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Actividades de aventura na natureza: espelho da ideologia social

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Academic year: 2021

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(1)Actividades de Aventura na Natureza: espelho da ideologia social.. Vasco Filipe de Matos Lima. Porto, 2009.

(2) Actividades de Aventura na Natureza: espelho da ideologia social. Monografia realizada no âmbito da disciplina de Seminário do 5º ano da licenciatura em Desporto e Educação Física, na área de Recreação e tempos livres/ar livre, da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.. Orientador: Prof. Doutor Jorge Mota. Vasco Filipe de Matos Lima. Porto, 2009.

(3) AGRADECIMENTOS. Agradeço ao Professor Dr. Jorge Mota pela orientação que me prestou, pelas sugestões e por todo o aconselhamento.. Agradeço ainda à empresa TRILHOS e MAPAZERO por me proporcionarem a experiência directa com os praticantes das AFAN..

(4) Resumo Sendo as Actividades de Aventura na Natureza, hoje em dia, as actividades físicas com maior procura no contexto lúdico e recreativo, este trabalho tem como objectivo problematizar o modo como a prática de desportos em harmonia com a natureza influencia o bem-estar físico, mental e social, e de que forma estes são influenciados pelos valores da sociedade. O trabalho efectua um percurso pela história das AFAN – Actividades Físicas de Aventura na Natureza – também adiante designadas apenas por AFAN, e a sua correlação com vários aspectos: sociedade, tecnologia, ambiente, etc. Será efectuada uma reflexão sobre o tema, analisando as variáveis e explicando o que apresentam estas actividades de tão especial que as tornam tão apelativas e estimulantes para quem as procura, revelando-as tão agradáveis e aprazíveis a quem as experimenta.. Actividades de aventura na natureza: espelho da ideologia social.

(5) Abstract Adventure Physical Activities in nature are today the most searched physical activities in a playful and recreative context. This assignment has thus for purpose to analyze how to play sports in harmony with Nature affects physical, mental and social well-being and the way the are affected by society values. The assignment tells the story of APAN (Adventure Physical Activities in Nature), henceforth also called only APAN, and its relation with several aspects: society, technology, environments and so on. Some remarks on the theme will be done, analyzing the variables and explaining why this kind of activities is so special, appellative and stimulating to people who search for them and so pleasant to those who feel them.. Actividades de aventura na natureza: espelho da ideologia social.

(6) Índice 1) Introdução ……………………………………………………………………..…pág. 2. 2) Revisão da Literatura ………………………………………………….….....… pág.3 2.1 Origem e crescimento – contextualização histórica ………….…..….…pág. 3 a) Berço ideológico b) Propagação do ideal 2.2 Contexto actual e relação com o modelo social vigente / cultura civilizacional ………………………………………….…………………..…pág. 9 a) Situação actual b) Cultura da ecologia c) Interacção Homem – Meio Natural 2.3 Características das AFAN……………………….………………….……pág. 16 a) Novas tecnologias b) Risco c) Relação com o corpo d) Relação do Homem com o meio natural 2.4 Evolução ideológica e a procura pelas AFAN …………..………….…pág. 24 a) Risco b) Novas tecnologias c) Relação com o corpo d) Relação do Homem com o meio natural e) Relação com o mundo mitológico. 3) Conclusões …. …………………………………………………………………pág. 36 4) Bibliografia ….……………………………………………………………..……pág. 40. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 1.

(7) Introdução. 1. Introdução Pergunta de partida: De que forma as Actividades Físicas de Aventura na Natureza. são. condicionadas. pelos. valores. vigentes. na. sociedade. contemporânea, as suas práticas actuais e futuras? Da questão à problematização… É hoje em dia muito discutida a temática da educação ambiental considerando diversos campos como, o cientifico, o económico, o político e sobretudo o desportivo e social. Parece-nos razoável problematizar de que modo a prática de desportos em harmonia com a Natureza influencia o bemestar físico, mental e, portanto, social, e de que forma estes são influenciados pelos valores da sociedade. Consideramos assim extremamente importante entender a correlação entre as Actividades Físicas de Aventura na Natureza e a sociedade, e de forma geral como o entendimento social de Natureza pode ser útil para uma nova visão do desporto, mais ecológica, menos competitiva e que em tudo contribua para aliviar as pressões da sociedade moderna, e ao mesmo tempo estabelecer um paralelismo entre o risco/instabilidade e a vida citadina. As actividades de Aventura na Natureza assumem-se, hoje em dia, como as actividades físicas com maior procura no contexto lúdico e recreativo. Estas actividades, carregadas de significado e simbolismo, atraem um número cada vez maior de praticantes e têm na sociedade em que vivemos uma relevância bastante forte. Este facto pode verificar-se se tivermos em conta o número de entidades organizadoras e divulgadoras de eventos envolvendo a natureza e confrontando esta com o corpo humano. O que nos propomos é reflectir sobre o tema, analisando as variáveis e tentando entender o que apresentam estas actividades de tão especial que as tornam tão apelativas e estimulantes para quem as procura, revelando-as tão agradáveis e aprazíveis a quem as experimenta.. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 2.

(8) Revisão da Literatura. 2. Revisão da Literatura. 2.1 Origem e crescimento – contextualização histórica As actividades Físicas de Aventura na Natureza (AFAN), são definidas como "aquelas actividades físicas de tempo livre que buscam uma aventura imaginária, a vivência de emoções e sensações hedonistas fundamentalmente individuais, em relação com um ambiente ecológico natural" (BÉTRAN e BÉTRAN, 1995, in Apunts: Educación Física y Deportes, 41, pp. 4 - 8). A prática de actividades físicas inseridas no conceito mais divulgado de AFAN, não constitui, ao contrário do que se possa pensar, uma inovação das sociedades contemporâneas. Estas actividades são antes o produto de todo um conjunto de necessidades biológicas do Homem, enquanto ser que mantém com a Natureza uma relação, por vezes, de inadaptação. Contrariamente ao que acontece com os restantes animais, o Homem não sobrevive no meio natural puro, sem qualquer transformação ou adaptação, pelo que, desde o início da sua História teve necessidade de interagir com a Natureza tornando-a mais adequada às suas necessidades, ou seja, foi forçado a praticar actividade inseridas na Natureza. Precisava de se exercitar pois o seu quotidiano (cujas necessidades mais importantes eram a procura de alimento e a luta pela sobrevivência) assim o exigia. Como é natural, tais actividades não se mantiveram inalteráveis ao longo dos tempos; muito pelo contrário, sofreram alterações que se desenrolaram em paralelo com a própria evolução das sociedades, dos seus ideais, valores e hábitos de vida. De acordo com Gilmartín (2008), que nos traça uma panorâmica da evolução histórica destas actividades, na época pré-histórica, conforme foi já referido, o Homem mantinha com a Natureza uma relação de simples sobrevivência, isto é, o primeiro interagia com a segunda na medida em que tinha necessidade de caçar, pescar e recolher frutos e bagas para sobreviver.. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 3.

