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Análise da aplicação do método indiciário na perícia da CPI dos ônibus do Rio De Janeiro (2018) / Analysis of the application of the indictment method in the CPI expertise of buses in Rio De Janeiro (2018)

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 3,p. 12090-12106 mar.. 2020. ISSN 2525-8761

Análise da aplicação do método indiciário na perícia da CPI dos ônibus

do Rio De Janeiro (2018)

Analysis of the application of the indictment method in the CPI expertise

of buses in Rio De Janeiro (2018)

DOI:10.34117/bjdv6n3-174

Recebimento dos originais: 30/01/2020 Aceitação para publicação: 12/03/2020

Rodrigo Gonçalves de Oliveira

Graduando de Gestão Pública na Universidade Federal do Rio de Janeiro Av. Pedro Calmon, 550 - Prédio da Reitoria, 2º andar - Cidade Universitária - Rio de

Janeiro/RJ

oliveiragrodrigo@gmail.com

Vinícius Matos de Abreu

Graduando de Gestão Pública na Universidade Federal do Rio de Janeiro Av. Pedro Calmon, 550 - Prédio da Reitoria, 2º andar - Cidade Universitária - Rio de

Janeiro/RJ

matosvini@hotmail.com

Jorge Antônio Martins

Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Doutor em Engenharia de Transportes/COPPE/UFRJ(1996)

Av. Pedro Calmon, 550 - Prédio da Reitoria, 2º andar - Cidade Universitária - Rio de Janeiro/RJ

jorgeamartins@gmail.com

RESUMO

Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Municipal do Rio de Janeiro investigou em 2017/18 o processo licitatório de todas as linhas de ônibus da cidade em 2010, que resultou na concessão às empresas que já atuavam, além das linhas existentes, alguns corredores expressos (BRT) – sequer projetados àquela altura – e também o sistema de bilhetagem eletrônica que não existia. A perícia, orientada pelo método indiciário, constatou irregularidades diversas. Os indícios identificados foram agrupados em oito tipos de relações de causalidade ou contextuais para sustentar a tese de que as empresas que já atuavam no município foram beneficiadas irregularmente por agentes públicos. O ensaio foi submetido à avaliação de especialistas por técnicas de conclave que produziram consensos de 100%, 83% e 67% para, respectivamente 2, 8 e 2 pontos investigados. O resultado do conclave apontou para a impossibilidade de descarte das hipóteses de formação de cartel e de improbidade administrativa.

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ABSTRACT

Parliamentary Commission of Inquiry (PCI) of the Rio de Janeiro City Council investigated in 2017/18 the bidding process of all city bus lines in 2010, which resulted in the concession to companies that already operated, in addition to existing lines, some express corridors (BRT) – not even designed at that time – and the electronic ticketing system that did not exist. The expertise, guided by the semiotic method, found several irregularities. The evidences identified were grouped into eight types of causal and contextual relationships to support the thesis that the companies already operating in the municipality were benefited irregularly by public agents. The trial was subjected to expert evaluation by conclave techniques which yielded 100%, 83% and 67% consensus for respectively 2, 8 and 2 investigated points/conclusions. The result of the conclave pointed to the impossibility of discarding the hypotheses of cartel formation and administrative improbity.

Keywords: Semiotic method; Conclave techniques; PCI; Transport; Rio de Janeiro.

1 INTRODUÇÃO

Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi instituída em 2017 pela Resolução N. 1394/2017 da Câmara Municipal do Rio de Janeiro a fim de averiguar possíveis irregularidades na licitação do Sistema de Transportes Público por Ônibus (SPTOC), de 2010, e, devido ao êxito da perícia prestada por Mobile-LAB/UFRJ, três anos antes, na CPI dos Ônibus de Niteróii, foi convocado o mesmo grupo/instituição para prestar perícia, que adotou, tal como naquele caso, o Método Indiciário.

A fim de analisar e compreender a aplicação do método (também chamado “semiótico” – interpretação dos sinais), estudou-se o relatório técnico da CPI dos Ônibus, intitulado “Ensaio da Perícia à Luz do Método Indiciário”ii, que constatou oito agrupamentos de indícios.

De forma coerente com os requisitos do método, como adiante será argumentado, a perícia da CPI submeteu, através da técnica delphi, sua narrativa final a um conselho de especialistas (quatro, porém um deles desistiu de participar no dia do início da aplicação da técnica). O objetivo era verificação de consenso. Este ocorreu entre 83% e 100% para 3/4 dos indícios e 67% para 1/4 dos indícios.

A análise do caso mostra que, apesar do pouco tempo para os trabalhos, visto o enorme volume de dados em papel e a demora da remessa dos mesmos à CPI, além de nenhum tipo de recurso pessoal disponibilizado à perícia, a aplicação do método indiciário deu conta de esclarecer os fatos, tendo sido fundamental a experiência anterior do perito na análise de casos semelhantes que o fizeram colocar foco nas questões estruturais e, assim, conseguir estabelecer nexos entre aspectos que tenderiam a ficar encobertos, tal como o superfaturamento do investimento para efeito de remuneração de capital e o desvio de

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 3,p. 12090-12106 mar.. 2020. ISSN 2525-8761 sobrelucro com receitas extraordinárias para o patrimônio pessoal dos sócios majoritários das principais empresas através de aluguel superfaturado de garagensiii.

