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A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO CAMPONÊS NA VISÃO DE CLODOMIR SANTOS DE MORAIS THE ORGANIZATION OF PEASANT WORK ACCORDING TO CLODOMIR SANTOS MORAIS

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Academic year: 2021

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(1)

THE ORGANIZATION OF PEASANT WORK ACCORDING TO CLODOMIR SANTOS

MORAIS

Fernanda Thomaz

fegeo@hotmail.com

Universidade de São Paulo

Resumo: O objetivo do presente texto é discutir as idéias de Clodomir Santos de Morais

contidas no Caderno de Formação n. 11, do Movimento dos Sem-Terras, intitulado

“Elementos sobre a Teoria da Organização no Campo”. É importante conhecer o

pensamento desse autor porque ele influenciou a formação de cooperativas nos

assentamentos no final da década de 80 até meados da década de 90. Apesar de seu

método ter sido criticado, adaptado e até mesmo abandonado, ainda hoje uma parte das

suas idéias vigoram na agrovila III do assentamento Pirituba, área onde realizo mestrado.

Palavras-chave: Movimento dos sem-terras, resistência camponesa,

cooperativismo no campo, cooperativa agrícola.

Abstract: The objective of this text is to discuss Clodomir Santos de Morais’ ideas, found

at "Caderno de Formação n.11", “do Movimento dos Sem- terras”, entitled “Elementos

sobre a Teoria da Organização no Campo”. It is important to know his ideas about the land

problem in Brazil because he influenced the settlement formation between 1980s and

1990s. Back in the time his method was very criticized, changed and abandoned, but we

still can see part of his ideas being used today at the settlement of agrovilla III located in

Pirituba (my site of study for land problem in Brazil).

Keywords: Motion of no-land, peasant resistance, cooperation in the field, agricultural

cooperative.

INTRODUÇÂO

O mestrado que desenvolvo tem o objetivo de compreender as conquistas, os

avanços, os obstáculos, os impasses e os limites de uma cooperativa agrícola. Com essa

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finalidade, a pesquisa foi proposta aos camponeses da COPAVA (Cooperativa de

Produção Agropecuária Vó Aparecida), da agrovila III do assentamento Pirituba,

pertencente ao Movimento dos Sem Terras (MST), localizado nos municípios de Itapeva e

Itaberá, sudoeste do Estado de São Paulo.

Um aspecto essencial para esse estudo é a compreensão das idéias que

influenciaram a estruturação da cooperativa. Nesse sentido, o conhecimento do método

do laboratório experimental, proposto por Clodomir Santos de Morais, e das idéias que o

sustentam tornam-se essencial, porque forneceu as bases iniciais para a organização do

trabalho na Copava.

Não é possível, contudo, compreender as idéias desse autor sem conhecer sua

formação e sua trajetória de luta, pilares da sua interpretação do lugar do campesinato na

sociedade capitalista. Por isso esses aspectos fundamentais serão abordados no texto.

Outro aspecto essencial é compreender o momento histórico do MST na época em

que o pensamento de Morais foi um dos pilares para a implantação de cooperativas.

Atualmente, apesar das idéias de Morais ainda influenciar, de alguma forma, algumas

antigas cooperativas, já não é mais o pensamento hegemônico no movimento.

Para finalizar foi apresentado um referencial teórico que se contrapõe a vertente de

pensamento de Clodomir Santos de Morais, em que é possível atribuir outro significado

ao campesinato na sociedade capitalista.

O MST E A COOPERAÇÃO

Segundo João Pedro Stédile (1996), o pensamento e a ação do MST quanto às

formas de cooperação agrícola faz parte de um processo que vem se desenvolvendo das

primeiras ocupações até a atualidade. No livro “Brava Gente: a trajetória do MST e a luta

pela terra no Brasil”, ele divide esse processo em quatro fases (até a publicação do livro,

em 1996). A primeira etapa deu-se de 1979 à 1985; a segunda, de 1986 à 1990; a

terceira de 1990 à 1993; e a quarta de 1995 à 1999. Atualmente o MST vive uma nova

fase de reflexão sobre a importância do cooperativismo em geral, e da cooperativa, em

particular.

