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Direitos humanos e inclusão social de adolescentes em conflito com a lei: estudo de caso da Região Noroeste do Estado do RS

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

GILBERTO NATAL MAAS

DIREITOS HUMANOS E INCLUSÃO SOCIAL DE ADOLESCENTES

EM CONFLITO COM A LEI:

Estudo de Caso na Região Noroeste do Estado do RS

Ijuí (RS), 2014

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GILBERTO NATAL MAAS

DIREITOS HUMANOS E INCLUSÃO SOCIAL DE ADOLESCENTES

EM CONFLITO COM A LEI:

Estudo de Caso na Região Noroeste do Estado do RS

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direitos Humanos – Mestrado, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí), requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Ivo dos Santos Canabarro

Ijuí (RS), 2014

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M111d Maas, Gilberto Natal.

Direitos humanos e inclusão social de adolescentes em conflito com a lei: estudo de caso na região noroeste do Estado do RS / Gilberto Natal Maas. – Ijuí, 2014. –

113 f. ; 29 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Direitos Humanos.

“Orientador: Ivo dos Santos Canabarro”.

1. Direitos humanos. 2. Adolescentes. 3. Socialização. 4. Políticas públicas. 5. Redes de compromisso social. I. Canabarro, Ivo dos Santos. II. Título. III. Título: Estudo de caso na região noroeste do Estado do RS.

CDU: 341.231.14 Catalogação na Publicação Frederico Teixeira CRB10/2098

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UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Programa de Pós-Graduação em Direito

Curso de Mestrado em Direitos Humanos

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

D DIIRREEIITTOOSSHHUUMMAANNOOSSEEIINNCCLLUUSSÃÃOOSSOOCCIIAALLDDEEAADDOOLLEESSCCEENNTTEESSEEMM C COONNFFLLIITTOOCCOOMMAALLEEII::EESSTTUUDDOODDEECCAASSOONNAARREEGGIIÃÃOONNOORROOEESSTTEEDDOO E ESSTTAADDOODDOORRS S elaborada por

GILBERTO NATAL MAAS

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Ivo dos Santos Canabarro (UNIJUÍ): ______________________________________ Prof. Dr. André Viana Custódio (UNISC): _________________________________________ Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin (UNIJUÍ): ________________________________________

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edico este estudo a todas as pessoas que, assim como eu, acreditam na luta pela conquista de dias melhores. Aos que põem as mãos na roda da História e, gastam-se para fazer com que o rumo possível da Humanidade não seja ditado somente pelo capital, pela exploração e pela ausência de Direitos.

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AGRADECIMENTOS

Ao chegar ao final desta trajetória há muito que agradecer. Não sei se as palavras escritas terão a dimensão exata do que pretendo demonstrar. Primeiramente, agradeço a Deus, pela oportunidade, e aos meus pais, irmãos, sobrinhos, amigos, colegas, professores do IMEAB, colegas do Programa de Mestrado, professores e funcionários da universidade, em especial:

Ao Dr. Gilmar Antonio Bedin, coordenador do curso, professor e amigo que, além de proporcionar e incentivar o gosto pelo “mundo da academia”, também me oportunizou e instigou formas de crescimento cultural e acadêmico por meio da participação nos seminários em Santiago/Chile e Rosário/Argentina. Ao meu professor orientador, Dr. Ivo dos Santos Canabarro, que incentivou e orientou esta dissertação, fazendo com que eu alcançasse êxito, disponibilizando e indicando obras e autores.

Ao amigo e grande incentivador, André Gagliardi. Juntos passamos altas horas trocando ideias, acompanhados pelo amargo do chimarrão.

Aos representantes das instituições, Sra. Leonides Depuy, do Cededicai; Sra. Luciana Bohrer, do Conselho Tutelar de Ijuí/RS; e Sr. Luis Leonel Costa Rodrigues, da Fase/RS, pela atenção e disponibilidade de informações e documentos, sempre que solicitei.

Aos ex-conselheiros tutelares e aos ex-adolescentes que muito contribuíram

para esta pesquisa que, por questões éticas e de direito, tiveram seus nomes preservados no anonimato.

À professora Eloísa Nair Andrade Argerich, que possibilitou a realização do estágio em docência em sua turma de graduação em Direito, espaço que muito contribuiu para a minha aprendizagem e prática docente, motivo pelo qual passei a admirá-la ainda mais como professora.

À Unijuí e à Capes, que disponibilizaram bolsas de estudo para que tornasse possível a realização deste projeto de crescimento pessoal e profissional, que acalentava o meu cotidiano.

À secretária do Mestrado em Direitos Humanos da Unijuí, Sra. Janete Terezinha Guterres, por sua competência e dinamismo em atender a todos com atenção.

À Márcia Cristina de Sousa, amada, que mesmo distante, me deu incentivos e compreendeu a minha ausência em tantas oportunidades.

Certamente, ninguém passa em nossas vidas em “brancas nuvens”, pois para tudo há um objetivo. Muito obrigado a todos!!!

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“O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político.”

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RESUMO

O presente estudo faz uma reflexão sobre os Direitos Humanos e a Inclusão

Social dos Adolescentes em Conflito com a Lei: estudo de caso na Região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Seu conteúdo visa analisar os aspectos dos

Direitos Humanos e a inclusão social, expressos nos Direitos da Criança e do Adolescente (DCA) e a dimensão das práticas vivenciadas pelo Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Ijuí – RS (Cededicai), do Conselho Tutelar de Ijuí – RS (CT) e da Fundação de Assistência Socioeducativa (Fase) Unidade de Santo Ângelo – RS. Também, visa construir, a partir de uma análise de pesquisa empírica aleatória, documental, bibliográfica, quantitativa e qualitativa, o perfil dos adolescentes em conflito com a lei e propor uma nova concepção que poderá ser adotada junto à sociedade a fim de incluí-los de acordo com os Direitos Humanos. Enfim, a dissertação aborda a questão que faz com que muitos adolescentes retomem sua vida no meio social, enquanto outros, a maioria em conflito com a lei, não conseguem atingir a ressocialização. Atualmente, no Brasil, as diferentes experiências dos adolescentes em conflito com a lei permitem um olhar mais preciso frente a esta realidade em que se encontram. A metodologia adotada na realização deste estudo é a empírica, documental, bibliográfica, semiestruturada de natureza qualitativa e quantitativa. A pesquisa empírica teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Unijuí, RS, e foi realizada por meio de entrevista oral, cujas perguntas e respostas foram gravadas em áudio. No decorrer do estudo foram apresentadas as ideias dos autores pesquisados, dos conselheiros, ex-adolescentes entrevistados e, também, a experiência do acadêmico, autor deste estudo, que possui cerca de 30 anos ligados à educação, dos quais seis em exercício na função de gestor de escola pública, além da participação em movimentos sociais. O estudo permite concluir que, pensar Direitos Humanos e inclusão social dos adolescentes em conflito com a lei é um tema complexo, e que não se esgota aqui, apesar de os autores estudados e a pesquisa de campo proporcionaram reflexões e bases significativas sobre a temática estudada. A falta de políticas públicas, um trabalho integrado de redes entre órgãos governamentais e não governamentais reflete na eficácia das proposições sugeridas pela pesquisa. Sendo assim, proporcionar investimentos de recursos financeiros e profissionais, adequações de espaços e programas de inclusão das famílias, das crianças e dos adolescentes, bem como o cumprimento e o envolvimento da sociedade são atitudes fundamentais para exigir do Estado o cumprimento de direitos fundamentais e humanos a todos os cidadãos, independentemente das suas condições socioeconômicas.