Neste artigo, será abordado o caso carioca e foco apenas nas conclusões do método indiciárioiv. Assim, para verificação da eficácia do método adotado pela CPI carioca,

procedeu-se à análise do Ensaio – relatório final da assistência técnica oferecida pela UFRJ (MARTINS, 2018).

2 SOBRE A METODOLOGIA DA PERÍCIA DA CPI DOS ÔNIBUS DO RIO DE JANEIRO.

Apoiando-se nas manifestações públicas que ocorreram em 2013 contra o reajustamento tarifário em diversas cidades no Brasil, duas CPIs foram montadas nas Câmaras Municipais de Niterói e Rio, porém só a de Niterói chegou a ser concluída (MARTINS, 2013). No Rio de Janeiro, somente em 2017, com a prisão do filho do maior empresário de transporte do RJ, Jacob Barata, em razão das investigações da Operação Lava-Jato, encontrou-se espaço para reabertura de outra CPI e desta vez também concluída. Atuou a mesma consultoria técnica em ambas as CPIs e o objetivo das duas investigações foi explicar o resultado das licitações das linhas de ônibus municipais do Rio de Janeiro (2010) e de Niterói (2012): saíram vencedoras as mesmas empresas que já atuavam nas duas cidades. Com base no caráter político, administrativo, social e econômico de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (FROTA, 2006), a perícia das duas CPIs tratou de verificar a possibilidade de descarte ou não de hipóteses de ilicitude em razão de indícios que viessem a ser constatados. Foi adotado pela perícia o método indiciário para explorar maior número de detalhes que pudessem ser ignorados à primeira vista. Assim, os depoimentos dos agentes nos interrogatórios deram início aos trabalhos e foram também submetidos à técnica de análise do discurso, sendo confrontados com dados objetivos. Na investigação de Niterói, submeteram-se os indícios de ilícitos identificados à discussão em sessões de brainstorming dos assistentes técnicos da presidência da CPI, mas no Rio de Janeiro isso não foi possível. Coerentemente com o princípio da autorrelativização do método e de sua narrativa – o ensaio –, o perito, nas duas CPIs, procurou também um controle externo e independente acerca dos indícios de irregularidades e ilícitos que foram encontrados, tendo promovido pela técnica delphi consulta a especialistas, objetivando consenso acerca das principais conclusões da investigação. Na CPI do Rio, promoveu-se, ao final, em audiência pública, um conclave com alguns dos especialistas que participaram da delphi.

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3 SOBRE O PARADIGMA INDICIÁRIO.

Os termos “paradigma indiciário”, "método indiciário" ou “método semiótico” referem-se a um modelo de investigação nas ciências humanas de caráter heurístico e centrado no detalhe, nos dados marginais, nos resíduos tomados enquanto pistas, indícios, sinais, vestígios ou sintomas de uma realidade obscura que se quer explicar. Tem sido muito adotado na pesquisa histórica nas duas últimas décadas (CERQUEIRA FILHO et al, 1997 e NEDER, G. et al, 2012) e no Direito, sendo que o termo que o designa foi cunhado por Ginzburg (1989) no seu livro: “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”.

Os princípios do paradigma indiciário são:  Valorizar as especificidades do objeto;

 Reconhecer o caráter indireto do conhecimento em ciências humanas;  Inferir as causas a partir dos efeitos; e

 Exercitar a conjectura e a imaginação criativa durante a análise e a pesquisa. Para isso, devem ser adotados certos procedimentos, tais como:

 Prática interpretativa interdisciplinar situada no âmbito da microanálise;  Pluralismo documental, teórico e metodológicov;

 Análise microscópica referida à redução de escala na observação do objeto – a dimensão micro diz respeito a uma postura metodológica de observação a partir do detalhe, e não ao objeto de pesquisa em si, que precisa ser considerado em sua totalidade – e

 Estudo minucioso e exaustivo do material pesquisado.

Walter Benjamin apud Ginzburg (2002, p. 43) resume de forma figurada o principal mérito do método indiciário pelo qual se consegue chegar não a um conceito abstrato de “verdade”, mas ao provável: “deve-se escovar a História ao contrário”, isso é, pelo método indiciário, leem-se testemunhos e documentos às avessas, contra as intenções de quem os produziu. Dessa maneira é possível testar testemunhos, levando-se em conta tanto as relações de força entre os agentes investigados quanto aquilo que é irredutível a elas.vi

Ginzburg (1989) ilustra o modus operandi do método indiciário pela “Metáfora do Tapete”, pela qual as variáveis históricasvii seriam como fios de um tapete; uma vez definido

o território da pesquisa, buscam-se nos detalhes indícios de um padrão de conduta, cujo significado dá-se apenas no contexto do tapete.

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 3,p. 12090-12106 mar.. 2020. ISSN 2525-8761 A consistência da teia ou trama só é passível de verificação a partir da identificação de um padrão no detalhe e percorrendo-se a observação do tapete em todas as direções, verifica-se a repetição daquele padrão por todo o tapete. Inaplicável, portanto, qualquer abstração (ou ilação), sendo o método indiciário exercido na “concretude da experiência” do exame microscópico dos detalhes que caracterizam o todo e na forma da narrativa, que não pode prescindir da perspectiva ensaística por transferir para o leitor a condição de verificador final do que se conseguiu produzir no que tange à concatenação lógica dos fatos, a partir dos indícios que caracterizariam um padrão de conduta.