(9) Revisão da Literatura. Deste modo, nestas sociedades a ligação ao meio natural era quase um imperativo, em virtude da inexistente mecanização das mesmas, o que obrigava o Homem a um contacto quase contínuo com a Natureza. As actividades físicas eram uma constante, não só devido a questões de sobrevivência, mas também a conflitos que as sociedades travavam. A partir da Antiguidade esta relação de sobrevivência foi ultrapassada, já que as populações, que se haviam tornado sedentárias desde o aparecimento da agricultura (no Neolítico), começaram a organizar-se em cidades e a desenvolver novas actividades para garantir a sua subsistência (como o comércio). Deu-se assim uma diminuição da dependência humana perante a Natureza, passando as relações com esta última a ser moldadas pela posição sócio-económica de cada um: os escravos trabalhavam a terra, pelo que a sua relação com ela era meramente utilitária, ao passo que a nobreza se podia permitir a contemplação do meio natural, tendo com ele uma relação recreativa. Aliás, para citar apenas um exemplo, os Antigos Gregos eram grandes apreciadores da actividade física como auxiliar da plena formação do cidadão, apesar de essa actividade ser praticada em espaços bem delimitados no centro das cidades e não em plena Natureza. A Idade Média trouxe consigo algumas evoluções contraditórias. Se por um lado a vida quotidiana se desenrolava sobretudo no espaço rural (já que as cidades eram poucas e de pequeno tamanho), o que poderia levar a concluir algo precipitadamente que se registou um grande desenvolvimento dos desportos ao ar livre, por outro é preciso não esquecer que nos encontramos num período caracterizado por uma visão teocêntrica do mundo (ou seja, Deus é considerado o centro de todo o Universo), rejeitando-se tudo o que se relacionava com o corpo por ser considerado impuro. Consequentemente, não existia a consciência da necessidade de praticar exercício físico para manter a saúde corporal, o que explica a fraca expansão de tais actividades neste período. Na época renascentista estas práticas desenvolveram-se porém de uma forma significativa. Nesta altura a concepção do mundo evoluiu do teocentrismo para o antropocentrismo (o Homem está no centro de tudo),. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 4.

(10) Revisão da Literatura. fazendo assim com que o corpo e a prática de exercício físico para manter o bom funcionamento do mesmo passassem a ser bastante valorizados. Por outro lado, o desenvolvimento das cidades levou a uma separação muito nítida entre o mundo urbano e o mundo rural e a uma exaltação deste último pelo facto de ser mais saudável. Não é pois de estranhar que os desportos praticados na Natureza se tenham desenvolvido bastante nesta época. Com o início, em Inglaterra (séc. XIX), da Revolução Industrial, este estado de coisas intensificou-se bastante. Com a emigração das pessoas do campo para as cidades em busca de melhores condições de vida as zonas rurais praticamente se despovoaram e em contrapartida as cidades cresceram muitíssimo aceleradamente, gerando uma série de problemas, como o aumento da poluição. Além disso estes fenómenos alteraram por completo o modo de vida das populações que, com o surgimento da mecanização e industrialização em massa adquiriram hábitos muito mais sedentários, afastando-se cada vez mais da interacção com o meio natural. Foi por esta altura que se iniciou um maior desenvolvimento das actividades físicas na Natureza, como forma de reagir aos males provocados pela vida nas grandes cidades. Cléber Dias, Victor Melo e Edmundo Alves Júnior (2007) consideram que a expansão das AFAN começou pelo montanhismo, com a fundação, em 1857, do Clube de Excursionismo Britânico. Este foi apenas o primeiro de muitos que viriam mais tarde a surgir, primeiro na Europa e depois – já no século XX – na América. Este fenómeno demonstra já uma certa organização deste tipo de desportos, que juntamente com a institucionalização dos conceitos de rendimento, rentabilidade e recorde, típicos das sociedades industriais, fez com que essas actividades perdessem parte da sua espontaneidade em detrimento de uma maior organização, conferindo-lhe a faceta da competição que ainda hoje as caracteriza. Este conceito tradicional de desporto de rendimento viria a ser contestado no final dos anos 50 por um grupo de surfistas californianos, que fundaram o conceito de “modo de vida desportivo alternativo” (LORET, 1995,in Génération Glisse, pp. 104-141). Este grupo pretendeu mostrar o seu. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 5.

(11) Revisão da Literatura. descontentamento relativamente à sociedade e ao modo de vida da época recorrendo, por isso, à defesa das actividades desportivas menos tradicionais como, por exemplo, deslizamento sobre superfícies naturais (o gelo, a água ou a areia) Tratou-se, no fundo, de uma contra-cultura que Loret denomina de GLISSE, não apenas desportivamente, mas também ao nível político, social e cultural. Este movimento introduziu um novo conceito de desporto, menos rígido e regulamentado, mas também – e este é talvez o aspecto mais importante –, desligado do conformismo e do consumismo desenfreado, tão característico do mundo industrializado que, nesta altura tem nos Estados Unidos da América o seu maior representante. Na década de 60 verificamos que este tipo de actividade física aparece mais associada à cultura juvenil, a qual se caracteriza por uma atitude profundamente crítica face à sociedade tradicional (lembramos, a este propósito, o movimento hippy, abertamente contrário ao sistema de valores instituídos, ao ponto de os seus adeptos serem muitas vezes vistos como rebeldes, indisciplinados e, de um modo geral, como exemplos a não seguir). Foi, precisamente, esta faceta negativa que fez com que durante esta época as actividades físicas fossem desvalorizadas, até mesmo desprezadas e, consequentemente, com que o seu crescimento fosse limitado. Esta tendência viria a inverter-se nos anos 70, com o surgimento dos movimentos de expansão do desporto a todas as classes sociais. É necessário ter em conta que nos primeiros anos do seu aparecimento as actividades a que nos referimos eram, praticamente, inacessíveis ao grande público (devido aos elevadíssimos custos dos equipamentos necessários à sua prática), estando reservadas aos grandes exploradores – como os que realizaram as primeiras tentativas de escalar as montanhas dos Himalaias ou as grandes expedições a África com o objectivo de mais tarde a colonizar – e/ou. a. indivíduos. de. nível. sócio-económico. bastante. elevado.. Foi,. precisamente, graças a estes movimentos de expansão do desporto a que atrás nos referimos que foi possível uma certa democratização do mesmo. O desporto deixou de estar reservado a elites e passou a estar ao alcance das massas.. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 6.

(12) Revisão da Literatura. Esta evolução decorreu lado a lado com o aparecimento de uma comercialização da imagem e consumismo em torno das actividades físicas até há bem pouco tempo consideradas como marginais. Foi precisamente a comercialização que possibilitou a vulgarização do desporto, permitindo desta forma que o mesmo se tornasse acessível a camadas cada vez mais largas e abrangentes da população. Em paralelo, surgiu também o profissionalismo, que acabou por acarretar uma questão problemática: o choque entre o prazer provocado pela prática do desporto e a dedicação a esse mesmo desporto enquanto profissional. Tal dedicação implica a opção por determinados sacrifícios para obter resultados (basta recordar as limitações a que estão sujeitos os atletas de alta competição, em especial os olímpicos, em termos de dieta e do número de horas dedicadas aos treinos). Assim, esta contradição acabou por levar a um certo desencanto, à perda da aura de liberdade e da aventura que envolve este tipo de desportos (DOMINGO, 1995), como se esta mística fosse incompatível com o rigor e a disciplina indispensáveis ao sucesso neste tipo de competição. Mais recentemente, o aparecimento de uma consciencialização ecológica motivada pelas constantes agressões à Natureza, com destaque para a modernização da agricultura, que tem como consequência a poluição das águas e dos solos, a excessiva urbanização e a exploração desenfreada de recursos naturais, juntamente com a perda da mística e surgimento dos interesses comerciais, fizeram aparecer um conjunto de novas modalidades ligadas à Natureza, das quais podemos citar, apenas para dar alguns exemplos, o surf, o pára-quedismo, o rappel, a escalada e a canoagem. Tais actividades representam como que um retorno à Natureza, existindo igualmente uma relação diferente com esta última: de simples objecto que deve ser dominado pelo Homem, como se pensava no séc. XIX, a Natureza passa a ser encarada como algo que nos merece respeito e com a qual podemos e devemos conviver em perfeita harmonia. Actualmente,. estas. actividades. encontram-se. cada. vez. mais. expandidas, fruto de um conjunto de factores como o aumento do período. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 7.

