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Descaracterização dos acidentes de trabalho

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MARIANA GONÇALVES DE LEMOS

Descaracterização dos

Acidentes de Trabalho

LISBOA 2011

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UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA

FACULDADE DE DIREITO

Descaracterização dos

Acidentes de Trabalho

Mariana Gonçalves de Lemos

Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídicas Empresariais Sob a Orientação do Professor Doutor José João Abrantes

LISBOA

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Nota Prévia

Agradeço ao Senhor Professor Doutor José João Abrantes, que me deu a honra de me conceder a sua orientação, de um empenho e acompanhamento ímpares. Pelo seu apoio, disponibilidade, motivação e dedicação, sem os quais este trabalho dificilmente seria possível, o meu mais sentido agradecimento.

Um especial agradecimento à Senhora Professora Doutora Catarina Carvalho, pela sua disponibilidade e compreensão e pelos conselhos, comentários e críticas que me foram tão úteis na realização deste trabalho.

Não posso deixar de transmitir o meu sincero reconhecimento aos Exmos. Senhores Doutores Carlos Maria Pinheiro Torres, Luís Cabral, Pedro Sousa e Silva, Inês Araújo, Raquel Carvalho e Cunha, Gonçalo Maria Pinheiro Torres e Janete Fernandes, pelo estímulo, pela oportunidade de aprendizagem e pela amizade.

À Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e à Escola de Direito do Porto da Universidade Católica que, através dos seus serviços, prestaram um apoio de extrema importância a este projecto de investigação.

Dedico este trabalho aos meus pais e à minha irmã, que são e sempre serão a minha raiz e que me deram mais do que alguma vez conseguirei expressar, ao João pelos anos vividos e por todos aqueles que ainda hão-de vir e, particularmente, à saudosa memória da minha avó.

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Modo de Citar

Os autores são citados sempre pelo último apelido, com excepção dos autores espanhóis, que são citados pelo penúltimo apelido.

A primeira citação de cada livro ou artigo é feita, em nota de rodapé de forma completa. As citações seguintes, feitas ao longo do texto, apresentarão apenas os elementos essenciais.

Quando forem citados vários autores na mesma nora de rodapé, a citação seguirá a ordem alfabética do nome dos autores, excepto quando o conteúdo do texto o justifique.

Os excertos de obras escritas em língua estrangeira serão, em princípio, traduzidos para a língua portuguesa, com excepção das situações em que se entenda que, com o intuito de salvaguardar o sentido original do texto, não existe uma correspondência perfeita no português. A tradução dos excertos é da inteira responsabilidade da autora.

Nos casos em que as referências jurisprudenciais sejam feitas sem indicação da origem, deve entender-se que foram retiradas da fonte www.dgsi.pt.

Os preceitos legais indicados sem referência ao diploma a que pertencem constam da Lei dos Acidentes de Trabalho com a redacção em vigor à data da entrega do presente texto.

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4

Abreviaturas

Ac. – Acórdão

ADC – Anuario de Derecho Civil Art. – Artigo

BMJ – Boletim do Ministério da Justiça CCiv. – Código Civil

Cfr. - Confrontar

CJ – Colectânea de Jurisprudência CP – Código Penal

CPC – Código de Processo Civil

CPT – Código de Processo do Trabalho CRP – Constituição da República Portuguesa CT – Código do Trabalho

DL – Decreto-Lei Ed. - Edição Ex. - Exemplo

LAT – Lei dos Acidentes de Trabalho RLJ – Revista de Legislação e Jurisprudência PDT – Prontuário de Direito do Trabalho RDES – Revista de Direito e de Estudos Sociais ROA – Revista da Ordem dos Advogados T. - Tomo

TRC – Tribunal da Relação de Coimbra TRE – Tribunal da Relação de Évora TRG – Tribunal da Relação de Guimarães TRL – Tribunal da Relação de Lisboa TRP – Tribunal da Relação do Porto STJ – Supremo Tribunal de Justiça V. - Ver

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5

Índice

Págs. Nota Prévia ...2 Modo de Citar ...3 Abreviaturas ...4 Índice ...5 Introdução ...8

Capítulo I: Questões Prévias ...10

1. Evolução Histórica da Tutela Acidentária dos Trabalhadores Subordinados ... 10

2. Enquadramento Legislativo ... 17

Capítulo II: Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho ...20

1. Conceito de Acidentes de Trabalho ...20

2. Características Essenciais do Acidente de Trabalho ...21

3. Requisitos do Conceito de Acidente de Trabalho. Pressupostos do Direito à Reparação ...24

3 .1 Os Danos ...25

3 . 2 Redução da Capacidade de Trabalho ou de Ganho ...28

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6

3 .4 Critério Temporal: O Tempo de Trabalho ...31

3 . 5 Critério Subjectivo: Categoria do Trabalhador Protegido ...33

4. Extensões do Conceito de Acidente de Trabalho ...35

4 .1 Acidente in itinere ...36

4 .2 Execução de Serviços Espontaneamente Prestados ...39

4 .3 Exercício do Direito de Reunião ou de Actividade de Representante dos Trabalhadores ...41

4 .4 Frequência de Cursos de Formação Profissional ...42

4 .5 Local de Pagamento da Retribuição ...43

4 .6 Local Onde o Trabalhador Deve Receber Qualquer Tipo de Forma de Assistência ou Tratamento em Virtude de Anterior Acidente ...44

4 .7 Crédito de Horas para Procura de Emprego ...44

4 .8 Execução de Serviços Determinados pelo Empregador ou por ele Consentidos ...45

Capítulo III: Nexo de Causalidade. Presunção de Culpa ...48

1 . Nexo de Causalidade ...48

2 . Prova da Origem da Lesão. Presunção Legal ...52

Capítulo IV: Descaracterização dos Acidentes de Trabalho ...57

1 . Exclusão, Redução ou Agravamento da Responsabilidade por Acidentes de Trabalho ...57

2 . Evolução Legislativa ...57

3 . Desadequação do Nome do Instituto ...60

4 . Pertinência do Instituto ...61

5 . Relevo da Culpa do Trabalhador ...63

6 . Aproximação à figura da “Culpa do Lesado ...63

6 .1 Partilha de Responsabilidades ...66

7 . Causas de Descaracterização ...68

7 .1 Dolo do Sinistrado ...68

(8)

7

7 .3 Negligência Grosseira ...76

7 .4 Privação do Uso da Razão ...80

Capítulo V: Ónus da Prova na Descaracterização dos Acidentes de Trabalho ...84

1 . Considerações Gerais ...84

2 . Ónus da Prova ...85

3 . Os Factos Impeditivos ...86

4 . Prova dos Factos Descaracterizadores ...87

Conclusão ...90

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8

Introdução

A presente dissertação de Mestrado versa sobre a análise da Lei portuguesa dos Acidentes de Trabalho (Lei n.º 98/2009), em especial, sobre a descaracterização do conceito de acidente de trabalho, regulada no art. 14º daquele diploma, aplicável aos trabalhadores subordinados.

A investigação deste tema não dispensou uma análise exaustiva de todos os diplomas que regularam a matéria dos acidentes de trabalho. Entre eles foi feita uma análise comparativa, de forma a obter um balanço conclusivo acerca da evolução legislativa infortunística em Portugal e, em especial, do tema da descaracterização.

Pretendeu-se elaborar também, na medida do possível, um estudo comparado, através da análise destas matérias em alguns ordenamentos jurídicos europeus.

Cumpre, por ora, fazer uma nota sobre a sistematização escolhida do nosso estudo. Assim, entendemos desde cedo neste estudo que era importante, por uma questão de contextualização do leitor e de coerência do texto, percorrer algumas questões preliminares para melhor se entender o tema da descaracterização dos acidentes de trabalho. Assim, julgamos necessário explicar quando e porque é que existe responsabilidade do empregador e quando é que se deve considerar um acidente como de trabalho para, a final, perceber porquê e quando é que aquela é excluída, exactamente, por não estarem preenchidos os requisitos da noção de acidente de trabalho. Assim, é feita uma análise de todos os requisitos legais do conceito de acidente de trabalho, enquanto pressupostos da responsabilidade do empregador pelos danos emergentes do sinistro.