4 CARACTERIZAÇÃO DE INDÍCIO

Meras ilações, suposições e circunstâncias isoladas não podem ser consideradas indícios, pois estes são os sinais tangíveis da realidade a partir dos quais, por raciocínio lógico-dedutivo, chega-se a algum fato não conhecido a princípio. Os indícios são os dados de fato, em relação aos quais se tem a certeza de ocorrência. Sobre eles, objetivamente, é que se aplica a verificação lógico-dedutiva para se apontar com verossimilhança parte da realidade não diretamente observável (por exemplo: para demonstrar a hipótese de cartel, não há que se comprovar a reunião em que os agentes acertaram preço e produtos se estes são os mesmos em todas as propostas e apresentadas por mesmo representante). Portanto, o indício, por si só, não tem validade intrínseca, mas depende em que contexto de fatos se situa.

Tornaghi (1978:159) conceitua indício como “o fato provado que por sua ligação com o fato probando autoriza a concluir algo sobre este”. Isto é, o valor da prova decorre da quantidade de indícios (padrão de conduta) e da falta de ambiguidade destes, de modo que fique claramente demonstrada a inexistência de aspectos que pudessem contrariar logicamente a ocorrência do fato probando na cadeia dos fatos prováveis, isto é, na conexão entre eles (a “trama do tapete” de Ginzburg, op. cit.). Em última análise, o indício serviria para demonstrar que não há um sentido contrário ao que se pretende provar com ele (“escovar a História ao contrário”, segundo Benjamin, op. cit.).

Para isso devem ser feitas análises interdisciplinares das fontes disponíveis, a saber:  Depoimentos/Interrogatórios: Quanto à forma – Tensão (nervosismo, irritação ou

ironia) dos agentes, Foco ou ênfase insistente, Esquecimento de aspectos-chaves, entre outros; Quanto ao conteúdo declarado sobre circunstâncias, fatos e/ou atos – Erro, Contradição, Ocultação/Omissão, etc.;

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 3,p. 12090-12106 mar.. 2020. ISSN 2525-8761  Documentos: Quanto à forma – Descontinuidade (falta de partes ou peças),

Ilegibilidade, Alteração, Ocultação, dentre outros; Quanto ao conteúdo dos registros oficiais sobre circunstâncias fatos e/ou atos - Erro, Contradição, Ocultação/Omissão, etc.

5 SOBRE A TÉCNICA DELPHI

A técnica delphi é técnica de prospecção por sistematização de análise e julgamento de informações, com fundamento em consenso de especialistas (também chamados de peritos ou juízes) sobre determinado tema por meio de validações articuladas em rodadas ou ciclos de questionários, enviados eletronicamente conforme se mostrar necessário (LINSTONE e TUROFF, 2002). A cada rodada as perguntas são repetidas, e os participantes devem reavaliar suas respostas em face das respostas e justificativas dadas pelos demais participantes na rodada anterior. Pode ser aplicada a dados quantitativos e qualitativos. São três as condições básicas da delphi: (i) o anonimato dos participantes (as identidades dos especialistas não são reveladas nem entre si), (ii) a representação estatística da distribuição dos resultados, (iii) o retorno (feedback) de respostas do grupo para reavaliação nas rodadas subsequentes.

6 APRESENTAÇÃO DO CASO

Com a lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que regulamenta os regimes de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, previsto no art. 175 da Constituição Federal, aumentou a demanda social por regularização do transporte no Brasil. A partir de então trava-se um duelo judicial com o MPRJ, cujas decisões com a obrigação de fazer (licitar) chegam somente ao fim da primeira década dos anos 2000.viii

Eduardo Paes tomou posse como prefeito em 2009, cancelando o Edital de Licitação de seu antecessor (Cesar Maia) que conflitava com o sindicato das empresas. Passou a contar com uma consultoria para definir a modelagem da nova licitação.ix

7 ANÁLISE

Conforme ocorriam os depoimentos à CPI, alguns fatos passaram a ser investigados mais minuciosamente, notadamente no que se refere à discricionariedade técnica, isto é, verificar as justificativas técnicas dadas às suas condutas pelos agentes públicos. Esses fatos foram agrupados em oito tipos que, tomados em conjunto, evidenciavam um padrão de

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 3,p. 12090-12106 mar.. 2020. ISSN 2525-8761 conduta que permitiu ao perito formar opinião sobre o objeto de análise, isto é: construir seu ensaio em torno da tese que explicaria o caso da licitação carioca. Os indícios foram:

 “Aspectos formais e materiais da proposta dos licitantes vencedores apontam para uma ação concertada e coordenada pelo sindicato das empresas”x;

 “Planejamento obscuro e insuficiente: ausência de projeto básico e de análise de alternativas”;

 “Contradições entre as ênfases dadas nos discursos dos agentes públicos e privados e suas condutas efetivas observadas”;

 “A decisão quanto ao tamanho da frota restringiu a competição às maiores empresas/frotas do Brasil e do mundo”;

 “A ‘unitização’ do objeto para exploração monopolista: o SBE e o BRT”;  “Pontuação viciada das propostas comercial e técnica”;

 “Concentração do mercado e indução de falências” e  “Operação imobiliária para ocultação de sobrelucro”.

Os oito indícios foram divididos em dois conjuntos de variáveis em razão de sua natureza/finalidade: contextuais (que condicionam os fatos ou condutas, ex.: referências a outros casos ou modelos, decisões anteriores, determinações, cultura organizacional, etc.) e independentes (práticas ou condutas que explicariam diretamente os fatos em análise).

