CENTRO DE LlTERATURA E CULTURA PORTUGUESA E BRASILEIRA FACULDADE DE CIENCIAS HUMANAS
ACTAS DO CONGRESSO INTERNACIONAL
I'VAS CONFISSOES
DE SANTO AGOSTINHO
© Universidade Cat6lica Editora Lisboa, 2001
Edit;af) preparada pela Editorial Verbo Composit;ao: Fotocompografica, ida.
Impressao: Rolo & Filhos - Mafra, em Fevereiro de 2002 Dep6sito legal n,o 177031102
,
.
Indice
Apresenta<;:ao ... . 9
Les Confessions comme priere biblique
Goulvcn Madec ... . 11
As Confissiies de Santo Agostinho e a vida de todos nos
Lucio Craveiro da Silva .. ... ... ... ... .... ... .... .... ... ... 21
Structure theologique de la priere de louauge Confession I, 1, 1
Marcel Neusch ... ... ... ... ... ... ... ... .... ... ... 27
o
cor inquietum como chave hermeneutica das ConfissoesHenrique de Noronha Galvao ... . 39
Lasting Effects of Augustine's Ascents at Milan:
Confessiones
VII,
lX,13 -
XXI,27
Frederick Van Fleteren ... . 57 Creatio et formatio dans les Confessions
Mane-Anne Vannier ... ... ... 69
Conversao, autobiografia e confissao: os precedentes patristicos
Isidro Pereira Lamelas ... ... ... ... ... ... ... ... ... 79
Narrativas hihlicas da cria~ao e Confissiies de Santo Agostinho
Amundo dos Santos Vaz ... ... 121
Tempo ed eternita nel lihro XI delle Confessioni
Alessandro Ghisalberti ... .
The Unfathomahility of sincerity.
On the Seriousness of Augustine's Confessions
M. Burcht Pranger ... . Coerencias pensantes e aporias vividas da questao do tempo
nas Confissiies de Santo Agostinho
Carlos H. do C. Silva ... .
Narrativa - Reflexao - Medita~ao.
o
problema do tempo na estrutura global das Confessiones Norbert Fischer ... " ... . 185 193 243 255 5Erzahlung - Reflexion - Meditation.
Das Zeitproblem im Gesamtaufbau der Confessiones
Norbert Fischer ... .
A confer~ncia Tempo e Ser de Heidegger, e a concep'rao agostiniana do tempo
... 267
J
M. Costa Macedo ... ... 281 A presen~a das Confissiies de Santo Agostinho na literaturae cultura portuguesa
Joao Francisco Marques ... ... 293 A espiritualidade das Confissiies de Santo Agostinho.
Linhas de uma proposta
Vittorino Grossi ... 319
A receps:ao de Santo Agostinho em Lutera enos escritos
confessionais luteranos
Arnlf Villa res ... , ... _ ... _.. .... 349
A recep~ao de Santo Agostinho na Antropologia Filosofica
Joaguim de Sousa Teixeira ... ... ... 359 A leitura heideggeriana do livro X das Confissiies de Agostinho
Manuela Brito Martins ... _._... 377
A intersubjectividade com Deus como forma hist6rica, intramundana
Mario Andre P. Verissimo
A presen~a do Livro XI das Confissiies em Temps et Rticit, de Paul Ricoeur
Fernanda Henriques ... , ... .
As Confissiies de Santo Agostinho como genero Iiterario
Jose J6lio Esteves Pinheiro ... . ... .
A poetica do acto de coufessar ou a actualidade das Confissiies
Joaquim Cardozo Duarte ... .
Fun~ao do
Jesejo
no itinerario da Existencia para a Transcendencia,nas Confissiies de Santo Agostinho
Cassiano Rein1ao ... ". ,_ ... _, ... . Teixeira de Pascoaes
a
volta de Santo AgostinhoArnalda de Pinho ... ", ... _ .. .
o
mal em J oao Cassiano e em AgostinhoHclnlut Kohlenbcrger ... .
Johannes Cassianus und Augustinus iiber das Bose
Helmut Kohlenberger ... _ ... _ ... .
A presen~a de Santo Agostinho na Filosofia Medieval Portuguesa
Maria de Lourdes Sirgado Ganho ... _, ... .
A no~ao de Tutoria nas Confissiies
Maria de Jesus Lorena Brito ... .
407
427 437 453 463 475481
491501
515Presen~ de Santo Agostinho na Logique
tk
fa Philosophie, de Eric WeilLuis Manuel Bemando ... . 523
o
Ser e os seres nas Confissiies de Santo AgostinhoManuel Barbosa da Costa Freitas ... ,_ " ... . 537
o
aeterna ueritas et vera caritas et eara aeternitas(Conf. VII, 10, 16): ontologie ou metaphysique du vrai!
Don1inique Doucet ... . 553 Las Con/esiones y la Paideia Integral del Homhre
Santiago Sierra Rubio, O.S.A. . ... . 575 Ordem e Seculo nas Confissiies de Aurelio Agostinho
Mendo Castro Henriques .... ... ... ... ... .... ... .... .... .... 597 A confissao verbal
a
102
da filosofia da Iinguagem de Santo AgostinhoMaria Leonar L. O. Xavier ... ..
Pecado, desejo e arnor. Breves considerac;oes
acerca do pensamento de Santo Agostinho
613
Michel Renaud ... . ... 627
T ransfigurac;oes da existencia e simb6lica sacramental,
nas Confissiies de Santo Agostinho
Jose Jacinto Ferreira de Farias ... ... 635
Fazendo memoria, hoje, da «memoria de Deus» segundo Agostinho
Jorge Cautinho ... .
Las Confessiones: entre N eoplatonismo y Cristianismo
Luis Marin de S::m Martin, O.S.A. ... .
Pro portio hahens medium duoque extrema. A media aritmetica e a media harmonica nas Confissiies, de Santo Agostinho
Fernando Afonso Andrade Lemos
Da cisao extrema, no maniqueismo,
a
identidade como relac;3.0,em Confissiies X
Jose Maria Silva Rosa ... .
o
acto de confessar (breve medita~o)AIUeriCO Pereira ... .
A mUsica como realidade e como metafora, nas Confissiies
Artur Morao ... .
Semantica de «esparro», nas Confissoes
Pedro Correia ... . Le Confessiones: un autobiografia sui generis,
patrimonio della letteratura universale
Maria Grazia Mara ... .
Confissoes de Santo Agostinho - memoria e perdio
Joaquim Cerqueira Gon~alves ... .
647
657671
697 723 729 745 753 767da hllmanidade, tal como a RCllllblic(] r de Plata'a, a E ~IICI 'j (/ d V' 'I e lrgt io, a Diuilla
Comedfa de Dante au
as
LlIsfadas de Camoes.Pocler-se-tJ percler todos os outros t,'at',l,Ios \.- escn os por anto Agostinho 't S - bastava-lhc as COIl/iSSOCS para garantir lim lugar impar na cultura humana.
A quem as escrevesse ...
Bibliografia
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, • , , • • < . , 0 , , • eorges u'i
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/ill/OgIC ct de SylJlboliqJlc ro/llaillf, editions Dervy, Paris, 1988.
DA CISAO EXTREMA, NO MANIQUEisMO,
A
IDENTIDADE COMO RELA<;:AO, EM CONFISSOES
X
JOSE MARIA SILVA ROSA Universicbde Cu6lica Portl1gue~a (lisboa)
'i. .. et ecce intus eras et ego fans et ibi te quaercbam
et in lSGl tonnosa. quae fecisri. dcformis inruebam.
mecum eras, et teCum nail cram. ca mc tenl'bant longe a tc quac
si in te nOll essent, non essellt,» (COI~(tssi(lm's, X. xxvii, 3H)
«E eis que til cstav3.S dentro e eu Hi fora a procurar-tc ( ... ). Tu estavas co-migo e ell nao estava contigo. Retinharn-rne lange de ti aquelas coisas que nao seriam. se em ti nao fossem.»
A anamnese de louvor gue coroa a longa odisseiJ. pela interioridade, que
e
todo 0 livro X de COI!fisstlCS,e
0 verdadeiro centro do opus augm/illiilf11lfJI econdensa admirave1mcnte 0 drama de um homem
a
proem"a de 5i l11eS1110,pri-meiro lit pOI'
Jlfa
em processo de desidentifica~ao e afastamento de si e de Deus (aJJersio) I e, depois, progressivamente, caindo em si proprio, despcrtando paraa intima ellidellria cogitante (sdo wc roxitarc; si efli1l1Illlo,. SHill), contemplando,
tJ-nalmcnte, no m3is intima e acima de si 2, a reahdade de Deus, absoluta e
per-feita relat;:ao (COflllffSio).
o
percurso existencial agostiniano, a sua odisscia pelo 1113.r desta vida 3, po-de sintetizar-se, nJ propria interpreta~ao rctrospectiva de Agostinho, como at Cf Marcel Ncusch, Augllstin, 1m CiltIHill dt ((l1!!'crsioJl. crill' illtrl)dlJrtitlll <lIIX Confessions, Paris.
Desdee de Brouwer. 1986.
2 Clf~ffSsi()IIt'S, lII, vi, 1 !: "Mas til eras nuis inrcrior do que 0 intimo de mim mcsmo e l1lais subli-me do que 0 mais sublime de 111illl meslllo.»
:, Cf. De DC<1IiI lIi/d, l.