Julgamos, desta forma, salvo melhor opinião, que alguns assuntos abordados, como o conceito de acidente de trabalho, o nexo de causalidade e a presunção legal, seriam relevantes e instrumentais para um entendimento completo e esclarecido, do assunto principal que nos propusemos tratar.

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9 Num segundo momento abordamos de forma resumida as temáticas do nexo de causalidade e das presunções legais associadas ao conceito de acidente de trabalho de forma a proporcionar um conhecimento mais amplo e completo sobre a interdependência dos pressupostos do conceito de acidente de trabalho.

Posteriormente, avançamos para uma análise pormenorizada das circunstâncias descaracterizadores do acidente, dos seus fundamentos e da própria figura da descaracterização dos acidentes de trabalho, cuja existência revela alguma controvérsia. Questionamos hipóteses ambíguas em face da lei e controversas aos olhos da jurisprudência e da doutrina. Aqui, foi feita uma abordagem pormenorizada, na medida do possível, das consequências da descaracterização do acidente e do ónus da prova das circunstâncias descaracterizadoras, ingressando numa vertente processual desta parte do regime dos acidentes de trabalho, de elevado interesse prático.

Sobre esta temática, de incalculável relevância social, muito fica por dizer e tantas outras questões, emergentes da interpretação da LAT, por explorar. Contudo, por motivo de limitação de tempo e de espaço, cingimo-nos a um dos pontos desta matéria, quanto a nós, de maior interesse, devido à multiplicidade de resultados jurisprudenciais existentes, produto da complexidade de aplicação desta lei à realidade e da dificuldade constatada em descortinar o sentido de alguns preceitos.

Este texto não pretende ser exaustivo na análise de todo o regime dos acidentes de trabalho, nem do feixe de matérias envolvidas, procurando antes identificar as questões tidas como essenciais do conceito de acidente de trabalho e da sua descaracterização. Neste sentido, procuramos dar uma perspectiva o mais ampla possível das suas repercussões e propor linhas interpretativas que incentivem a reflexão e contribuam para o aperfeiçoamento do regime actualmente em vigor.

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10

Capítulo I:

Questões Prévias

1 . Evolução Histórica da Tutela Acidentária dos Trabalhadores Subordinados

Para conhecer a evolução histórica da avaliação e reparação do dano, para conhecer as suas origens, e compreender melhor a sua situação actual, é importante saber que a história da reparação ou indemnização do dano corporal pelo responsável nasce da substituição da Lei de Talião pela atribuição de uma indemnização em espécie; que a responsabilidade civil apoiada no facto culposo provém do Direito Romano; que as tabelas indemnizatórias são o método de reparação mais antigo; e que os danos pessoais com que hoje nos deparamos já foram tidos em conta em civilizações mais antigos.

Assim, o documento mais antigo, conhecido actualmente, é a Lei de Ur-Nammu, escrita em sumério e vulgarmente conhecida como Tábuas de Nippur (2050-3000 a.C.). Esta tabela revela a mais antiga forma de avaliação de incapacidades conhecida e constitui a base dos demais códigos que foram elaborados posteriormente, ao longo dos anos. Nelas, encontra-se o princípio da reparação proporcional ao valor da perda.

Contudo, considera-se que o que marcou verdadeiramente o início da história da reparação do dano foi o Código de Hammurabi, do ano de 1750 a.C., que constitui uma cópia das citadas Tábuas de Nippur, compilando as leis anteriores, ao mesmo tempo que transmite

uma adaptação aos aspectos da vida civil.1

1 Note-se que os artigos 196.º a 201.º deste código debruçam-se sobre a reparação do dano físico que pode realizar-se através

de duas formas, em função do estatuto social da vítima: segundo a Lei de Talião (que consiste na rigorosa reciprocidade do crime e da pena, frequentemente expressa pela máxima Olho por olho, dente por dente) ou por meio de uma quantia monetária. Assim, se a vítima fosse um homem livre, aplicar-se-ia a Lei de Talião, se se tratasse de um vilão, teria direito a um ressarcimento pecuniário e, por último, se fosse um escravo, atribuir-se-ia um preço proporcional ao seu custo. Valorizava-se, portanto, o dano do ponto de vista económico-social, o que permitia que um escravo que padecesse de alguma doença passasse a valer menos dinheiro.

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11 Na civilização egípcia (1500 a 600 a.C.), vigorava a Lei de Moisés, na qual imperava a referida Lei de Talião. Nesta civilização, até aproximadamente ao ano de 1000 a.C., não se contemplava a indemnização pecuniária, ficando o infractor obrigado a sofrer uma lesão idêntica à infligida pela vítima, no caso de esta ter sido sofrida por um homem livre.

A cultura grega começou por aplicar a Lei de Talião, concretamente, em Atenas, usava-se a lei geral da reparação que não tratava todos os homens de igual modo e que distinguia dois tipos de dano: o dano involuntário (não culposo), ao qual correspondia uma determinada indemnização, e o dano voluntário (culposo), pelo qual de atribuía uma indemnização duas vezes superior à primeira. Nesta civilização surge também a primeira organização de

assistência ao inválido2 a cargo do Estado, que pagava uma quantia calculada em função da

incapacidade para o trabalho, da quantidade de rendas que auferia, das propriedades que possuía e da sua categoria social.

O desenvolvimento da tutela acidentária em Roma foi, fundamentalmente, representado pela Lei das XII Tábuas, na qual tem origem a jurisprudência da época e pela Lei Aquilia e que perdurou até ao século XIX. Esta lei continua a determinar o valor da indemnização em função do estatuto social do lesionado. Era o lesionado que estabelecia o valor da lesão e o juiz decidia sobre a justiça desse valor. De qualquer modo, um acto doloso era punido com o dobro do valor aplicado a um acto não doloso. Nesta época, já se fazia a distinção entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, para efeitos de atribuição de indemnização. Assim, consideravam-se danos patrimoniais, os gastos médicos, a perda de rendimentos durante o período de incapacidade temporária e as qualificações da pessoa atingida; relativamente aos danos não patrimoniais, apenas eram tidos em conta as características fisiológicas e a honra daquele. Estes prejuízos eram determinados segundo a Lei Aquilia, assim, quando um escravo era lesionado, o valor devido pelos danos patrimoniais e não patrimoniais era pago ao seu “dono”.

Os árabes pré-islâmicos aplicavam igualmente a Lei de Talião entre castas, ou seja, era permitido que se reclamasse um escravo por outro escravo, uma mulher por uma mulher, um homem livre por outro e o resgate das penas apenas podia ser feito através de dinheiro, tendo

sido estabelecida a indemnização máxima que se podia ter obtido por cada órgão3. No caso de

2 Considerava-se inválido aquele que não podia trabalhar e que auferia um salário inferior a três minas de ouro. 3 Em caso de morte um homem livre valia 100 camelos, uma mulher 50 camelos e um judeu 30.

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12 ocorrência de uma lesão não mortal, o valor da indemnização dependia da gravidade da mesma.

As culturas Árabes, sob o domínio do Direito Muçulmano, baseavam-se no Corão para estabelecer disposições acerca da avaliação e reparação do dano corporal. Nos versículos 42 e 49, estabelece-se a seguinte regra: “Cortai as mãos dos ladrões, dos homens e das mulheres por castigo dos seus crimes. É a pena que Deus estabeleceu para eles” e “Nós prescrevemos aos juízes a pena de talião. Devolver-se-á alma por alma, olho por olho, nariz por nariz, dente por dente, ferida por ferida. Os que troquem esta pena por uma renda terão mérito aos olhos de Deus. Os que, nos seus juízos, transgredirem os preceitos que havemos dado, serão condenados”.