8 SOBRE AS VARIÁVEIS CONTEXTUAIS

8.1 ASPECTOS FORMAIS

Foram identificadas as seguintes circunstâncias pelo Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro:1

 Apesar de consórcios diferentes todos os quatro consórcios vencedores apresentam endereços iguais;

 O Itaú Unibanco S.A. era o fiador dos contratos das concessionárias, emitidas na Comarca de São Paulo apresentando a mesma data 16.9.2010 como o mesmo prazo de validade;

 39% das empresas compõem mais de um consórcio, bem como diversas empresas compartilhavam os mesmos diretores/procuradores.

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 3,p. 12090-12106 mar.. 2020. ISSN 2525-8761 8.2 ASPECTOS MATERIAIS DE CONSTITUIÇÃO DOS CONSÓRCIOS COM

EMPRESAS E DIRIGENTES COMUNS

 Das 41 empresas que compõem os quatro consórcios, 16 (39%) participam em mais de um Consórcio;

 Diversas empresas possuem Diretores/Procuradores em comum – apenas 8 (19,5%) empresas não possuíam diretores/procuradores em comum ou não participavam em mais de um consórcio, ao tempo da licitação.

8.3 PLANEJAMENTO OBSCURO E INSUFICIENTE A perícia sustentou este indício nos seguintes fatos apurados:

 Ausência de justificativa e motivação para discricionariedade técnica da Secretaria de Transportes;

 Conduta omissiva da Comissão de Licitação quanto ao fato do projeto básico não conter todos os elementos previstos na lei;

 Falta de transparência na contratação e pagamento de consultorias: a necessidade de verificação da procedência de recursos que não teriam sido contabilizados pelo município.

Os agentes públicos da gestão anterior propuseram modelaram da licitação das linhas de forma mais eficiente, vez que a outorga seria feita linha a linha; o objetivo era maximizar a arrecadação e “quebrar o monopólio”, nas palavras do ex-prefeito. Os depoentes não fizeram referência a nenhum modelo alternativo de licitação ao que foi proposto pela empresa Sinergia, contrariando o papel de uma consultoria técnica, que deve demonstrar a “melhor escolha” para o municípioxi. Pela lei de licitações, o projeto básico se dá pela viabilidade técnica, pelo tratamento adequado do impacto ambiental e pela avaliação do custo de obra. Mas não constou do processo administrativo e do edital de licitação nenhum projeto básico, apenas mero traçado de novos corredores de BRT, sem dado algum. Por isso a perícia suscitou dúvidas acerca da lisura do presidente da comissão de licitação, vez que cabia a ele a responsabilidade do preenchimento dos requisitos mínimos de legalidade, sem os quais ele, mesmo não teria parâmetros para avaliar as propostas. Se não havia um projeto de BRT, os licitantes também não tinham um referencial para fazer seus lances. Foi elevadíssimo o nível de incerteza. E tudo isso servia para justificar aos licitantes não oferecerem preço de outorga (o que, de fato, ocorreu).

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 3,p. 12090-12106 mar.. 2020. ISSN 2525-8761 8.4 CONTRADIÇÕES ENTRE DISCURSOS E CONDUTAS

Apesar de todos os agentes públicos convocados a depor pela CPI apresentarem depoimentos que enfatizavam orgulho do “legado” do governo, da “inexistência de subsídios públicos”, da “transparência", da “racionalização”, da “eficiência” do transporte e do “controle” e “fiscalização”, a observação de detalhes da prática, feita pela perícia, evidenciou algumas contradições. Senão vejamos:

 A PwC, contratada para realizar auditoria do processo licitatório 4 anos depois, constatou uma falta de planejamento satisfatório e uma grande ineficiência no processo licitatório, já que a Secretaria de Transportes não tinha efetivo controle de informações (receitas, custos, gratuidades e baldeações dos passageiros), sendo essas efetivamente geridas pelos consórcios e apenas passadas ao poder concedente dias depois de tratadas;

 A consultoria notou que sequer a equipe técnica arquitetada pela secretaria foi dimensionada e organizada em funções para a efetiva fiscalização da operação;  Quanto à inexistência de subsídios, verificou-se que:

[...] o fato do Poder Concedente não ter fixado valores mínimos por lote para preços de outorga – o que induziu os consórcios a não fazerem pagamento algum – não deixa de ser uma forma de ‘subsídio indireto’. Onde houve uma redução do ISS de 2% para 0,01% do valor da frota (MARTINS, 2018, p.29).

 Além disso, PwC demonstrou que as operadoras recebiam um valor residual de 25% a 35% (sendo o de 15% o estipulado pelo edital) do preço de compra da revenda de seus veículos e a perícia chegou a constatar valor residual de 45% de ônibus vendidos entre 6 e 7 anos de idade, isto é: menos de 3 ou 4 anos da idade regulamentada para a frota no edital (MARTINS, 2018, p. 57).

