A C Ó R D Ã O 4ª T U R M A
CONTRATO DE ESTÁGIO. Válido o
contrato de estágio quando atendidas as exigências da Lei 6.494/77 e comprovado o exercício de tarefas correlatas ao curso de graduação do estagiário.
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Recurso Ordinário, em que são partes: LUIS RENATO SILVA NASCIMENTO, como recorrente, e
ASSOCIAÇÃO DOS LOJISTAS DO RIO SUL SHOPPING CENTER , como
recorrido.
Recorre o reclamante às fls. 129/133, inconformado com a sentença de fls. 123/125, proferida pelo MM. Juiz Leonardo Saggese Fonseca, da 21ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, que julgou improcedente o pedido.
Pretende, em síntese, a reforma do julgado, a fim de ver reconhecido o vínculo de emprego alegado à exordial, e condenada a ré ao pagamento das verbas postuladas.
Dispensado o recolhimento das custas, ante o deferimento da gratuidade de justiça (fl. 125).
Contrarrazões às fls. 137/140, sem arguição de preliminares.
Sem parecer do Ministério Público do Trabalho, nos termos do Ato nº 283/04, de 04.03.2004.
É o relatório.
V O T O CONHECIMENTO
Conheço do recurso, por preenchidos os pressupostos de admissibilidade.
MÉRITO RECURSAL
Insurge-se o reclamante contra a decisão de origem que, com base nos elementos dos autos, considerou a validade do contrato de estágio pactuado entre as partes e julgou improcedente o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício.
Sustenta haver continuado a prestar serviços à reclamada, mesmo após o prazo estipulado no último termo aditivo firmado entre as partes.
era habitualmente prorrogada.
Acrescenta haver desempenhado funções não relacionados ao seu curso de graduação – desenho industrial.
Sem razão.
À exordial, alegou o reclamante haver prestado serviços à ré, como empregado, no período compreendido entre 01/10/2004 e 03/09/2009, apesar de ter sido contratado como estagiário. Postulou o reconhecimento do vínculo, bem como o pagamento das verbas dele advindas.
A ré, em defesa (fls. 35/47), negou a existência de vínculo de emprego com o reclamante, pelo fato de ter sido ele contratado como estagiário.
Acrescentou não haver desempenhado o autor atividades diversas daquelas afetas ao estágio para o qual foi contratado.
Inicialmente, o MM. Juízo de origem indeferiu a produção de prova oral (fl. 56), declarou a nulidade do contrato de estágio firmado entre o reclamante e a reclamada, acolhendo o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício e o pagamento das parcelas daí decorrentes (fls. 57/60).
A reclamada, então, interpôs recurso ordinário, suscitando a nulidade da referida decisão, por cerceio de defesa.
Este Colegiado anulou a sentença prolatada e determinou a remessa dos autos à Vara de origem para regular prosseguimento do feito, com reabertura da instrução processual, pelo seguinte fundamento (fls. 112/113):
“Primeiramente, cumpre esclarecer que o ônus de comprovar os fatos constitutivos do direito alegado, em princípio, é do autor, pois, tem-se que, havendo prova documental da existência dos requisitos formais do estágio (Lei nº 6.494/77 e Decreto nº 87.497/82, vigentes à época da prestação de serviços do autor, de 01.10.2004 a 30.9.2006 – fl. 06), é do reclamante o ônus de comprovar que a relação jurídica declarada nesses documentos não representa a realidade.
Todavia, no caso vertente, não consta, no “Termo de Compromisso de Estágio” celebrado entre a ré e a Universidade Federal do Rio de Janeiro, sequer, a área de autuação do autor (estagiário), o que acarreta na transferência à ré do encargo de comprovar relação entre as atividades desempenhadas pelo estagiário e seu curriculum acadêmico.
(...)
Assim, tem-se que cabia à ré comprovar que as atividades desempenhas pelo autor estavam relacionadas com o curso de Desenho Industrial.
Contudo, o MM. Juízo de origem, ao indeferir a oitiva de testemunha indicada pela reclamada, que tinha como escopo provar a natureza da prestação de serviços do autor impediu a ré de se desincumbir do encargo que lhe competia.
Dou provimento, para declarar a nulidade da sentença e determinar a remessa dos autos à Vara de origem, para regular prosseguimento do feito. Resta prejudicada a análise dos demais aspectos do recurso da reclamada” (marcamos).
Em sequência, por meio da decisão de fl. 116, o MM. Juízo a quo reabriu a instrução e reincluiu o feito em pauta de prosseguimento.
Na assentada realizada em 16/05/2011, após ser colhido o depoimento pessoal do reclamante e ouvidas duas testemunhas, uma de cada parte, foi encerrada a instrução, com razões finais e partes inconciliáveis, conforme ata de fls. 121/122.