Palavras-chave: Adolescentes. Socialização. Políticas públicas. Direitos humanos. Redes de compromisso social.

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ABSTRACT

In this thesis we make a reflection on Human Rights and Social Inclusion of Adolescents in Conflict with the Law : A Case Study in the northwest region of the state of Rio Grande do Sul In it we try to analyze the aspects of human rights and social inclusion , expressed in the Rights Child and Adolescent (DCA) and size of practices experienced by the Center for the Defense of the Rights of the Child and Adolescent Ijuí – RS (Cededicai) and the Guardianship Board of Ijuí - RS (CT) and Socio assistance Foundation (Fase) unit of St. Angelo – RS. Also build from analysis of random, documentary, literature, quantitative and qualitative empirical research profile of adolescents in conflict with the law and propose a new approach that may be adopted by the company to include the same in accordance with the Human rights. The problem addressed in this paper what the teenagers did ressocializarem, while most of them in conflict with the law can not. For the different experiences of adolescents in conflict with the law in Brazil, currently allow a more precise look forward this reality in which they find themselves. The methodology used for this work was given empirically, documentar literature, semi-structured qualitative and quantitative nature. The empirical research was conducted through oral interview by asking questions and recorded audio, which was approved by the Ethics Committee of UNIJUÍ Research / RS answers. Throughout the paper we present ideas of the authors read, the ex-directors, ex-teens interviewed and also contains the author's experience. About almost thirty years involved in education, in these six exercise the function of authorizing public school as well as participation in social movements. At the end of the study concluded that, think of human rights and social inclusion of youth in conflict with the law is a complex subject, does not end here because the authors studied and field research provided significant reflections and bases on this topic studied. The lack of public policies, integrated work of networks between governmental and non-governmental, are necessary for the effectiveness of the propositions suggested by research. Thus, to provide financial and investment professional resources, adequacy of facilities and programs for inclusion of families, children and adolescents, compliance and involvement of society are fundamental to require the State, and fundamental human rights to all citizens regardless their socioeconomic conditions.

Key words: Children and adolescents. Socialization. Public policies. Human rights. Social commitment net.

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LISTA DE SIGLAS

CAOP – Centro de Apoio Operacional da Criança e Adolescente CAS – Centro de Atendimento em Semiliberdade

CASEF – Centro de Atendimento Socioeducativo Feminino CDC – Convenção sobre os Direitos da Criança

CEDEDICAI – Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Ijuí/RS

CF – Constituição Federal

CIP – Centro de Internação Provisória CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas CNJ – Conselho Nacional da Justiça

CNMP – Conselho Nacional do Ministério Público

CREAS – Centro de Referência Especializada de Assistência Social CSE – Comunidade Socioeducativa

CT – Conselho Tutelar

CTG – Centro de Tradição Gaúcha

DCA – Direito das Crianças e Adolescentes ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente EUA – Estados Unidos da América

FEBEM – Fundação do Bem Estar do Menor

FUNABEM – Fundação Nacional do Bem Estar do Menor

ICPAE – Internação com Possibilidade de Atividade Externa ISPAE – Internação sem Possibilidade de Atividade Externa LA – Liberdade Assistida

ONG – Organização Não Governamental

PEMSE – Programa de Execução de Medidas Socioeducativas PEMSEIS – Programa de Execução de Medidas Socioeducativas de Internação e Semiliberdade

PNBEM – Política Nacional do Bem Estar do Menor POD – Programa de Oportunidades e Direitos

PRVL – Programa de Redução de Violência Letal Contra Adolescentes e Jovens

PSC – Prestação de Serviço à Comunidade RS – Estado do Rio Grande do Sul

SAM – Serviço de Atendimento ao Menor

SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio SESC – Serviço Social do Comércio

SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativa SUAS – Sistema Único de Assistência Social.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Quadro atual da distribuição de adolescentes em conflito com a

lei no RS... 41 Quadro 2. Privação de liberdade e semiliberdade... 44 Quadro 3. Notas do primeiro trimestre de 2006... 53

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 12

1 IMAGEM DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI E OS DIREITOS HUMANOS ... 16

1.1 A imagem – quem é o adolescente em conflito com a lei?... 16

1.2 Os adolescentes: (des) construções do sujeito através da imagem ... 26

1.3 Como se percebe o adolescente em conflito com a lei? ... 32

1.4 A imagem das instituições que ressocializam os adolescentes em conflito com a lei ... 40

2 COMO OS ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI SÃO VISTOS NA SOCIEDADE ATUAL ... 48

2.1 Contextualização histórica nos diferentes espaços sociais dos adolescentes ... 48

2.2 Como a família vê o adolescente nos diferentes períodos históricos ... 55

2.3 Os adolescentes: o trabalho, a saúde e o lazer ... 60

2.4 A concepção dos adolescentes sobre direitos humanos ... 71

3 COMO A SOCIEDADE E AS INSTITUIÇÕES ACOLHEM AS CRIANÇAS E OS ADOLESCENTES ... 76

3.1 Retrospectiva e transformação das leis protetivas das crianças e dos adolescentes em conflito com a lei ... 76

3.2 Como os adolescentes em conflito com a lei veem as instituições ... 88

3.3 Como os adolescentes são vistos pela sociedade, e como ela percebe essa diferença... 91

3.4 Nova concepção que pode ser adotada pela sociedade a fim de incluir os adolescentes em conflito com a lei, em consonância com os direitos humanos ... 93

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 104

REFERÊNCIAS ... 108

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Nas últimas três décadas o autor deste estudo tem se dedicado à reflexão sobre a educação, como meio de contribuir para o desenvolvimento da cidadania, principalmente nos grupos desassistidos de políticas públicas. Entende que a verdadeira transformação social em um país se dá por meio da educação, constituindo os adolescentes como sujeitos críticos, pensantes e conhecedores da realidade. Transformar sua realidade a partir de suas concepções é um grande desafio, pois é necessário fazer algo diferente do que vem sendo feito até então, a fim de agregar resultados melhores do que está posto na realidade.

Assim, a escolha deste tema: “Direitos Humanos e Inclusão Social de

Adolescentes em Conflito com a Lei: estudo de caso na Região Noroeste do Estado do RS” justifica-se pelo grande número de adolescentes em conflito com a lei,

demonstrando uma incapacidade dos entes federados (União, Estado e Municípios) e organizações não governamentais que deveriam buscar soluções para o problema. Acredita-se que a sociedade tenha o dever, ou seja, o compromisso social e político de se envolver e assumir responsabilidades com esse segmento.