(13) Revisão da Literatura. dedicado ao lazer (que, por sua vez, se relaciona com o crescimento da industrialização), a institucionalização da sociedade de consumo (que gera novos mercados) e a utilização de novas tecnologias, que ajudam à diversificação das referidas práticas (BÉTRAN e BÉTRAN, 1995; DOMINGO, 1991). Por sua vez, é notório que o seu êxito é cada vez maior, não só porque ajudam as pessoas a libertarem-se do stress cada vez mais intenso na vida quotidiana, mas também devido à reunião de três factores: o factor competitivo (o desportista procura continuamente a sua própria superação), o lúdico-recreativo (visto proporcionarem emoções agradáveis) e o educativo (pois, o contacto com a Natureza é um dos pontos fortes da educação ambiental, considerada hoje em dia como uma componente essencial à formação integral do ser humana) (RICO, 2000). Como veremos mais adiante, estas actividades, que uns designam por Desportos Radicais, outros por AFAN, e ainda outros como Práticas Corporais de Aventura na Natureza (o que parece ser mais adequado visto o termo “desportos radicais” acarretar um certo grau de risco para a saúde, o que não deverá. acontecer. quando. se. pratica. este. género. de. actividades),. correspondem a um profundo anseio do Homem actual e, por isso, somos levados a crer que vieram para ficar.. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 8.

(14) Revisão da Literatura. 2.2 Contexto actual e relação com o modelo social vigente Podemos considerar que as AFAN apresentam características que até certo ponto as adequam às formas de pensar em vigor na actualidade, na medida em que hoje em dia se procura cada vez mais o prazer, a satisfação, e se tende a minimizar o esforço físico. Por outro lado, é também típico desta época, e como já referimos, o aumento do período de tempo que as populações dedicam ao ócio. De facto, e de acordo com Gilmartín (2008), podemos considerar que vivemos hoje na chamada "civilização do ócio", surgindo assim a questão de saber como ocupar esse aumento considerável do tempo livre de uma forma produtiva, no sentido de o fazer de um modo que contribua para aumentar a qualidade de vida de cada um. Estes factos, juntamente com a intensificação do stress da rotina diária, fazem com que as pessoas prefiram desportos que impliquem contacto directo com a Natureza em detrimento de outras formas de ocupação dos tempos livres. O período que agora vivemos tem as suas raízes no séc. XVIII (denominado de Século das Luzes), que marcou profundas mudanças aos níveis científico, religioso e tecnológico. Foi nesta época que a religião (e aqui estamos a falar essencialmente da religião católica) perdeu o seu lugar de centro da vida social, sendo substituída pela afirmação da Ciência e da Razão. Estas são agora encaradas como os novos pontos de referência do Homem, o que, como teremos oportunidade de ver mais à frente, acabará por conduzir à própria superação da Modernidade. Em termos de mudanças sociais verifica-se uma exaltação do progresso e do trabalho (BÉTRAN, 1995; DOMINGO, 1991) que responde às novas exigências ditadas pelo rápido progresso da industrialização e acabará por levar a uma ideia de Natureza que a vê como exterior ao Homem, um mero objecto a ser dominado por ele. No que se refere especificamente ao lazer, o fenómeno mais notório é a democratização do mesmo, que passa agora a estar acessível a todas as classes sociais, e o aparecimento de uma nova visão do desporto, que deixa. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 9.

(15) Revisão da Literatura. de ser visto como uma forma de entretenimento e passa a ser entendido como uma competição, um género de actividade física na qual se sobrevalorizam os resultados, o rendimento, o esforço físico e o rigor (se repararmos bem nos discursos dos treinadores do futebol facilmente verificamos que todos destacam esses elementos). Como dissemos atrás, todo este conjunto de características que constitui a Modernidade está actualmente em pleno processo de superação, naquilo que se designa de correntemente por pós-modernidade. Este fenómeno decorre essencialmente de uma descrença na Razão e no progresso, de uma perda de referências do Homem contemporâneo. O que se passa é que se chegou hoje à conclusão de que o progresso científico acabou por não dar resposta às necessidades mais profundas do ser humano e por esse motivo ele procura cada vez mais desesperadamente algo que lhe sirva como ponto de referência, de modo a restabelecer o seu equilíbrio psicológico. Por outro lado, é ponto assente e correntemente aceite que no futuro, e até talvez já nos dias de hoje, a cada vez maior sofisticação da tecnologia terá como consequência mais lógica e imediata a libertação do trabalho de inúmeras tarefas rotineiras – que serão deixadas às máquinas – possibilitando desta forma um aumento do tempo livre disponível, como já tivemos ocasião de ver mais atrás. Salientamos ainda que este dado irá desencadear profundas alterações sociais pela criação de novos valores, necessidades e estilos de vida (CONSTANTINO, 1993). Vale no entanto a pena chamar a atenção (apenas como uma rápida referência) para o facto de que a vida contemporânea, com o seu elevado nível de instabilidade, acarreta cada vez mais pressão psicológica que acaba por se reflectir nos próprios momentos de lazer (MARINHO, 2005). Este conjunto de factores não deixará de se reflectir na própria expansão das Actividades Físicas de Aventura na Natureza. São também características da cultura pós-moderna o individualismo, o consumismo, o hedonismo (valorização do prazer como bem supremo) e o culto do imediato e do estético (BÉTRAN, 1995; DOMINGO, 1991). É também. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 10.

(16) Revisão da Literatura. neste contexto que se podem inserir as AFAN, como modo de, por um lado, satisfazer o desejo de consumo (que nos dias de hoje acaba por funcionar como factor de equilíbrio e bem-estar psicológico) e, por outro, proporcionar uma libertação das pressões da vida quotidiana através de actividades agradáveis e capazes de provocar emoções fortes. As Actividades Físicas de Aventura na Natureza inserem-se pois, no modelo de pensamento pós-moderno na medida em que se integram numa cultura desportiva diferente, menos fechada e formal. Basta para isso dizer que o elemento competição não se encontra tão nitidamente presente e o que é importante acima de tudo é que a pessoa se sinta bem consigo mesma ao praticar a actividade em questão. Por outro lado, a prática das AFAN de uma forma consciente pressupõe uma nova relação com a Natureza, em que se encara esta última como fazendo parte do Homem e já não como exterior ao mesmo. Na verdade, hoje em dia podemos falar de uma “cultura ecológica”, como sendo um modo de pensar que valoriza o cuidado e o respeito para com o meio ambiente por se tomar consciência de que, no passado, a intervenção humana – incluindo a prática das AFAN – o prejudicou de uma forma talvez irremediável. As informações de que hoje dispomos em relação ao meio ambiente provam, sem qualquer sombra de dúvida, que a acção do Homem se traduziu em agressões tão violentas ao planeta Terra, que a própria sobrevivência da espécie humana poderá ficar ameaçada a curto/médio prazo. A desflorestação, as chuvas ácidas, a excessiva dependência do petróleo (que a continuar a este ritmo acabará por esgotar o precioso recurso), a desertificação e, sobretudo, o aquecimento global – que além de alterar profundamente o clima é responsável pela subida generalizada do nível das águas do mar, que colocará em risco muitas zonas costeiras do globo – são fenómenos muitíssimo preocupantes e que já tiveram pelo menos o efeito positivo de chamar a atenção dos governantes mundiais para a urgência de se tomarem medidas capazes de os solucionar. A redacção do protocolo de Quioto, em 1997, que visa reduzir as emissões dos gases com efeito de estufa, altamente prejudiciais ao ambiente, é apenas um exemplo dessa realidade.. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 11.