Proferiu, então, o MM. Juízo de origem uma segunda sentença, julgando improcedente o pedido, notadamente pelo seguinte fundamento (fl. 124):
“Entre as tarefas distribuídas ao reclamante, como estagiário, estava justamente a de elaboração de folders, propagandas e principalmente na área de designer como informa a testemunha Rose Americano em seu depoimento (fl. 119). Portanto, todas as tarefas estão condizentes com o trabalho de estagiário para o conhecimento universitário do reclamante, assim como o número de estagiários trabalhando dentro da ré (01 a 02) não caracterizava abuso ou substituição de mão-de-obra.
Ademais, o contrato/compromisso de estágio observou rigorosamente a lei 6.494/77, sendo celebrado com a participação da Instituição de Ensino.”
Como salientado por este Colegiado no acórdão anteriormente proferido, o ônus de comprovar os fatos constitutivos do direito alegado, em princípio, seria do autor, pois, tem-se que, havendo prova documental da existência dos requisitos formais do estágio às fls. 08/15, na forma da Lei nº 6.494/77 e do Decreto nº 87.497/82 (vigentes à época da prestação de serviços do autor, de 01.10.2004 a 30.9.2006 – fl. 06), a ele cabia comprovar que a relação jurídica declarada nesses documentos não representaria a realidade.
Entretanto, ante à ausência da especificação das atribuições do reclamante, no termo de compromisso de fls. 08/11, competia à ré o ônus de provar
que as atividades desempenhas pelo autor estavam relacionadas com o curso de Desenho Industrial. Desse ônus, contudo, se desincumbiu. Vejamos.
Embora da inicial conste: "O horário inicialmente convencionado era
das 12:00 às 18:00 horas, mas depois, por acordo, passou a ser das 13:00 às 19:00 horas...", em seu depoimento, reduzido a termo à fl. 121, o autor disse que:
“que começou a trabalhar em outubro de 2004 e completou 02 anos em setembro de 2006, tendo parado de trabalhar nesta data; que trabalhava na Associação dos Lojistas no setor de eventos e Marketing; que cursava desenho industrial com habilitação em programação visual; que o horário contratual era de meio expediente, de 12 às 18 horas, mas normalmente trabalhava até as 19/20 horas, sendo que a maioria das vezes passava das 18 horas e eventualmente trabalhava em eventos, numa média de uma vez por semana que era no horário da noite; que o depoente organizou sua grade escolar para o horário da manhã; que contrato de estágio foi prorrogado a cada 06 meses; que não recebia pagamento nos horários que ficava a mais ou nos eventos; que chegou em algumas atividades sozinho como montagem de natal do shopping, mas normalmente trabalhava vinculado a Srª Rose, que era chefe do departamento de eventos; que no departamento de eventos trabalhava a Srª Rose e dois estagiários; que o 2º estagiário era do mesmo horário do depoente; que era a Srª Rose quem fazia as atividades e apresentava os estagiários; que deixou até após o término da prorrogação das atividades; que dava aula em academia de artes marciais no horário a partir de 20/21 horas durante a semana; que a academia ficava em Laranjeiras; que os eventos semanais eram realizados no shopping; que estes eventos eram frequentados através de convites que eram repassados para a administração do shopping; que o depoente não precisava de convites; que o depoente poderia convidar, em alguns casos, acompanhantes para os eventos; que nestes eventos tinham bebidas alcoolicas, mas que o depoente não bebia; que estes eventos ocorriam entre 21h às 3 horas; que o depoente tinha função operacional, como verificar a lista de convidados, verificar o funcionamento e limpeza dos estacionamento; que nesta função trabalhavam apenas os três do setor de marketing; que não havia uma obrigação expressa para participar destes eventos; que a Srª Rose fazia a
lembrança do evento, normalmente no dia anterior; que havia uma espécie de “convocação” para o evento; que já sabia que ocorriam os eventos semanalmente às terças feiras; que o depoente sempre deu um jeito de comparecer a todos os eventos; que não sabe dizer se o outro estagiário alguma vez não foi; que, ao que sabe, havia uma empresa de modelos apenas para controlar a recepção; que todo o evento era organizado pelo departamento da Srª Rose junto com o pessoal da Jovem Pan; que tinha flexibilidade para alterar o horário em caso de necessidade” (marcamos).