Diante dessa angústia, na condição de professor e cidadão, trabalhando no meio de crianças e adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social e vivenciando experiências com crianças e adolescentes em conflito com a lei que não conseguem ser incluídas na sociedade, propõe-se, ao longo deste estudo, discutir ações e propostas relativas ao tema. Com isso, pretende-se contribuir no meio acadêmico e com instituições para que reflitam, planejem e tomem decisões, dando voz e vez para grupos que lutam, pensam e têm muito a contribuir com a sociedade e que, na maioria das vezes, desconhecem seus direitos. Grupos que, por vezes, se sentem inferiores e desmerecedores de direitos, e que estão enraizados numa cultura em que só existem deveres (obrigações), enquanto para os demais existem direitos.

A hipótese levantada nesse estudo é: por que alguns adolescentes em conflito com a lei são ressocializados por meio de instituições, ao contrário de outros adolescentes, sendo que para ambos são utilizados os mesmos recursos jurídicos e pedagógicos? Os adolescentes têm direitos de serem incluídos na sociedade, contudo, a hipótese em evidência na presente investigação é que a inclusão e o resgate dos adolescentes no convívio da sociedade deve acontecer nas práticas

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desenvolvidas por intermédio do Conselho Tutelar e dos demais órgãos de apoio, pois os mesmos não conseguem cumprir com as funções propostas pelo DAC, ou seja, as penalidades são paliativas e não conseguem resolver a demanda.

Neste sentido, elaborou-se um estudo de caso de dois ex-adolescentes que se ressocializaram. A escolha dos entrevistados foi aleatória e voluntária. Hoje, esses adolescentes são adultos, ambos com 25 anos de idade. Da mesma forma foram entrevistados dois ex-conselheiros integrantes do Conselho Tutelar que atuaram no mesmo período do envolvimento dos ex-adolescentes. Ainda, foram buscados subsídios por meio de pesquisa em três instituições: Conselho Tutelar do município de Ijuí-RS, Cededicai – Ijuí/RS e Fundação de Assistência Socioeducativa (Fase), Unidade de Santo Ângelo/RS, bem como referências sobre o tema.

Neste estudo, além das entrevistas abordadas foi devidamente organizado um roteiro e agendamento antecipado com os dois ex-conselheiros tutelares e os dois ex-adolescentes, conforme aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Unijuí, processo nº CAAE 18208013.0.0000.5350, aprovado em 23 de julho de 2013. A partir disso foi realizada uma interlocução com os autores de renomadas obras, de acordo com a referência bibliográfica citada ao longo da pesquisa, o que contribuiu para a reflexão sobre o tema. Houve, ainda, ao longo do estudo, a contribuição das instituições anteriormente citadas.

No decorrer do primeiro capítulo é apresentada a imagem dos adolescentes em conflito com a lei e os Direitos Humanos. A partir de uma pesquisa bibliográfica é levantada uma série de apontamentos que definem o perfil desse adolescente em conflito com a lei, confrontando também com as características dos dois ex-adolescentes que são objeto desta investigação. Também é apresentada a concepção de como as crianças e os adolescentes em conflito com a lei produzem sua imagem, bem como a imagem desses sujeitos na concepção das instituições.

Como os adolescentes em conflito com a lei são vistos na sociedade atual? Esse tema é desenvolvido no segundo capítulo da pesquisa, no qual se encontra a contextualização histórica dos diferentes espaços ocupados pelas crianças e adolescentes em conflito com a lei. Histórica, cultural e politicamente a família, a sociedade e o Estado não possibilitaram que as crianças e, mais tarde, os adolescentes tivessem um tratamento diferenciado na vida adulta. Com isso, foram lhes negados os direitos, não havendo positivações de uma legislação que protegesse e desse amparo aos infantes.

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Também por ignorância, ingenuidade e/ou má fé os administradores e a própria mídia conseguiram incutir na sociedade aspectos negativos que influenciaram a opinião pública, transmitindo uma ideia distorcida sobre a luta pelos Direitos Humanos. Talvez pela historicidade dos fatos de violência e autoritarismo que o Brasil viveu até bem pouco tempo atrás, a sociedade ainda não valoriza e não percebe as conquistas recentes em relação à positivação dos direitos das crianças e dos adolescentes. Da mesma forma, as diferentes metodologias que estão sendo implementadas, e que resultam na sua proteção integral, proporcionam melhor acesso aos direitos fundamentais para as crianças e os adolescentes.

Dando continuidade, no terceiro e último capítulo descreve-se um apanhado histórico das evoluções protetivas das crianças e dos adolescentes em conflito com a lei, no que tange ao ordenamento jurídico brasileiro nos diferentes períodos históricos, influenciado pelas legislações e convenções internacionais. Busca-se, também, fazer uma interpretação de como as crianças e os adolescentes percebem as instituições que desenvolvem atividades relacionadas à sua ressocialização, bem como os encaminhamentos dados pelas instituições em relação a essa temática.

Neste sentido, confronta-se a realidade atual dos adolescentes encaminhados para medidas de ressocialização, as quais resultaram no êxito da ação, e cujas medidas acarretaram em sucesso. Sinalizam-se, ainda, medidas e encaminha-mentos possíveis que possam ocasionar melhorias no atendimento das crianças e dos adolescentes em conflito com a lei e, por extensão, um atendimento às famílias envolvidas. Essas questões são complexas e precisam ser compreendidas amplamente pela sociedade e pelo Estado, sendo vistas e entendidas por esses entes como um problema social, cujos resultados são efetivados por meio de programas de políticas públicas inclusivas.

Pode-se observar que o trabalho de pesquisa empírica revela dados e situações muitas vezes não discutidas em um referencial teórico. Desta forma, a coleta de dados permitiu comparar as questões nacionais e locais de adolescentes em conflito com a lei, pois no decorrer desta pesquisa percebem-se dados relevantes, isto é, que grupos étnicos não são determinantes para o cometimento de atos delituosos. Isso pode ser evidenciado no caso específico da Região Sul, que possui uma composição étnica predominantemente branca e, mesmo assim, não se constata uma redução de atos infracionais.

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Por fim, o arcabouço teórico desta pesquisa pretende ser um referencial para pensar criticamente o modelo social e político, a fim de contribuir para a ampliação da visão histórica, política, econômica e social, articulando debates de possibilidades e alternativas viáveis para a ressocialização das crianças e dos adolescentes em conflito com a lei. Este estudo visa a contribuir na intervenção de novas possibilidades que permitam a justiça social e o desenvolvimento pleno da cidadania, da consciência, bem como a socialização das crianças e dos adolescentes em conflito com a lei num estado democrático de direito.

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1 IMAGEM DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI E OS DIREITOS HUMANOS

1.1 A imagem – quem é o adolescente em conflito com a lei?

O ser humano vive em uma sociedade egocêntrica, capitalista, excludente, exploradora e concentradora. Tudo o que planeja, propõe e faz em prol dos outros está fortemente baseado em interesses próprios. Essas questões estão cada vez mais nítidas no atual contexto social e constituem-se como um problema à procura de uma alternativa. As crianças e os adolescentes são vítimas do atual sistema, da cultura, da política, da economia e da história, pois não lhes foi dada a devida atenção de que necessitam.

No seio da sociedade o discurso apregoado é que as crianças e os adolescentes são o futuro de uma nação, que devem ser tratadas com dignidade e respeito às diferenças. Na prática, porém, esse discurso fica longe da sua origem. É necessário repensar as ações para que realmente a sociedade possa ter um futuro promissor em relação às suas crianças e adolescentes. É preciso ouvir o que os mesmos pensam sobre essa etapa da vida humana, pois a imagem dos adolescentes em conflito com a lei contraria esse discurso.