(17) Revisão da Literatura. Para além deste aspecto mais global, as próprias atitudes dos indivíduos e das organizações desportivas em relação à Natureza sofreram uma profunda transformação, isto porque hoje em dia existe a consciência de que o rápido crescimento das AFAN não só gerou uma indústria de entretenimento em expansão como, muito mais preocupante do que isso, foi a causa de inúmeros impactos ambientais com consequências negativas no meio natural. Tais efeitos, continuamente denunciados pelas associações ecológicas, levaram ao surgimento de um cuidado redobrado com a Natureza e até à busca de desportos alternativos que, sem perderem a sua característica fundamental de manter o contacto com o meio natural, fossem capazes de minimizar os efeitos negativos do mesmo (MARINHO, 1999). Os próprios praticantes reconhecem esta realidade e procuram respeitar ao máximo a Natureza, integrando-se, harmoniosamente, com a mesma. Trata-se, portanto, de um retorno à Natureza, depois de anos em que o progresso tecnológico produziu como que um conflito com a mesma. A um nível mais profundo, trata-se de “um novo redimensionamento da relação Homem – ambiente natural” (TAHARA; SCHWARTZ; FILHO, 2006, pág. 59), o qual implica, igualmente, uma mudança de atitudes e de valores que se reflectem de uma forma globalmente positiva nessa relação (idem). O Homem já não busca dominar e apropriar-se da Natureza, antes procura reconciliar-se com ela, sentindo-se bem consigo próprio através de um contacto profundo e harmonioso com o meio natural. Esta necessidade de experimentar uma satisfação emocional, que se traduz num sentimento de bem-estar consigo mesmo é, de resto, uma das principais motivações para os praticantes das AFAN se dedicarem a tais desportos. As mais recentes investigações sobre o tema demonstram isso mesmo. O já citado estudo de Tahara, Schwartz e Filho, 2006, elaborado com o objectivo de descobrir as motivações para a prática das AFAN e, tendo por base uma amostra aleatória de vinte pessoas, de ambos os sexos, com idades compreendidas entre os 21 e os 45 anos, demonstra claramente que para a maioria dos inquiridos a prática das AFAN representava um “momento propício. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 12.

(18) Revisão da Literatura. à concreta revisão de valores e atitudes para si próprio e os demais ao redor” (TAHARA; SCHWARTZ; FILHO, 2006; pág. 61), bem como, “estar vivenciando o melhor momento destinado ao lazer num contacto harmónico e directo com o meio natural” (idem). A este propósito, é bem significativa a resposta de um dos sujeitos da amostra que passamos a transcrever: “Quando estou a realizando a actividade, parece que estou em transe, penso em cada coisa que venho fazendo na minha vida. Fico cem por cento bem comigo próprio, pois sinto uma felicidade interior em entender meus erros cometidos no dia-a-dia….” (idem). Ainda nesta linha, é importante registar que, na mesma pesquisa, o aumento da satisfação pessoal e do bem-estar como consequência directa da prática das AFAN, bem como uma maior importância do espírito de equipa, cooperação (dado que muitas AFAN pressupõem a colaboração de pelo menos duas pessoas para que juntas possam ultrapassar obstáculos) e respeito pelo próximo e pelo meio natural foram algumas das modificações mais significativas detectadas nas vidas dos inquiridos desde que começaram a praticar AFAN (é interessante verificar, a este propósito, que os aspectos relacionados com a estética – emagrecimento e definição muscular – ocuparam o último lugar na lista de benefícios, sendo referidos por apenas dois sujeitos da amostra). Fica então, mais uma vez, demonstrado que o que está aqui em causa é a redefinição das atitudes para com a Natureza e dos valores que guiam a vida das populações. Podemos então concluir que as AFAN, mais do que uma resposta aos anseios do Homem contemporâneo, são um modo de resistência ao modelo social actualmente vigente. Sabe-se que, nos dias de hoje, os principais adeptos das AFAN são aqueles a que José Cantorani e Constantino de Oliveira Jr. chamam “pessoas comuns”, ou seja “homens, mulheres e adolescentes que, na grande maioria das vezes podem ser identificados como sedentários” (CANTORANI; OLIVEIRA, 2006; pág. 4). A grande questão é então saber porque é que essas pessoas, extremamente adaptadas a um sistema que lhes dá tão poucas oportunidades de experimentarem emoções fortes e acostumadas ao conforto. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 13.

(19) Revisão da Literatura. e segurança, se expõem a actividades de aventura (idem). A resposta poderá residir precisamente nesta última constatação: as pessoas buscam nas AFAN algo que quebre o monotonia das suas vidas, algo que possibilite libertarem-se, ainda que por pouco tempo, de uma existência “rotineira, sedentária e de poucas oportunidades para actividades de relativa destreza física e de forte excitação emocional" (idem). Neste sentido, as AFAN são uma forma de libertação, da manutenção da sanidade mental num mundo tão complexo e confuso como o actual. Em. termos. psicológicos,. os. mundos. moderno. e. pós-moderno. caracterizam-se por um controlo emocional cada vez mais severo por parte dos indivíduos. Como refere Norbert Elias na sua obra “O Processo Socializador” (ELIAS, 1993, cit. por CANTORANI; OLIVEIRA, 2006, pág. 5), “o controlo efectuado através de terceiras pessoas é convertido, de vários aspectos em auto-controlo,. que. as. actividades. humanas. mais. animalescas. são,. progressivamente, excluídas do palco da vida comunal e investidas de sentimentos de vergonha que a regulação de toda a vida instintiva e afectiva por um firme autocontrolo se torna cada vez mais estável, uniforme e generalizada”. Por outras palavras, o processo de civilização fez com que os adultos fossem forçados a reprimir cada vez mais violentamente as suas emoções através de um sentimento de vergonha que praticamente anulou a sua espontaneidade. Estas pressões sucessivamente acumuladas podem, no limite, conduzir a sérios problemas de saúde mental. Elias, juntamente com E. Dunning, afirma mesmo que “o desprezo quanto à atenção dedicada a esta necessidade [a experimentação de fortes emoções, que é uma consequência do aumento do controlo emocional] constitui uma das maiores lacunas na abordagem dos problemas de saúde mental” (ELIAS; DUNNING, 1992; pág. 171). É pois, neste contexto, que surgem as AFAN como forma de libertar tensões acumuladas, o que significa que as próprias sociedades desenvolvem “formas de actividades que podem ser consideradas como contra-medidas em oposição às tensões do stress que elas próprias criam” (CANTORANI;. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 14.

(20) Revisão da Literatura. OLIVEIRA, 2006, pág. 9), contribuindo assim para restabelecer o equilíbrio e para a própria melhoria da qualidade de vida das populações, através de uma maior aproximação à Natureza, que permite o reencontro do Homem com a sua origem.. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 15.

