminalidade. Portanto, contrariamente ao que se espera como consequência da crescente utilização do cárcere como meio de prevenção do crime, os índices da criminalidade não diminuem, mas aumentam concomitantemente ao aumento dos indicadores da população encarcerada (CID; LARRAURI, 2009, p. 3-13). As prisões não diminuem a taxa de criminalidade: pode-se

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aumentá-las, multiplicá-las ou transformá-las, a quantidade de crimes e de criminosos permanece estável, ou, ainda pior, aumenta (FOUCAULT, 1999, p. 292).

Outrossim, o cárcere revela-se como uma instituição degradante que não realiza a promessa de recuperação do delinquente. A prisão, que ainda é uma pena corporal, só gera sofrimento: impõe um modo de vida peculiar, controlado e negativo ao detento, priva-o a da forma cotidiana de viver, do contato com familiares, amigos e pertences, das relações amorosas, do trabalho, de modo que despersonaliza e dessocializa o prisioneiro (ZAFFARONI, 2001, p.135-136).

Nesse diapasão, é contraditória a utilização da segregação pessoal e consequente afastamento de todas as regras sociais extramuros, com a intenção de integrar o preso, como um passe de mágica, às regras sociais das quais foram afastados. Sem mencionar, ainda, a crise institucional pela qual o cárcere passa em razão das degradantes condições de vida proporcionadas aos prisioneiros. Ademais, as dificuldades de readaptação são potencializadas pelo estigma social que marca um ex-condenado, de modo que, mesmo com a cessação do sequestro institucional, a exclusão social perdura para além do tempo atrás das grades. Como consequência da exclusão constante, altos índices de reincidência são apresentados à sociedade.

Nesse contexto, assevera Vera Andrade:

A pretensão de que a pena possa cumprir uma função instrumental de efetivo controle (e redução) da criminalidade e de defesa social na qual se baseiam as teorias da pena deve, através de pesquisas empíricas nas quais a reincidência é uma constante, considerar-se como promessas falsificadas ou, na melhor das hipóteses, não verificadas nem verificáveis empiricamente. Em geral, está demonstrado, nesse sentido, que a intervenção penal estigmatizante (como a prisão) ao invés de reduzir a criminalidade ressocializando o condenado, produz efeitos contrários a uma tal ressocialização, isto é, a consolidação de verdadeiras carreiras criminosas (ANDRADE, 1999, p. 291).

4 Em busca de uma conclusão: funções declaradas versus não declaradas sob o enfoque da Criminologia Crítica

Em momento propício, entrou em vigor a Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006, com o fim de criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Introduziu no ordenamento jurídico brasileiro uma diferença de tratamento entre os gêneros,

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mesmo quando praticado o mesmo crime. A lei não criou nenhum tipo penal, mas alterou o tipo já existente e eliminou a aplicação das medidas despenalizadoras da Lei 9.099/95, quando a vítima for mulher, bem como algumas penas alternativas.

Essas estratégias de empoderamento, via enrijecimento penal até as suas últimas consequências, defendidas pelos movimentos feministas supostamente retribuiriam o mal ao homem e evitaria a violência doméstica contra a mulher. No entanto, esses resultados não são alcançados na realidade brasileira. Pesquisas demonstram (FERREIRA, 2011) que a maioria das mulheres desistem de seguir com a ação penal pública condicionada ou privada e, consequentemente, poucos agressores são encarcerados, sendo, muitas vezes, a situação resolvida com as medidas protetivas previstas na legislação.

Reconhecer a violência doméstica e familiar contra a mulher como um problema social, portanto, não implica que seja, o Direito Penal, necessariamente a melhor solução. Importante, assim, que sejam discutidos e apresentados quais os objetivos declarados e não declarados da Lei Maria da Penha, a fim de que haja o rompimento com o paradigma penalista tradicional de que só se resolve o problema da criminalidade com rigor penal.