Compilando as informações levantadas sobre a imagem dos adolescentes em conflito com a lei, pode-se observar:

Em média, para cada dez mil adolescentes, entre 12 e 17 anos, há 8,8 cumprindo medida de privação e restrição de liberdade, o que representa 0,09% deste universo. “Em geral a maioria dos adolescentes internos é composta por negros, grande parte têm descendência nordestina e são de origem pobre. O número de adolescentes brancos têm aumentado, mas ainda é muito inferior aos demais. Além disso, a baixa escolaridade é quase unânime. São poucos os que frequentam a escola e há aqueles que sequer têm o registro de haver estudado em algum momento da vida [...]”. Grande parte dos adolescentes apreendidos são encaminhados para internação sob acusação de envolvimento com o tráfico de drogas, o que nem sempre se confirma. “O estigma do envolvimento com o tráfico fica ainda mais forte se este adolescente for morador de favela. Porém, ao realizar o acompanhamento do mesmo, é possível perceber que ele não tem condições reais de exercer a função que o criminalizou. Não ignoramos os que têm um envolvimento real com o mundo do crime, porém, em alguns casos o que deveria ser tratado como um problema de saúde pública, que é a dependência química, se torna um problema judicial, tendo como pano de fundo o preconceito e a constante criminalização da pobreza. (PRVL, 2011, s/p).

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É relativamente baixo o número de adolescentes com idade entre 12 e 17 anos, em conflito com a lei, e em privação e restrição de liberdade no âmbito nacional. O que preocupa são os programas e as políticas públicas implantadas pelo Estado de forma desordenada, fora da realidade, desvinculadas com os interesses dos próprios adolescentes e, consequentemente pouco eficazes. Em decorrência constata-se uma elevação dos índices de adolescentes em conflito com a lei, inclusive aumentando o envolvimento de adolescentes de cor branca nos conflitos com a lei (CAOP, 2008).

No cenário brasileiro pode-se constatar que os adolescentes em conflito com a lei pertencem a classes sociais vulneráveis1, com baixa escolaridade, a maioria negra, de descendência nordestina, estigmatizados por serem moradores de favelas e, geralmente, relacionados com o tráfico de drogas. Na verdade, deveria haver uma presença mais incisiva do Estado, oportunizando aos adolescentes espaços de recreação, lazer, saúde e educação. O abandono do Estado oportuniza espaços aos grupos ou facções criminosas que levam os adolescentes a serem “soldados do crime”.

Neste sentido, em nível de Rio Grande do sul, quanto à escolaridade da população atendida pela Fundação de Atendimento Socioeducativa (Fase-RS), entre 993 adolescentes em conflito com a lei, 216 (21,75%) possuem o nível de 6ª série e outros 213 (21,45%) possuem o nível de 5ª série. Enquanto isso, na unidade da Case de Santo Ângelo-RS, do total de 37 adolescentes em conflito com a lei, 13 adolescentes possuem o nível de 6ª série2. Os dados verificados não fogem de uma

realidade de âmbito nacional, em que o adolescente em conflito com a lei possui baixa escolaridade. São necessárias, portanto, políticas públicas na área da educação, voltadas a atender essa demanda.

Em nível local3 pode-se observar o depoimento de um ex-adolescente em conflito com a lei, atualmente com 25 anos, que passou quatro anos interno (dos 14 aos 18 anos) em instituições como orfanato, Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor (Febem), e instituição religiosa. Questionado se, além do trato com os

1 Classes sociais vulneráveis: a vulnerabilidade assim compreendida traduz a situação em que o conjunto de características, recursos e habilidades inerentes a um dado grupo social se revelam insuficientes, inadequados ou difíceis para lidar com o sistema de oportunidades oferecido pela sociedade, de forma a ascender a maiores níveis de bem-estar ou diminuir probabilidades de deteriorização das condições de vida de determinados atores sociais (UNESCO, 2014).

2 Conforme relatório da Fase-RS de 03 de setembro de 2013 (FASE, 2013).

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animais e lavoura, havia aprendido alguma atividade mediante sua participação em cursos, respondeu:

A princípio curso teria, mas a escolaridade da gente não chegou a alcançar, o objetivo de pegar um curso porque aqui no Santana nunca teve curso assim tinha apoio do SENAI tinha apoio do SENAC tinha apoio só que como a escolaridade da gente não acompanhava só que eu tive oportunidade no momento em que fui pra Santo Augusto eu morando lá eu tive oportunidade por completa a maioridade eu já tava saindo da casa com 18 anos então pra eles não me deixar na mão eles têm um convênio com o SENAC de Ijuí né pra que nós viemos fazer um curso técnico pra gente não sair desamparado né, eu a princípio era até era pra ter feito um curso eu fui em uma ou duas aulas pela minha escolaridade não acompanhava o desenvolvimento das aulas eu acabei desistindo porque cheguei em casa minha família não convivia com a mesma situação que eu me encontrava cheguei em casa minha família se encontrava por dificuldade eu tive que acaba abandonando o estudo pra trabalhar pra ajuda a família (ex-adolescente B)4.

Percebe-se que a escolaridade foi um empecilho para o ex-adolescente B5. A qualificação dos cursos que foram oferecidos estava muito além da capacidade de discernimento do adolescente, dificultando a aprendizagem e motivando a desistência. As condições sociais da família também foram um dos aspectos que contribuíram para a não continuidade do curso. Está explícito que o objetivo das instituições qualificarem os adolescentes em conflito com a lei é conquistarem uma fatia do mercado de trabalho e, consequentemente, serem incluídos na sociedade. Os dados, no entanto, revelam uma realidade perversa em relação à inclusão social dos adolescentes em conflito com a lei, como se pode observar:

A dificuldade de inserção no mercado de trabalho contribui para os elevados índices de violência. Destaca-se, como fator positivo, a criação recente de um programa oficial, no âmbito do Governo do Estado, de inserção de adolescentes em conflito com a lei em empresas estatais, em Curitiba. Quanto ao trabalho, 78,4% dos adolescentes não exercem nenhuma atividade remunerada ou não estão inseridos no mercado de trabalho (CAOP, 2008)6.

Os fatos e dados reais diagnosticados são balizadores para o desenvolvimento de projetos que visam alcançar e sanar problemas percebidos em

4 O adolescente será denominado “ex-adolescente B” como forma de assegurar o direito e a ética de não expor o seu nome (dados do autor).

5 Termo utilizado pelo autor para designar o atual adulto (dados do autor).

6 Grupo de pesquisa sob a coordenação da professora Ana Maria Eyng, no município de Curitiba, PR, no período de março de 2005 a novembro de 2006. Com adolescentes em conflito com a lei de 12 anos a 18 anos apresentados ao representante do Ministério Público, Promotoria da Infância e Juventude, que foram ouvidos informalmente. Foram ouvidos 3.881 adolescentes (MINISTÉRIO PÚBLICO, 2013).