(21) Revisão da Literatura. 2.3 Características das AFAN Existe actualmente uma enorme variedade de AFAN – muitas delas surgidas a partir da troca dos espaços naturais característicos de cada uma, como o esqui nas dunas e a bicicleta de montanha na neve (GILMARTÍN, 2008), o que não acontecia há alguns anos, mas sem que isso implique uma diversidade dos elementos que as caracterizam. Muito pelo contrário, todas elas possuem um conjunto de características comuns que as permitem considerar como uma categoria desportiva independente. Antes de prosseguirmos com a análise desta matéria gostaríamos porém de problematizar um pouco mais esta questão. Existem muitos autores segundo os quais as AFAN não devem sequer ser consideradas desportos, já que “são caracterizadas por motivações, modelos, objectivos, condições e espaços bastante distintos dos «desportos tradicionais»”, (DIAS; MELO; ALVES JR, 2007; pág. 359). O principal argumento destes autores é que o desporto se caracteriza pela competição e que uma vez que tal elemento não se encontra presente nas AFAN, estas não deverão ser encaradas como tal. No entanto, à semelhança dos autores acima citados, cremos que é necessária uma visão mais completa de desporto, que inclua igualmente a componente lúdica do mesmo. Nesse sentido as AFAN podem ser consideradas “uma espécie de subcultura desportiva”, inserindo-se ao mesmo tempo no conjunto mais amplo dos desportos em geral. A primeira característica das AFAN que as distingue dos restantes géneros de desporto é o facto de estas se realizarem no meio natural, o que por si só implica um elemento de imprevisibilidade que faz com que estas actividades não sejam de todo monótonas. Trata-se portanto de um ou mais indivíduos lutando contra os caprichos da natureza, que frequentemente lhes podem colocar obstáculos inesperados. As AFAN são, regra geral, desportos individuais, se bem que, como há pouco dissemos, possam ser praticadas em grupo. Aliás, algumas destas actividades são obrigatoriamente praticadas por pelo menos duas pessoas, caso contrário não é possível ultrapassar os desafios colocados pelo meio. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 16.

(22) Revisão da Literatura. natural. A possibilidade de estar em grupo é uma das motivações (se bem que não a mais importante) dos praticantes das AFAN e está provado que uma das grandes vantagens destes desportos no sentido de contribuir para a completa educação do ser humano é o desenvolvimento do espírito de cooperação e da solidariedade entre os participantes. Este género de práticas é também, de um modo geral, muito mais informal do que os chamados “desportos tradicionais” uma vez que não exige treinos organizados e pode por esta razão ser realizado em períodos curtos de tempo, como por exemplo um feriado, um fim-de-semana ou umas férias. Esta característica, só por si, implica que exista muito mais liberdade por parte do praticante – uma vez que não está sujeito a horários e planificações, o que também se adequa ao objectivo das AFAN de proporcionar uma fuga às pressões da rotina diária. Além disso, não havendo preocupações com o rendimento, os indivíduos ficam mais soltos, descontraídos e equilibrados recebendo destas actividades uma forte componente psicológica que lhes transmite uma intensa sensação de bem-estar. Os desportos de que aqui nos ocupamos caracterizam-se também pelo facto de o seu principal objectivo ser a busca do prazer sem que isso implique um grande esforço. Estamos no entanto a falar, no seguimento do que afirma Gilmartín (2008), das AFAN mais recentes e não das que poderíamos considerar mais "clássicas", como o alpinismo. Neste último caso, o que de facto interessa é a obtenção de um prazer mais contemplativo (como o que se retira da observação de uma paisagem no topo de uma montanha) mas devemos realçar que essa sensação só pode ser alcançada após a realização de um esforço físico intenso. A interdisciplinaridade é outro dos elementos que distingue as AFAN de todos os outros tipos de desporto. Significa isto que para praticar uma actividade deste género de forma a retirar dela o máximo partido possível é conveniente possuir conhecimentos de diversas áreas diferentes. Por exemplo, no caso da escalada é de toda a vantagem conhecer o tipo de escarpa em que nos movemos, dado que o desenrolar da actividade em si será determinado por esse facto (GILMARTÍN, 2008). Não nos referimos, como é óbvio, aos. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 17.

(23) Revisão da Literatura. conhecimentos técnicos indispensáveis para praticar uma AFAN pois mesmo que não os tenhamos poderemos à partida contar com o apoio dos instrutores para preencher essa falha. Falamos antes do conhecimento do próprio meio físico em que estes desportos se desenvolvem. A deslocação e o equilíbrio podem também servir para caracterizar as actividades que estamos a analisar. De facto, a deslocação encontra-se presente em todas as AFAN, já que a sua meta é alcançar um determinado local, ao passo que em certos desportos ditos "convencionais" (como o futebol) o objectivo pode ser introduzir um dado elemento num espaço determinado (idem). Relativamente ao equilíbrio, parece-nos bastante claro que, como veremos mais adiante, este é um dos protagonistas de tais actividades, na medida em que todas elas exigem um sentido de equilíbrio bastante apurado. Se as características que acabámos de enumerar são aceites pela grande maioria dos autores que se debruçam sobre este assunto, existem outras que não merecem um acordo tão alargado. A falta de regulamentação e a não-competitividade são duas delas. O autor que temos vindo a seguir é de opinião que na maior parte dos casos a realização das AFAN não está sujeita às normas de clubes ou organizações federativas e que a maior parte doa seus adeptos não está inscrita em qualquer organismo deste género. Sem querermos negar este facto, que nos parece correcto, não podemos contudo deixar de chamar a atenção para a grande quantidade de instituições cujo objectivo é a prática de AFAN de um forma organizada (como o Centro Excursionista Brasileiro e a Federação Argentina de Ski, entre muitos outros), pelo que esta ausência de oficialização não poderá, quanto a nós, ser considerada uma verdadeira característica das AFAN. Quanto à não competitividade, já concluímos anteriormente que se isto é válido para alguns casos, há outros em que esta faceta de competição se mostra muito nítida. Um dos elementos que mais profundamente distingue as AFAN dos restantes géneros desportivos é o facto de as primeiras envolverem um determinado grau de risco. Torna-se no entanto importante relativizar esta questão, já que o risco de que estamos a falar é controlado e minimizado.. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 18.

(24) Revisão da Literatura. Como é evidente, as AFAN não envolvem um risco que prejudique a saúde ou coloque em causa a vida dos praticantes, até mesmo porque se isso se verificasse o entusiasmo pela sua prática não seria tão notável como de facto é. De acordo com LORET (1995) e BÉTRAN (1995) o grau de risco inerente à prática das AFAN reside no nível de interacção ou, para utilizarmos a terminologia de BRUHNS (2001), do confronto entre o indivíduo e o meio natural. Devemos no entanto realçar que nenhum praticante de AFAN, minimamente responsável se entrega a tais actividades sem assegurar previamente a sua segurança, além de que os principais adeptos desses desportos estão demasiado habituados ao conforto e a essa mesma segurança para que os dispensem de ânimo leve (CANTORANI; OLIVEIRA, 2006). Na realidade, as AFAN proporcionam uma oportunidade de contacto directo com a Natureza (BÉTRAN, 1995) que por envolver um determinado risco provoca como que uma descarga de adrenalina – que é também uma das coisas que os praticantes procuram – mas podemos então concluir, dado o que acabou de ser dito, que esta situação se encontra minimamente controlada. Em resumo, as AFAN comportam um determinado grau de risco que as tornam especificamente apetecíveis aos olhos dos seus apreciadores. No entanto, este não pode ser evitado nem previsto em todas as ocasiões (MARINHO e BRUHNS, 2001), sendo até um direito de quem procura estes desportos (PIRES, 1992), na medida em que lhes permite romper com um quotidiano gerador de profundas tensões. É precisamente neste aspecto que as novas tecnologias assumem um papel fundamental, dado que actuam como uma espécie de mediadores entre o Homem e a Natureza (MICHAEL, 2001), ao permitir que este se mova com maior facilidade no meio natural, expandindo deste modo as suas capacidades dentro do mesmo e facilitando a comunicação entre ambos. A. tecnologia,. que. num. primeiro. momento. (correspondente. à. Modernidade) tinha afastado o Homem de um contacto mais directo e profundo com o ambiente natural (CANTORANI; OLIVEIRA, 2006), vem agora na época pós-moderna, revelar-se uma aliada, tanto de um como de outro, permitindo. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 19.