Os povos bárbaros introduziram o termo wergeld, conceito fundamental em virtude do qual o agressor teria que pagar uma indemnização pecuniária à vítima, tendo-se criado tabelas de determinação do dano que atribuíam um valor a cada parte do corpo.

Na matéria da avaliação do dano corporal, a Idade Média trouxe novas perspectivas à

matéria de avaliação do dano corporal, pautadas pela obscuridade que caracterizou a época4.

Os costumes bárbaros semi-indemnizatórios desapareceram com a desvalorização da moeda, começa a pensar-se que o perdão das penas não poderia ser alcançado através de dinheiro. Destaca-se a aparição de textos legais influenciados por conhecimentos médicos e a sua adaptação ao serviço da justiça. Foi uma época judicialmente caracterizada pelos juízos divinos baseados na crença de que os elementos água, fogo e terra eram utilizados por Deus para julgar a culpabilidade das pessoas, servindo de fundamento à admissão de torturas.

Foi a legislação canónica, fundamentalmente, através dos Papas Inocêncio III, Gregório IX e João XXII, que criou a figura da perícia médico-legal ao assinalar expressamente a necessidade de uma intervenção médica na avaliação dos danos, junto dos tribunais eclesiásticos. Mais precisamente, é durante o período da Renascimento que surge a Medicina Legal e, por consequência, a avaliação do dano corporal próximo de como a conhecemos hoje.

Na Idade Contemporânea, continuou a vigorar a Lei de Aquilia, cuja interpretação se foi tornando cada vez mais extensiva, tendo terminado esta evolução com a redacção do art.

4 RICARDO PEDRO XAVIER PINTO DE ALMEIDA, Análise Económica da Sinistralidade Laboral, Escola de Engenharia da

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13 1382º do Código de Napoleão: “Todo o facto do Homem que cause a outrem um dano,

obriga aquele por culpa de quem o facto aconteceu, a repará-lo”5. Este princípio genérico

aplica-se à reparação de todos os tipos de lesões provocadas a outrem e serviu de base para a doutrina e jurisprudência criarem o sistema de reparação vigente, comum aos países europeus, e que informa uma metodologia e uma doutrina médico-legal próprias.

Contudo, a atenção prestada, em concreto, pelos diversos sistemas juslaborais à tutela acidentária dos trabalhadores remonta aos primórdios do direito do trabalho enquanto ramo jurídico, na transição do século XIX para o século XX, e tem a sua origem na elevada sinistralidade laboral que marcou aquela época.

Esta preocupação reflectiu-se em duas vertentes, por um lado, na emissão de normas sobre segurança, higiene e saúde no local de trabalho, com o intuito de prevenção dos acidentes de trabalho e, por outro, na preparação de um sistema de reparação dos danos emergentes dos acidentes laborais, que veio a ser o primeiro sistema de responsabilidade civil objectiva pelo risco, representando, assim, um dos contributos originais do Direito do

Trabalho para a evolução dogmática do instituto geral da responsabilidade civil6.

Assim, o conceito jurídico de acidente de trabalho surge pela primeira vez com o “advento da sociedade industrial” e, sobretudo, com o progressivo uso da máquina no processo industrial. Efectivamente, é o desenvolvimento das indústrias em escala e a concorrência crescente entre as empresas que impulsionou a intensa utilização de máquinas complexas, muitas vezes ainda em fase experimental, de manejo complicado, desconhecido pelos trabalhadores, que as manuseavam ignorando os riscos de utilização imprevisíveis. Por tudo isto, juntamente com a impreparação dos operários e das próprias empresas para a industrialização, verificou-se um aumento substancial do número de acidentes de trabalho

relacionado com a prestação de trabalho7.

Simultaneamente e, consequência de uma época pautada pela escassez de recursos, pela baixa instrução (e conhecimento) da população e pela premente falta de segurança no

5 Apud PINTO DE ALMEIDA, Análise Económica…cit., p. 13.

6 MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Direito do Trabalho: Parte II – Situações Laborais Individuais, 3.ª edição, Almedina,

Coimbra, 2010, p. 818.

Sobre esta temática ver também, BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, Iniciação ao Direito do Trabalho, com a colaboração de P.

Furtado Martins e A. Nunes de Carvalho, 2ª edição, Editorial Verbo, Lisboa, 1999 e LUÍS GONÇALVES DA SILVA, A Greve e os

Acidentes de Trabalho, Edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1998.

7 LUÍS MANUEL DE MENEZES LEITÃO, A Reparação dos Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho, Estudos do Instituto de Direito

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14 local de trabalho, a garantia de um contrato de trabalho e a sua manutenção assumiu uma enorme importância, por se revelar a única hipótese de subsistência do trabalhador e da sua família. Tornou-se por isso, habitual o trabalhador desconsiderar os riscos derivados desse contrato, não só por força da sua habituação ao perigo, como pela necessidade de o manter. Esta conjuntura tornou o trabalhador mais inconsciente e temerário, obrigando-o a resignar-se com as fracas condições em que prestava actividade laboral, o que aumentava a possibilidade de ocorrência desses acidentes. Nestes casos, a necessidade aguçava não só o engenho, como a capacidade de enfrentar e ignorar o risco.

Só que a eventual verificação do acidente vinha, frequentemente, desencadear a ruína económica do trabalhador e da sua família, que ficavam sem meios de subsistência.

Em suma, na evolução do regime dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, é

costume distinguirem-se quatro fases, que correspondem a tantas outras teorias8.

A primeira fase, dominada pela teoria da culpa aquiliana, originária do Direito Romano, caracterizava-se por, somente, haver lugar à reparação dos acidentes de trabalho, quando estes fossem devidos a culpa ou negligência da entidade patronal, competindo ao sinistrado fazer prova dessa culpa. Em Portugal, esta solução legal estava consagrada no art. 2398.º do CCiv. de 1867.

O instituto da responsabilidade civil prevê a existência de um dano ligado a pessoa diferente de quem por ele responde, através de um duplo nexo: (1) de causalidade material entre o dano e um facto de quem responde e (2) de imputação desse facto a um determinado tipo de conduta, em princípio, conduta culposa. Contudo, nos acidentes sofridos pelo trabalhador, enquanto e porque trabalha, e que o afectam na sua capacidade de trabalho, os elementos clássicos da responsabilidade, culpa e causalidade, quando aferidos pelos padrões normais, raramente se verificam. Ou seja, quase nunca o acidente se poderia atribuir a conduta culposa do empregador. Em rigor, não podia afirmar-se que os acidentes passaram a ocorrer por culpa daqueles que substituíram os tradicionais meios de fabrico, por novas tecnologias, com o elevado grau de periculosidade que lhes está associado. Esta solução colocava, portanto, o sinistrado numa posição jurídica difícil e dúbia e não levava à reparação das consequências dos acidentes registados no trabalho. Tendo em conta o elevado número de

8 CARLOS ALEGRE, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (Regime Jurídico Anotado), 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2001 p.

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15 acidentes verificado, caminhava-se para situação incomportável para os trabalhadores, que exigia modificações.

Contra este estado de coisas levantaram-se vozes, argumentando com duas grandes objecções a esta injustiça. Uma primeira reacção empreendida no século XIX contra esta

situação, e defendida por SAUZET em França e por SAINCTELLETE na Bélgica, foi a

qualificação da responsabilidade emergente de um acidente de trabalho como responsabilidade

obrigacional, fundada no contrato de trabalho9. Durante séculos, bastou a aplicabilidade do

direito civil na ocorrência de tais factos.