Disse a testemunha do reclamante (fl. 119):
“que saiu da empresa em 2007...que a depoente tinha o cargo de assistente de marketing training; que nesse setor trabalhava a depoente, a gerente da Associação, uma secretária, no início um estagiário, e depois passaram a ser dois estagiários; que, em síntese, fazia toda a parte de marketing do shopping, organizando e acompanhando eventos que os estagiários assessoravam a depoente e se dividiam em outras tarefas que eram direcionadas pela depoente; que o reclamante tinha atuação em designer e atuava nesta parte, assim como no acompanhamento de eventos na parte de montagem; que havia eventos em que a depoente estava presente e em outros ele estava sozinho (...) que os estagiários tinham que estar nestes eventos, pois a depoente necessitava de suporte e não poderia cuidar destes eventos sozinha...que havia eventos externos ocasionalmente, como a festa de 25 anos que foi no Morro da Urca no ano de 2005; que o reclamante também participou deste evento, que durou toda a noite; que o Rio Sul dava um apoio a Associação de moradores daquela área organizando caminhadas geralmente aos domingos pelo setor de marketing. A depoente e os estagiários tinham que estar presentes também nestes eventos...que fazia uma negociação com o reclamante para ele sair no horário para dar as aulas que ele tinha e retornava para ajudar no evento...que se o evento não necessitasse da atuação dos estagiários, eles poderiam ir aos eventos como convidados, assim como outros funcionários do shopping” (marcamos).
Já a testemunha da ré, declarou que (fl. 120):
“que trabalhou na associação de 1999 até 2006 na função de secretária da gerente Bárbara; que a Sra Bárbara trabalhou junto com a Rose (testemunha do autor); que a associação administrava o fundo de promoção que cuida da área de marketing do shopping; que na Associação tinha a gerente, a depoente, como secretária, a Sra Rose, que não lembra o cargo, dois estagiários e dois funcionários do fraldário; que o reclamante trabalhava no horário da tarde; que a depoente tinha horário de 09 às 18 horas e não participava dos eventos; que os eventos eram organizados pela Rádio; que a associação tinha as tarefas de informação às áreas operacionais, segurança e limpeza; que também era através da Associação o contato com o setor de imprensa para divulgação dos eventos; que também havia eventos de inauguração das lojas, organizados pelos lojistas; que não sabe dizer se a Sra. Rose tinha a obrigação de participar dos eventos; que trabalhava na sala ao lado dos estagiários; que Renato trabalhava preparando cartazes; que a gerente fazia a parte de custo dos eventos; que não sabe dizer se os estagiários atuavam nessa parte; que depoente não passava pela sala do reclamante na hora de ir embora; que não pode precisar o horário de saída dele; que sabe que algumas vezes foi solicitado que o Rio Sul patrocinasse um lanche para a caminhada da Associação de moradores; que recebia normalmente convites para participar deste eventos”
(marcamos).
Como se vê, restou comprovado que o autor desempenhava atividades correlatas ao seu curso de graduação, qual seja, Desenho Industrial, com habilitação em programação visual.
A testemunha apresentada pelo reclamante reconheceu que ele atuava como designer. Da mesma forma, a testemunha da ré confirmou que ele confeccionava cartazes para a área de marketing.
Observa-se, contudo, o conflito de declarações quanto à participação do autor nos eventos realizados pela ré.
O autor, em depoimento, declarou laborar até as 19:00/20:00 horas, apesar de seu horário contratual ser de 12:00 às 18:00 horas. Ocorre que à exordial o reclamante alegou haver passado a laborar de 13:00 às 19:00 horas (tendo essa
circunstância sido omitida tanto no depoimento do reclamante como no de sua testemunha).
Se assim não bastasse, não seria crível que o autor estendesse sua jornada até as 20:00 horas, se nesse mesmo horário, segundo confessou, dava aulas de artes marciais em uma academia no bairro de Laranjeiras.
Por fim, o reclamante reconheceu ter flexibilidade de horário (ou seja, se saía um pouco mais tarde, era porque também chegava mais tarde).
Pelo conjunto probatório acostado aos autos, tem-se a existência de um contrato formal de estágio, com o desempenho de atividades correlatas ao curso de graduação de Desenho Industrial, sem extrapolação da carga semanal de 30 horas e sem obrigatoriedade de comparecimento a eventos.
Dessa forma, impõe-se seja reconhecida a validade do contrato de estágio mantido entre as partes, mantendo-se a decisão do MM. Juízo de origem que julgou improcedente o pedido de reconhecimento de vínculo.
Nego provimento.
CONCLUSÃO
Conheço do recurso e, no mérito, nego-lhe provimento.
A C O R D A M os MM. Desembargadores que compõem a 4ª Turma
do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, por unanimidade, conhecer do recurso e, no mérito, negar-lhe provimento.
Rio de Janeiro, 20 de março de 2012.
ANGELA FIORENCIO SOARES DA CUNHA