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Como nesse trabalho o objetivo é contextualizar a influência das idéias de Clodomir

Santos de Morais às necessidades do MST num certo período, restringiremo-nos às duas

primeiras etapas.

Das primeiras ocupações de 1979 até 1985

(...) havia uma visão romântica da produção. A memória histórica dos

camponeses que conquistavam a terra estava ainda na etapa anterior à

modernização da agricultura. (...) Era muito difícil fazer a discussão da

organização da produção com os trabalhadores. Com esse memorial

técnico, vamos dizer assim, a base reagia da seguinte forma: “Se eu

conquistar a terra, depois me viro”.

O único debate que conseguimos, nessa época, era pelo viés idealista,

cristão: “Será que não é melhor a gente trabalhar junto? Será que a gente

não vai viver mais fraternalmente se fizer mutirão?” Não era uma visão,

vamos dizer, cientificamente elaborada. As principais lideranças do

movimento, nesse período, se preocupavam em debater teoricamente,

aprender com as experiências históricas, ler textos para compreender a

importância da cooperação agrícola. Na nossa visão, ocupar e distribuir

terra simplesmente não resolvia o problema. Aquele primeiro período foi

muito fraco em debate, mas de grande preocupação. De um lado, porque a

grande preocupação, em termos gerais do movimento, era de se

consolidar como movimento social; de outro, porque a própria base achava

que podia resolver o problema só com as próprias forças. Foi preciso então

que a própria base do movimento - os assentados - começasse a enfrentar

os problemas reais: necessidade de mecanizar as lavouras, mudança de

padrão técnico do seu trabalho e acesso ao crédito, etc. É também um

período que coincide com o fim da ditadura militar e com o término daquela

onda de créditos subsidiados. Para quem não sabe, o crédito subsidiado

foi a base de sustentação da ditadura militar na pequena agricultura. O

subsídio atingia até 30% ou 40% sobre o total financiado.

Esse subsídio terminou em 1985 ou 1986, durante a Nova República.

(STEDILE, 1996, pp. 95-97).

Segundo Stedile, portanto, foi o término do subsídio dos governos militares em

1986 que forçou a base do MST à pensar na produção. A solução encontrada foi abrir

uma frente de luta por um crédito especial para reforma agrária. Inaugurava-se uma nova

fase de ação e pensamento sobre a organização da produção.

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(...) (Nessa fase) as articulações e os debates eram em torno do Programa

de Crédito Especial da Reforma Agrária (Procera), tanto por parte da gente

como do próprio pessoal do Procera e do BNDES.Começamos a ter

técnicos vinculados à nossa ideologia, como é o caso de Lino de David, do

Rio Grande do Sul, que mais tarde organizou o Centro de Técnicas

Agropecuárias Alternativas (Cetap), de Geraldo Garcia, de Norbert

Hesselen, também do Rio Grande e que veio para São Paulo assessorar o

MST em nível nacional, entre outros. Esses técnicos, com nossa ideologia,

começaram a assessorar o movimento e iniciaram um debate mais

sistematizado sobre a necessidade da cooperação agrícola. Nesse período

de quatro anos difundimos as idéias da cooperação agrícola.

O maior acerto, nessa etapa, foi que não nos prendemos a uma forma

única de cooperação agrícola. Aprendemos bem da teoria e da

experiência, porque esses companheiros que estavam na Comissão

Nacional dos Assentados estudaram e pesquisaram bastante. Estudaram

muito os motivos que faziam com que as experiências de cooperativas no

Brasil não dessem certo. Viajaram muito também. Lembro-me de que

esses companheiros viajaram para Nicarágua, Honduras, Cuba, Peru,

Chile, México. Mais recentemente, já na etapa do sistema cooperativista

mesmo, conhecemos experiências da Espanha e Israel. Nessa primeira

fase, basicamente fomos ver na América Latina quais eram as

experiências existentes e que ensinamentos poderíamos ter para a nossa

realidade. Nesse período o movimento sofreu também uma certa

influência de Clodomir Santos de Morais, com os tais laboratórios para

organizar cooperativas ou empresas associativas. (STEDILE, 1996, pp.