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relação aos adolescentes em conflito com a lei. Neste sentido, órgãos estatais e Organizações Não Governamentais (ONGs) envolvidas avançam lentamente na organização de políticas públicas de qualificação desses adolescentes e sua inserção no mercado de trabalho. A falta de material, porém, assim como a sua infraestrutura, os profissionais qualificados e a visão administrativa do agente público imperam a concretização desses objetivos.

São nítidos os entes federados que percebem e trabalham a qualificação, valorização e elevação da autoestima dos adolescentes em conflito com a lei numa concepção diferente. Quando isso acontece os resultados são visíveis e positivos, pois se rompem velhos paradigmas e o direito de cidadania lhes é devolvido, permitindo ao adolescente a oportunidade de ser um agente ativo, que participa e é ouvido na sociedade.

O agente público deve propor políticas públicas de equalização, e o Estado deve fazer-se presente nas áreas de vulnerabilidade social que são maiores nas áreas centrais. Na visão do administrador é comum a prática de atender projetos em áreas centrais, cuidando da infraestrutura, das ruas no entorno da praça central, esquecendo as periferias. Em outras palavras, o Estado não atende de forma uniforme seus cidadãos, uma vez que nas regiões distantes do centro faltam escolas, postos de saúde, e espaços culturais e de lazer com qualidade.

Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF, 2012 [2013?])7, as crianças negras têm quase 70% mais chance de viver na pobreza do

que as brancas. O mesmo pode ser observado entre as crianças que vivem em áreas rurais. O país precisa homogeneizar as políticas públicas, dar acesso e oportunidade a todos, independente do espaço em que vivem, das condições sociais, gênero e cor. As desigualdades sociais, a estigmatização e o preconceito racial são elementos essenciais para os adolescentes se envolverem em delitos.

Há, também, uma preocupação da sociedade em relação ao adolescente em conflito com a lei, uma vez que os mesmos chegam ao “mundo do crime” de forma cada vez mais precoce. Conforme se pode averiguar, são muitos os aspectos que contribuem para essa situação:

7 UNICEF: é a sigla para Fundo das Nações Unidas para a Infância, em inglês United Nations

Children's Fund, e é uma agência das Nações Unidas. A Unicef tem o objetivo de promover a defesa dos direitos das crianças, suprir suas necessidades básicas e contribuir para o seu desenvolvimento, e está presente em 191 países e territórios de todo o mundo (UNICEF, 2013).

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Cerca de 60% dos jovens entrevistados possuem entre 15 e 17 anos. A maioria dos adolescentes infratores parou de estudar aos 14 anos, entre a quinta e a sexta série, o que demonstra a necessidade de se adotar no país políticas específicas voltadas ao combate da evasão escolar no ensino fundamental. Além disso, 8% deles não chegaram sequer a serem alfabetizados. Nesse aspecto, a desigualdade entre as Regiões do país ficou evidenciada no estudo. Entre os jovens entrevistados no Nordeste, 20% declararam que não sabem ler, enquanto no Sul e no Centro-Oeste essa proporção foi de apenas 1%. Em relação à estrutura familiar, o CNJ constatou que 14% dos jovens infratores possuem pelo menos um filho, apesar da pouca idade, e apenas 38% deles foram criados pela mãe e o pai. Além disso, 7 em cada 10 adolescentes ouvidos pelo Justiça ao Jovem se declararam usuários de drogas, sendo este percentual mais expressivo na Região Centro-Oeste (80,3%). A maconha aparece como o entorpecente mais consumido, seguida da cocaína e do crack. (CONSELHO NACIONAL DA JUSTIÇA, 2012).

A sociedade em geral preocupa-se com o ingresso precoce de crianças e adolescentes no “mundo do delito”8. É nítido e certo, pois existem fatores culturais

que interferem a reprodução de uma cultura delituosa. Se não houver políticas públicas por meio de uma ação efetiva do Estado a fim de romper com esta “síndrome”, a propagação dos problemas avançará nas camadas sociais vulneráveis. Por essa razão é fundamental romper com essa cultura delituosa.

Em relação à faixa etária, o relatório da Assessoria de Informação e Gestão da Fase-RS, divulgado dia 03 de setembro de 2013, entre os 993 adolescentes em conflito com a lei no RS, o maior percentual (31,42%) está nos adolescentes que possuem 17 anos. Já na unidade da Casa Atendimento Socioeducativo (Case) de Santo Ângelo/RS, unidade que abriga adolescentes em conflito com a lei, este mesmo relatório aponta 12 adolescentes com 17 anos de um total de 37 jovens.

Outro fator determinante que é apontado nos dados conjunturais é a estrutura familiar que, geralmente, passa por um processo de crise e de ajustes, afetando diretamente a sociedade, tornando adolescentes vítimas desse processo. Observa-se, ainda, que é menor o nível de formação dos adolescentes em conflito com a lei, nas diferentes regiões do Brasil, onde o conhecimento é menor, constituindo um ambiente com maior vulnerabilidade para a incidência de delitos.

Ademais, pode-se observar que cada vez mais cedo esses adolescentes se tornam pais, sendo a grande maioria dos adolescentes em conflito com a lei (78,6%) do sexo masculino, enquanto 21,4% do sexo feminino, conforme o Centro de Apoio

8 Significado de delito, s.m. Jurídico. Quaisquer ações e/ou comportamentos que infrinjam uma lei já estabelecida; ação punível pela lei penal: crime. Todo ato caracterizado por uma transgressão de uma moral preestabelecida; falta (Dicionário Jurídico).

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Operacional da Criança e Adolescente (CAOP, 2008). A estrutura familiar dos adolescentes em conflito com a lei se apresenta de forma descaracterizada da tradição familiar9, isto é, pai, mãe e filhos, conforme se observa:

A respeito das relações familiares, obteve-se por meio das entrevistas que 14% dos jovens têm filhos. A respeito da criação, 43% foram criados apenas pela mãe, 4% pelo pai sem a presença da mãe, 38% foram criados por ambos e 17% pelos avós (CNJ, 2012, p-18)10.

Com os ex-adolescentes pesquisados aleatoriamente percebe-se que a família não conseguia dar o suporte necessário e exigido pelos mesmos, o que pode ser observado na fala do ex-adolescente B:

[...] me mandaram para a instituição de Santo Augusto-RS, chegando lá pensei báh vai começar o inferno de novo, mas pelo o que eu vi foi bem ao contrário, ali eles vivia no espírito só de família, que eles não te viam como simplesmente uma pessoa, eles queriam te dar amor, eles queriam te dar carinho, eles queriam te entregar de novo a tua esperança, a tua vontade de viver [...]. (ex-adolescente B)11.

De acordo com ex-adolescente B pode-se constatar que realmente a instituição que o abrigou cumpriu com o papel da família. Ali ele encontrou todos os motivos para se reencontrar e valorizar a vida, buscando a paz interior que o curasse de um suposto “transtorno mental”. O trabalho de ressocialização da criança e do adolescente em conflito com a lei, portanto, não ocorre por intermédio do castigo e da punição de instrumentos torturadores que culturalmente são reproduzidos na sociedade.