JOS~' MAlVA SILVA ROS,-l
passagem cia dcsordem para a ordem (ontologiea, gnosiologica e etiea), ou, por outras palavras, como purificavao cia melnoria, csclarecimento dOl inteligencia e tortaleeimento da vontade_ Ordenar,;:3.o e, pois, a palavra-chave que abre as portas para a compreensao da sua evolur,;:ao intelecrual e espirituaL Por OUtro lado, na supera<;ao do materialisnlO e do maniqucismo, 0 conteudo desta orde_
nayao advem da compreensao de que a realidade e essencialmente relar;ao; i.e., de que tudo, desde as coisas criadas 4 ate Deus '\ passando peb interioridade do
hOl11em 6, tem lima estrutura rebeionaL
o
maniqueismo, como se sabe, foi a grande tentar;ao do jovem Agostinho, na medida em que Ihe prometia resolver os problemas que mais atormentavam a sua consciencia: a existencia do mal no mundo (em todas as suas exprcssoes fisicas e morais, passivas e activa5) e 0 desejo de saber. Agostinho reconheeeque a etiologia da alJcrsio em 51 se devera, acima de tucio, a estes espinhos cra-vados na Sua carne c na sua inteligencia. Ora, a gnose maniqueia apresentava_ -se-lhe a um tempo s6 COmo a solur,;:ao exclusiva e simuldnea a estes proble-mas. Foi, pois, na espcranya de que ela 1hes trouxesse lllz que aderill ;l seita. E de [leto, trollxe-1he alguma luz. Mas foi artificial, ilusoria e enganadora, co-mo a chan13 da candeia que qucima os insectos que borboletciam ;1 SUa volta e nela se precipitam. flla autcm [redidi. Vac!} lIae!7
No que respeita
a
questao cia identidade e da relavao 0 maniquelsmo acabapor inviabilizar ambas: nao
ha
ipseidade humana (em virtude cia doutrina das dUdS almas) nem rebvao no ser (dualis1l1o luetafisico). 0 Agostinho convertidoa
relibriao crista sempre combated esta doutrina, de modo particular emCOIJ-jiS5t1CS, cuja narrativa anatreptica dessa passagem da ciesordem
a
ordeme
ela pr6pria constituinte de uma identidade narrativa e relacional. Deste modo, as questoes do mesmo e do otItro, cia identidade e da rela<;:ao, da eonsciencia e eLa intencionalidade constituirao a trama mais intima de C01~fissi5es H..j Cf.Marie-Anne Vannier, "Saint Augustin et la creation», in CollatmU'a Augllstillirlal/a. j\le/llIrgl's
T J. !iall Bapc/. Imtitut Hi~torique Augtlstillien, Pans, 1986, pp. 349-371,
5 Monnente em Dc Tn'lIil<1tc. M;lS j~ nos escritos de juventl1de. {' ral1lbem em COIif/SS(lCS,
Agosti-nho feflecte ~obre Deus enquanto rr!lm;ao {' al1lor n;nitario. Cf Olivier du Roy, L'illtcl!({!cl!rc de Itl
foi ell la Tn'l1ire sclorr saint AII,~ljStil1. Gl'IIcs(' de slIlilcoingie selOiI fa Trillitejllsqll'i'/I 391, Etudes Atl-gustiniennes, Paris, 1%6.
(, MeSl1lO psicologicamt'mt', 0 hClle lIiwrc inclula st'mpre 0 deicite do circunl6quio com os amigos.
o
ideal de vida filos6fica (otiul!l piti/()soph'lIIril) e reiibriosae
cenobitico e Ilullca en.'ll1itico. Para 0 tema da ;nnizade em Agustinho. cf. Mary McNamara, Fricllds awl Fricndsflip for Saillt AII~~lIstilJ(',AlbaHollse, Nt'\v York, 1964.
7 COI!fc.lsioncs, IIi, vi. [1.
R C( Paul Ricoeur, Temps ct
reeit
I; Temps Cl rddr 1Il.u
telnps r!l{Ollle, Paris, Seuil. 1983, 19H5(rt's-pectiv.)
698
AS CONF!SSOES VI::' SANW :1COSTlNHO - AClAS DU COJ\'CRESSO INTERJ\'/ICIONAL
Por conseguinte, c0l1vir:1 pres tar alguma aten<;~ao ao modo como 0
mani-queismo coloca e resolve estes problemas, para melhor se p~~er compreend_cr como 0 livro X de C01!iiss(lCS representa llIll momento deciSIvo na afirmayao
da natureza relacional e intencional da interioridade humana.
I - Da cisao extrema, no maniqueismo
No que respeita ao tcmJ da rda~ao, 0 rnaniqueismo assenta numJ
protllIl-da contradiyao entre 0 dogma central - 0 dualismo substancial e metafisico,
segundo 0 qual Bem e Mal, Luz e Trevas, Espirito e Materia sao natu_rezas
eternas, igualmente poderosas, absollltamente diferentes, e, portanto, nao se odem misturar nem rclacionar (plano de jure) - , e a afirma~ao de que as
p mesmas se misturaranl efeetivamente') numa Bata 1a onglOarn, e que resu-11 " d 1
tou uma mistura cosnlica de Luz e Trevas, luta e 11listura essas que continuarn e se prolongam em todos os dominios da rcalidade: individual, social e hi~tori
co; fisi16gico, psicologico, gnosio16gico, noetico, etico, politico, instituelOnal, e assinl por diante.
A ' SSI111, 0 esquema relaeional do maniqUelSnlO e 0 da luta, da ClS30, da
idelltidade separada e quebrada 11), cuja conseqllencia antropo16giea
e
adOlltri-na da existeneia em nos de duas ahllas em guerra, clonde 0 na~ haver nem
identidade nem ipscidade verdadciras, porglle a identidadc esta quebrada ab illitio.
Ja
na critic aa astrologia arLIspicia e
a
gnose maniqueia, para qu~n1 a verdadeira identidade da alma estava no alto, no Reino da Luz, AgostInho confessa como entao era incapaz de dizcr 'fui eu' quanto ao mal cometido, acusando scmpre uma outra ahlU estranha que inelutavelmente 0 compelia a9 COIifCSsitlIlCS, VII, ii, 3. «Era-11K ba~tante, Senhur, contra aqt1eks engan:ldt~~ :nganadores C pl1ra-dares mudos. (. .. ) aquilo quc ja ha ll111ito tempo. ainda em Cartagu, Nebr.ldto costumava propor (, .. ): 'Que te podcria fazer aquela especie de genre da~ treva~ que us MalllCJueus costu11lam opar como massa adversa, se [l] cum ela 1],10 tivesst'~ querido 1utar?'. Ora, Sl' respondessem que te po-deria causar algllllla coisa de mal, ttl serias violii.vel e corruptive!' Se, ao inves, dissessem que em nada essas coisa~ te poderiam prejlldicar, !laO havt'fia causa para lutar, c lutar d~ tall1l~do que
Ulna certa parte de ti c um tell membro Oll a gerayjo da ttla propna ~~lbst.5.nC1'l _~: 1ll1stur;.m~l com os podt'res advcrms e com J.S naturezas criadas por ri. e ,s~ conompena l' mud~~.a p~ra PlOt: na proporyao em que da fi:Jicidade sc transfonnasse em nllsena, e carecesse de auxtilO COlli que pudesse ser libertada c pllr:ificada; t' que esta parte era a ahna: em socorro da ,:u;1.1 ve~o a Ukl. pa~ iavra, livre, para ela que era servi\, pura, para ela lIlanchada, Illtegra, par.: e!~ COlTUpLI, mas t,nl1 b ' e m e a p r o n a c , I 'p' 'orruptivel pO"lllc formada de uma • . s6 e meS11la ~llbstanCla. A E d,este modo, 5e I os ManiqUCllS disscssem qUl' tu, 0 qut' quer que tu sljas, isto
e.
CJu~.a rua. sUh,r;ll1Cl<l, p,eb qua ~u es,c
incorruptivel, rucio i<;so sena [.11so c execr()vel; sc, pelo contrar~o, d"sessem que e COffUptl-vel i~so meslllO tambem seria filho e abomin5.vel, desde a prunelra palavra,,,, d d ' t··o C[ Simone
Petre-10 Cisao que rell10nta ao proprio DellS, e deor 0 com a esquema gnos IC. . ment. LI.' Dinl separe: Irs origilrrs du grlostirislIlc. Paris, Cerf, 1984,
JOSE ;\LclRJA SIU'A kUSA
pecar II. Todavia, esta sua incapacidade era apenas um caso particular de uma
tI-actura oIltol6gica mais profunda, in-eparavel, que existe no ser, no tempo e em todos os entes.
Logo a abrir COI!f/SStlcS II, antes de iniciar a narrativa da desordem mani-queia, mas tendo-a ja em vista, Agostinho afirma: (IQuero recordar as minhas defornlidades passadas e as i11lundicies carnais da minha alma') 12. 0 Contexto
da 'con6ss:10'
e
cbramente etico-religioso. No en tanto, algumas expressoes lItilizadas indica111-Ilos que Agostinho Iheda
um alcance onto16gico - «at.lsta-VJ-me para longe de ti (ct ibafll lot/gills (1 tc) c tu deixavas, e arremessavas-Ille, eeu derramava-me, e dispersava-me (ct ~[lil/1dcbar Cf df[flllcbtlfJI et eiJJJllicballl),
C011-tinuJva a afastar-mc de ti atras de varias e varias estcreis sementes de dor (ill
plum ct pl/Jm srerilia scmi/Ill dolO/"//IJ/) C0111 UIll orglilhoso abatimento e um
desas-sO'isegado ClI1sa~:o», mas «tu clamaste de longe (dall/asci de lougil/quo)) \J
tropos que £lllcm e re£luem ao longo da obra, ate ao ammm do livro X: Cd /lIC tCfI{'ballt lOIl<-t?c a Ie, qllae si ill te IlOtI essel/f, 11011 ('ssellt H.