97-98), grifo nosso.

Clodomir Santos de Morais

Abaixo foi reproduzida a apresentação de Morais feita pela CeCAC (Centro Cultural

Antonio Carlos de Carvalho) para divulgação de uma palestra sua sobre “A reforma

Agrária no Brasil e na América Latina”.

Clodomir Santos de Morais, baiano de Santa Maria da Vitória, foi repórter

dos Diários Associados e de outros jornais, durante treze anos. Formou-se

em Direito na Universidade Federal de Pernambuco. Foi deputado

estadual em Pernambuco e um dos dirigentes da Ligas Camponesas de

Julião, fatos que lhe custaram dois anos de prisão, torturas e depois um

longo exílio e dez anos de direitos civis cassados, impostos pelo golpe

militar de 1964. A sua experiência, surgida da criação e desenvolvimento

de um método de capacitação massiva para organizar muitas daquelas

Ligas Camponesas, levou a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e

a outra agência da ONU dedicada à Agricultura, (FAO), contratarem

Clodomir Santos de Morais para ser o Conselheiro em Capacitação e

Organização dos camponeses em processos de reforma agrária e

desenvolvimento rural e, posteriormente, para dirigir projetos da ONU, em

Honduras, Panamá, México, Portugal, Nicarágua Sandinista e para

assessorar reformas agrárias do Peru, de Costa Rica, de Angola,

Moçambique e Guiné Bissau.

(5)

Clodomir Santos de Morais fez especialização em Antropologia Cultural na

Faculdade de Direito do Chile e especialização em Reforma Agrária, no

ICIRA de Santiago. Posteriormente fez doutorado em Sociologia na

Universidade de Rostock, Alemanha. Durante 4 anos foi professor

residente nesta universidade, por um ano na Universidade de Brasília, por

três na Universidade Autônoma de Chapingo no México e por dois anos na

Universidade Federal de Rondônia, UNIR. Ademais foi conferencista nas

Universidades de Manchester (Inglaterra), Berlim (Alemanha), Wisconsin

(Estados Unidos) e em grande número das universidades públicas

hispano-americanas.

Além do Dicionário de Reforma Agrária, Clodomir Santos de Morais tem

vinte livros publicados, a maioria em espanhol e português, destacando-se

a sua famosa cartilha TEORIA DA ORGANIZAÇÃO (com mais de

trezentas edições em 43 países e em vários idiomas e dialetos).

Ela corresponde ao Caderno de número Onze do Movimento dos

Trabalhadores Sem Terra, MST.

Os seus Laboratórios Organizacionais de Capacitação Massiva para Gerar

Emprego e Renda têm tido grande êxito na América Latina, Europa e

África. Quando a TEORIA DA ORGANIZAÇÃO alcançou um milhão de

exemplares, a Câmara de Deputados do México fez uma grande edição

especial para o Programa Nacional de Geração de Emprego e Renda,

versão mexicana do PROGER e PRONAGER do Brasil, que foi criado pelo

IATTERMUND e implementado em todos os estados brasileiros mediante

parceria com o Ministério de Integração Nacional.

(www.cecac.org.br/Coluna/Clodomir.htm).

Pelo exposto é possível ver que a vida de Morais está bastante ligada aos conflitos no

campo, tanto no Brasil quanto em outros países. Mas um fato não citado, de importância

fundamental para o entendimento das suas idéias, é ter sido ele membro do Partido

Comunista.

O Partido Comunista do Brasil foi fundado em 1922 e legalizado após o fim do

Regime Militar. Ideologicamente está apoiado nas idéias de Marx e Engels e, quanto à

organização social, nas idéias de Lênin.