Uma, pelo facto de caber ao trabalhador provar, nos termos gerais da lei civil, que o acidente se devera a acto ou omissão culposa da entidade patronal, sendo certo que o trabalhador é a parte economicamente mais débil da relação laboral e, consequentemente, com dificuldades acrescidas em produzir a prova necessária dessa culpa. Outra, porque fazia recair sobre o sinistrado toda a responsabilidade pelos acidentes sofridos, que não pudessem ser imputados ao empregador, a título de culpa ou de negligência.

Fruto de novas valorações dadas aos bens e interesses sacrificados e visando contornar estas, surgiu uma nova teoria que ultrapassava os esquemas clássicos da doutrina civilista. Nasce, neste contexto, a teoria da responsabilidade contratual, que vem inverter o ónus da prova, ao estabelecer que, em princípio, é às entidades patronais que cabe a prova de que não tiveram qualquer culpa na origem do sinistro. Se não o conseguissem provar, seriam por ele responsável. Desviava-se, assim, a infortunística para o campo contratual.

No entanto, a segunda objecção, feita pelos referidos autores, mantinha-se sem resposta porque, na verdade, continuava a responsabilizar as entidades patronais apenas pelos acidentes de que fossem culpados, continuando o sinistrado a suportar, sem indemnização, aqueles em relação aos quais o empregador conseguisse afastar a presunção – precária - criada

a favor do trabalhador, provando o contrário10. Entre nós, esta solução legal nunca logrou

obter consagração.

Rapidamente a teoria em análise deixou de cumprir a tarefa que lhe cabia de resolução dos graves problemas sociais provocados pelos acidentes de trabalho. Assim, na busca de uma nova teoria que se libertasse do conceito clássico de culpa, nasce a teoria do risco profissional

9 LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, Direito do Trabalho, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, p. 428.

10 Prova esta que era compreensivelmente difícil na maioria dos acidentes, devidos, quase sempre, a caso fortuito, força maior

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16 baseada na máxima latina ubi commoda ibi incommoda, com uma matriz evidentemente objectiva. Entendia-se, nesta fase, que quem beneficiava com a prestação laboral do trabalhador devia, igualmente, responder pelos riscos inerentes à actividade em questão, à semelhança do que acontecia com os restantes riscos que afectam outros factores de produção, designadamente, o capital.

Esta teoria baseava-se numa relação de causa/efeito entre o acidente e o exercício do trabalho, fundando a responsabilidade emergente dos acidentes de trabalho no risco que é inerente a qualquer tipo de actividade profissional e fazendo recair sobre os empregadores, que dessa actividade auferem lucros, a obrigação de reparar os danos correspondentes. Alguns

autores, como ROUAST e GIVORD, afirmam mesmo que os acidentes constituem o “preço do

progresso”11. Esta doutrina teve fácil consagração legal e adesão da jurisprudência, tendo

vindo a ter assento legal, entre nós, com a Lei n.º 83, de 24 de Julho de 1913, regulamentada pelos Decretos n.º 182, de 18 de Outubro de 1913 e n.º 183, de 24 de Outubro de 1913, a que

se seguiu o Decreto n.º 5637, de 10 de Abril de 191912.

A teoria do risco profissional evolui, e fez-se substituir, pela teoria do risco económico ou de autoridade, à qual subjaz a ideia mestra de que não se trata já de um risco de natureza estritamente profissional, traduzida na relação directa acidente/trabalho, mas sim de um risco genérico, ligado à noção mais ampla de autoridade patronal e às diferenças de poder económico entre as partes da relação laboral. Incluía-se, assim, na responsabilidade pelos acidentes de trabalho, aspectos não directamente ligados à prestação de trabalho, como é o caso dos acidentes de trajecto ou in itinere. O espírito desta teoria ficou gravado na Lei n.º 1942 de 27 de Julho, tendo sido reforçado nos diplomas que se seguiram, mantendo-se na Lei actual.

Pode afirmar-se que, desde a Lei n.º 83, de 24 de Julho de 1913, o nosso sistema jurídico tem acompanhado de perto a evolução histórica e social do direito infortunístico, ao nível internacional13.

11 Apud ALEGRE, ob. cit. p. 12.

12 A maioria dos Estados europeus já se tinha, porém, antecipado na publicação de leis consagrando a responsabilidade

objectiva por acidentes de trabalho, nas quais há que destacar a legislação alemã de 6 de Julho de 1884, a legislação austríaca, de 23 de Dezembro de 1887, a legislação norueguesa de 23 de Julho de 1894, a legislação inglesa de 6 de Agosto de 1897 e a legislação italiana de 17 de Março de 1898.

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17

2 . Enquadramento Legislativo

No nosso ordenamento jurídico estes temas foram abordados precocemente, quer na

perspectiva preventiva da imposição de regras em matéria de saúde e segurança no trabalho14,

quer com a referência específica à matéria dos acidentes de trabalho, cujo primeiro regime

jurídico data de 1913, com a Lei n.º 83, de 24 de Julho de 191315, regulamentada pelos

Decretos n.º 182, de 18 de Outubro de 1913 e n.º 183, de 24 de Outubro, e a que se seguiu o

Decreto n.º 563716, de 10 de Abril de 1919, que generalizou o regime dos acidentes de trabalho

e tornou obrigatório o respectivo seguro17.

A evolução legislativa do tema dos acidentes de trabalho no nosso país passou,

posteriormente, pela aprovação da Lei n.º 194218, de 27 de Julho de 1936, substituída pela Lei

de Bases dos Acidentes de Trabalho em 1965 (Lei n.º 2127, de 3 de Agosto)19, regulamentada

pelo Decreto-Lei n.º 360/71, de 21 de Agosto, que se baseava no princípio da responsabilidade da entidade empregadora, com transferência obrigatória da cobertura do risco para empresas seguradoras. Este regime manteve-se até 1997, mas a natural desactualização de uma legislação com mais de 30 anos e o surgimento de uma nova filosofia da protecção, bem como as alterações sociais operadas, impuseram a sua revisão e consequente substituição pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, regulamentada pelo

14 Tome-se como exemplo o Decreto de 14 de Abril de 1891, alterado pela Lei n.º 297 de 22 de Janeiro de 1915, e pelo

Regulamento de 16 de Março de 1893, que protege em especial os menores e as mulheres no trabalho e o regime geral de segurança, higiene e condições ambientais nos locais de trabalho, aprovado pelo Decreto n.º 4351, de 29 de Maio de 1915.

15 Este diploma já consagrava a atribuição aos trabalhadores do direito à assistência clínica, medicamentos e indemnizações,

sempre que tivessem sofrido um acidente de trabalho, contudo, este direito era restrito a certo número de actividades, que a lei tipificava (art. 1.º), estabelecendo ainda uma definição restrita de acidente de trabalho como “toda a lesão externa ou interna e toda a perturbação nervosa ou psíquica, que resultem da acção de uma violência exterior súbita produzida durante o exercício profissional” e “as intoxicações agudas produzidas durante e por causa do exercício profissional, e as inflamações das bolsas serosas profissionais” (art. 2.º).

16 Este Decreto veio ampliar bastante o regime anterior, pois além de ter generalizado a protecção dos acidentes de trabalho a

todas as situações de prestação de trabalho, instituiu um seguro social obrigatório contra “desastres no trabalho” (art. 1.º). Outra grande inovação foi a extensão da protecção a “todos os casos de doenças profissionais devidamente comprovadas” (art. 3.º/n.º3), ainda que o carácter vago dessa previsão dificultasse a sua aplicação prática.