(25) Revisão da Literatura. ultrapassar as limitações humanas (Bétran e Bétran, 1998) e deste modo reaproximar o ser humano da Natureza através do surgimento de novos equipamentos capazes de tornar a prática das AFAN muito mais segura (RICO, 2002). A este factor predominantemente utilitário junta-se igualmente uma componente mais psicológica, na medida em que os equipamentos de boa qualidade e tecnologicamente sofisticados funcionam como um factor de atracção. (ZIMMERMANN,. 2006),. contribuindo. até. para. aumentar. a. popularidade de quem os utiliza. As vantagens do desenvolvimento tecnológico não se ficam no entanto por aqui, dado que permitem igualmente o acesso de uma mais larga camada da população à prática das AFAN e rentabilizam os recursos naturais, permitindo um melhor aproveitamento destes últimos. Há que reconhecer que o enorme crescimento das AFAN nestes últimos anos e sobretudo a sua posterior exploração comercial levou a um desenvolvimento tecnológico com o objectivo de controlar o risco característico destas actividades e que faz com que ele assuma uma dimensão mais emocional do que física. Esta componente simbólica e emocional é precisamente, de acordo com FEIXA (2002), o elemento central das AFAN, o que resulta de um ambiente que provoca fortes emoções, ainda que estas resultem de um factor de risco mais imaginário do que real. A prática de AFAN pressupõe um envolvimento com a Natureza, o qual poderá ser experimentado através do corpo (LEWIS, 2000; EDENSOR, 2000). Este é assim o agente que permite viver todas as emoções que são normalmente procuradas pelos apreciadores destes desportos. No entanto, este não é um agente passivo, antes se assume como um elemento activo em todo o desenrolar das AFAN, que é também um processo de interacção com o meio natural. Queremos com isto referirmo-nos não apenas ao facto mais óbvio de que durante a prática de uma AFAN o corpo se encontra em movimento, mas também ao seu papel de “actor” no próprio processo das actividades, de instrumento de recolha (através dos sentidos) de informações sobre o meio natural, acumulando por esta via conhecimentos que podem inclusive. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 20.

(26) Revisão da Literatura. condicionar a prática da actividade em si mesma (por exemplo, numa caminhada por um bosque podemos decidir, em função da informação recolhida, escolher um percurso diferente do que tínhamos definido inicialmente). Um corpo activo é pois, acima de tudo, um corpo informativo (MIRANDA; LACASA; MURO, 1995), concebido como emissor e receptor. Aliado a isto temos também a concepção do corpo como forma de exprimir valores sócio-históricos, que como o próprio nome indica, são variáveis de época para época. De acordo com Isabel Mendes et. al. (2009), esta interpretação questiona toda uma tradição biologista que reduz o corpo aos seus aspectos fisiológicos, bem como a concepção cartesiana do mesmo, a qual o vê como um simples instrumento a ser utilizado pela mente (MENDES et. al., 2009), e aproxima-se mais da abordagem de Marcel Mauss e do seu conceito de " fenómeno social total". Para Mauss, um fenómeno social é visto como uma totalidade concreta que deve ser estudada como tal, ou seja, procurando várias perspectivas de análise que contribuam para uma melhor e mais completa compreensão do mesmo. Assim, um fenómeno social pode e deve ser analisado sob as ópticas económica, política, ideológica, demográfica, cultural e outras. Aplicado ao corpo, este ponto de vista significa que não nos devemos restringir ao aspecto puramente biológico mas sim alargar o campo de análise para a vertente cultural. Segundo este autor, o facto de se permitir ou proibir determinada atitude corporal espelha muito simplesmente os valores que em cada época são instituídos através da educação (idem). A título de exemplo, podemos referir que no final do século XVIII e no século XIX a Ginástica estimulava uma postura corporal rígida, considerada como símbolo de ordem e eficiência, por oposição a uma postura mais descontraída, vista como perigosa e indesejável porque ameaçadora da obediência. Vemos assim como a cada instante a Natureza e a Sociedade se entrelaçam e como o simples facto de praticar uma AFAN pode ser também ele um processo cultural cheio de significado.. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 21.

(27) Revisão da Literatura. Numa cultura hedonista como a da pós-modernidade o corpo é visto como um fim em si próprio, e não apenas como um meio para atingir determinados fins. Entra-se assim no domínio da estética, em que o fundamental é a beleza, no sentido de conseguir um corpo esbelto e saudável (motivação para que cada vez mais pessoas se iniciem na práticas das AFAN). Por outro lado pretende-se também alcançar um movimento corporal mais fluido e descontraído (DOMINGO, 1991). Mesmo assim é importante notar que praticar uma AFAN não deixa de ser uma experiência bastante intensa e em alguns casos extenuante (ex: escalada ou canoagem), que exige um corpo muito resistente (MACNAGHTEN E URRY, 2001; EDENSOR, 2000), sob pena de não se conseguir levar a actividade a bom termo. Estas actividades implicam que o corpo tenha de se envolver na Natureza, pois como o seu próprio nome indica, as AFAN ocorrem no meio natural. Evidentemente que ao longo deste processo acaba por se estabelecer uma complexa relação entre ambos, que tanto pode ser de cooperação como de antagonismo. Na realidade a Natureza é um terreno de jogo bastante incerto,. dado. que. as. suas. forças. estão. em. constante. alteração.. Consequentemente, as regras impostas pelo meio natural, que acabam por condicionar as AFAN em si mesmas na medida em que determinam o que o Homem pode fazer ou não fazer (PIRES, 1992), estão também em permanente mudança. Contudo, a Natureza pode ser também encarada como uma companheira no corpo em movimento, não no sentido de ser efectivamente uma aliada (o que até retiraria emoção às práticas desportivas de que aqui nos ocupamos), mas no sentido de o unir ao meio natural por ser impossível competir com ele (DOMINGO, 1991). Podemos dizer que pelas suas características próprias a prática de AFAN pressupõe actualmente uma interacção muitíssimo profunda entre o indivíduo e a Natureza (SANT’ANA, 1999, citado por BRUNHS, 2002), que acaba por se traduzir numa harmonia entre os dois. Estamos assim muito longe da Revolução Industrial, quando o Homem procurava dominar a Natureza, acabando desta forma se afastar dela. Hoje, pelo contrário, vivemos num. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 22.

(28) Revisão da Literatura. tempo de retorno ao ambiente natural que se pode caracterizar mais correctamente como uma fusão entre a Natureza e o indivíduo. Este fenómeno, denominado de “acção em curso”, significa no fundo que existe uma relação de respeito mútuo entre ambos, isto é, nem o Homem busca dominar a Natureza, nem se deixa dominar por ela.. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 23.