De acordo com Oliveira, 2004, Lenin é um dos teóricos que representa a vertente

que o entende o campesinato como classe em extinção sob o capitalismo. Seu conceito

de diferenciação vertical revela bem sua interpretação do campesinato. Para ele:

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1) O processo fundamental de criação do mercado interno (ou seja, de

desenvolvimento da produção mercantil e do capitalismo) é a divisão

social do trabalho. Esta consiste em que diferentes tipos de

transformação de matérias-primas (e de diferentes operações que se

realizam nessa transformação) se separam sucessivamente da

agricultura e constituem ramos independentes da indústria, trocando

seus produtos (agora convertidos em mercadorias) pelos produtos

agrícolas. Desse modo, a própria agricultura torna-se indústria (isto é,

passa a produzir mercadorias) e também nela o mesmo processo de

especialização se efetiva.

2) A conseqüência imediata que decorre da tese precedente é a lei de

toda economia mercantil em desenvolvimento e, sobretudo, da

economia capitalista: a população industrial (vale dizer, não-agrícola)

cresce mais rapidamente que a população agrícola, com o crescente

deslocamento de massas da agricultura para a indústria de

transformação. (Lenin, 1982, pp. 31-32).

Ou seja, os camponeses, ao tentarem produzir para o mercado não conseguiriam

competir com os capitalistas e acabariam falindo e perdendo as terras, tornando-se

proletários. Caso obtivessem sucesso, passariam a assalariar mão-de-obra, tornado-se

capitalistas. De qualquer modo, deixariam de ser camponeses.

O LABORATÓRIO EXPERIMENTAL

Situado em seu contexto é possível compreender a proposta de organização do

trabalho camponês de Morais. Em seu texto “Elementos Sobre a Teoria da Organização

no Campo”, transformado na cartilha n. 11 do MST, ele expõe seus pressupostos.

O texto foi dividido em sete partes. Na primeira parte ele faz um apanhado histórico

da origem da divisão social do trabalho e seus benefícios. Para ele:

A sociedade humana, em seus primórdios, não conheceu mais que a

Divisão Natural do Trabalho. Ou seja, primitivamente, quando o homem

vivia em tribos em tribos, o trabalho se dividia da seguinte forma: o

trabalho mais pesado (a guerra, a caçã de animais de grande porte, etc)

era tarefa dos homens adultos enquanto o trabalho mais leve cabia à

mulher, aos ancião e às crianças.

À medida em que foram desenvolvendo a agricultura e a criação, as tribos

se especializaram: umas em agricultura e outras em pecuária. Já não

viviam da incerteza da caça e da coleta de frutos. E desde esta longínqua

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época que o homem conhece a Divisão Social do Trabalho na qual uns

se dedicam à caça, outros à coleta de frutos, outros à agricultura e outros à

pecuária. (Morais, 1986, pp. 05-06)

Após essa exposição inicial, Morais explica a origem da mercadoria como produto

da divisão social do trabalho e da propriedade privada, já que a mercadoria é produzida

para a troca e não para o consumo. E as sociedades só passaram a trocar quando

produziram artigos não existentes nas outras.

Passa então a explicar o cálculo da mercadoria, baseado na idéia de Marx sobre o

tempo de trabalho necessário para a sua produção. Faz distinção ente trabalho concreto,

ou seja, trabalho individual, e trabalho abstrato, ou seja, trabalho social. É esse último que

determina o valor da mercadoria, porque de nada adianta um camponês demorar dias

para produzir sua mercadoria, se ela pode ser produzida de maneira mais rápida, e

conseqüentemente, mais barata.

É nesse ponto que começa a expor sua teoria sobre a organização do trabalho:

Para conseguir produzir uma mercadoria ou uma quantidade de

mercadorias em menor quantidade de tempo, o produtor não apenas

busca ter instrumentos de trabalho aperfeiçoados como também busca

racionalizar a forma de produção, ou seja, organizar o trabalho em função

do tempo que ele dispõe para produzir mercadorias. Daí que toda atividade

produtiva está relacionada com unidades de tempo, as quais são

determinadas conforme o grau de desenvolvimento das forças produtivas

ou de seus instrumentos de trabalho.

Entre os camponeses, por exemplo, as unidades de tempo são indefinidas

e em geral são longas: um “momentinho”, um “momento”, meio dia, uma

semana, a próxima lua nova, a colheita, etc. Já entre os operários de uma

fábrica o tempo se mede em segundos, minutos, uma hora, etc.