9. SOBRE AS VARIÁVEIS EXPLICATIVAS

9.1 A DECISÃO QUANTO AO TAMANHO DA FROTA RESTRINGIU A COMPETIÇÃO ÀS MAIORES EMPRESAS/FROTAS DO BRASIL E DO MUNDO

Na versão dos agentes públicos, com a implementação dos consórcios, haveria uma maior concorrência que permitiria às pequenas empresas participarem do certame. Mas exigiu-se frota mínima para cada uma das quatro áreas de licitação de 1.000 veículos em um mercado

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 3,p. 12090-12106 mar.. 2020. ISSN 2525-8761 muito concentrado. Por exemplo: em 1992, enquanto a frota média por empresa era de 120 veículos, três empresas no Brasil já tinham atingido 700 veículos (BRASILEIRO e HENRI, 1999). Rio de Janeiro e São Paulo têm as empresas com o maior número de ônibus do mundo, também com alta concentração. Uma empresa de pequeno porte com frota de 100 ônibus que tivesse interesse de participar na licitação deveria buscar outras dez empresas do mesmo porte para em 45 dias, após oito visitas técnicas previstas em Edital, pudessem elaborar as propostas comercial e técnica. É evidente que é inviável esse prazo, dadas as condições. Por outro lado, as empresas que já operavam tiveram dez meses antes da publicação do Edital para se organizarem em consórcios. Grandes empresas, como metrô Rio, Supervia e RATP (que explora o metrô em Paris) desistiram de concorrer exatamente pela inviabilidade de se fazer uma proposta responsável em tão curto período e sem dados básicos. Diferente do alegado pelos agentes públicos, para uma participação efetiva de pequenas empresas, as licitações deveriam ser divididas em pequenas áreas ou lotes, o que beneficiaria a disputa e dificultaria a criação de cartel.

9.2 UNITIZAÇÃO DO OBJETO - EXPLORAÇÃO MONOPOLÍSTICA COM O ACERTO ENTRE LICITANTES.

Apesar da tese sustentada pelos agentes públicos de que seriam quatro licitações independentes, uma para cada área (RTR), na prática, “apenas 60% do território ou mercado

são área exclusiva dos consórcios, que dividida entre eles, resulta, em média, para cada um, 15% e não 25%” (MARTINS, 2018, p. 37). Por isso, ao contrário do declarado pelo

ex-secretário quanto à racionalização do sistema, foi constatado pela auditoria realizada pela PwC que mesmo após quatro anos da licitação, ainda se podia observar uma competição interna nas linhas de ônibus, em que havia uma sobreposição de pelo menos 50% nos itinerários de 54% das linhas.

Além disso, o editou agregou os sistemas BRT e o SBE (Sistema de Bilhetagem Eletrônica), que não foram licitados, mas que passariam a ser acertados e operados diretamente pelos principais grupos de empresas que controlam os consórcios vencedores. Todavia, o relatório da PwC ressaltou que cinco das quinze empresas que exploram o Sistema BRT e das 38 empresas que atuam no SPPO concentram ⅓ de toda a receita do sistema.

Ao se sobrepor o sistema de BRT e sua área de influência no esquema das quatro áreas de mercado (RTR) que constavam no Edital (vide figura a seguir), percebe-se claramente a tendência de alta competitividade intra-sistêmica com vantagem para o sistema de BRT, que

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 3,p. 12090-12106 mar.. 2020. ISSN 2525-8761 passa a concentrar 40% do mercado. Portanto, há que se perceber que os dois sistemas que ficaram de fora da licitação (o BRT e a bilhetagem eletrônica) e foram acordados pelos licitantes que já atuavam na cidade são as duas partes principais do SPPO e que conferem unicidade ao objeto da licitação, em explícita contradição com o argumento de que eram quatro áreas distintas e, portanto, quatro licitações independentes. Ressalta-se, nesse sentido, a advertência da perícia:

[...] se hoje a oferta de transporte das empresas que venceram a licitação e competem entre si, definindo elas mesmas a quantidade produzida, viesse a ser apontado por alguém como “cartel”, não se poderia deixar de perceber que foi o próprio Edital que induziu o “acerto” ou “acordo” entre elas e que foi determinante para a operação que hoje há (MARTINS, 2018, p. 37).

Área de Concorrência: 40% do mercado para o BRT, que não foi objeto da licitação

A perícia verificou a tese de “única licitação”, promovendo o teste de desambiguidade, concluindo que:

[...] ao impor aos licitantes vencedores a implantação do bilhete único municipal para aquele mesmo ano, alcançavam-se duas metas: tanto tendia a onerar excessivamente qualquer novo entrante no sistema, de modo a inibir qualquer proposta, quanto se eliminava o alto risco de descontrole do sistema de bilhetagem se ficasse sob a responsabilidade da Secretaria. Salvaguardava-se, assim, da forma como foi feita a licitação, a imagem da equipe técnica do Município como eficaz, eficiente, efetiva, e preservavam-se os interesses das empresas líderes do setor [...] Fazer a licitação separadamente, área por área, conforme fosse sendo feita a reprogramação das linhas, juntamente com o detalhamento dos corredores de BRT, acabaria por revelar que não havia justificativa técnica para licitarem-se os corredores de BRT conjuntamente com as linhas das áreas atendidas por eles. Afinal, com a modelagem proposta, dispensou-se da licitação uma necessária e – esta, sim – independente rede, porquanto

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 3,p. 12090-12106 mar.. 2020. ISSN 2525-8761 estruturante, que foram os corredores de BRT, as linhas mais rentáveis, concedidas sem licitação e sem arrecadação. [...] (MARTINS, 2018, p. 47).