Neste sentido, pode-se perceber o seguinte depoimento da ex-conselheira A, entrevistada que faz parte desta pesquisa aleatória:

9 Família: podemos distinguir três grandes períodos na evolução da família. Numa primeira fase a família dita “tradicional” serve acima de tudo para assegurar a transmissão de um patrimônio. [...]. Numa segunda fase a família dita “moderna” torna-se o receptáculo de uma lógica afetiva cujo modelo se impõe entre o final do século XVIII e meados do século X. [...]. Finalmente, a partir dos anos 1960, impõe-se a família dita contemporânea ou “pós-moderna”, que une, ao longo de uma duração relativa, dois indivíduos em busca de relações íntimas ou realização sexual. (ROUDINESCO, 2003, p.19).

10 Dados referentes ao gráfico n.11: responsáveis pelo adolescente em conflito com a lei em âmbito nacional. Foram entrevistados cerca de 10% (1898) do total de adolescentes internados no Brasil, amostra não foi estratificada por estado (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2013).

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A ressocialização da criança e do adolescente em conflito com a lei, além de um bom trabalho com a família deve ser visto como carro chefe da ressocialização a rede de atendimento a criança e adolescente [...]. (ex-conselheira A)12.

Fica claro nesta ideia que o trabalho com a família é fundamental, mas também é dever da sociedade e do Estado, conforme artigo 227 da Constituição Federal de 1988 (CF/88).13

Entre os atos infracionais cometidos pelo adolescente em conflito com a lei, em âmbito nacional, evidenciam-se crimes contra o patrimônio, crimes contra a vida, sendo cada vez mais comum adolescentes em conflito com a lei cumprindo medidas de internação por mais de um motivo. As regiões Sul e Sudeste se destacam por furtos e roubos diretamente relacionados com o tráfico e o uso de drogas, que na verdade é o “portão de entrada” para ingresso do adolescente no “mundo do delito”.

Conforme se pode averiguar no relatório do Conselho Nacional de Justiça (2012):

Os atos infracionais correspondentes a crimes contra o patrimônio (roubo, furto, entre outros) foram os mais praticados pelos respondentes. O roubo obteve os mais altos percentuais, representando de 26% (Região Sul) a 40% (Região Sudeste) dos delitos praticados. O crime de homicídio apresenta-se bastante expressivo em todas as regiões do país, com exceção da Sudeste, onde este delito corresponde a 7% do total. Nas regiões Sul, Centro-Oeste, Nordeste e Norte, o percentual varia de 20% a 28%. O tráfico de drogas se destaca nas regiões Sudeste e Sul, sendo o segundo ato infracional mais praticado, tendo obtido representação de 32% e 24%, respectivamente. Estupro, furto, lesão corporal e roubo seguido de morte apresentam-se em menores proporções. Importa ressaltar, não obstante, que um único adolescente pode estar cumprindo medida de internação por mais de um motivo (CNJ, 2012, p. 10).

Outro fator que convém destacar em relação à imagem do adolescente em conflito com a lei são as suas reincidências em delitos, fortalecendo a ideia de que é necessário trabalhar preventivamente na educação de grupos vulneráveis, que apresentam maior probabilidade de conflitos com a lei. Muitas vezes esses grupos são influenciados por amizades ou por membros do tráfico. Nesse sentido, o Direito da Criança e do Adolescente (DCA) é uma legislação específica com punição amena em relação ao crime de tráfico no Código Penal brasileiro.

12 Entrevista concedida pela ex-conselheira tutelar no dia 19 de set. de 2013 (dados do autor).

13 É dever da família, da sociedade e do estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (CF/1988).

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Há evidências claras de ausência de políticas públicas, agravadas pela ausência do Estado, conforme se observa:

Quanto ao aspecto da reincidência entre os adolescentes entrevistados em cumprimento de medida de internação, 43,3% já haviam sido internados ao menos outra vez. Deste modo, percebe-se que o índice de reincidência é significativo. Nas regiões Nordeste e Centro-Oeste, 54% e 45,7% dos jovens, respectivamente, são reincidentes; nas demais regiões o índice de reincidência entre os entrevistados varia entre 38,4% e 44,9%. (CNJ, 2012, p. 11).

São recentes na história do Brasil, as políticas públicas de atendimento às crianças e aos adolescentes, tanto na esfera municipal, estadual e quanto na federal. Durante todo o Período Colonial e Imperial não existiram no país instituições públicas que atendessem a chamada “infância desvalida”. Historicamente, essa tarefa coube, em primeiro lugar, às igrejas, santas casas de misericórdia, irmandades e congregações. Essas ações de caridade e filantropia foram uma forma assistencialista marcada por ações paliativas.

Essas ações paliativas são verificadas nos programas sociais da contemporaneidade brasileira, constituindo-se em programas emergenciais que deveriam atuar por um curto tempo se houvesse maiores investimentos na reeducação, qualificação e concepção de um novo paradigma. Pode-se observar, de acordo com a pesquisa do Centro de Apoio Operacional da Criança e do Adolescente (CAOP, 2008), que ainda é baixo o percentual de famílias que são inseridas em programas oficiais de auxílio, como Bolsa-Escola e outros.

Apenas 7,7% das famílias estão inseridas em programas oficiais de auxílio, como bolsa-escola e outros. É necessário desenvolver, conhecer e aprimorar os programas oficiais de auxílio à família, adequados à realidade do adolescente em conflito com a lei, preferencialmente de estímulo para a inserção e permanência na escola. (CAOP, 2008, s/p).

O adolescente em conflito com a lei é representado por uma imagem estigmatizada pela sociedade, em que a forma de inserção no meio social e cultural é diferente e não é aceita pela sociedade adultizada. A partir deste conflito cultural o adolescente se vê desprotegido de legislações e ideologias. Conforme Osório (1982), os adolescentes buscam novos padrões de identificação, são os inovadores, os que apresentam um novo nicho na sociedade, como se pode ver a seguir:

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Já se disse que o adolescente são buscadores de novos padrões de identificação que, em última análise, visam substituir nos nichos da alma as “divindades” paternas recém-destituídas dos poderes que lhes eram atribuídos anteriormente pela idealização infantil. Esses novos modelos identificatórios são, então, procurados não só entre outros adolescentes de mais idade como entre aqueles adultos cujas atribuições ou comportamento sugiram uma rota alternativa para o projeto existencial traçado para os jovens pelas expectativas familiares. (OSÓRIO, 1982, p. 18).

Sendo assim, os adolescentes por si só rompem os velhos paradigmas, velhos padrões. Eles têm necessidade de expressar e idealizar algo novo que, muitas vezes, foge dos padrões “ditos corretos” da atual sociedade formatada. Os conflitos dos adolescentes provêm da necessidade de romper e desafiar as estruturas sociais idealizadas pela sociedade adulta, em uma sociedade que possibilita poucos espaços à diversidade de gênero, faixa etária, bem como condições econômicas. A rebeldia constrói um poder paralelo que, muitas vezes, vai gerar uma instabilidade social, política, histórica e cultural.

Os adolescentes em conflito com a lei, portanto, constituem um tema complexo que precisa de análise jurídica, psicológica, sociológica, histórica, filosófica e cultural. Entender a ação e a reação dos adolescentes é fundamental, pois a estigmatização e o preconceito precisam ser descortinados para entender o problema, que não será resolvido mediante a tortura e o castigo, a punição, o flagelo e o encarceramento. Conforme se pode observar a seguir:

O perfil dos adolescentes aqui descortinados revelou uma série de questões que perpassam o problema do adolescente em conflito com a lei: famílias desestruturadas, defasagem escolar e relação estreita com substâncias psicoativas. A partir do melhor conhecimento do perfil dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas torna-se especialmente oportuna a definição de estratégias compatíveis com as necessidades dos jovens em situação de risco no Brasil. (CNJ, 2012, p. 20).