Com o desenvolvimento da economia mercantil o tempo também passa a

ter valor. Os ingleses dizem: “tempo é dinheiro”. Ninguém quer perder

tempo porque perder tempo significa perder dinheiro, e o produtor, à

medida em que se especializa em uma atividade, menor é a quantidade de

tempo que gasta para produzi-la. Quanto mais barato lhe sai a mercadoria,

maior facilidade terá de vendê-la no mercado. Por isso a maior

preocupação que tem o produtor é a de produzir a maior quantidade de

mercadoria na menor quantidade de tempo possível. (Morais, 1986, p. 8)

A partir desse momento, Morais classifica o que chama de “vícios (ou desvios

ideológicos)” das diversas formas artesanais de trabalho, que acabam por prejudicar

qualquer tipo de empresa, seja rural, seja industrial. Eles os chamam de “inimigos

internos” da associação. Em suas palavras:

(8)

Individualista: é o tipo oportunista que acredita apenas no indivíduo e

sempre o coloca em plano superior à organização. Sempre desconfia ou

não acredita na ação organizativa; age sozinho e não gosta de

associar-se.

Ao defender o indivíduo, o individualista tem presente a defesa de seu

próprio interesse.

Personalista: está sempre defendendo ou cuidando de seus interesses

pessoais.

Sempre atribui a si os êxitos conseguidos ou os frutos de um

empreendimento ou de uma ação.

O personalista quase sempre põe sua personalidade acima da empresa.

Sua palavra ou sua atitude impensada, ele julga mais importante que as

decisões ou normas da empresa.

Espontaneista: é resistente ao planejamento dos trabalhos ou de ações e

muito menos age conforme um plano de trabalho. Ele prefere realizar as

tarefas que lhe são agradáveis ou mais convenientes como também as

realiza no momento que mais lhe agrada ou que mais lhe convém.

Não planeja nada, vive sempre o momento imediato conforme seus

interesses pessoais, pois se ele se submete a um plano de trabalho não

poderá atender a seus assuntos pessoais pendentes.

Anarquista: reage à organização das coisas ou das ações. Não controla

nem contabiliza recursos. É um homem desorganizado. Dirige uma

empresa como se dirigisse uma bodega; dinheiro entra, dinheiro sai e ele

não anota nada. O anarquista se irrita quando vê as coisas muito

organizadas.Desorganizar para reinar, enquanto reina, o anarquista salva

seus interesses pessoais, deixando para trás os interesses da empresa.

Por isso ele nunca reclama quando vê as coisas desorganizadas pois é da

desorganização, da confusão, que o indivíduo anarquista consegue

satisfazer seus interesses pessoais.

Imobilista: é um tipo de oportunista que deliberadamente não se mexe

para nada. Seu lema é não fazer onda não afundar sua canoa de

interesses pessoais. Quanto mais calado e quieto permanecer, menos

trabalho lhe toca.

Comodista: é o tipo de oportunista que procura sempre se acomodar ou

estar bem com todo mundo quando surgem situações conflitivas. É um

invertebrado, um animal sem ossos que pode encolher-se, ajeitar-se para

caber em qualquer situação limitada. É uma pessoa deliberadamente

tímida; evita afirmar ou negar alguma coisa; ele já tirou de seu vocabulário

as palavras SIM ou Não, a fim de não prejudicar interesses. Sempre está

de acordo com todos aqueles que podem lhe beneficiar.

Sectarista ou radical: é aquele tipo de oportunista que se sente torturado

pela aparente lentidão com que amadurecem as condições necessárias

para a realização das ações fundamentais e decisivas da empresa.

O atraso de alguns camponeses manifesta que eles ainda não querem ir

mais além da empresa familiar, entretanto o sectário ou radical, se irrita por

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não poder transformar, da noite para o dia, o grupo de camponeses em

uma empresa de propriedade e produção coletiva.