10 PONTUAÇÃO VICIADA DAS PROPOSTAS COMERCIAL E TÉCNICA

No processo de licitação, foram levados em conta doze critérios para pontuação da proposta técnica. Dentre eles, sete consideravam prazos que beneficiariam preferencialmente as empresas já estabelecidas na cidade. Cinco desses critérios referiam-se a dados específicos das empresas do Rio. O edital foi feito de maneira que a proposta técnica representaria 70% da nota final, ou seja, mesmo que a nota comercial fosse 0, os quesitos técnicos seriam capazes de manter a aptidão. A proposta comercial indicava a proposta básica de remuneração, de forma que a rede de transporte regional fosse comprovadamente exequível, ou seja, dependendo da situação financeira da empresa, o risco de inviabilidade da licitação deveria ser levado em conta. Definitivamente, foi uma licitação para minimizar a concorrência, ao contrário do alegado pelos agentes públicos! Não houve vontade de beneficiar o município ou reduzir o valor da tarifa!

11 CONCENTRAÇÃO DE MERCADO E INDUÇÃO DE FALÊNCIAS

Trata-se de instalação de um mecanismo de sobrelucro na equação de equilíbrio econômico-financeiro para aceleração da concentração de capital nas empresas de maior eficiência alocativa. A garantia de sobrelucro para as empresas dominantes do mercado ficou consignada nos contratos e passou absolutamente despercebida. Trata-se do peso mais do que duplicado que passou a ter no equilíbrio econômico-financeiro dos contratos o item “veículo”, em atendimento aos interesses da indústria, quando se compara o peso proporcional do investimento à receita total estimada e ao custo totalxii. Como já argumentado, o modelo de licitação apresentava uma competição bastante desigual entre as empresas. Isso já era esperado, uma vez que, contrariando princípios do próprio Manual de Licitações da Procuradoria do Município, foram aceitas empresas com Índice Geral de Liquidez de 0,3 (o Manual impõe o mínimo de 1,0). Tal característica (de empresas com riscos de insolvência) combinada com: (i) a alta concorrência intra-sistêmica, (ii) a ineficiência de 38% das linhas de transportes que não conseguem alcançar um IPK mínimo e (iii) a obrigação de manter a renovação da frota, acabaram levando onze empresas à falência em um período de sete anos e a concentração de linhas em torno das empresas líderes, após a licitação. Portanto, a falência

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 3,p. 12090-12106 mar.. 2020. ISSN 2525-8761 de empresas serve para manter o custo operacional médio elevado, induzindo maior poder de mercado das maiores empresas.

12 OPERAÇÃO IMOBILIÁRIA PARA OCULTAÇÃO DO SOBRELUCRO

Os sócios controladores das empresas estavam aumentando os seus patrimônios pessoais, acumulando o lucro gerado por contratos de aluguéis de garagem que eles mesmos assinavam como locadores e locatários. Tal fato já fora constatado pela perícia da CPI de Niterói, cinco anos antes da CPI cariocaxiii. A transferência das garagens das empresas para imobiliárias e sócios majoritários serve para quando a concessão se encerrar, o patrimônio não voltar para o poder público, deixando-se de amortizar o capital investido, apesar de elevadíssimos aluguéis. Apesar da pericia ter constatado que em fevereiro/2018 era de R$ 12,34 o aluguel por m2 em uma amostra de 67 garagens para veículos pesados no Rio de Janeiro (Fonte: www.zapimoveis.com.br), há casos (Verdun) em que chega a R$ 45,23 (166% a maior). Outra estratégia para superfaturamento da garagem na planilha de custos das empresas é disponibilizar área muito acima da necessidade definida no Edital. Quando se divide o aluguel mensal pela área necessária (e não pela área efetivamente disponibilizada), chega-se a valores muito acima da média do mercado de aluguel de vagas para veículos pesados, tais como R$ 18,90 (Jabour); R$ 64,71 (Verdun) e R$ 179,71 (Translitoral), isto é, respectivamente, 53%, 324% e 1.256% em relação à média. Ao se observar o valor médio de aluguel por m2 para as quatro empresas da amostra que pagam os maiores valores, tem-se que elas sozinhas oferecem 1,83 vezes a área total necessária, pagam 5,2 vezes todo o valor de aluguel respectivo e acumulam um desperdício anual de quase R$ 16 milhões. Quando se verifica a quantidade média de espaço desnecessário que tem sido alugado por aquelas 14 empresas da amostra que enviaram os dados atuais sobre aluguel de garagem, chega-se à espantosa projeção de custo anual médio desnecessário do sistema de R$ 92.133.104,30. Em outras palavras: o usuário de transporte coletivo do Rio de Janeiro tem multiplicado o patrimônio imobiliário pessoal dos sócios majoritários das empresas.

13 CONCLUSÕES

Por todo o exposto, verifica-se bastante eficácia do método indiciário, cujos procedimentos-padrões foram desenvolvidos no caso em análise ao longo de apenas quatro mesesxiv.