A crescente demanda criminalizadora da violência doméstica no Brasil, como uma forma de evitar a vitimização da mulher nesse tipo de conflito, legitima o objetivo do ordenamento jurídico, mas a regra do direito penal máximo é inapropriada para os problemas domésticos e familiares. Trata-se da manifestação de um direito penal simbólico, porque há uma incongruência entre os objetivos declarados pela norma e os alcançados com a aplicação dela. Deve-se destacar que, nesses casos, a proteção de um bem jurídico, que legitimou a criação da norma, não se verifica na aplicação dela, predominando os efeitos latentes sobre os manifestos.

A abordagem utilizada na análise dos dados da presente pesquisa reflete o discurso da criminologia crítica, o qual atribui o fracasso histórico do sistema penal aos objetivos ideológicos (funções aparentes) e identifica nos objetivos reais (funções ocultas) o êxito histórico do sistema punitivo, como aparelho de garantia e de reprodução do poder social (SANTOS, 2008, p. 88).

A vertente criminológica parte do pressuposto de que o direito deve declarar a função de proteger a ordem social e assim o fazer, sem mistificações a essa pretensão. O que se quis, pois, foi investigar essa coerência por meio de uma metodologia dialética, a qual visou identificar funções latentes – não declaradas, ideologicamente encobertas e tendentes a assegurar a manutenção dos papeis sociais que ela tem no interior do conjunto da sociedade (BARATTA, 2004, p. 95) – e as funções declaradas – que no caso dos movimentos feministas

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se dá pela emancipação da mulher e a diminuição dos crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Mais especificamente, a criminologia feminista surge no âmbito da criminologia crítica com o objetivo de trazer a apreciação feminista ao direito e à ciência penal. No entanto, tendo em vista a crescente tendência dos movimentos feministas de buscarem no sistema penal um suporte para a defesa dos direitos das mulheres, essa criminologia percebeu-se também no papel de trazer para esses movimentos uma base teórica que possa orientá-los em suas opções político-criminais (ANDRADE, 1999, p. 111), já que constatou que esse sistema (enrijecimento penal legislativo) não está apto, por si só, a garantir direitos, uma vez que atua, muito mais, no plano simbólico, criando a sensação apenas ilusória de segurança jurídica. O que se pretendeu, pois, na presente pesquisa, foi o aprofundamento do referencial teórico e empírico dessa constatação, possibilitando um clareamento, aos movimentos feministas, das melhoras formas para a realização de seus objetivos reais.

Por tudo, conclui-se que o direito penal teoriza funções declaradas – combater a violência e estabelecer a paz social – e realiza outras funções não declaradas, mas, na verdade, a qual perpetua aquela, o que Vera Andrade denomina de eficácia invertida, pois a eficácia das funções não declaradas sobrepõe-se à das declaradas (ANDRADE, 2003, p. 74).

O manejo do sistema punitivo para assegurar a emancipação feminina é ferramenta ineficaz no âmbito das políticas, uma vez que esse reproduz o sistema social no qual está inserido - em sendo a sociedade culturalmente patriarcalista, naturalmente o sistema o será.

Esses dispositivos recrudescedores trazidos pela Lei Maria da Penha não causaram mudanças na realidade da violência ora tratada, apenas instituíram uma percepção social limitada e limitadora do problema, forjando uma falsa imagem de que as mulheres, agora, estão protegidas.

Enfim, o sistema penal é só mais umas das instâncias do controle social, inclusive sobre as mulheres, resproduzindo desigualdades, razão pela qual esse sistema não pode favorecer qualquer processo de emancipação.

O processo de empoderamento que as mulheres têm buscado construir nas últimas décadas e a associação à figura da vítima, de sujeito passivo, em nada contribui, antes ratificam a imagem da mulher como ser frágil, carente de proteção especial, reproduzindo, assim o papel social que lhe foi historicamente determinado, esclarecendo a real fundamentação da política criminal de combate a violência contra a mulher. Nesse contexto, é urgente que se ampliem as discussões a respeito das melhores formas de resolução dos conflitos domésticos para além do sistema penal. Importante, assim, que sejam discutidos e

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apresentados meios alternativos para a solução de conflitos, principalmente através transferência da responsabilidade para outros ramos do Direito, como também pela utilização de medidas psicoterapêuticas, conciliadoras e pedagógicas, rompendo assim com o paradigma penalista tradicional de que só se resolve o problema da criminalidade com rigor penal.

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Referências

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