Toda esta paveia de metaforas sobre defect;:ao para 0 mcnos ser (mil/us esse) 15
II Cm!(rssitlllcs, IV, iii. 4: "Par isso eu, .\C111 cmbu.'ire, n;"i.() ccssaV:l de cOllsultar aqudes elllbu,,-teiros ,\
que cham am astrologos, ~)~rqlle qU;JSC n~o llsavam de nenllLlIll sacrificio e nao dirigial1l nenhu-mas preces a nenllllll1 espmto pm causa da ,Hiivillha~ao. ( ... ) N,1 verdade, Senhor, l' bom confe<;-sar-~e e (h~er:. TCIIl (oIII1!<lixiio de lIIilll, (lU,1 <1 lIlil/fla dilll<l, [1"fqIlC pcqllri (olllra Ii, e nao abusJr da tLla md:llgenClJ para ter liberd,lde de peear, nlJS fCcordar as palavras do Senhor: /.;'i$ quI' esl,is
ClI-milo;. lIat> po/tcs ,1 p('(ar, para '11/(' IlIlda de piM I/.' IIro/llefa. T ada essa s,1I1idade tentam ell'S destrui-la ao dizerelll: '~ caU"':l inevita~el d~ pcclres Yelll-tl' do Cell'; c: 'Foi VellUS que rez isto, ou SawT-no O.ll _Marte, para (lue, enhm, tlque sem culpa 0 homem, e a came, e 0 Sallb'lH', e a sobcrb ... podndao, devem~o ser culpaJo 0 criador e orden,nior do een e dos astrm." V, x, 18: (~~i t'llI
Ro-Ill.a, jUnt;lva-Ille . ,Hlueles santos enganado~ e etlganadore~: n3.o :lpen;]s ao, ~ellS Ollvmres, a cujo n.l1Tne!:o pertenC1:1 aquele em easa de quem estivera dur:mte a doenp e a conv:llesceIll,:a, mas a.mda aqude'i a qut';l1 c~lam~m deitos. Ainda Ille parccia que nJO somos nos que peC:llnos, llIas s,lm que pc("a em nos Hao sel, que Olltra llatun..·Zl, e compr3zia-Il1l' que 0 meu orgulho flea,<;c de
to,r~ d:l culpa, e, quando eu hzesse aigLl1!ll1l:tl, I1JO confe\sar que eu 0 tinha feito ( ... ); pelt) COll-trano, gostava de me dt'~culpar e acmar nao sei 0 que que estava comigo e nao era t'Ll. E,
COtl-tud.u .. eu e:a lim todo c contra lllim me dividira a minha impiedade, e esse pecado era tanto mJlS mCllravt'] quanto eu jul.gava Ido ser pecador, e era Ulll.! execr,ivcl iniquidade :llltt'S querer
que tll, Deus OI1lIllpotente, fosse, venCido em ll1im para Illinha pt'rdi~ao, do que l'U por ti para
mmha ~alv;H;ao."
I~ COI!/i'ssiPlu:s, 11, 1, 1: Hecordari lIolo transactas foeditates meas et canuies corruptiones animae
llle'H.'»
I., VI!, x. 16. Sobrl' a quesrao da 'lolljura', cf G11!fi'ssi(JIICS, 1I[, vi, 11: XII, xi, 12; XIII, i, I; Pierre Courcelle, Rcrhcrcllc$ .l"lIr Irs COII,ti.·:,SioIlS de 5<1i", '1,(""""",,_ E't.,.J-, " ~ c c c A ugustiniennes, Paris, 1950, pp. -I79-4R2.
14 COI!(cssi(lIlCS, X, xxvii, 38: "Rerinilam-me lange de ti aqudJ~ ("oisas 4ue nao seriam, se 1.'111 ti nan fossem .• ,
15 Emilie Zum Br~Ill.l, "Le dilemll1e de l'etre l't dlJ neant chez saint Augmtin des preIllien dialo-gues aux «Conks~lOnS"»' in R{'[/Jerrilf.\· .11U;IIStilJifllI1CS () (ll)69), pp. 3-102.
700
AS CONFISS()ES DE S .. lj\··1O .--lCOST/SHO - .--lCL1S DO C();\'C;JU~SS() ll\nl'.RJ\'.~CJON.,~L
po de ser agrupada no tona da rc,gio dissimilitlldillis e na panlho/a do jllllO pnidigo j("
tendo a seu quiasma no termo silllcs(l.'re 17, que se revelava a Agostinho muito
fecllndo na compreensao cia sua alicnat;:ao e fuga de si mesma e de Deus. Na retrospecyao moral agostiniana, 0 verbo silw:sccri? tem um alcancc decisivo.
Si-lfll.'s{(l significa int;:ar, deitar muitos renovos, 11luitos rebcntos, como acontece
nUI11J terra nao tratada, onde nascem a esmo ervas daninh05, 01..1 numa oliveira
n50 podada, em que os intUlleros rebentos da cepa enfraquecem a [lrvore. Analogamellte, Agostinho confessa que se tornara silvestre, inculto, infecllndo, daninho. 0 substJl1tivo Siflll1, entre outras accpt;.:oes, signitlca Jlorcstrl. Illata,
lIIa-deira, l1Iateria, traduzindo directamente J VAll do grego, e Agostinho aphca-o <1
si mesmo e0111 0 sentido de tcr-se derramado e diluido IUS coisas materiais, i.e.,
ter-se tornado maniqueu Itl, assacando responsabilidades dircctamente
a
imagina-~ao 1'). Enconu'ava-se de tal modo enredado nos Hames materiais que dificilmcnte
podia esperar encontl'ar a verdade 20. 0 livro VII de COI!fissdcs naITa 0 diticil
rc-gresso dessa 'regiao IOl1!jrlnql..la' como um retorno, quer do dllalismo malliqucu, onde nilo hft relat;:ao por can~ncia, quer do henorlsmo orgulhoso e auto-suficicntc do neoplatonismo plotinlano, onde nao ha rela~ao por excesso 21, pois at a
ITJCUl-fa Uno - Mtlltiplo
e
apenas uma ql1cda de consciencia. Entre l1l1S e outros,Agostinho procllrari um terceiro processo global de rcla\.1o: recupcrar a dimensao
1(, Lc 15, 13: .. Et nOli POSt lll11ltm dies, congn:garis omnibus, adulescelltim filius pen.'we prof~nm
est ill rq..,rionc!1l 10nginCjuam (ElS" Xl!Jpal' IHlKrCll'), et ibi dissipallit Sllb~taJl[i:J.m S\I;Jlll uiuendo
lu-XUriDSl'.\,; COI!fi.'ssi(JIICY, VII, x, 16: «e descobri que ell t:~t:JV<1 longt: de ti, llllllla regjJ.\) Jt: dis<;l'-melhan';':;l (el il1l1(,1I1 l(JIt~(' lIIe ('sse a Ie ill regiolle dissilllilii/ldillis (",)" (ct: RCPll/Jlim. 574 <1), 17 COJ!(essiolJcs, II, i, 1: "OlltrorJ desejei ardentementc saciar-Ille de baixczas durante :I minha
,Jdo-le~n~Ilcia e ollsei el11brenlur-ll1e .. (CI .Ii/HeSlerI' {WSIIS S/IJIJ. .. )".
Ig Porque os Maniqueus jogaval11 com 0 durio ~igIlificado de: VAll nutl'ria Oll bosqul'/lenho, para identitlcarem a crucifixao hist6rica de Cristo (que todos pel1sar;\1Il ter sido de Cri\to ... ) com ~l
cruciflxao c6~miea da 1nz aprision~llh I1J materia. Dizemos (que todos pellS;Jram ser de Cri<;to" pOTguc, no Lir'n> dos !Hisltrios. Manes dizia que nJo fi)[a Jesus l) crucificado no Gbltz;ota, l1las 0
Messia, de Israel, 0 Filho de Marj;) (ou, segundo outrJ~ versoes, Simao de Cirene, elll]lJalltO Je-SllS, escondido, ria do lop'o),
I') L,in'sllt/a 7, 2.5: "Ill hac tota illlJ!,.,'1nul11 siiua ( ... ).»
~I) COlifcs.'iorl(,s, X, xxxv, 56: "Nesta ,elva (5itH") tao ill1l'nsa, ehcia dt: arlll:ldilhas e de perigos .. i> (cf
So/i/aqllia, 1\, xiv, 26)
21 Endre von Ivanb, Plat(l Ciln"Sli<1lllls. La recrptioll (riliqlle du pllllOllislllt' [he:.: Ics Nres dt' /'L:~lisc,
PJ-ris, PUF, 1990, p. 77: "Ainsi iCOlll a negatividade do tll1itoJ se trouve barn~e toute possiblhtc elL,
fonner un concept ;)uthenrique de la creature, qui demeure ce qu'e1Je est essentielkment, 11}(~111l'
dans]a tr:1i1stiguration par grace, pour la raisol1 meme qu'elle n'est pas Dieu "Iui-ml'llll''', et de-I1K'ure ail15i de toute etemite un em.:' distI11ct ;\ cote de Dietl. Dans Ia pt'r~pectivt' IH~O -platollicielllll', r0tJ"t' fini cst commc stlspcndu entre une essentielle divinite (qu'il est au fond de son etrt:) et title essenticie resistcnce au divill (dans sa Tealite finie de creaturt:). La divmisatioll de ]a creatun: (dans son ctre prerendtilIlent "authentique") conduit J. eprouver l't'tat de creature eOrIune lIJauvais en soi, contraire ilDieu et separe de lui. Pour Ie neo-platonimte. il n'exi,te pas: "Dieu" - et "la cn~atllre de Dietl", Illai, seulelllent: "Dietl" - et ce qui en est "dechu".i>
relacional cia realidade, nao regredindo do 'dais' 11lmiquell (dualismo) para se
fi-xar no 'um' (Uno, monismo) de Plotino, mas avanyando para 0 'tres' (Trindade)
da religiao crista, mantendo a Unidade nesse processo.