Liquidacionista: é aquele tipo de oportunista que habilmente busca

liquidar ou suprimir uma ação que posa prejudicar seu interesse pessoal.

No dia em que uma reunião ou uma ação qualquer da empresa coincide

com um encontro amoroso do liquidacionista, este rapidamente quer

suprimir ou liquidar a reunião considerando-a sem maior importância ou

adiando-a para qualquer outro dia.

Aventureiro: como todos os demais subjetivistas, nunca consulta a

realidade na qual vai se basear a ação. Tampouco mede as

conseqüências ou os resultados da ação. O aventureiro pensa e age

dentro de um marco idealista. Jamais planeja com base na realidade e sim

baseado no que pensa, ou supõe que é factível realizar. Geralmente o

indivíduo com tendências ao aventureirismo atua isoladamente e

facilmente rompe a unidade da empresa, dividindo-a. Quando o

aventureiro não encontra resistência dos associados, acaba por conduzir a

todos à aventura de conseqüências imprevisíveis.

Autosuficiente: O indivíduo autosuficiente tem resposta para tudo, não

ignora nada, não pergunta nada nem pede nenhuma explicação, nunca

tem nenhuma dúvida. Estando perdido em uma grande cidade, o indivíduo

autosuficiente não reconhece que não sabe onde está e tenta, às cegas,

encontrar sozinho a rua aonde vai. Quando discute não ouve ninguém.

Quando participa de uma reunião não anota nada.

Os autosuficientes são mais freqüentes entre os artesãos intelectuais e

entre os camponeses. Há camponeses que contraem dívidas

(empréstimos) para que sua empresa, plante duzentos canteiros de melão,

simplesmente por imaginar que nos Estados Unidos se consome muito

esta fruta.

Não consultam os mecanismos de mercado, não consultam os meios e os

custos de transporte. Para os autosuficientes, basta saber que vão fazer

um grande negócio plantando melão para vender aos Estados Unidos.

(Morais, 1986, pp. 29-36).

A explicação para a existência de todos esses “tipos” Morais encontra no “Reflexo

de uma sub-ideologia gerada pela propriedade privada dos meios de produção”. Sugere

antídotos como a vigilância do grupo em relação aos objetivos da empresa; a crítica

também do grupo, como forma de superação; e a reunião na qual se exercita o trabalho

associativo.

Com base nessas premissas propõe o “Laboratório Experimental” como de vivência

em uma empresa artificial. Nas suas palavras (1986, p. 40):

(...) o laboratório experimental é um ensaio prático e ao mesmo tempo real

ao qual se busca introduzir em um grupo social a CONSCIÊNCIA

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ORGANIZATIVA que necessitam para aturar em forma de empresa ou

ação organizativa.

Para a realização de um “Laboratório Experimental” é necessário criar

artificialmente uma empresa, porém com existência e funcionamento reais.

Dessa forma é possível os camponeses vivenciarem os vários setores de uma

organização empresarial, mesmo que imaginária, para adquirirem “consciência

organizativa” e verem-se como apenas uma peça do trabalho produtivo, e não mais como

um trabalhador integral.

Para a realização do Laboratório Experimental são necessárias, no mínimo, 40

pessoas, que passam a direito de organização e deliberação sobre os meios de produção

da empresa. Sobre a eficácia do laboratório, Morais (1986, p. 40) já tem uma conclusão:

Se a maioria dos integrantes da empresa artificial é composta de operários

ou de semi-operários o “Laboratório Experimental”, poderá alcançar seus

objetivos em 15 dias de duração. Porém, se a maioria for formada por

artesãos (deve-se ler camponeses), o “Laboratório” não conseguirá seus

objetivos em menos de 30 ou 40 dias ininterruptos.

A primeira etapa do laboratório prevê a criação de uma “estrutura primária”, ou

seja, a seleção de três ou quatro pessoas que adquirirão conhecimentos sobre a

composição social do grupo. Essas informações são passadas pelo laboratorista em

alguns minutos para que eles coloquem-se em alerta diante dos problemas que possam

surgir.