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 3,p. 12090-12106 mar.. 2020. ISSN 2525-8761 Subvertendo-se os princípios da Administração Pública, a licitação em tela não foi concebida para maximizar o interesse público, mas subordiná-lo a interesses privados dos agentes locais, visando a manutenção do status quo, com ampliação e consolidação do poderio das empresas operadoras, por mais que, nos discursos dos agentes públicos, fosse anunciado um legado transformador positivo do sistema. A licitação foi projetada para cumprir o papel de mise-en-scène da decisão, isto é, parecer tratar-se de uma decisão correta – técnica e juridicamente – para maximizar o interesse público, mas, ao contrário, teve compromisso prioritário com a satisfação dos interesses das empresas que já atuavam no mercado de transporte coletivo carioca. Para atender tal propósito, a licitação tratou de minimizar a entrada de novos ofertantes e até mesmo o preço de outorga, e, assim, foi necessário que agentes públicos atuassem de forma desvirtuada da conduta moralmente esperada pela sociedade para satisfação dos interesses das empresas organizadas em torno de seu sindicato, o que despertou a suspeita inicial de cartel pelo TCM e que, com os trabalhos da perícia da CPI, não se pode negar, pois como restou provado, a operação dos sistemas de BRT de bilhetagem eletrônica tem sido definida por acordo entre os ofertantes com garantia de que assim o seja no próprio Edital de licitação. O que seria isso, senão Cartel? Não se pode deixar de perceber, portanto, que a licitação do sistema de transporte coletivo por ônibus na cidade do Rio de Janeiro em 2010, na gestão do prefeito Eduardo Paes, teria, pois, instituído oficialmente o cartel na política de transporte urbano, aumentando e consolidando o domínio das empresas operadoras sobre a rede viária municipal. A tese da perícia foi confirmada por consenso dos especialistas consultados entre 83% a 100% em seis dos oito indícios desenvolvidos e 67% em dois indícios.

REFERÊNCIAS

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i Agência Pública produziu uma série especial sobre as CPIs do Rio e de Niterói. Vide, por exemplo:

http://apublica.org/2017/08/o-fiasco-das-cpis-dos-onibus-no-rio-de-janeiro/?fbclid=IwAR0Xlf7acp1CGE8_g553ztHsPBewTQCulqIavV09fxv7ZRnm-Usp-uNpPI0

ii Vide publicação de 6 de abril de 2018 na página do projeto Lab-PAR do grupo Mobile-LAB no Facebook – https://www.facebook.com/pg/lab.par.ufrj/posts/?ref=page_internal

iii Paralelamente à instituição da CPI na Câmara do Rio de Janeiro, no primeiro semestre de 2017, a organização Agência Pública produziu, com a assistência do prof. Jorge A. Martins, da UFRJ, uma série de nove reportagens intituladas “Catraca Livre” (vide: https://apublica.org/especial/especial-catraca/).

iv Tanto o estudo sobre a tarifa de equilíbrio realizado pela perícia, quanto à aplicação da técnica delphi à

verificação de consenso de especialistas sobre as conclusões dos trabalhos da perícia não estão sendo considerados no objeto deste artigo, visto essas duas atividades não terem integrado as análises do caso à luz do método indiciário e este, sim, que é o tema aqui tratado.

v Com relação à prática interdisciplinar e ao pluralismo metodológico, foram feitas as seguintes análises e

estudos no âmbito da perícia: (i) Prática interpretativa interdisciplinar situada no âmbito da microanálise – verificação em detalhes contradições entre os discursos dos agentes privados e públicos nos depoimentos à CPI (variáveis contextuais) e suas condutas efetivas, no exercício da discricionariedade, à luz da boa técnica do planejamento de transporte (variáveis explicativas); (ii) Pluralismo documental, teórico e metodológico – Quanto aos dados e documentos, foram considerados pela perícia documentos internos da Prefeitura e das empresas, incluindo: contratos, acordos, processos administrativos, estudos técnicos, laudo de auditorias, etc.; Quanto ao arcabouço teórico-metodológico, foram consideradas a semiótica (técnica de análise do

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discurso), a estatística (análise de regressão de correlação pelo método dos mínimos quadrados), a engenharia de transportes (teoria e modelagem de planejamento de transportes e análise de redes), o direito administrativo (análise de contratos, edital, processos administrativos e pareceres jurídicos), a economia (análise de mercados, de economicidade da equação de equilíbrio econômico-financeiro e de eficiência alocativa), administração (técnica delphi e de conclave para verificação de consenso dos peritos) dentre outras; e (iii) Estudo minucioso e exaustivo do material pesquisado – a perícia tratou de verificar diversos dados apresentados pelos agentes e pelos estudos técnicos. Para isso, elaborou, dentre outras investigações, as seguintes análises e estudos: 1) estudo do aluguel médio (R$/m2) de galpões para garagens no Rio de Janeiro, 2) estudo de valor residual médio na depreciação de ônibus no Rio de Janeiro (modelo de depreciação da frota pelo método dos mínimos quadrados), 3) estudo do tamanho máximo e médio da frota pelo método dos mínimos quadrados, 4) estudo de receita potencial com revenda de veículos, e 5) estudo da tarifa de equilíbrio do sistema e impacto no IPK, 6) Análise do laudo técnico da PwC, etc.

vi E é em razão disso que está a importância atribuída por Ginzburg também à “intuição” (ou experiência

acumulada do perito) para captação ou identificação de sinais em uma investigação, dada a sua constituição na fronteira indefinível entre natureza e cultura, isto é: entre os sentidos e o conhecimento acumulado (ou experiência) dos investigadores, razão pela qual a metodologia adotada submete o laudo pericial preliminar a um conclave de peritos, para serem eliminadas quaisquer opiniões subjetivas que não passassem pelo crivo objetivo da lógica-dedutiva.