Observando mais de perto 0 conteudo, a mjtologia fundadora do
mani-queismo, podcmos conduir que COl~f/ssiJcs e os outros escritos anti-maniqueus se confirmam internamente. No livro III naITa-J10S 0 seu primeiro cont<lcto
com a seita: caira nas maos de uns homens que, em brilhalltes bandejas, Ihc serviam fabulas segundo as quais era melhor anlar a sol e a luz, que fercm os olhos carnais 22, do que a luz inteligivel que esclarece a alma. E com isto
servi-ran1-lhe tambem os cinco elementos do reino das trevas, com os seus emeo aorros e rcspectivos habirantes 23. E ele acreditoll! 2-1 Anrepunha a autoridade
de Manes
a
dos filosofos porque a rinha na eonta de santo, se bem que cle, desavergonhadamente, tivesse ousado ensina-las sem as conhecer, julgando-se habitado pelo Espirito Santo 25. Par i550 Agostinho, entao Li por fora, habitavanos olhos da carne, ruminava 0 que por eles tinha devorado e acreditava
na-queles que acusavam as cristaos de acreditarem num Deus limitado por forma corporea, com unhas, cabelos, etc. :lJ" 0 que era mentira.
2~ C(lI!/i:ssiollf$, !Il, vi, 10: ~\E cram e~tas as balldeja5 Uermla) em que me servi,1111, em vez de ti, :l milll que tinha lome de ti, 0 sol e a IUd ( • .,j. E serVi.1m-llle ainda, naqudas b:mdejas, t;mt'L<;i.1S csplendicbs
(p/l!Il1tusmatll sp/endidll), com as qu:tis j:i era mdhor .1m~lr este sol, real, pdo menos para este<; OUIOS, , do qll,e. aql1elas c~isas f.llsa, para 0 espirito engmado pelns olh05» (cf Dc Bcmll lIitil, 1, 4).
-.~ CQI!~SS/oIlf'S. IIJ, VI, 11: "OS venos, a poesia. e Medei:! a voar eram, sem dllvida, mais {[tl'is do que os ClilCO elementos variegad:nllt'ntc disf,mi".1dos par GiUS:, dm cinco anum de trevas (qllinqlle ill/1m
IC-IIf'branmr), que de fOml.1 .11guma existem e lll.1tam quem ere nell's,))
2~ Cm!/i.'_~siolll:s, lJI, vi, 11:_ «llla autem credidi. Vae!, uacb\ Pierre Courcelle, RedlcRilcs ... , p. 63: quando
Agmtmho aprest'llta tals cren~;l' como lUll «tisSl1 (1"absunlites C.,) il parait me-me ,e contrcdire sur Ie degrc de conviction qui fut Ie SielL>! Nao nos parece que st' contracliga: Agostinho mmca I1l'gou a sua cren\a verdadell~ no manigueismo.
°
gue acontccee
que 0 espatlto COIll de confi.'ssa e 'ie aClJ-~a 'i 5i mesll10 - ((0 Aurelia Ag{lSlill/lO, WI/IV ]1l1dl'st!' am,ditl1r 1II1I]IIilo?!» - 0 leva a cruzar aos nl\,t'isnaIT.l~i~os de mna fomu gue pode conduzir a cquivocos (cr, par exemplo, CPI!fcssi(lflrs, VII, 1, [, a
_ proposJto de nUllca rer concebido DellS com a figura de Ul1l corvo hlllllano), b Cr. Confessiows, V, v, 9.
1(' Cf C(lI!fessit1//cs,.lII, vii, 12. E a questao da exegese e das rej;J(':ol's entre Antigo e 0 Novo
Te<;tJ-mento, Os Mamquem, incapazes de leitura aleg6rica au simb6lica, ou de verem a AT com a figura do Novo, eram tambem illcapazes de compreender a poligamia dos patriaru", o~ sacrificios dm ani-malS, ~ doutnlla cia cria\ao do hotlll'l11 .1 imagem e semelhanp de Deus, a circunci~ao, a respeito pe.ll~ sabado, ,is genealD6>1a5 de Cristo (cf. Contra hl1lStlUlI, IlL IV; X, 1: XVIII, 2; XIX, 6; XXII, J). DlZl.111l gue os cristaos llsavam escrituras deturpadas. Ell'S, sim, tinhalll as verdadeiras Escrituras, sem interpolal,-'oes (mas nunca as mostrava1l1, d. COI!/cssioIlCS, V, 11,21; para a literatma apbcrifa
neote';-t.lmentlna a.ceitt' pelos Maniquells, cf Pio de Luis, in Obms Completl1s d!' Sail A,~HStill, vol. 31, BAC, Madnd, 1993 ... , pp. 811-812, 11.34). Repare-se pon~m na confi.lsao, pelo menos 1)0 /111IIIi-I]lIdslllO de A,(!OSlill!l(l: contra 0 que considerava ser uma visao anrropom6rfica de Deus, reivindicava com ~s Maniqueus um~ cOllCepl,-'ao cosmobiomorfi.ca (Deus como LJI'::, Sol, LIlli, presente nos figo.<;,
lla~ 1~ltug"Js, ,nas mei:tllClaS, nas cabaps, n:l~ videiras, isto e, U111 Deus r/w((Js(l, em (~.yodll, csqlleddo,
11111-tCl1a/tzl1do; d. COI!ti:5siolles, II, x, [7; Dc quantitatl' IIniJIIIIC, 33, 71) que, afinaJ. nao era mais piedosa do
que a qut' criticava.
AS CONFISSOES DE SANTO ACOSTIl\'HO - /ICTAS DO C()~\'GRESSO INTENI\'/IC10~\'AL
Mas a prerensao de uma concepC;:Jo de Deus e da alma que (mao fosse pue-ril e menrirosJ», tinha 0 seu correlato numa concep\,30 ontologica
indiferen-ciada, sem rdevancia nem rela\,30, ji que tlldo s6 era conccbive! em termos puramentc materiais '27. Ja outrora, em Dc PrJ/c/Jro ef apto, obra dos seus 26
anos, «revolvera no pensamento apenas materia» 2H. E 0 seu espirito, errante
pelo cOIporeo 2(), nao consegu-ia entao ({imaginar outra substancia alem da que
os nossos olhos constantemente VeelTl» 3(1. Imaginava toda a realidade como
material e, apcsar do espectro poder ir da materia bruta e impensavel ate J. ma-teria subti1 e ignea, como nos estoicos 31, isso nao implicava, pein menos no
espirito de Agostinho, uma graduayJo da realidade oude coubcsse uma visao rela-cional diferenciadora. Era ainda a imaginac;ao a d-istribuir as coisas por diferentes lugares. A isto meSlllO alude ao refenr que tambcm J massa de ar que cstJ. pOl'
ci-ma da terra nao inlpede que a luz do sol a perpasse, sem a rasgar ou cortar, ci-mas
n C1H!fcssimlcs, V, x, 19: "Parecia-me muito ign6bil erer que ru tinhas fJgura de corpo hU11lano e
que eras delimitado peIo perfil corporal do" nossos membros. E porque, qucrendo pemar no meu Deus, nao sabia pensar scnao e111 massas corp6reas - pais nada me parecia existir que nao Fosse Jssil1P>; IV, ii, 3: "Com efeito, nao sabia al11ar-te, nao sabia pem,lr senao em ttllgores (or-poreos» (cf. CmJtrIl [:alls/lIIl1, 22. 8).
2H Agostinho contessa que nes<;es volumes havia apenas )hrocs purmnellfc II1l1lcriais (cf COI!jessiolll's,
IV, x, 27). Takeshi Kato , num mteressante texto, «Meiodia interior. Sur le traite De lJJi/chro C/ ,Iptm) , RI'P!II' dcs El1Idcs A1Iglistillil'lHll's 12 (1966/3-4), pp. 229-240, sustenta a tese de que 0
ma-niqueislllo - mais que 0 estoicismo - , toi a fonte fundamental deste tratado; Olivier du Roy,
L'intcll(~clI((' de lafoi., p,42. "Etonam syncretisme de manicheisme, de neo-pythagorisme et de
stolcisme cicer-omc diffilS.)).
29 Cm!fcssioues, IV, x, 24: (<C,.) et ibat animus per formas corporea~.')
30 C)I!fcssiOIlCS, VII, i: III, vii, 12: «Nesciebam enim aliud, llere quod esU
31 COI:/i.'ssioIlCS, V, x, 20: «E da! pemar tambcm que existia uma especie de 5lIbsdncia do mal (mali
SIJbstllmia) ide-ntica, e qUl' tinha a sua massa negra e infon11e, quer fosse espessa (lIIolfllJ tcn"a//I ct
dd;mllclfI Sitlt" crassal11), J que se chamava terra, que1" tenue c subtil, C01110 0 corpo do ar: substan-cia que se imagina C0l110 uma mente maligna que rJsteja atraves da terra» Ragnar Holte,
!3,catiW-d(' ct Sa;(!CSSC, Sailll Al/gliStill e/ Ie prob/CIIII' dl' la Jin dc /'lwlIIlI/(' dam III plli/osophic {lIIeiellll!', Etudes
Augustiniennes, Pari'i, 1962, p. 98: «Pour Augustin ],histoire de 1a philosophie, quelque'i sieeles .1preS Platon, se prcsentera essentiellment (onune line lune incessante pour ou contre Ie mate-rialisme. Augustin regarde manifestell1ent Ie matcrialisme ontologique dl's sto"lcil'llS comme une manitestation de l'aveugkment universd de I'hlll1lanite
a
l'cgard des rcalites spirituc!les, conse-quence de \'.1sst~ettissement au sensible.,) Pnrem, nalguns textO'i, ~<Agostinho lIlostra-se tolerante quanta a intcrprcta~'6es materialistas do lllunclo espirituai» (cf. Carlos Silva, «A doun-ina ditcren-cial dos gralls de pl'rfei\ao segundo Santo Agostinho)), in Didi1$kalill 26 (1996/1), p_ l35). Em110SS0 entender, contudo, nao se trata tanto de uma interpret;u;-ao materialista do !lIundo
espiri-tual quanta de uma transfigurJ<;ao espiriespiri-tual do lllundo sensiveL V,g., CtJI!/cssioIlCS, X, xxvii, 38:
"Chamaste, e damastc, e tOmpeste a minha surdez; brilhaste, cintilaste, e afastaste a rninha
ce-gueira; exalaste a teu perfume, e eu rcspirei e suspiro por ti; saboreei-te, t' tenho tome e sede; tocaste-me, e inflamei-me 110 desejo da tua paz.,)
lOSE .H:lRl.-l SILI-'A RO.'lA
enchendo-a. Do I1ll'SI1l0 modo, pensava que todas as coisas eram pcnetradas por Deus, que assim as governava 32.