Todos reunidos, o laboratorista transfere ao grupo todos os bens e os meios de

produção necessários para o funcionamento da empresa. Por serem muitas as

atribuições, naturalmente, será necessário o grupo auto dividir-se para realizar as

funções. Com isso estarão aprendendo a operar com a divisão técnica do trabalho.

Os alimentos a que o grupo terá acesso são propositalmente insuficientes.

Procura-se, com isso, despertar-lhes a capacidade de iniciativa.

Os alunos são obrigados a permanecer no centro de capacitação enquanto durar o

laboratório, e assistir quinze horas-aula sobre teorias da organização.

Nessa primeira etapa é comum haver disputa de poder no interior do grupo,

podendo ocorrer a formação de sub-grupos, a que Morais denomina “anomalia”. A

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estrutura primária formada no início das atividades tem a função de controlar os conflitos

e incentivar a organização até desaparecerem os sub-grupos. Para Morais (1986, p. 41):

(..) (é uma forma) do grupo começar a sentir a necessidade de criar seus

próprios mecanismos autocorretivos e , como num processo de profilaxia

(saneamento), pretende tirar experiência de sua desordem e ineficiência,

por meio do assinalamento oportuno de todo tipo de vícios que se originam

de tendências artesanais, visando objetivar seus problemas, o que

significa, mais ou menos, que o grupo terá diante de si uma espécie de

fotografia ou retrato de si mesmo.

Após o levantamento dos problemas, a estrutura primária deve apresentá-los ao

grupo. Morais denomina esse momento de “síncrese”. Depois dela, o grupo já possui um

instrumental teórico aplicável à realização das atividades. A atitude que deve perpassar

por todo o período do laboratório é a crítica. Através dela o grupo vai descartando a

necessidade da estrutura primária e ganhando autonomia.

Essa nova etapa, Morais (1986, p. 42) chama de “análise”, “o grupo já se encontra

estruturado, dividido em comissões de trabalho, com coordenadores em cada comissão e

a secretaria geral eleita de acordo com a decisão do próprio grupo”. Já é possível então

iniciar o que Morais denomina “modelo teórico da realidade”.

Finalmente, o laboratorista acelera o desenvolvimento da atitude crítica do grupo

através de palestras sobre a teoria da organização, e outros temas propostos pelo grupo.

A finalidade dessas outras palestras não é o assunto tratado, mas o trabalho organizado

do grupo.

Retomando a proposta de Morais é possível dividi-la em três momentos principais:

síncrese, análise e síntese. A primeira síncrese (ou também síntese porque nesse ponto o

texto de Morais não é claro) deve ser feita logo após a formação do grupo, onde os

participantes devem expor o que estão aprendendo com as diferentes formas de

participação organizada. É, na verdade, uma assembléia geral, deliberativa, na qual são

localizados os impedimentos para que todos os integrantes do grupo consigam trabalhar

organizadamente.

Com os procedimentos iniciais de síncrese, análise e síntese Morais acredita que o

grupo adquire consciência organizativa. E as sínteses subseqüentes poderão ser

proposições de projetos ou planos de trabalho apresentados pelo grupo.

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Morais termina seu texto enfatizando a necessária obediência às fases

metodológicas. Em suas palavras (1986, p. 43):

Neste particular, é importante que o “Laboratorista” saiba que o

conhecimento ou a consciência dos fatos avança à medida em que a

prática gera a teoria e esta se enriquece toda vez que é aplicada e assim

sucessivamente. Ou seja, que a consciência se forma a partir de dois

fenômenos integrados – o fenômeno “práxico” primeiro, seguido do

fenômeno “gnóstico”. No Laboratório não se deve inverter a ordem desses

fenômenos, senão não se processará a mentalização ou “internalização”

do conhecimento, já que neste vai vem preconcebido e programado de

prática e teoria é que o grupo atuando entre coisas e fatos

individualizados, os converte em dados da percepção.