17 MARIA DO ROSÁRIO RAMALHO, Direito do Trabalho: Parte II…cit., p. 820.

18 A Lei n.º 1942 caracterizou-se por estabelecer uma definição mais abrangente de acidente de trabalho, ao abranger nele

tanto os acidentes ocorridos no local e no tempo de trabalho, como os verificados na execução de ordens ou serviços sob a autoridade da entidade patronal e ainda os que ocorram na execução de serviços espontaneamente prestados, de que possa resultar proveito para a entidade patronal (art. 1.º). Ficavam, também, excluídos os acidentes provocados intencionalmente pela vítima, os que resultarem do desrespeito de ordens expressas ou das condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal; os que resultarem de ofensas corporais voluntárias; da privação do uso da razão ou da força maior (art. 2.º)

19 Nos termos da sua Base V/ n.º 2/ al. b) passou a considerar-se igualmente como acidente de trabalho o acidente de

trajecto, desde que existisse um risco especial agravado. Estabeleceu ainda uma reparação mais benéfica para a vítima quando o acidente resultasse de dolo da entidade patronal (Base XVII), ainda, a obrigação de esta transferir os riscos respeitantes aos seus trabalhadores através da celebração de contratos de seguro (Base XLIII), e instituiu um organismo destinado a garantir o pagamento das pensões em caso de insolvência do responsável (Base XLV).

(19)

18

Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril20 e pelo Decreto-Lei n.º 248/99, de 2 de Julho21 e que

entrou em vigor em 2000. Esta estabeleceu que devem ser asseguradas aos sinistrados condições adequadas de reparação dos danos decorrentes dos acidentes de trabalho e de doenças profissionais, bem como a providência da necessária adaptação do regime jurídico à evolução da realidade socio-laboral e ao desenvolvimento de legislação complementar, no âmbito das relações de trabalho, jurisprudência e convenções internacionais sobre a matéria. O Decreto-Lei n.º 248/99, de 2 de Julho, ao regulamentar a protecção conferida na referida Lei, introduziu novas prestações e melhorou o cálculo das existentes, adoptou a sistematização da própria legislação da segurança social, adequando as regras substantivas ao funcionamento das instituições e aos princípios inerentes ao seu quadro normativo.

A importância desta matéria justificou a sua referência na Constituição, cujo art. 59.º, n.º 1, alínea f) consagra o direito à assistência e à justa reparação dos trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho ou de doença profissional.

Com a entrada em vigor, em 1 de Dezembro de 2003, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho, foram introduzidas novas alterações em matéria de acidentes de trabalho, nomeadamente na alínea h) do art. 8.º da citada Lei que consagra a segurança, higiene saúde dos trabalhadores. Actualmente vigora a Lei n.º 98/2009 (LAT), de 4 de Setembro que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do art. 284.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.

Na Alemanha o primeiro diploma que instituiu o regime geral sobre condições de

trabalho remonta a 189122 mas já anteriormente, na época de Bismark, surge legislação no

domínio dos riscos sociais ligados à doença, aos acidentes de trabalho e à velhice, em 1833, 1884 e 1889, respectivamente. Em França, foi a partir de 1898 que se desenvolveu um regime específico de reparação dos acidentes de trabalho, demarcando-se do regime geral da responsabilidade civil.

A Áustria apresenta uma evolução semelhante, com a regulação da matéria dos riscos ligados aos acidentes de trabalho e à doença em 1887 e 1888.

20 No que se refere aos acidentes de trabalho. 21 Relativo às doenças profissionais.

(20)

19 No sistema jurídico italiano são referenciadas normas sobre a infortunística laboral na indústria em 1898 (Lei de 19 de Março), e, em França, o regime da segurança e higiene nos estabelecimentos industriais remonta a 1893 (Loi du 12 Juin 1893) e o regime dos acidentes de trabalho a 1898 (Loi du 9 avril 1898).

Na Bélgica, é referida a emissão de um diploma sobre a saúde e a segurança dos operários de 1899, e em Espanha, o regime geral na matéria da saúde e higiene no trabalho data de 1873 (Ley de 24/07/1873). Na Inglaterra, o regime dos acidentes de trabalho remonta a 189723.

No campo internacional, destaca-se a preocupação precoce da OIT com esta matéria, que é tratada em diversas convenções, como a Convenção n.º 12, de 1921, sobre acidentes de trabalho na agricultura, transposta por Portugal pelo Decreto n.º 42 874, de 15.03.60; a Convenção n.º 18, de 1925, sobre reparação das doenças profissionais, transposta pelo Decreto n.º 16 586, de 09.03.29, bem como diversas Convenções e recomendações sobre seguros contra os riscos sociais ligados ao trabalho (Convenção n.º 24, de 1927, sobre seguro de doenças dos trabalhadores da indústria, do comércio e domésticos; Convenção n.º 25, de 1927, sobre seguro de doença dos trabalhadores agrícolas; e Recomendação n.º 29, de 1927, sobre seguro de doença).

Outros instrumentos normativos internacionais também se referem à tutela acidentaria como a DUDH, concretamente no seu art. 25.º, a CSE, art. 3º e o PIDESC, art. 7.º.

(21)

20

Capítulo II:

Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho

1 . Conceito de Acidente de Trabalho. Considerações Gerais

Importa, nesta parte, apresentar a noção legal de acidente de trabalho.

Para este efeito, o legislador relaciona o infortúnio com o local e o tempo de trabalho, por um lado, e com a produção directa ou indirecta de lesões corporais, perturbações funcionais ou doenças de que resulte a morte ou a redução na capacidade de trabalho ou de ganho, por outro.

A doutrina nacional tem tido dificuldade em estabelecer uma definição consensual de acidente de trabalho que conjugue, com harmonia, os pressupostos que a lei estabelece e as dificuldades da sua aplicação prática. Apesar das adversidades, tentaremos ao longo deste capítulo perceber o conceito de acidente de trabalho, dissecando os seus elementos e estudando a sua aplicação prática e jurisprudencial.

Destarte, são múltiplas e complexas as situações que originam um acidente de trabalho. “Contudo, certo é que se trata sempre de um acontecimento não intencionalmente provocado (pelo menos pela própria vítima), de carácter anormal e inesperado, gerador de consequências danosas no corpo ou na saúde, imputável ao trabalho, no exercício de uma

actividade profissional, ou por causa dela, de que é vítima um trabalhador”24/25/26.

Numa visão de direito comparado, conclui-se que os critérios de aferição de uma tal qualificação jurídica variam de país para país. Assim nalguns países o legislador abstém-se de dar uma definição de acidente de trabalho, deixando-se à doutrina e à jurisprudência a missão de encontrar os elementos mínimos necessários para tipificar os acidentes de trabalho. Prevalece, nestes casos, a tese segundo a qual o conceito é intuitivo e que seria errado

29 CARLOS ALEGRE, ob. cit., p. 35.

25 MARIA DO ROSÁRIO RAMALHO, (Direito do Trabalho – Parte II …cit., p. 823) define acidente de trabalho como “o evento

súbito e imprevisto, ocorrido no local e no tempo de trabalho, que causa uma lesão corporal ou psíquica ao trabalhador que afecta a sua capacidade de trabalho e de ganho”.

26 MARCO PAPALEONE referiu que a noção de acidente de trabalho varia consoante a província, contudo, a maioria da

doutrina considera como tal “ qualquer lesão verificada no desempenho do trabalho ou por consequência dele” (Il Diritto del

Lavoro nei Paesi a “Common Law” (Diritto Internazionale e Comparato del Lavoro), Tomo secondo, Enciclopedia Giuridica del

(22)

21 cristalizar o acidente numa fórmula rígida e inflexível, contrária à natural evolução de tudo quanto são construções do espírito.

Noutros países, define-se legalmente o acidente de trabalho, em nome da necessidade de certeza e segurança jurídica e da garantia de que as coisas não mudam ao sabor de

quaisquer vontades ou interpretações27.

Todavia, segundo ALEGRE28, regra geral, as definições legais de acidente de trabalho

acentuam mais o aspecto qualificativo do trabalho, do que a vertente naturalística do acidente, isto é, parte do definido entra na própria distinção. Repare-se, por exemplo, na redacção que a Base V da Lei n.º 2127/65 usava: “É acidente de trabalho o acidente…”. O actual art. 8.º, numa tentativa de remediar a situação, mas de uma forma igualmente redundante, diz “É acidente de trabalho aquele que….” No final resta sempre a dúvida, o que é um acidente? De acordo com o mesmo autor, esta é uma vexata questio desde sempre discutida na doutrina, inclusivamente em Portugal, com claros reflexos normativos.