Importa real\,ar que Agostinho, ainda ::mtes de abandonar de todo 0 l1lani_
qUelS1110 e 0 materialismo, ja come~ara a considerar que deveria haver LIma
01'-dem hierarquica na propria realidadc material. E, paradoxalmente, foi 0
pro-pno maniquelsmo que fez relampejar a visao de LIma ordem relacional no proprio reino da materia, em virtude cia organizat;:ao hierarquica dos cinco an-eros das demonios. Este principia de visao diferenciada fai scm duvida poten-ciado pel a contacto com Ambrosio
.1\
como vemos testel1lunluda logo nomlclO da Dc Beata l/i[1-1: foi COIll a ajuda «do nosso sacerdate» qlle COl1lpreen_
dell que mao se deve de forma alguma conceber Deus Como corporeo, I1elll a alma, que e a rcalidade 111a1s proxima de Deus)) .H. Mas e indiscuttvd que 0
tlla-.1~ CPl~(C~SiOIlCS, VII, i, 1: ({Assim talllbem eu julgava que lldO S(l 0 corpo do Cl:Ll, e do Jr, e do nur mas tambcm 0 da terra, tc eram acessiveis e pendr,iveis por todas as panes, das maiores as l1lai~ pcql1l'n~lS, para rcceber a tua presen(;a que, com invisivel inspira<;:io, governa, interior e exte-riormcnte. todas as coisas que cria,te ((l{W/lll ill.'pirati,,"c illlrillsc[JIs 1'1 cXlrill.I'£'(IIS adlllillisrrarc ollmia
qual' OTlISIJ). Assilll 0 supunha eu, porque nio podia conceber DUtra coiSJ; mas era tjlso.lJ Em VII, xiv, 20, confessa que nan gostava dc parte da CriJO;30 e que por i~so se Ian<;ara 11<1 teoria das duas subsrancias: "Nao c~t:io no sell perfeito juizo aqllcle~ a qucm desagrada a16'1.1111a coisa cia tua
Cl;a~J.o, tJl C0l110 ell lldO estava ao deSa6'Tadarem-llle muitas coisas que fizestl', E porque a minha
almJ nao se atrevia J que Ihl' desagradasse 0 mel! Deus. eb nao qlleria que fmse tell tudo
<juall-to l11e desagradava_ E da] qLle tenha caido l1a tcoria das duas subs6ncias (ii'rrll ill Opilli()Ill'11I dlWfllll1 slIbsta11ti,lrlllI1), e 11aO tinha repomo, e dizia eoi~as despropositadas. E, voltando dai, e1a tillha cria-do para si llle~lJla mIl Deus pelos intillitos cspayos de todas os lugares, C tinlll julgado gue es'lC
eras tu, e tinha-o coloCJdo no Sell coray30, e tinha-~e tomado de novo templo do seu idolo.» JJ E~te influxo de Ambr(lsio e, a mll tempo, exegctico e filas6fico (mas mais exegetico que
filoso-fico). COl!(rssi(11IC5, V, xiv, 1..J-: «E, enquanto abria 0 coyayao para apreender com quanta
e1o-qucncia se exprimia, da memll ll1aneira entraVJ nell', emborJ gradualrnente, com qUJnta verda-de 0 flZiJ. Em primeiro lugar, eO!11\:"y:lra j5 J parect'r-me que e~sas mesmas coi~JS cram defensaveis, e considerava que a
te
catolicJ, em favor da qual tinh,l julgado que mda se podia dizer (Ol1tr,! os ataquc~ dos Maniqucus (prtl qlll1 niltil pOS5e diri adl/CrS11S oppHgllillltes IIlallirhms]111-raHcr,lIIl), se podia afirmar sem acmhamcmo, sobrctudo depois de ter ouvido cxplicar Ull1 ou DU-tro passo obscuro do Antigo Testamento, ClUa interpretaO;30 literal me matava (llbi mm ad
IiUt'-1"1/111 j/([iper..rlll, (lccitiriJm).» Para e'ita intlucncia que 0 levou a compreender que ,'a letra mata mOl, 0 Espirito vivifica~ (2 Cor, 3.6). cf. Piem .. Courcelle, RecilcrciJcs .. _, pp.96-j03.
\~ Dc Beata llit!!, 1, 4; CtH!/i.'s.<:1mu's. VJ, iv, 5-(1. Estt' 'ieria 0 bdo lllais filosOflco de Ambrosio que, todavia, nao d;lVa grande importancia J. tilosotla e, nalgumas passagens (por exemplo. Dl' fidc, I, 5.13; IV, 8; 1)[' lrl[(/rnatiorl[" IX, H9, 1l]JlId Pierre Courcelle, Recherches.,., p. 94) "armo!l~e par-fms les invectlve'i d'un Pierre Damiani. Ambroise est I'une des sources les plus sllres d!..'~ "ami--dialecticicl1s" du Xle et du Xlie sit-'ele ( ... ).» Todavi,\, conhccia Filon de Alexandria, Origenes, Plotino, Porfirio, pelo que era illlpm~ivel nao utl!izar esquemas destcs autores, que assil1l chega-vam a Agastinho, A ajuda de Ambr6sio reveia-,e esse!1ciJJ no desJtar m m1S das calunias dos
Maniql1eu~ Contra os livras divinos (cf. CtJ/!fessiol1es, VI, iii, 4), a tal POnto que Agostinho, ainda
,em qualquer ideia do que fosse a «spirit,dis st!iJsramil/», ji se cnvergonhava de ter /adrado talltos
anos contr~ a Cmlwli[(/ - cf Julien Ries, (,La Bible chez saint Augustin et chez les manicheens~,
Re1'1le des Etudes AuglJstil1iemlcs 7.9 (1961/3; 196313-4), pp. 231-243; 201-115, rcspectlVamente,
7()4
AS CONFISSC1ES DE SA,\' /0 ACOSTL\'H() - :lCL~S DO CO;VG/V-:SSO /'\Tfl<.l\.K'/OXAL
terialismo e 0 mamqueislllo so progresslvamentc toram sendo vellcidos JS. 0
li-vro VII de CO/!f1sstJcs re6rista, alias, certas hesitat;:oes, olldc Agostinho diz que contlllUava a ser para si nIcsmo lllll Jutentico viveiro de amargnras (plallttlrill1/1
al1lariHldiIJis) J(,. Havia nele 11ll1a proflmda resistencia pre-reHexiva, illvoluntaria,
a
possibilidade de existencia de qualqucr realidade nao material.E
certo gue ja ouvira dizer que 0 mal nao devia ser imputado J matelia,criatura de Deus, Illas sim ao livre arbitrio, Mas se toi Deus que nos criou com vontade, como
e
passive! que sejamos capazes de pecar? Donde vel1l entao que quelraIllos 0 mal e nao 0 bem? Sera boa a nossa vontade? Se (oi 0 diaboque nos enou, dondc
c
que ele procedc? Njo pode ser de si mesmo, porque isso selia cair de novo nos dais principios. E se 0 demonioe
criatura de Deuse pela sua vontade perversa pecou, qual a origem dessa vontade m3. COIll que sc mudou eIll diabo, tendo sido criado anjo perfetto por mIl cliadar bom?-"17 Verificamos com que dificllldade Agostinho deixa de ver 0 pee ado como um acontccimento, pravocado por um3 natureza material exterior, para passar a encara-lo como Lll11a decisao da vontacie, isto
e,
como cometimento de uma faI-ta, E se elll Olleras obras antimJniqllcias Agostinho aparece a desvincular-se pole-micamente da visao dualista que perfilhara 31"l, em CO/~fissacs, para alt?m dosmUI-tos elemenmUI-tos para a compreensao da carencia relacionai maniqueia, confessa 0
que fora 0 seu maniqueismoJ ,), 0 que nJS outras obras 'er~1I11 des', em COI!f1SSllcS
'fui eu'. Contra a ausencja de identidade, que nao lhe permitia en tao dizer 'fui eu que pc-quei', a descoberta de mIl minimo de ipseidadc etica (quill 1101/ alia
111-1-tum gerttis [fllCbraml1l de I1IC pcrcabaf) que pudesse ser rebcionada (aCl/sar11-1,
ap(lllta-da) foi para de uma iutada de ar libertadOl' -4(). Ele bem se esfon;:-ava entao por
afastar do olhar do sen espirito (Ill! ade melitis IIIC([e) todas CSSJS im3-gens, {(sed t/olI
35 Nas COl1ft'ssiollcs, VI, iv, 5; VII, i, 1, diz qllc ~l' \<alegravJ por cncontrJr esta dout1;nJ na fe da 1l0'i\;J mae espiritual, a vossa ib'TcjJ. CuiJlica», mas no Dc Bcata lIila rdert" com maior cnfase os platonicm, Provavdmeme ambas as coisa~ sao venbdeirJs porque Ambr6sio di-Ihe tambbl1 U!I1 eri~t:ianislllo
neoplatonizado que, verosimilml"llte, taIllbem atingiu M6nica (cf Dc B('a/a IJita, 2, H). 3(, COl?fessiorlt's, VII, iii, 5.