(29) Revisão da Literatura. 2.4. Relação entre as actividades físicas de aventura na natureza e a cultura pós – moderna Como tivemos oportunidade de ver nas últimas páginas, as AFAN inserem-se num novo conceito de desporto e as suas principais características apresentam muitos pontos de contacto com a cultura pós-moderna. Estamos a falar do individualismo e do subjectivismo (uma vez que cada praticante vive a AFAN à sua maneira, em concordância com as suas próprias expectativas e capacidades físicas), mas também da incerteza característica do meio onde estas actividades decorrem, da inovação introduzida pelas tecnologias cada vez mais desenvolvidas e da própria aventura, que é a componente mais típica destes desportos. Para além destes aspectos que as enquadram na pós-modernidade, um período que na óptica de Bétran (1995), corresponde a uma sociedade não só de consumo, mas também de serviços (muito diferente, desta forma, das anteriores sociedades industriais), as AFAN apresentam também elementos que as ligam às chamadas subculturas juvenis (Feixa, 2002; Bétran e Bétran, 1995). Estas actividades dirigem-se essencialmente a um público jovem (até aos trinta e poucos anos), ou seja, a uma faixa etária que, tal como as próprias AFAN, valoriza o corpo, o risco e o momento presente, com tudo o que este tem de intenso, excitante e efémero. É um facto bem conhecido que os jovens (ou pelo menos a maioria deles) desejam viver cada dia como se fosse o último e as Actividades Físicas de Aventura na Natureza são um dos meios mais eficazes de lhes proporcionar essa sensação. No que se refere a este ultimo aspecto podemos ainda detectar outro paralelismo, na medida em que os jovens podem na maior parte dos casos contar com a protecção e apoio, seja dos pais e/ou parentes próximos na sua vida diária, seja dos equipamentos, tecnologias e monitores quando praticam uma AFAN. Desta forma, o risco que correm é muitas vezes simbólico, imaginário.. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 24.

(30) Revisão da Literatura. Em termos de subculturas é também possível encontrar aproximações entre as AFAN e as camadas mais jovens. Na verdade, ambas possuem uma subcultura própria, caracterizada pela existência de imagens, usos, costumes, formas de vestir e outros elementos que as distinguem de todas as outras, conferindo-lhes uma existência própria e independente. A crescente popularidade de que as AFAN actualmente gozam deve-se ao facto de darem resposta às necessidades, desejos e exigências da cultura pós-moderna. Estes traduzem-se num profundo anseio em conferir sentido à actividade individual num mundo estereotipado e por isso mesmo frio e despersonalizado, num desejo do estímulo dos sentidos (necessário à ultrapassagem do ritmo vertiginoso da vida quotidiana que acaba por nos conduzir a um estado de apatia) e sobretudo numa necessidade de retorno ao mundo natural. Na verdade o Homem pós-moderno precisa desesperadamente de se libertar através de um reencontro com a Natureza, depois de anos e anos aprisionado em ambientes urbanos, frios e desumanos. Nesta sede de liberdade reside a explicação para o crescimento da chamada “cultura natural” (MACNAGHTEN; URRY, 2001, pág.1), ou seja, uma cultura que valoriza a Natureza através da aposta no uso de produtos naturais, de uma maior preocupação com a preservação do meio ambiente e até mesmo na promoção do mundo natural na publicidade e na indústria do turismo (como o demonstram as inúmeras ofertas de sugestões para férias em que o principal atractivo é a oportunidade de passar alguns dias em contacto com a Natureza, longe das pressões do meio urbano). Tudo isto significa que existe agora uma relação completamente diferente entre o Homem e o meio natural, sendo este último encarado não como um inimigo, uma selva hostil, mas antes como um aliado, capaz inclusivamente de oferecer técnicas de cura alternativa aos fármacos, muito menos agressivas ao organismo humano, bem como oportunidades de desenvolvimento espiritual (FRANKLIN, 2002). Apesar desta tónica colocada na Natureza, Macnaghten e Urry (2001), consideram ainda que é o elemento sócio-cultural que, por assim dizer, “salva” e sustenta esta última.. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 25.

(31) Revisão da Literatura. Por outro lado, Szerszynski (1996, cit. por MICHAEL, 2002, pág.109) acaba por ter uma posição diametralmente oposta a este respeito, ao referir o chamado “environmental expressivism”, um movimento que tenta recuperar o contacto mais próximo da Natureza no sentido em que é esta a salvar o Homem e não o contrário. Nós não tomamos posições tão radicais. Preferimos tê-las ambas em conta, já que o indivíduo e a Natureza são interdependentes, isto é, ambos precisam um do outro ou como refere Oliveira (2002), a Natureza está no Homem e vice-versa. Posto isto, convém realçar que o conceito de Natureza não é estático, tem sofrido inúmeras alterações ao longo do tempo. No início da História da Humanidade foi vista como uma deusa cujas forças eram incompreensíveis e por essa razão incontroláveis, o que fazia com que o Homem se encontrasse totalmente sujeito a ela. Já na Idade Média perdeu o seu carácter divino para revestir a forma de uma mera criação de Deus, que no entanto – e por essa razão – não deixava de reflectir a perfeição do seu criador. A partir do séc. XIX, com a Revolução Industrial, o incrível progresso tecnológico registado nessa época fez com que a Natureza fosse vista como subordinada à sociedade. Verificou-se uma “busca incessante do Homem pelo controlo da mesma, buscando aperfeiçoar técnicas e máquinas com a finalidade de promover o desenvolvimento” (SUASSUNA, et. al. 2004, pág.5) o que os afastou cada vez mais e levou a uma concepção da Natureza como perfeitamente distinta da sociedade. Esta separação – na qual a Natureza se identificava com o mundo rural e a sociedade com o mundo urbano – manteve-se numa fase posterior (MACNAGHTEN e URRY, 2001) mas agora com uma atitude completamente diferente: ao invés de se menosprezar o meio natural, considerando-o como inferior ao industrializado, assiste-se agora a uma revalorização de tudo o que se relaciona com a Natureza, visto como mais belo, livre e genuíno. Apesar disso, nem todos os autores estão de acordo com este último ponto, visto que Edensor, por exemplo, é da opinião que os meios rurais não são mais autênticos do que os urbanos. O que se passa é que ambos têm diferentes estruturas espaciais que fazem com que o corpo reaja de formas igualmente. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 26.

(32) Revisão da Literatura. distintas: o campo possui, pelas suas próprias características, muito mais elementos de imprevisibilidade, o que já não acontece com os meios citadinos. Esta revalorização do natural parece relacionar-se com a evolução verificada nos últimos anos relativamente à postura dos praticantes de AFAN para com a própria Natureza. Numa. primeira. fase,. segundo. Brunhs. (2002). esta. visão. era. essencialmente “exterior”, ou seja, os desportistas viam a Natureza apenas como um objecto, um cenário para a realização das suas actividades (o que, logicamente, fazia com que o cuidado com a preservação do meio ambiente fosse relegado para segundo plano). Mais tarde, a nova visão de Natureza e também a constatação de que a actividade humana – incluindo a prática de AFAN – em muitos casos não fez mais do que agredir o meio ambiente, conduziram a uma nova atitude de integração e harmonia entre este último e o praticante. Há um envolvimento entre os dois, na medida em que se passa a considerar o meio como imprescindível à realização das AFAN e que, como tal, merece o maior respeito e cuidado com a sua conservação. Este posicionamento acaba por servir os próprios interesses dos desportistas, pois se o meio natural for degradado até à exaustão eles deixaram de ter a possibilidade de praticar as AFAN. Em suma, existe uma estreita união entre o praticante e o meio (SOCORRO RICO, 2002), considerando-se que este é parte integrante das actividades e que devido às profundas e nocivas alterações ambientais o próprio desporto deve ser sustentável, assumindo uma posição de harmonia e não de antagonismo relativamente à Natureza. Praticar uma AFAN é um modo privilegiado de escapar à apatia que caracteriza a vida contemporânea, dado que constitui uma ocasião única de experimentar a Natureza através do corpo e dos sentidos. Podemos então dizer que ocorre uma estimulação sensorial que tem evoluído com os tempos: na modernidade a visão era a principal ferramenta de percepção da Natureza (o que implica um certo afastamento entre o observador e o meio natural), ao passo que na pós-modernidade se valorizaram outros sentidos capazes de. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 27.