O primeiro diploma legal que, em Portugal, tratou especificamente os acidentes de trabalho – Lei n.º 83, de 24 de Julho de 1913 – tomou posição na polémica, considerando acidente de trabalho “toda a lesão externa ou interna e toda a perturbação nervosa ou psíquica (do corpo humano) que resulte de uma violência exterior súbita, produzida durante o exercício profissional”. Posteriormente, o Decreto n.º 5637, de 10 de Maio de 1919 utilizou exactamente a mesma fórmula.

2 . Características essenciais do acidente de trabalho

ADRIEN SACHET, autor do Traité Theórique et Pratique de la Legialation sur les Accidents du

Travail et les Maladies Professionelles29, que serviu de base teórica a quase todos os que no nosso

27 Como aconteceu sempre em Portugal, assim como em França, por exemplo, na Lei de 10 de Abril de 1971: Artigo 7. “Para

aplicação da presente lei, é considerado acidente de trabalho, todo o acidente que ocorra a um trabalhador durante e por efeito da execução do contrato de trabalho e que produza uma lesão » (…); e, posteriormente, com o artigo L. 411-1 do Code

de la Sécurité Sociale : “É considerado acidente de trabalho, independentemente da causa, o acidente que se verifique por causa

ou no tempo de trabalho a qualquer pessoa assalariada ou trabalhador, a qualquer título ou em qualquer outro lugar, para um ou mais empregadores ou empresários”. (DENKIEWICZ, Bruno/DESJARDINS, Bernadette/DOMERGUER, Jean-Paul/MOULINIER, Alain/ORTSCHEIDT, Pierre/PELISSIER, Jean, Droit de L’emploi, Dalloz Action, Paris, 1998, n.º 1234).

28 Ob. cit., p. 35.

(23)

22 país se debruçaram sobre esta temática, apontava como características essenciais do acidente de trabalho a causa exterior, isto é, uma origem estranha à constituição orgânica da vítima; a subitaneidade, por ser algo que actua num espaço de tempo muito breve; e a acção lesiva do

corpo humano30. Contudo, concordamos com ALEGRE quando diz que esta caracterização de

acidentes de trabalho está longe de ser completa e correcta. Vejamos porquê.

Desde logo, em torno da causa exterior31 levantam-se inúmeras dúvidas como a de

saber se a origem da lesão tinha que resultar de uma acção directa sobre o corpo humano ou se bastava uma acção indirecta, se tinha que actuar de forma violenta ou se podia insinuar-se

sem violência32. O acontecimento exterior é, portanto, um critério cuja verificação é

extremamente variável e relativa.

Coloca-se uma outra dúvida, deve esta ser física ou pode uma causa moral estar na

origem de um acidente? A doutrina divide-se na resposta a esta questão. Por um lado, CUNHA

GONÇALVES33 afirma que não, embora reconheça que qualquer uma dessas causas possa

causar forte perturbação mental ou agravar doença latente34.

Temos assim que a causa do acidente não tem, obrigatoriamente, de ser exterior, podendo, pelo contrário, advir do próprio organismo do trabalhador, como é o caso do surgimento de um edema pulmonar, insuficiência cardíaca, lombalgia ou até o stress. Esta causa pode também advir de um factor microbiótico ou viral que penetre no organismo humano, determinando a alteração do equilíbrio anatomico-fisiologico do trabalhador. Desta

30 Em sentido aproximado LUC VAN GOSSUM (Les Accidents du Travail, De Boeck Professional Publishing, Bruxells, 1989, pp.

23 e ss.) encontrou os seguintes elementos da definição de acidente de trabalho : a lesão, a causa exterior (como o fogo onde o trabalhador se queimou ou o muro onde bateu), o evento súbito (enquanto critério determinantes da noção de acidente de trabalho, que não se deve confundir com a causa exterior, segundo o mesmo autor, este evento é o impacto daquela causa exterior no organismo do trabalhador, assim, este evento deve ser susceptível de causar a lesão). No ordenamento italiano é dada a seguinte definição de “Acidentes de Trabalho (na indústria)”:

31 Segundo FAUSTO DE COMPADRI/PIERO GUALTIEROTTI (L’Assicrazione Obbligatoria contro Gli Infortuni sul Lavoro e le Malattie

Professionali, Seconda Edizione, Giuffrè Editore, Milano 1999, p. 188), “A causa violenta é representada por um facto externo

que ocorre rapidamente e da qual depende ou deriva a lesão”. Os referidos autores dizem ser necessário e suficiente, para ser qualificado como causa exterior, o dano verificado no organismo do trabalhador, operando ab estrinseco através de uma acção determinada e concentrada no tempo, enquanto defendem não serem indispensáveis os requisitos da subitaneidade ou da imprevisibilidade do facto lesivo. Após análise desta característica, definem, em suma, a “causa violenta” enquanto “um facto, uma acção, uma força exterior, rápida e intensa, que é proveniente do trabalho e é causa eficiente do dano…”.

32 “O seguro cobre todos os casos de acidentes devidos a causa violenta durante o tempo de trabalho, da qual derive a morte

ou uma incapacidade permanente para trabalhar, absoluta ou parcial, ou uma incapacidade temporária absoluta que importe uma suspensão do trabalho por mais de três dias” (GIULIANO MAZZONI, Manuale di Diritto del Lavoro, volumen secondo, sesta edizione, Giuffrè Editore, Milano, 1990, p. 71). Para o citado autor italiano, são três os elementos essenciais: a (1) causa violenta, (2) o evento danoso, ocorrido (3) durante a prestação do trabalho.

33 CUNHA GONÇALVES, Responsabilidade Civil pelos Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Coimbra Editora, Coimbra, 1939,

p.31.

34 VAN GOSSUM (ob. cit., p. 24) indica como exemplo de causa exterior “A força exercida pelo trabalhador enquanto utiliza o

(24)

23 forma, a causa do acidente, exterior ou intrínseca ao organismo do trabalhador, pode surgir de factor biológico, humano, natural ou relacionado com o ambiente físico do local de trabalho (queda de um fardo de palha num celeiro na cabeça do trabalhador que o deixa paraplégico, um alteração brusca da temperatura de um frigorífico de um talho, adequada a provocar uma alteração do organismo do trabalhador), certo é que integrem o risco específico da actividade

laboral ou um risco genérico agravado35.

Como escreveu VICTOR RIBEIRO36 “para que se desencadeie o dispositivo legal

reparatório, torna-se necessário que alguma coisa aconteça no plano das coisas sensíveis. Algo que seja, enfim, uma condição ou causa próxima da produção do dano indemnizável (…); tudo o que é susceptível de alterar o equilíbrio anterior; tudo quanto “viole” esse equilíbrio, quer seja uma explosão, quer seja uma emanação de gás tóxico, um golpe de frio ou calor, ou mesmo uma situação particularmente angustiante, ou de trabalho excessivo que faça, por

exemplo, desencadear um ataque cardíaco ou uma perturbação mental”37.

A característica da subitaneidade possibilita localizar o acidente no tempo, até ao minuto, mesmo que a lesão corporal se manifeste muito mais tarde, permitindo distinguir o acidente da doença profissional, caracterizada esta última por uma evolução lenta. Contudo, existem zonas cinzentas em que a subitaneidade é difícil de se verificar, como acontece nas situações de acção contínua de um instrumento de trabalho ou do agravamento de uma

predisposição patológica ou das afecções patogénicas contraídas por razão do trabalho38.