37 Este
e
um mistcrio que sempre f:iscinou e atomlentou Ago~tillho. No lJc eluirare Dei, XII, 6, a pelr do conheciJo esquema da pervcrsao da vontade (d~kctit) lIoiwltatis, tendencia d,l vontade para 0lIii(l--ser por ter sido fi."ir;l de Ilihi/o) hcsita ainda, dizendo: «Se qlliserlllm ,aber qual foi ;\ cau>J da m;i
vontade (, .. ), depoi~ de lIllla profil1ldJ reflexJo, nada nos oeOITt' (5i /J('/J(' in/uC<1l1/lIr, nihil ownrll)>>,
ar-rematando com 0 51 18, 13: «Quem comprcl'llde 0 pecado? (dcli(/a wirll quis illlclhgir?)>> (XII, 7)
jg Proces.<;o polbnico de desvineula<;:io que Continua particulannente obras !la, anti-Jrianas. Cf.
Ro-land Teske, "Augustine, Maxi!1111S and Jmaglnation~, in AlIlustrlli<1lw 43 (1')93/1-2), pp.27--l-l. 3') Neste sentido, Ct!r!/i.'ssi{ltll's tem 1llll vJlor acrescido rdativamente ~s outra, obras a.!ltimaniqul'iils.
Em todas ebs at;lcl 05 prillclpios t'stmturais do maniqueismn, mas em Cor!ji.'ssiol1Cs h;"i lIIlla auto-critica que mastra positivarnellte 0 contc1ido do 5('11 maniquel'illlo.
41) Ct!r!jcSSit)'ICS, IX, iv, 1U.
JOSE AfAR/A SILVA ROSA
potcrmll!» 41. E logo elas se impunham de novo, em tropel, pois concebia apena.'; a
sllbstancia que vemos por meio dos olhos corporais. Vivia obsidiado, afogado, oprimido pela materia, incapaz de respirar a pureza e a simplicidade cia verdade 42. A imagina~ao fautasista impunha-Ihe 111lla visao ondc Deus, a alma, e tuda l11ais eram sempre representados
a
imagem da COlsa corp6rea 43.Santo Agastinho, alem disso, acresccnta algo muito importante para deter_ 1ninar a peculiaridade do sell materialismo. A nlOntante da incapacidade de conceber alga que 11aa Fosse material, refere Agastinho uma outra incapacida_ de dande aquela deriva: a de conceber algo que naa fosse ern termos exclusi_ vamente espaciais. Se quisenllos,
e
a concepc;ao panteista do 'Todo' a determi_ na-lo. Agostinho est~l fechado para a diferen~~a ontol6gica para que 0 esfon;o uottieo de Platao e Arist6tcles apontara +1, IlaO sem alguma violencia sobre a imagil1a\"ao ontoteoeosmol6gica de certas correntes filos6ficas coevas, que-II Cm!{t'ssiollcs) V, xiv, 25: <cApliyuei eIltao, com todas as ton;:as, 0 mcu espirito a vcr Sl' era de algum modo possivel, com alguns arWllllCIltOS seguros, convencer os Maniqm.'us de filsirJade. Ora, 51..' pu-de'ise conceher Ulna subscincia cspilitua] (si P05S(,11J spitiralelll substantiall! n:l!itarc), illlcdiatamente todas
aqudas invem,'ocs serialll dl..'~fi:ita~ l' expuL'ias do meu espirito: mas nao podia (scd 11011 I'ot('mm)~.
~2 COI!fcssi(1/1CS, V, xi, 21: «Mas a mim, complet<llllellte tolhido e sulocado ((<1pllllll 1'1 t!(f(JratwlI), co-mo que me esma~av:l1n aquelas duas m')ssas, il1la~jnando-as eu coisas materiais ((0.l;lla1l1(1II mO/(,5 iliac), sob nuo peso, otcgando pela brisa limpida e simples tb tua verdaJe, nao podia re~pirar
(respimrr IWII jlorcram)".
43 COI~fcssioll(,S, VII, i, 1: ~Dl''ite modo, embora nao te cOllcebe~se ~ob ;J forma de tun corpo
huma-no, era todavia levado J conccber Jigullla coisa de corp6reo espalhado pelos espac,:os, quer ima-nente ao mundo, quer difilSO para :.Ilem do mundo, pdo infinito, e que fosse justameme isso 0 im.:orruptivcl, C 0 inviolavel, C' 0 imut,lvd que I..'U antepunha ao corruptivel, e ao vioLlve\, e ao
mutavl..'!.." Alias, 56 quando conseguc [rear a imaginac,:ao (cf. Epislllia 7, 2, 4-5), essa £'lculdade espantosamente rica e complexa.
e
que poue ultrapa.,sar diticuldades 1l0urros dOlllinios. Poderia-mas a'isim f3lar C0111 toda :J. leh,ritimidade de llma (olIlwrsii,J da im'w'n,l(iio de cujo proces'io os livtos X (da memoria psicoh)bTicaa
memoria ontological e XI (do tempo :i.eternidade) de C01!/rssiOilfssao LUll relato impressioname. Jean-Marie Le Blond, U.'5 colli/crsiolls ...• 1950, p. 250, assinala que
"Ie dilcllll1le fa rela(;ao, em Deus. entre tempo e ctemidade, a proposito da cria\"30j, cependam, ne l'impressiane pas, et sous sa rigucur apparente it devoile l'itlUSiOll d'une imagination qui !le se liberc pas du temps et continue J "vokter dans Ie paS'it~ et J'avenir" l COI!fessimlcs, XI, xi, 13].
Aussi sa rcponse, paradoxale, est-elle lll1C invitation
a
purifier Ie, schemes telllporel~.» E de assi-naJar que nos sellS reproches aos Maniqueus ~ que CI11 Cot!fis50CS ~ao COlltra si mesnlO - , surge semprc a critica :i fantasia l'a
fcrtilidade da iIllagina~'ao (cf. Collfra H1I/SIIIIII. 2, 3.5; .Eflle~toBuo-miuti, II Cristiallesilllo rommlO w/l'Afrim rvmana, Bari, 1928, p. 356 ss).
4~ Cf Repllillim, 509 a-b; .Mcfajisi«l, /\', 9, 1074 b 33-35: «alm)V apa j'OEL, ELTTEP EGTl Til
KP6.-TWTOV, Kat. EGTlV ~ VOllGlS' ]!O~o"E(tlS V(·rr10"LS .. » E ,c Agostinho leu Arist6teles (cf COI!frssioIU'S,
IV, xvi, 2R-29), i~so apenas 0 tez afundar mais no erro de reduzir (} divino a UTlla categoria. Co-mo so podia imaginar a sllhstallcia material, assim comprel'ndia Deus como corpo. Nao deixa de
ser llluito curioso 0 modo como a leitura das Calc,I;Mias de Aristoteles 0 confimlOll no
matcria-liSlllO. E certo, pod:m, que 0 pcnsamcnto cia sub-;t;l.Ilcia em Aristoteles nos conduz a aporias. Ao limite, a subst5.ncia pode ser pensadJ. ou naa ter;) que se pedir socorro
a
imaginayao? Scja como for, «em .f<llso 0 qIH' pmSml(1 de 1/6s, em 11H'llfiralJ), nao se cansa de cofifcssar Agostinho.AS CONflSSOE) DE SAi\"/O !lCOSrJI\/HO - AeTAS DO COl\iGRESSO Il'-lTfRI\i.'lCIO,VAL
a gnose e 0 mamqueisl110 haviam travestido miticamente, e que a
concupis-cencia astrol6gica do jovem e<;corpiao £izera toda sua 43. Donde: 0 que nao se
pudesse conceber no espa.;:o era necessariamente 'nada', e nao apenas vazio,
o
vacuo e eertamente uma forma de 'nada'. mas e 'algo' enquanto "nada es-pac;oso" ClpatiosWII llihi046, na medida em que pode ser preenchido. Da imp
os-sibilidade de conceber algo inextensamente Agostinho
c
conduzido logica-mente ao materialismo.Todavia, se nao incluisse neste U111verso corp6reo 0 proprio Deus,
Agosti-nho nem estaria longe de algumas cOIlcep<;6es eristas, dos primeiros seculos, que defendiam a matcrialidade da alma, e que encontraram Cllunentes repre-sentantes nos seculos III a v. De facto, desde cedo que, para fugir
a
impiedade, muitos cristaos haviam considerado impassivel que a alm3 fosse puramente es-piritual. Tal estatuto, de pretenso recorte evangelico, era reservado exclusiva-mente para Deus. E se a doutrina da corporeidade da alma poder5. ter sido in-duzida nalguns circllios de cristaos, em contacto com 0 cstoicismo .17, n5.o45 Cf. COlifcssi(1I1CS, 111, iii, 5; IV, iil-iv; VII. vi, tl-l 0; Dc Cillitlltc Dci, V. 1-7; X, <), Durante muiro tempo fora a astrologia - essa 5<1C/ih:~i/ CIIrltJsil<ls - , que 0 orient,lra 11<1 l'ia.~el/1 (cf. Dc Beald lIilil,
4). Com a entrada nos Maniquclls rejeita porem os sacrificios divinatorios, mas njo a astrologia, que COllStitula lIl1l Gl.pituln ftmdalllental do saber maniqucu. Vindiciano e Nebridio com os seus comdhos e admoe~tay6e~ rlmito cOlltribuiram para 0 abandono dcssa curiosidade. mas apellas 0
exemplo do pai de Finnino (cf C(1/!li:ssioIlCS, VII, \'i, R; Episwl<1 138, 1. 3; diferenya de de'itino entre de, Finllino, rico e livre, e 0 filho de um servo do seu pai, tendo ambos exactal1lente 0 mesmo horoscopo) e qLle 0 decidira. Assinale-se ainda que Agostinho nan somentc collSulrava astr610gos. mas chegou tambem a dar colIslillas (cf. David Pingree. «Astrologia, astronomia», in
A1tt;HStiIllIS-1.£xi/cOIl, cols.4H2-490).