A transferência antecipada dos elementos teóricos (antes que se

produzam os elementos práticos) aos integrantes da “empresa laboratório”

frustra a capacitação: se aprende, porém não se capacita.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pela exposição da teoria da organização do trabalho, de Clodomir

Santos de Morais, fica clara sua intenção diante do camponês: fazê-lo perder sua

identidade camponesa, interpretada como atraso, e torná-lo operário do campo. As

características camponesas, como a autonomia de decisão sobre o próprio trabalho; o

trabalho realizado sobretudo com a família; a resistência em associar-se a um grupo,

devido ao receio de perder a terra conquistada com tanta luta, são definidas como falta de

consciência organizativa que devem ser combatidas a qualquer custo.

Na tipologia de camponeses, que ele chama de artesão, apresentada

(individualista, personalista, espontaneista, anarquista, imobilista, comodista, sectarista,

liquidacionista, aventureiro e auto-suficiente), demonstra preconceito, no sentido literal da

palavra. Pré-conceito, ou seja, não se conhece o que se fala, mas fala-se mesmo sem

conhecer, porque a realidade não tem existência própria, no mundo real, mas no mundo

das idéias do pesquisador. Parece-nos que ele se baseia no proletário e não no

camponês.

Pesquisando o próprio camponês, entrevistando-o, analisando seu comportamento

social dentro do seu próprio contexto, sabemos que ele tem um modo diferente de pensar

(13)

e agir, justamente por ser proprietário de seu principal meio de produção, a terra. Jamais

ele pensaria como um proletário, que para sobreviver precisa vender sua

força-de-trabalho, portanto destituído da propriedade dos meios-de-produção.

A singularidade do camponês está, portanto, na posse da terra. É ela que lhe

permite sobreviver, sem ter que vender sua força de trabalho para o capitalista. Também,

o seu trabalho na terra não visa à acumulação, mas a satisfação das necessidades da

família. Daí outra dificuldade enfrentada por quem deseja torná-lo operário do campo, a

lógica camponesa é diversa da capitalista, na qual a finalidade do trabalho é a

acumulação.

O método de Morais sofreu críticas do próprio MST por ser estanque e radical.

Segundo Stedile (1996, pp. 99-100):

A proposta do laboratório organizacional mostrou certas limitações. (...),

em primeiro lugar, o método é muito ortodoxo, muito rígido na sua

aplicação. Em segundo, porque ele não é um processo, é muito estanque.

Ou seja: tu reúnes a turma e em 40 dias tem que sair com a cooperativa. A

experiência nos assentamentos nos mostra que esse processo é mais

lento. Em geral, os grupo de cooperação agrícola já vêm se formando nos

acampamentos em função de afinidades que vão se criando. (...) Por outro

lado, o método do Clodomir teve uma grande utilidade ao nos abrir para

essa questão da consciência do camponês. Ele trouxe um conhecimento

científico sobre isso. O seu livro sobre a teoria da organização mostrou

com clareza como a organização do trabalho influencia na formação da

consciência do camponês.

Várias pesquisas sobre o campesinato, entretanto, mostram que o desejo do

camponês é permanecer camponês, e sua consciência está voltada para essa finalidade.

Na linha teórica de Morais não há lugar para o campesinato na sociedade

capitalista. É uma classe em extinção. Por isso precisa organizar o trabalho de modo a

acumular e tornar-se capitalista, senão ele acabará perdendo a terra e terá de

proletarizar-se. É uma vertente teórica que entende que “ o campo brasileiro já está se

desenvolvendo do ponto de vista capitalista, e que os camponeses inevitavelmente irão

desaparecer, pois eles seriam uma espécie de ‘resíduo’ social que o progresso capitalista

extinguiria” (Oliveira, 2004, p. 34).

Contrapondo-se a essa vertente está a corrente teórico-metodológica que entende

o desenvolvimento do capitalismo como um processo contraditório e combinado. Segundo

(14)

Oliveira (2004, p.36) “Isso quer dizer que, ao mesmo tempo em que esse

desenvolvimento avança reproduzindo relações especificamente capitalistas (...) produz

também, igual e contraditoriamente, relações camponesas de produção”. Por isso, não se

admite a extinção do campesinato, mas sua recriação e reprodução.

(15)

BIBLIOGRAFIA

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Referências

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