Para CUNHA GONÇALVES39, “a subitaneidade do facto, com os seus dois elementos – a

imprevisão e a limitação de tempo – é característica essencial do acidente, pois não pode ser assim designada uma lesão que, embora produzida durante o trabalho, foi lenta e progressiva. Ainda que a lesão possa agravar-se pouco a pouco a causa é que será, sempre, súbita: golpe, queda, hérnia, queimadura, pancada, explosão, entalação”, etc. A legislação portuguesa, desde

35 No mesmo sentido, a doutrina italiana: “deve tratar-se de um risco “específico” do trabalho ou, pelo menos, de um risco

genérico agravado do trabalho em si mesmo e e não de um risco genérico que recaia sobre o operário como sobre um qualquer cidadão” (FAUSTO DE COMPADRI/PIERO GUALTIEROTTI, Ob. Cit., p. 191).

36 Acidentes de Trabalho. Reflexões e Notas Práticas, Rei dos Livros Editor, Lisboa, 1984, pp. 208 a 210.

37 No Ac. de 10.09.2007 do TRP (Acidentes de Trabalho – Jurisprudência, 2000-2007, Colectânea de Jurisprudência Edições, 2008,

pp. 158 a 162) considerou-se que uma intensa pressão psicológica poderia enquadrar-se nas “situações particularmente angustiantes” por se tratar de um exemplo de uma acção directa, actuando insidiosamente e que se insinuara sem violência. No caso em concreto a intensa pressão psicológica teria sido provocada pela alteração do posto de trabalho do trabalhador, contudo, não se provou o nexo de causalidade.

38 De que são exemplo a surdez de uma telefonista ocasionada pelo uso contínuo de auscultadores com acção continuada

sobre as membranas dos tímpanos ou o calo do escrivãoresultante de sucessivos microtraumatismos.

(25)

24 a Lei n.º 1:942, passando pela Base VIII da Lei n.º 2127/65, e, agora, no art. 8º da Lei n.º 98/2009, atribuíram a essas situações a natureza de acidentes de trabalho.

3 . Requisitos do conceito de acidente de trabalho. Pressupostos do Direito à Reparação

Em traços gerais, o regime dos acidentes de trabalho, tutelado pela Lei n.º 98/2009, regula a reparação dos danos emergentes do sinistro na pessoa do lesado, estipulando as situações em que a mesma deva ser concedida. Assim, o responsável pela reparação e demais encargos decorrentes do acidente de trabalho, bem como pela manutenção do posto de trabalho, nos termos previstos na lei, é (a pessoa singular ou colectiva de direito privado ou de direito público não abrangida por lei especial, ou seja), o empregador. Por seu turno, o beneficiário dessa responsabilidade, da reparação dos danos emergentes do acidente de

trabalho, é o trabalhador lesado ou o sinistrado e os seus familiares40.

Assim, o acidente de trabalho corresponde a uma determinada situação jurídica, legalmente definida e geradora de responsabilidade do empregador e note-se que só é considerado acidente de trabalho aquele evento que corresponder à definição legal. A responsabilidade civil objectiva da entidade patronal – bem como a situação especial prevista no art. 18.º - decorrente do infortúnio laboral tem como exclusivo facto gerador o acidente de trabalho.

A noção de acidente de trabalho, tal como é dada pelo n.º 1 do art. 8.º da Lei n.º 98/2009, é exactamente a mesma que constava da anterior Lei n.º 100/97 e da Base V da Lei

n.º 2127/6541 e que aqui passamos a reproduzir: “É acidente de trabalho aquele que se

verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de

ganho ou a morte”42.

40 Cfr. Art. 7.º LAT e 283º/n.º 1 CT.

41 Embora a redacção mais recente alargue o elenco de situações em que um acidente deva ser considerado um acidente de

trabalho.

42 A definição proposta pela doutrina espanhola é semelhante: “Considera-se acidente de trabalho toda a lesão corporal que o

trabalhador sofra na ocasião ou por consequência do trabalho que execute por conta alheia” (CONSTANTINO BRETIN

(26)

25 A LAT actualmente em vigor dedica um só artigo – art. 8.º - ao conceito de acidente de trabalho, que se encontra subdividido em dois números: do n.º 1 o legislador fez constar o conceito legal de acidente de trabalho; o n.º 2, composto por duas alíneas, contém a definição de dois elementos do conceito, o local de trabalho e o tempo de trabalho. Ora, a forma que o legislador escolheu para apresentar o conceito de acidente de trabalho dedica especial atenção àqueles dois elementos, correndo o risco de conduzir o intérprete da lei a presumir que estes são condições imprescindíveis e até suficientes para a qualificação de um acidente como acidente de trabalho, quando não são. Ou seja, o legislador fornece uma definição aberta e algo indeterminada, no n.º 1 daquele preceito, e logo a seguir, estabelece o que se deve entender por local e tempo de trabalho, deixando na dúvida se só estes elementos são essenciais e os restantes são acessórios e se o aplicador da lei pode interpretar como bem

entender estes últimos43.

Impõe-se também uma explicação relativamente à redacção do preceito que define acidente de trabalho na nova LAT. Enquanto na anterior Lei n.º 100/97 de 13.09, era o art. 6.º que se dedicava ao conceito de acidente de trabalho, na actual LAT passou a ser o art. 8.º, juntamente com o art. 9.º, que o amplia ao longo de oito alíneas do n.º 1, com a previsão de situações e locais nos quais os acidentes ocorridos se consideram acidentes de trabalho; já o n.º 2 deste preceito é integralmente dedicado à regulamentação da situação prevista na al. a) daquele n.º 1 - o trajecto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste – que os números 3 e 4 visam completar.

3 .1 Os Danos

Na responsabilidade por acidentes de trabalho exige-se o requisito44 da produção de

um dano, tal como na responsabilidade civil em geral, mas de forma mais restritiva: a lei

43 Por se tratar de um tema socialmente tão relevante e gravoso do ponto de vista das consequências do acidente, que pouco

se presta, na prática, a indefinições e dúvidas na interpretação da lei, consideramos que o legislador deveria ter definido cautelosamente cada elemento constante na definição que apresenta.

44 MARIA DO ROSÁRIO RAMALHO (Direito do Trabalho – Parte II…cit., p. 738) afirma que o dano “não é um elemento essencial

do conceito de acidente de trabalho, mas apenas um pressuposto do dever de reparação que emerge do evento acidentário”, de modo que, “o trabalhador que cai de uma escada durante o desenvolvimento da actividade laboral sofre um acidente de trabalho, mas, se não sobrevêm danos desta queda, não surge o dever de indemnizar”. A autora explica que a importância da integração do elemento do dano na noção de acidente de trabalho, ou da sua consideração como pressuposto do dever de indemnizar, reflecte-se na possibilidade de enquadrar ainda na tutela acidentaria as situações em que o dano não sobrevém imediatamente após o sinistro. Discordamos em absoluto desta posição, julgamos que dano é, inequivocamente, um elemento

(27)

26 delimitou o conceito de dano, isto é, nem todo o prejuízo sofrido pelo trabalhador dá origem

à responsabilidade civil por acidentes de trabalho45.

A verificação de lesão corporal, perturbação funcional ou doença (que não são, evidentemente, sinónimos) é uma condição expressa do conceito de acidente de trabalho. A lesão é o efeito de que o acidente (o evento lesivo) é causa sendo, por isso, relevante que não se confunda acidente (de trabalho) com lesão. Acrescenta o art. 283.º/n.º 3 CT, que o dano deve tratar-se de lesão, perturbação ou doença que não conste da lista de doenças profissionais (art. 283.º/n.º 2 CT) e que é indemnizável desde que se prove ser consequência, necessária e directa, da actividade exercida e não apresente normal desgaste do organismo.