.;~ COI!fcssioIlCS, VII. i, 1: "Porque tudo aquilo que eu privava de r:tis espa<;os parecia-mt' ser 0 nada, mas 0 nada absoluto, nem mesmo 0 vazio, como quando se tira tlIIl corpo de tim tugar e fica 0 lugar esvaziado de qllalqlltT corpo, seja de cia ttTrJ., da :'tgua, do ar ou do d:u. Illas todavia bet tim lugar v<lzio, como se fosse um 'nad;l espa\oso' (splltioSIIIIl l1ihi!).»
47 Cf. Michcl Spannem, PC/1lIllIlCI!(C dll Sloiris11Ic. Dc ZCIIOII
a
A111lrau.y, Editions J. Ducolot, Gem-bloux, 1973, pp. 146 ss; Ernest Fortin, Christimlismc ct wfrllrc plli/osopiIiqlJ{" all (inqlliclllf sihlc. Llqllcrelle de I'rllllc IHllHaillc CII OridCIII, Paris, Etudes Augustiniennes, 1951), pp. 43-74 (cap. I, «Les Adversaires de la Spiritualite de l'Ame. La doctrine de Faustus de Riez»). 0 auror, a partir da
Epi.llHla 3 do bispo Fau~to de Riez. apresenta-nos LIma exposiyao desenvolvida sabre a doutrina da corporeidade da ,11ma nest,) epOC.1 (tambclll defendida por CassiaJlo). Repare-sc que 0 pro-blema era 0 mesillo de Agostinho, ja nao aplicado a toda a realidade, 1l1,IS SOlllcnte :1 alma: (p.46) ((Pour etablir la materialite de l'ame. rauteur s'est contente dc dire (ju'el1e etait insCf(!t' dans nos membres et liee
a
nos entrailles, dc tdle sorte qu'au meml..' titre que Ie corps ou die est enfermee, die est quantitative, et donc carporelle.» Note-se que a argumentac,:ao, centrada I1J.diferenp entre ('sscflcii/ e tJpm!(ocs rI,l allllr!, procmava suporte biblico. De tacto, apesar de em Cl
1, 16 ser uito que Deus criou todos os seres, uisivc1s {' ill!!is{pcis, nao se pode concluir da! que a~
il/vis/tlds sejal1l illroypal"CIIs. Ullla coisa e a invisibilidade, outra a incorporeidaue. 0 ar, por
exem-pIo,
e
invisivel e, no enranto, material. Pode bem acontecer, destc modo, que a alma invisivd seja um corpo, mais subtil que os Olltros. mas da mesma natureza.JOSE .HARIA .sILVA ROSt:!
deixa de ser uma ironia que os partidarios da sua espirituahdade, entre des Agostinho, sejam aClIsados de terem transigido com a sabedoria paga.
POI-em, a gcogrJ.fia mltica ainda tinha nde bastante for<;3 e determlnava-lhe o imaginavel. E apcsar de ji ter visto a contradic;ao resultante da sua COIlCepc;:aO simultaneamcnte cspiritual c cspacial de Deus 4K (0 [eino da Trevas, material,
infinito, localizava-se a Sui; 0 reino da Luz, espiritual, infinite, fkava a Norte),
ainda nao encontrara uma alternativa clara: continuava a representar tudo espa-cialmente 49.
Para a superat;:ao progressiva de tal esquema ontol6gico dualista, ca[{:'nte de relayao, contribuiram os film' platollicoy/1I1/ que Ihe vieram parar as maos. Mas nao devemos esquecer a sua experiencia profissional de todos os dias: rhetar.
o
mester de Agostinho era ensinar a gramatica, a retorica, a dialectica; 0 seupensamente estava habituado a declinar, classificar, ordenar, hicrarquizar. NaG tem sido dado suficientc importancia, em nosso entendcr, ao contribute da re-tOriCd para a mpera<;:ao do dualismo materialista, mas e indubitavel que a
refle-X;tO sobre a linguagem (v.g., sobre os graus dos adjectivos 50) contribuiu
par-ciaimente pan rcnovar a sua concepyao de realidade. Talvez se possa
~~ A qual
e
a cOlldi(':ao de possibiJidade do combate se realiz:J.ra in ilfo temporc, J1Jeio pOl' que semisturaram Hel11 e Mal. E i,to era atlnnar que Dem estava sujeito as violayoes da matbia, por-tanto, corruptivel. material. E ainda neste cicio que Agostinho se enreda quando salienta a difi-cuI dade ern imaglllar algutll ser que !lao material.
4') De tacto, apesar de contra a lIlitologia maniqueia acredit;lr ja que Deu~ nao pode ser viol;lvel
-Conti·ssio!l('s. VI[, i. 1: " ... e, com todo a Il1CU seT, acreditava que ttl es incorruprivcl. e inviolavel, e lI;H1tavel (ct If inwmlplibilCI1I cl illtiio/ahi/clI! ct ill[(ltillila/Jilc/ll totis medlilis aedel),lIIl)" - . de sell
ta-Iante so podia imaginar Deus como uma imema mole infinitamente distellSa. e nao lUll ser espi-ritual.
~o Cf. Herni-lrcllee Marrou, Saill/ Augustill .... p.2-t(I. Em COI!fi'ssioll(,s, VII, iv, 6, atlrma que:
(6endo ent30 absolutamente verdadeiro e certo que a im:orruptivel sc cleve antepor ao corrupti-veL ral como eu j:i bzia, podia ji, com 0 pemamcnto. Jtingir alguma coisa que fos~e lllclhor do que a men Deus. se tu nao tosses inc()ITuptivd. POT ism. ali onde eu vi.! que 0 incorruptive1
de-ve ser prefericlo ao COITuptide-vel, ai te devia eu procurar e dai aperceber-me onde esta a nut, isto
2. don de tem origem a propria corrup~a(), pela qual a tua substancia de modo algum pode ser violada.» Porem, este pensamcnto em tonna de siloglSlllO, cl~ja condusao e retirada por reductio ad ,1/JSllrdlltIJ e no qual Anselmo de Cantua ria l1luito deve ter meditado ate
a
fonnula doPfflS/O-.1;;011, e 1ll,lis um dm lugares em que 0 plano narrativo e elCtua] se cruza com 0 hipot(,tico. Se
10-glcamcnte entao chegoll iquela conciusao, Bao sou be como dar-Ihe seguimel1to. nelll tearico l1em pr:itico: «( ... ) ibi te quaerere debebam atqne inde aduertere ( ... ).» Dc qnalquer modo, a Itn-guagern ia trazendo cada vez 1l1ais
a
luz as inconp;tuencias da posiyJ.o dc Agostinho. Se na 01'-clem da narrayao Agostinho ja identifica essa realidade com 0 Deus revelado em Jesus Crist~, nav <leOllteela asslm lla ordcm da de'icoberta, C01110 expressarncnte rdert'. Istoe
tambern mll 51-llal da probidade subjcctiva da ({)I!/iSStIO (,) proposito da dimensJ.o ordenadora da linguagcIll, cf.])1.' Mdint'. II. 12-13,35-38; quanto
a
forr,:a gua~e divinJ da gramatica, cf Dc ordinL', II, 17,45;para mlla abordagem geral da problematica, cf. Jose Oroz Rct:!, "El lengu;-ue en los primeros es-critos de San Agustin», in La Ciudad dc Dios 2U2 [l9Wi/JJ, pp. 111-12:4).
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;"\S CONF1SSc)ES D[ 5:L\'1D .rICOSTlNHU - .'1CT.-lS DO CO,\'GIU~SSO [Y1FRNACIO;\'AL
perguntar, enta~, por que razao Agostinho, tendo sido gmml'llati{//s e rhcr(lr rante varios anos, nao se deu conta disso mais cedo_ Em nosso entender, du-rante esse tempo, Agostinho nUllca atribuira relev~lneia olltologica
a
lingua-gem. Neste sentido, 0 Jovem retor da dedicatoria a HiCrio situa-sc naturalmente na 1inha da sofistica e da retorica forenscs greco-latinas. A lingua-geme
simplesmente um mcio de persuadir, de convcncer, de veneer, de lou-var, sobretudo se dat se esperarem proventos pes50ais. So depois do encontro dos platonicos, mas sobretudo apos a sua convcrsaoa
Sabedoria Criadora, ao Verbo Encarnado, come<;ou a compreender 0 alcance ontol6gico da Palavra 51. Seja C01110 for, J palavr<l, para a gual e da qual sempre vivcra, predispusera-o para uma concepc;:ao de SCI' relevado, hicrarquizado, nao so segundo graus, mastambem Seb'11ndo naturczas 3:::.
Por outro !ado, apesar dt.' progressivamcnte comeyar a vislumbrar as incoc-rencias do sell materialismo, ainda nao tinha dado conta de si, do acto de consciencia pdo qual raciocinava e distinguia 0 vcrdadeiro do £11so. Como
f;l-ra
depois para combater os cepticos, ainda tcntou volrar-se para a alma 5-". Masfoi em van: nao se dava conta de que 0 acto por que considerava tudo
mate-rial, nao podia ser material; na~ notava que a natureza daquilo por que forma-va imagens do scr corp6reo nao podia ser corporco. Literalmente, Agostinho ainda nao 'caira em si', 11aO se Ihe tomara evidente a interioridade 54 e estava
completalllcnte fechado a uma visao rclacional da realidade. Precisava de outra luz, mas nao podia pcnsar que ela estivesse na religiao crista, porque a opinido que tinha sobre ela nao era cxacta:;"i.