De acordo com a pesquisa elaborada aleatoriamente com dois ex-adolescentes, observa-se que fatores como o tratamento dispensado no decorrer dos encaminhamentos, a internação em instituições de adolescentes, a vontade própria e as oportunidades que receberam da própria sociedade, contribuíram na sua ressocialização, conforme se pode observar nas duas entrevistas:

Entrevistador: Você tem lembrança de alguém do Conselho Tutelar que trabalhou com você?

Eu tenho bastante lembrança de uma pessoa que hoje tirei pra amiga, mais que o tempo passo e eu tenho uma grande amizade com ela, foi a primeira

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conselheira tutelar que me levou no Instituto de Menores de Ijuí (IMI), ela sabe bem de minha história e tudo e é uma pessoa que pude confiar em muitas horas, onde eu não tinha em quem confiar. (ex-adolescente B). Entrevistador: Tem alguma pessoa do Conselho Tutelar que te marcou?

Têm várias pessoas lá dentro que conheço e que me deram bastante apoio e incentivo né, uma delas e seu [...], o velinho me deu vários... vários... como vou dizer conselhos incentivos, não conheci várias pessoas lá dentro, que guardei pra mim até hoje né, a última vez que vi ele faz mais de um ano já, mas os conselhos que ele me deu, os ensinamentos estão guardados até hoje. [...] O diretor daquela época me fez um convite para mim voltar estudar e como eu era muito apegado aquela escola, morei naquele bairro me identificava muito com aquelas pessoas lá, não por elas serem humildes, mas eu era humilde também, não me adaptei nas outras escolas por causa disso, nisso voltei a estudar nessa escola até o fim [...] através da escola participei de projetos e meios culturais que acabei participando e desenvolvendo dons foi através de projetos segundo tempo, que abriram as portas pra mim [...] acabei fazendo uma baita amizade com o gerente do SESC14, até que resolveu fazer uma proposta pra mim

trabalhar com ele, daí só melhorou, abriu portas e caminhos que estou até hoje. (ex-adolescente A).

Os entrevistados da pesquisa aleatória reproduzem uma imagem que é constatada em âmbito nacional. São de gênero masculino, de classes sociais vulneráveis, excluídos do sistema escolar, com baixa escolaridade, moravam somente com a mãe, reincidentes (adolescente B interno dos 14 aos 18 anos, ex-adolescente A internos aos 16 anos), ambos não exerciam nenhum tipo de trabalho.

Em relação à cor, os dois ex-adolescentes pesquisados aleatoriamente, assim como a maioria dos adolescentes em conflito com a lei é da cor branca, isto porque a região Sul historicamente tem uma característica diferenciada do resto do Brasil devido à política de ocupação que ocorreu basicamente com a imigração europeia. Nas demais regiões do Brasil, a maioria dos adolescentes em conflito com a lei possui a cor negra e são descendentes de nordestinos.

A partir dessa perspectiva, o desafio é desconstruir a imagem do adolescente. A complexidade com que se adapta às mudanças corporais, intelectuais e o próprio vestuário como complemento do corpo, por meio dos quais busca uma “imagem perfeita” para apresentar ao outro é um elemento fundamental. O “ser” é pouco valorizado, enquanto o “ter” é supervalorizado, obrigando caminhos não éticos e morais para alcançar seus ideais, constituindo assim um adolescente em conflito com a lei.

14 SESC: mantido pelos empresários do comércio de bens e serviços, o Serviço Social do Comércio é uma entidade privada que objetiva proporcionar o bem-estar e qualidade de vida do comerciário, sua família e da sociedade (SESC, 2013).

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1.2 Os adolescentes: (des) construções do sujeito através da imagem

Existe a necessidade de se fazer uma análise e de buscar compreender a construção e desconstrução da imagem dos sujeitos adolescentes em diferentes períodos da História. Qual a imagem que a sociedade tem dos adolescentes? A imagem que os adolescentes têm de si mesmos? E qual a imagem das instituições vistas pelos adolescentes e pela própria sociedade?

Durante a Idade Média a criança não era considerada um ser de sentimentos e não se respeitava essa etapa. Quando sobrevivia ganhava um nome e passava a ser tratada igualmente aos adultos, cujos cuidados não se limitavam a impedir a promiscuidade e o desrespeito (ARIÉS, 1981). Assim, a sociedade passou a repensar suas ações em relação ao sujeito criança, constituindo-o um indivíduo de direitos no atual estágio social que se encontra.

Um homem do século XVI ou XVII ficaria espantado com as exigências de identidade civil a que nós submetemos com naturalidade. Assim que nossas crianças começam a falar, ensinamos-lhes seu nome, o nome de seus pais e sua idade (ARIÉS, 1981, p. 1).

Deste modo, no século XVI ou XVII as crianças eram vistas pelos adultos como um “animalzinho de estimação”. Se ela morresse, como acontecia na maioria das vezes, era regra não ficar desolado, pois logo a criança morta seria substituída por outra. Por esse motivo, os adultos não se apegavam às crianças e não as paparicavam para evitar sofrimento, bem como não buscavam uma identidade para as mesmas. Quando passavam do “perigo de morrer”, eram tratadas como adultas e não viviam com a própria família (ARIÉS, 1981).

A adolescência é reconhecidamente uma fase do desenvolvimento humano de desconstrução e reconstrução de sua própria identidade, da visão de mundo, das relações sociais e familiares. Durante a adolescência se iniciam as grandes e profundas mudanças, que culminam em um ideal de adulto com sua identidade pessoal e sexualidade definida. Este adolescente passa a compor a sociedade, com seus papéis sociais adequados e formatados. As transformações psíquicas e físicas acontecem sem que o adolescente tenha controle sobre elas.

Hoje, a forma como a imagem da criança e do adolescente é vista pela família, pela sociedade e pelo Estado deve ser compreendida e assimilada.

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Ademais, devem lhes ser dadas oportunidades e condições necessárias para o desenvolvimento da ética e da valorização humana e, para tanto, é preciso compreender que essa fase é um ciclo da vida que carece de acertos e erros para seu desenvolvimento. O tratamento dado hoje aos adolescentes é retribuído à sociedade na fase adulta. Nesse sentido, romper e evoluir cultural, social e historicamente é elementar para desmistificar a imagem das crianças e dos adolescentes.

As mudanças físicas e hormonais são universais, ou seja, não dependem da cultura ou do lugar aonde os adolescentes vivem. Entretanto, as mudanças psíquicas são influenciáveis, enquanto as mudanças físicas acontecem rapidamente e de forma desordenada, mudando o corpo e a imagem corporal de forma confusa e drástica. Os adolescentes convivem com alterações em seu corpo e na massa muscular, muitas vezes não aceitas devido à cultura da estética, que formata o adolescente ideal conforme padrões impostos pela sociedade.