Só se enquadram no dano típico de responsabilidade por acidentes de trabalho os casos de morte ou de impedimento ou redução da capacidade de trabalho e de ganho do

trabalhador46/47. Com concepção diversa, ROSÁRIO RAMALHO48 considera que existem dois

tipos de danos que se podem considerar típicos da responsabilidade civil acidentária: (1) “o dano físico ou psíquico, i.e., a lesão corporal, a perturbação funcional, a doença ou a morte do trabalhador, que resultem directa ou indirectamente do acidente; (2) e o dano especificamente laboral, i.e., a incapacidade ou a redução da capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador, que resultem daquela lesão, perturbação funcional ou a doença do trabalhador”.

essencial do conceito de acidente de trabalho, previsto na expressão “produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença”. O dano é, de facto, um pressuposto do dever de reparação que, no caso do regime dos acidentes de trabalho, está intimamente ligado ao conceito de acidente de trabalho, já que o seu principal ou mesmo único propósito é conceder ao trabalhador a reparação dos danos que sofreu por causa do acidente. Assim, não existe, neste âmbito, motivo prático para separar os pressupostos do conceito de acidente de trabalho e do dever de reparação, ora, se não se cumprem os pressupostos do conceito, não existe acidente de trabalho e, logo, o empregador fica exonerado de responsabilidade. Neste sentido veja-se AVELINO BRAGA (Da Responsabilidade Patronal Por Acidentes de Trabalho, ROA, Ano 7, números 3 e 4, 1947, p. 203) que diz que “É evidente que o acidente só é tomado em consideração quando a vítima tenha sofrido, por força dele, determinado prejuízo cuja reparação possa, nos termos da lei, ser imputada ao patrão. Se o trabalhador sair ileso do acidente, nada pode reclamar da respectiva entidade patronal”.

45 Não obstante a relevância e interesse das discussões doutrinais e jurisprudenciais relativas à delimitação do dano

indemnizável, por motivos de concentração no tema em análise e de restrições de espaço, debruçar-nos-emos apenas sobre as questões que temos como principais.

46 No mesmo sentido FAUSTO DE COMPADRI/PIERO GUALTIEROTTI (ob. cit., p. 188) “A doutrina é unânime em definir a

lesão como qualquer alteração, seja externa ou interna, aparente ou não, anatómica ou funcional, que afecte o organismo fisico-psiquico do trabalhador”. O mesmo autor refere que a lesão deve ter como consequência a morte ou uma incapacidade de trabalho permanente (absoluta ou parcial) ou temporária (absoluta).

47 Neste sentido ROMANO MARTINEZ (Direito do Trabalho, 4ª. Edição, Almedina, Coimbra, 2007, p. 860) e MENEZES LEITÃO,

(A Reparação dos Danos…cit., p. 562).

48 Direito do Trabalho. Parte II…cit., p. 833. Concordamos com ROMANO MARTINEZ, quando diz que esta posição não leva a

consequências diversas das que decorrem daquela que defende. As posições expostas diferem apenas no ponto de vista conceptual: enquanto a primeira defende existir um dano típico, complexo e delimitado, a segunda afirma existirem dois danos e afirma a existência da natureza complexa do dano causal sequencial.

(28)

27

Esta lesão corporal deve produzir a morte ou uma incapacidade para trabalhar49

permanente ou simplesmente temporária, para se poder falar de acidente de trabalho. Da redacção do preceito legal, retira-se que uma lesão que não tenha uma daquelas consequências não permite a qualificação do acidente como acidente de trabalho. Contudo, esta conclusão, apesar de necessária, parece-nos excessiva porque deixa de fora os acidentes ligeiros, que provocam pequenas lesões não susceptíveis de reduzir, mesmo temporariamente, a capacidade de trabalho ou de ganho. Na anterior lei, este tipo de danos era reparável, na devida proporção, pelo menos com a prestação de primeiros socorros, a que o art. 7.º, n.º 3, da Lei n.º 100/97 e o art. 24.º do DL n.º 143/99 de 30.04 obrigava a entidade patronal. Na actual LAT, essa disposição desapareceu.

A lesão corporal, perturbação funcional ou doença, já o previa a própria Base V, pode ser produzida directa ou indirectamente pelo acidente (evento lesivo). Isto é, a lesão corporal pode ser uma lesão física ou psíquica, aparente ou oculta, externa ou interna; pode manifestar-se imediatamente a manifestar-seguir ao evento lesivo ou evidenciar-manifestar-se algum tempo depois, ou até, muito tempo depois. Essencial é que exista um nexo de causa e efeito (nexo de causalidade) entre o

acto lesivo e a lesão corporal50.

Desta breve exposição facilmente se infere que a lei só atende um tipo de dano, referenciado em relação a um bem físico, seja ele a vida ou a integridade física. Não é, portanto, reparável o dano não patrimonial (496.º CCiv.), uma vez que o que é concretamente indemnizado é o prejuízo económico resultante dessa lesão, correspondente a um dano

patrimonial51. Efectivamente, quando o art. 8.º se refere unicamente à morte ou redução de

capacidade de trabalho ou de ganho, sem abranger outros danos, está unicamente a contemplar os prejuízos patrimoniais derivados da lesão sofrida, o que vem a ser confirmado pela fixação da indemnização em dinheiro em função da retribuição (art. 48.º).

Assim sendo, é possível concluir que só os danos patrimoniais são reparáveis, ficando a reparação dos danos morais ou não patrimoniais dependente da verificação dos normais

49A Base V da Lei n.º 2127/65 referia-se a redução na capacidade de trabalho ou de ganho, o n.º 1 do art. 6.º da Lei n.º

100/97, acrescenta-lhe expressamente a morte.

50 ALEGRE, ob. cit., p. 39.

(29)

28

pressupostos da responsabilidade (art. 483.º e ss. CCiv.)52. No regime jurídico dos acidentes de

trabalho só é, assim, considerado como dano reparável a frustração das utilidades que derivavam para o trabalhador e seus familiares da regular colocação no mercado da sua força de trabalho.

3 .2 Redução da capacidade de trabalho ou de ganho

A lei exige que da lesão resulte “redução da capacidade de trabalho ou de ganho”. Serão estas duas palavras ligadas pela disjuntiva, sinónimas entre si ou sinónimas da expressão capacidade para trabalhar? Numa primeira análise as expressões “capacidade para trabalhar e capacidade de trabalho” parecem-nos representar a mesma realidade, pelo que será indiferente usar uma ou a outra. Contudo, capacidade de ganho pode traduzir uma realidade diferente. Regra geral, para os trabalhadores por conta de outrem, estas expressões significam a mesma coisa porque o ganho resulta exclusivamente do trabalho, ou seja, o ganho constitui, normalmente, a retribuição única da actividade laboral. Tanto é assim que, se o trabalhador não trabalhar, não ganha e se não trabalha no tempo ou do modo como ficou acordado com o empregador, só será retribuído na proporção daquilo que trabalhar. No entanto, podem conceber-se situações em que o trabalhador, vendo reduzida a sua capacidade de trabalho, não é afectado ou reduzido na sua capacidade de ganho, como é o caso da situação em que existe um contrato de trabalho (individual ou colectivo) ou um contrato de seguro que garanta o pagamento integral do salário ao trabalhador sinistrado e diminuído na capacidade para trabalhar. Todavia, a capacidade de ganho não tem só que ver com a retribuição, mas com outros aspectos importantes da vida do trabalhador, como a capacidade para progredir normalmente na carreira, para melhorar a sua formação profissional, para mudar de profissão, etc. Adoptamos,

neste sentido, o sentido amplo da expressão capacidade de ganho, dada por CARLOS

ALEGRE53.

52 Para Constantino BRETIN HERRERO, (ob. cit., p. 463) O termo “lesão” deve ser entendido de forma ampla, considerando

como tal “qualquer dano físico produzido por uma ferida, um golpe ou uma doença (não são excluídas deste termos as lesões psicossomáticas) …”.

Referências

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