vii O perito desenvolveu seu próprio roteiro para verificação das variáveis históricas de interesse ao método

indiciário, com fundamento em Ginzburg, qual seja: (i) Verificação de supostos indícios de delito ou improbidade a partir dos relatos, confrontados com os dados/documentos (tal como feito na CPI do Rio) ou analisados por brainstorming (tal como feito na CPI de Niterói); (ii) Reconstituição de Contexto (Checagem de ocorrência de algum padrão no que concerne às variáveis contextuais, que condicionam os fatos ou condutas, ex.: referências a outros casos ou modelos, decisões anteriores, determinações, cultura organizacional, etc.); (iii) Reconstituição de Condutas para a Tomada de Decisão (Checagem de ocorrência de padrão no que concerne às variáveis independentes, isto é, práticas ou condutas que explicariam diretamente os indícios ou fatos em análise); e (iv) Simulação da Trama (Narrativa lógico-dedutiva para concatenação dos padrões verificados com a finalidade de descarte de hipóteses e/ou formulação da tese explicativa dos fatos: o Ensaio).

viii A lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, definiu prazo para que fossem realizadas novas licitações de

serviços oferecidos de maneira precária. Em 1998, a lei complementar nº 37 prorrogava as permissões e concessões dos ônibus por 10 anos, renováveis por períodos iguais. O impasse continuou e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, na passagem dos séculos XIX e XX, ingressou na justiça em face de alguns municípios (dentre eles, a capital do Estado) para que cumprissem o que estava estabelecido em lei. As decisões definitivas só vieram quase uma década depois. Em 2008, após expirado o prazo da prorrogação dos serviços e pressionado pelo MPRJ, o prefeito Cesar Maia abriu um processo licitatório para a concessão das linhas individualmente. Por decreto, o prefeito criou a comissão de licitação. A ideia subjacente à modelagem adotada era aumentar a concorrência, atraindo empresas de todo o país, consequentemente, captando maior receita com os preços de outorga, reduzindo a tarifa e acabando com o oligopólio no setor. Outro objetivo do governo era racionalizar o sistema, redistribuindo as linhas de acordo com a demanda de cada região. Em julho de 2008 a Câmara Municipal obstruiu a licitação, anulando o decreto do prefeito. O governo alegou inconstitucionalidade da decisão e prosseguiu com o processo. Por fim, a Fetranspor (federação das empresas) conseguiu suspender a licitação com liminar judicial e o processo ficou para ser concluído pela administração seguinte.

ix Sinergia foi a empresa escolhida para a redação do edital, sem processo licitatório. A contratação não

passou pela procuradoria, foi remunerada pela CBSS (administradora de cartões de créditos que supostamente arcaria com as despesas do estudo técnico para a modelagem da licitação, alegando ter

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interesse na exploração da bilhetagem eletrônica). A consultoria jurídica não deixou vestígio de sua identidade (os agentes convocados pela CPI jamais conseguiram responder o nome do escritório jurídico e de seu representante com quem conviveram por 9 a 10 meses, tempo que Sinergia levou para planejar a licitação enquanto as empresas se organizavam em consórcios).

x Este indício já havia sido identificado pelo Tribunal de Contas do Município. Entretanto, um dos licitantes

vencedores encomendou parecer ao renomado jurista Miguel Reale Júnior, que alegou não se poder considerar indício um aspecto isolado, mera circunstância. Mas no contexto probatório da perícia da CPI, a observação do TCM já passava a ser, de fato, um indício.

xi Objetivamente, o que se apurou é que Sinergia desenvolveu o modelo para Belo Horizonte em 2008, passou

a orientar a licitação do Rio de Janeiro em 2009/2010 e não parou por aí: replicou-o em Niterói e São Gonçalo em 2012 e 2013 (como demonstrado pela CPI de Niterói), em municípios da Baixada Fluminense e em outros estados. Frise-se, ainda: em todas essas praças, os serviços de Sinergia foram pagos por

interessados privados (no caso niteroiense, como mostrado pela CPI daquele município, foi o próprio sindicato das empresas – Setrerj).

xii Na equação de equilíbrio econômico-financeiro publicada no Edital e consignada nos contratos, o item

“Veículo” tem peso de 25% no cálculo da tarifa. Ocorre que, por outro lado, no Edital a proporção entre o valor dos investimentos totais (isto é: além da frota) e o custo total é significativamente menor: menos do que a metade. A partir do estudo da depreciação no mercado e da observação da prática de revenda de veículos das empresas (chega a ser de 45% o valor residual do veículo até o sétimo ano de idade), a perícia chegou a uma receita anual de revenda de veículos de R$ 119.737.056,13, 1,5% acima do que informa PwC. A soma dessas duas receitas acumuladas por 20 anos de concessão equivalem a aproximadamente 25% do custo total de produção. Como o investimento total é R$ 1.800.308.141,81 (Item 27.01 do Edital), tem-se implicitamente definido no Edital que o peso do investimento total é de apenas 12,4% (= R$

1.800.308.141.81 / R$ 14.524.510.347,00) do custo total estimado, e não 25%, como definido na equação de equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.

xiii O perito já havia demonstrado esse comportamento na CPI dos Transportes de Niterói (MARTINS, 2013), ao

observar o caso da empresa Viação Pendotiba, do grupo do empresário Jacob Barata, que fora

dimensionada com área equivalente a quase cinco vezes a área necessária definida no Edital (50 m2/veículo,

tal como na licitação do Rio de Janeiro), chegando o aluguel anual em 2012 a R$ 4.800.000,00 (equivalente a 2/3 do lucro oficial).

xiv O perito foi oficialmente cedido pela UFRJ à Câmara em setembro de 2017, mas a efetiva análise de dados

ocorreu em apenas 2,5 meses, vez que só foram disponibilizados à perícia no mês de novembro/2017, com acesso suspenso ao longo do recesso de fim de ano até o Carnaval de 2018.

Referências

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