(33) Revisão da Literatura. proporcionar um contacto mais íntimo com o meio natural, permitindo ao praticante desfrutar a sensação de tranquilidade que, normalmente, nos traz a harmonia e a comunhão directa com a Natureza. Por outras palavras, o Homem adquire o conhecimento sobre o meio natural através de uma multiplicidade de sentidos, criando desta forma aquilo a que Almeida designa por "redoma sensorial", ou seja, o conjunto de sensações que o indivíduo experimenta numa dada situação (Almeida, 2008 cit. por PAIXÃO et. al, 2009) As AFAN permitem, então, uma relação profunda entre o corpo e a Natureza na qual ocorre um processo de experimentação corporal desta última através dos sentidos, do qual não estão ausentes o confronto e a dificuldade. São, precisamente, estes dois últimos elementos que mais estimulam o corpo, levando-o a despertar da apatia de que há pouco falávamos e que, segundo Simmel (1997, cit. por LEWIS, 2000, pág. 66) tem as suas origens no excesso de informação que caracteriza a sociedade consumista em que vivemos. Para. Simmel. a. sociedade. contemporânea. bombardeia-nos. constantemente, através dos meios de comunicação e das novas tecnologias, com toda a espécie de estímulos que para além de criarem necessidades artificiais (isto é, as pessoas sentem a necessidade de comprar cada vez mais coisas de que na realidade não necessitam, apenas para não se sentirem inferiores aos outros) provocam aquilo que ele designa por “intensificação da estimulação nervosa”, prejudicial ao equilíbrio psicológico dos indivíduos e aos quais estes tentam resistir por meio de uma indiferença relativamente a tudo que os rodeia. A esta insensibilidade podemos contrapor o espaço em que decorrem as AFAN, que, como já dissemos, representam uma oportunidade de reflexão capaz de conduzir à paz interior. É na dualidade equilíbrio/desequilíbrio (ligada à probabilidade de queda) inerente às AFAN que autores como Miranda, Lacasa e Muro (1995) consideram que reside o verdadeiro potencial sensorial destas actividades, sendo igualmente um processo de fuga a um quotidiano que encerra em si mesmo violentas tensões. Na verdade, segundo estes autores podemos mesmo estabelecer uma comparação entre as AFAN e as brincadeiras infantis, já que ambas procuram o prazer sensório-motor através do movimento e de. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 28.

(34) Revisão da Literatura. jogos de equilíbrio (como os balanços e as quedas) que, no caso específico dos adultos (os quais utilizam habitualmente equipamentos tecnologicamente mais avançados), podem também contribuir para a libertação das tensões a que estão submetidos. Por estranho que possa parecer, a sobrecarga de estímulos que caracteriza as sociedades contemporâneas não impede que estas se tornem monótonas, isto porque as pressões exercidas sobre os indivíduos para que reprimam as suas emoções mais espontâneas conduziram a um mundo em que tudo é estandardizado, banal e pouco genuíno. Daí a necessidade de uma evasão (MARIOVET, 2002) que promova a libertação de tensões e permita ao ser humano recuperar a sua autenticidade. Nas páginas anteriores tivemos já ocasião de nos referirmos à obra de Elias e Dunning, quando analisamos o processo de autocontrolo a que estão sujeitos os adultos nas sociedades contemporâneas. Retomaremos, agora, o seu pensamento para explicar como é que as AFAN representam, no seu entender, uma forma de experimentar emoções fortes e romper com a rotina. Na sua obra “A Busca da Excitação” Elias e Dunning (1992) referem que “os seres humanos são ensinados a controlar com bastante severidade, e em parte automaticamente, certas necessidades provenientes do envio e recepção de mensagens emocionalmente significativas” (ELIAS; DUNNING, 1992, cit. por CANTORANI; OLIVEIRA, 2006) o que faz com que sintam uma grande necessidade de viver emoções fortes e ao mesmo tempo de fugir, ainda que temporariamente, às avaliações do seu comportamento que certamente não deixarão de sofrer. É exactamente nesse ponto que intervêm as AFAN, como forma de satisfazer ambas as necessidades. Estes desportos permitem viver experiências totalmente diferentes de uma rotina asfixiante e experimentar uma espécie de tensão-excitação que se revela agradável precisamente por ser tão diferente de tudo a que se está habituado. Uma vez que o risco inerente a estas actividades é controlado e minimizado e o espaço em que elas decorrem, apesar de aparentemente desorganizado, se encontra bastante estruturado (FEIXA, 2002) podemos considerar que as AFAN são actividades miméticas, no sentido em que. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 29.

(35) Revisão da Literatura. permitem a experiência do risco sem que este escape ao controlo por parte do Homem (CANTORANI; OLIVEIRA, 2006). Trata-se, portanto, de uma excitação que pela libertação de tensões que proporciona tem um efeito de catarse, isto é de purificação. Segundo Paixão et. al. (2009), a existência do risco não é de modo algum uma característica própria das sociedades contemporâneas, já que desde os tempos pré-históricos o Homem se depara com situações que colocam em causa a sua integridade física ou mesmo a sua vida. Estas estão na maior parte dos casos relacionadas com fenómenos naturais e climáticos (calor ou frio em excesso, terramotos, incêndios e inundações). Hoje em dia, os perigos que se correm têm sobretudo a ver com circunstância criadas pelo Homem (caso dos riscos inerentes à actividade profissional), isto é, o factor risco é, também ele, uma construção histórica (PAIXÃO et. al., 2009). Além disso, os fenómenos naturais potencialmente perigosos constituem, apesar de tudo, situações esporádicas, ao contrário do que acontece actualmente. Nos dias de hoje, o risco é pois uma constante nas nossas sociedades, dado que as sucessivas alterações ocorridas aos níveis político, económico e social ajudam a criar um ambiente de instabilidade e incerteza gerador de uma enorme angústia nas populações. A título de exemplo, lembramos que nos dias de hoje a crise económico-financeira generalizada não só arrasta inúmeras pessoas para o desemprego como faz com que os poucos empregos disponíveis sejam precários. Tal situação acaba por ter consequências sociais nocivas (como o aumento da violência), fazendo com que a estrutura da sociedade que nos habituamos a encarar como normal praticamente se desmorone e com que seja muito difícil, para não dizer impossível, conceber e fazer funcionar um modelo sócio-económico com base na busca da segurança (CLARK, 2000). Por outro lado, e de um modo algo irónico, temos de reconhecer que a época em que vivemos, apesar de ser mais do que nunca marcada pelo caos e pela incerteza permite-nos também, graças às tecnologias disponíveis, desfrutar de um elevado grau de conforto. Neste sentido, torna-se-nos,. Actividades de Aventura na Natureza espelho da ideologia social. 30.

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