51 Jo 1, 1-1-; Cf Marie-AnJlt' VaTlnieL ((Saint Augustin et lJ creJtiotl», ... , pp. 3-1-IJ 55.
52 C(lI~rcssi(Jllrs, VII, iv, 6.
53 COI!fessiolicS. IV, xv. 24: "E voltci-me parJ a natureza do espirito (('I wllllcrii Ill/' ad anillli 11<11111'<1111),
mas a ideia errada que tinha accrca das coisas espiritl1ais nao llle deixavJ ver ,1 verciade. Entrava--Ille pelos olhas dentro a forp da vtTuauc, nus ell desviava a minha mente palpit;mre do mcor-p()rt'o para as figuras e as cores t' para as gr:mdez:ls tlsicas e. jii que nao podi:] vc-las no espirito. julgava nilo poder VeI' 0 llle~mo espirito.»
54 C11!/cssioIlCS, VII, i, 2: <INa vcnlade, 0 meu corJ\-ao seguia atTav(>, daqucl'ls imagens (ycr lilffS
illlil-gilles il!<11 cor 111(,11111). ,Itraves das quais costumam 'i('guir os nlt'us olhos, e l1e111 via qut' esta mesma
reflexao (11('[ lIidel"II1J haw calldl'lII intCllti,J//CIII) com que ell ti.}fIll:rv<I :Iquelas mesnus imagem mio era da mesilla natureza (/1(1/1 l'SS(' I,lie ,liiqllid): toddvi~l ela nao as formaria ~e IlJO Fosse uma coi~a
gralldios,j (llisi esse/ l!Iil.~1I1I1I1 aliqll;ri)>.
55 Cf. COI!tt'ssillll(,S, V, x. 11). 0 Agostinho maniqucu consideraGl <l Igreja Cat61ica defensor,1 do
lllonarguianis11lo. doutrina diarnetralmente opmta ao dualisllIo mbstancial do manigueismo. Se~
gundo Lope Cillerue!o (Obr<lS C01lJp/c/!lS de Sail A,~lIstin, VI[( vol., J3AC, Madrid. 19Rfi, p.63, 11.1) J passagem da Epislltl'l ! I, 1, onde Agosrinho st' dirige a Nebridio acerca da Trindadl', rnostra que «Agustin no sc h<l libcrtado alm del sabeliani~mo lllod;llistl.)) (Cr Gustave 13ardy, «Monarchianisme,,_ in /Jiai(lllllllirc dc ThC%xie Cat/wlique, t,10.". Libr,liril' lcto\lzey et Aile, Pa-ris, 1')29, cols. 21Y3-22()l); P.-Th. Camelot, "Mollarchi,Hli~ll1l'», in Car/w/icislllt', lIier. :1ujollrd-'hili, DClllain, t,().", Librairie Letouzey et Aile, Pari~. s.d .. cok 536-5-1-3).
JOSE MARIA S[U"A ROSA
II -
As insuficiencias da
rela~ao16gica
Se a linguagern, nas suas dimensoes l6gico-gramaticais, por um bdo, pode ter sido UI11 tactor positivo na recnperayilo de uma visao diferenciada e
relacio-nal de realidade, por outro, um estrito quadro categorial - foss em as catcgorias entendidas como universais 16gicos e linguisticos, quais esguemds de apropria<;:ao mental do real, ou estmturayoes ontol6gicas desse meSl110 real - , de modo es-pecial a categoria da substancia, revelou-se totalmente inapropliado, pelo menos enquanto Agostinho nao descobriu aqueloutra instancia onto16gica do verbo impresso, por via do discipulado do Mcstre interior, como acima frisamos.
Como sabemos, Agostinho diz que, quando tinha 20 anos, leu e rdeu a obra as Dez Carcgorias, de Arist6tcles. Poderiamos, pais, conduir que Agosti-nho tinha
a
sua disposi<;:ao um O(~11/1011 decisivo para unla tal visao graduada da realidade. Curiosamente, porem, a doutrina aristotelica das categorias, da subs-rinda e dos acidentes, scdimentou-o ainda mais firmemente no materialismo, cmIlO de pr6prio testemunha.E
provavel que a isso fosse induzido pela her-rneneutica est6ica das Cat[gorias, presente nos textos dos manuais por onde es-tudava 5(,. Seja como for, na sua leitura retrospectiva Agostinho diz que nadalhe aproveitara ter lido c compreendido a obra de Arist6teles, bem pelo con-trario, pois a categoria da 'substancia' apcnas 0 conflrmou no materialislllo, concebendo Deus como COfpl/5 lllcidw/l ct immellsllm e sujeito (slIbicctIlS) univer-sal de todos os acidentes 57:
«E que me aproveitava tel" lido sozinho e compreendido pelos meus vinte anos, quando me chegou as maos uma obra de Arist6teles a que se da 0 titulo de Dcz Catcgorias - a Cl~O nome eu ficava de boc3 aberta, suspenso de nao sei que de grandiose e divino, quando
UIll retor de Cartago, meu professor, e Olltros que cram tidos por
sa-bios, as citavam com as bochechas estalando de vaidade? ( ... ) Que me aproveitava isto, uma vez que ate me prejudicava, procurando en
cOlllpreender~te a ti, meu Deus, maravilhosamente simples e
incomu-tavel - considerando tudo 0 que cxiste absolutamcnte incluido
na-;it, Cf. Hcnri-lrcnee Marrou, Saint AUJ;JlsliJl 1'1 III Fill dl' 1(/ Culfllrc AmiqJlc, Boccard, Paris, 1938;
Aime Solignac, "Doxograhies et manuds dans la fonll3.tion philosophique de saint Allb'1.lstin)), in
Reclierchcs AHglI:;tilliclll1L':; 1 (1958), pp. 113-14R; Gerard Verberke, «Augustin et Ie Stoi'cismel!, in
Rcchcrc!l(':; AU.1,;llSlillil'llIIfS 1 (1958), pp. 67-89; M:lUriee Te'ltard, Saint Augustin el Cicf.~oll L
Ci([-roll dmls III (ol'lllatiofl cl dall:; {'Orrwre dc :;lIilll Arrgrr:;lilf; II. IVpertoirc des Tcxtes, 2 vols., Etudes
All-gustinienn~s, Paris, 1958; - , "Cicero)), in AH,1,;Hstinfls-l£xikml, I vol., Schwabe Co.AG, Basel, 1986-1994, cols. 913-930.
:;7 COI~t('s.<ioflI'5 IV, ",-vi, 2R.29.31.
AS CONFISSOES DE SA;\"m AGOST/NHO - ACTAS DO COXCf(ESSO 1\·TbRNAClON:1L
queles dez predicamentos - como se tambcm tu estivesses sllbordina-do a tua grandeza ou beleza, de modo que estes existissem em ti, co-mo nl1ma especie de supone, coco-mo sucede com 0 corpo, quando a
tua grandeza e a tua belezJ es tu meSIllO, ao passo que a corpo nao
e
grande nern belo pelo facto de ser corpo, porque, cmbora men os grande e menos belo, todavia continuaria a scr corpo? Era, pois, falsidade o que de ti eu pensava, nao verdlde, e fantasias cia minha Iniseria, nao firrneza da tua beatitude. ( ... ) Mas que me aprovcitava J mim que jl1lgavaque tu, Senhor, Deus, Vcrdade, es unl corpo luminoso e infinito e eu uma parcela desse corpo? Que enonne perversidade! Mas eu era assim c-nao tenho vergonha de te confessar, meu Deus, as tllas miselic6rdias para comigo e de te invocar, porgue nao me cnvergonhei ent30 de professar diante dos h0111ens as minhas blasfemias e ladrar contra ti).
E
certo que tal interpretac,::ao das categorias po de nao estar correcta, mas esse e um problema que nao temos de deslindar aqui.E
incontornavcl, contu-do, que a categoria da rcl(l({lOe,
entre todas, a mais desvalorizada por Atist6te-les, sllrgindo como 0 acidente mais afastado da substincia 5il, como lima 'coisaminima' (C/1S minimum), para retomar a interpretaylo de Sao Tomas, seguida por Rodolphe Caschi: 50. Seja como for, se por U11l lado Agostinho esd. a
113[-rar a sua compreensao de outrora, quando jovem estudante, em Cartago, por outro nao parece crer que 0 quadro categorial aristotelico 0 ,~ude muito quan~
to
a
questao de DeLIS, ainda no momento em que escreve a obra COI!/Issocs.Mas entenda~se as catcgorias como se quiser - 16gicas, ontol6gicas, esquemas,
figuras, slmbolos, conceitos universais, etc. - , a verda de
c que este tipo de
pensamento que tende a arrum<lr a realidade em 'gavetas', ou a sua perccp<;ao e estrutura<;ao mental, !laO ajudou Agostinho. Alem do mais. a omissao ou a hesitayao aristotelica acerCJ do estatuto ontol6gico do genero (YEVOS-) e da es-pecie (EL8os-) abriu canlinhoa
reduyao do real a esqucmas 16gicos, formalS e abstractos, quais 'arranjos florais' tardios e escolaTes, e ao esquccimento do misterio e da profunda pregnancia do universal concreto, isto e, da singulari-dade, ja mesmo quando parecia defende-la no debate com Platao w.5g Cf Ml'r4isi((/, N, 2. 1098 b.
5') 51111111111 Theolo,viae, q. 90a ~; Qf lviillill/al Things. S{rulics OIl 111(' /\Jotiol1 (~{ Relation. StJndtord,
Standford UnivcTSity Press, 1 ()99.
~IlJoJguim Cerql1cir:l Gonplves. "Filosofia e Rela<;ao»), in Bih/os 56 (1980), p. 189: "A filosofia aristotCliea !laO deixa de proVOCIT um grave dilema: com inevitiveis conseql1eneias 110 rema Ja
re1a<;ao: se se imiste na ~iII/Jstallcia prilllfira, Ido se ve Illgar e razao para :I categoria da rela~ao; 5C se fixa na :;lIbslal/cia scglll/ria, como a sua gnosiologia parece exigir, a n:Ia\-;'o, nessc casa, sub~i.'>tir;l apenas J nivel logico, para 1130 dizer gramatical."