Pode-se observar então que:

A imagem corporal, ou seja, a ideia que o indivíduo tem de seu próprio corpo, sofre um processo de contínua e acelerada reformulação até plasmar-se o corpo adulto definitivo. Como na mente do(a) jovem há uma espécie de protótipo idealizado dessa imagem corporal (formada a partir dos valores estéticos com respeito à forma humana que lhe são transmitidos), via de regra ocorre um conflito entre a imagem fantasiada desse modelo idealizado e a imagem real de seu corpo em transformação. Essa é a raiz das ansiedades do adolescente com respeito a seus atributos físicos e à capacidade de atrair o sexo oposto, isto é, a vertente somática de seus conflitos na esfera sexual. É universal a preocupação dos jovens com sua aparência física. A percepção das constantes mudanças, seu corpo muitas às vezes ocasiona sentimentos de estranheza ou despersonalização, que na adolescência não podem ser considerados patológicos, mas sim elementos da crise puberal. As vestimentas, concebidas como extensões ou prolongamentos do próprio corpo, adquirem, então, uma importância muito particular. A moda unissex traduz de certa forma, os conflitos dos jovens contemporâneos quanto à definição de seus papéis sexuais. (OSÓRIO, 1982, p. 79).

Assim sendo, a institucionalização da adolescência é algo muito contemporâneo. Romper com a cultura do acoitamento, da desconsideração das fases que o ser humano percorre é cultural, e está inserida no seio das famílias e da sociedade, que desconsideram tais fases. Por isso, a forma como as famílias lidam com a criança e a adolescência, assim como as demais instituições sociais que apregoam a violência, a disciplina e as leis rígidas semelhantes aos adultos, mantêm a cultura da violência que não traz bons resultados à sociedade.

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Na lógica da violência institucionalizada por meio do castigo pode-se observar a entrevista a seguir:

A ressocialização do adolescente em conflito com a lei, o sistema é muito falho, tem castigo para o adolescente infrator, tem penas a ser cumprido, ele chega até ir para a prisão, ele vai preso né, na medida que hoje visitamos uma instituição que abriga adolescentes em conflito com a lei tem grades, e onde tem grades é cadeia, o sistema é falho, governo, o governante não tem bons olhos pra esta situação, às vezes não tem profissionais capacitados, não tem equipe completa pra pôde trabalhar esse jovem, prepara ele par uma vida, pra sair daquele problema sério que ele passou. O Estado não oferece condições de recuperação que seria seu dever. (ex-conselheiro B)15.

Desconstruir é um movimento que pretende sucumbir esse paradigma cultural “adultocêntrico”, instituído pela sociedade em relação à infância e à adolescência. Busca, assim, inverter esse sistema a partir da desconstrução e reconstrução de um novo modelo, isto é, reconstruir novos paradigmas, novos conceitos de infância e de adolescência, obedecendo a critérios de identidade, de diversidade de estudos e de respeito a esse grupo que, culturalmente, não possui voz e nem vez. Está imbuído na ideia de incapazes, sendo a normatização jurídica elaborada por adultos sem a participação da infância e da adolescência.

Essa relação de imposição da família, sociedade e Estado na disciplina ocorre há bastante tempo, conforme assevera Ariés (1981, p. 117):

A história da disciplina do século XIV ao XVII permite-nos fazer duas observações importantes. Em primeiro lugar, uma disciplina humilhante o chicote ao critério do mestre e a espionagem mútua em beneficio do mestre, substituiu um modo de associação corporativa que era o mesmo tanto para jovens escolares como para os outros adultos.

Conceber as crianças e os adolescentes como sujeitos de direitos, pautados na universalização emancipatória, possibilita a reconstrução social de uma nova identidade, rompendo com o atual paradigma social. Assim, as convenções internacionais de Direitos Humanos e do direito da criança orientam um novo tratamento, um novo olhar para que os “ranços” culturais instituídos pelos adultos, como pedofilia, exploração do trabalho infantil, tráfico de drogas, tráfico de órgãos e de crianças, deixem de existir e, dessa forma, se busque a dignidade humana e os sujeitos de direitos.

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Desse modo, o amparo dos adolescentes pelos Direitos Humanos tem um vasto campo de atuação, como asseguram os direitos fundamentais de dignidade à vida, à proteção e à segurança. Os adolescentes necessitam de bem estar, saúde, cuidado e educação para que, no futuro, sejam adultos cidadãos sem máculas, mas com amplo desenvolvimento em todos os sentidos. Crianças e jovens, cujas fases do desenvolvimento foram ceifadas, certamente apresentarão sequelas.

A sociedade capitalista consumista está fazendo dos adolescentes vítimas do próprio sistema, pois desde muito cedo são vestidos como “homenzinhos e mulherzinhas em miniaturas”. Meninas usam kit de maquiagens e ambos exibem uma grande publicidade de produtos globais que estão presentes na mídia. Consequentemente, desde muito cedo crianças deixam de ser crianças e os adolescentes deixam de ser adolescentes “adultizando-se” precocemente.

A família tampouco percebe a ação da mídia que cada vez mais está presente na sociedade, principalmente a televisão que formata as opiniões dos adolescentes. Este meio de comunicação convence a mudança de hábitos, de valores culturais e de históricos a partir de apelos consumistas, tanto alimentícios, como de vestuários e de linguagens. É comum adolescentes vestirem roupas de modelos anunciados na televisão, comendo determinados alimentos que seus ídolos consomem, utilizando termos de linguagens (gírias) que atores e atrizes usam em telenovelas e em determinados programas.

Também se pode perceber que a música é outro canal de influência midiática que invade o mundo social da criança e do adolescente, criando uma identidade atravessada de valores alheios e paradigmáticos. As danças dão ênfase à sexualidade, e as músicas não são elaboradas, cujas letras não trazem nenhuma mensagem. Enfim, há uma infinidade de lançamentos que passam como um “tsunami”, deixando um rastro de consequências na sociedade, destruindo e reconstruindo novos paradigmas.

Percebe-se, também, que as crianças e os adolescentes não possuem iniciativa criadora. Não conseguem criar ou improvisar brinquedos e brincadeiras, pois a influência externa determina as suas atitudes, e cada vez mais existe o apelo propagandístico para consumir brinquedos eletrônicos e digitalizados que aniquilam a capacidade de a criança criar. Dessa forma, é imposta uma cultura de interesses, atingindo inicialmente a criança que, no futuro será o adolescente e, posteriormente, o adulto, todos formatados por este sistema.

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A forte influência midiática e consumista cria uma imagem do adolescente ideal, entretanto, ele é vítima do próprio sistema, pois o apelo empurra os adolescentes ao delito, ao tráfico e ao consumo de drogas, furto, roubo e assassinato, gerando problemas sociais, como no enunciado a seguir:

O adolescente “tem fome de identificação”, pois está constantemente buscando objetos de identificação para aliviar o seu drama edípico. Identifica-se com ídolos e líderes, numa tentativa de poder organizar o seu eu um tanto fragilizado e confuso, bem como deslocar para figuras substitutas seus amores e ódios, preservando, assim, seu objeto primitivo [...]. A imprensa frequentemente romantiza certos bandidos ligados aos grupos do narcotráfico, apresentando-os como modernos Robin Hoods que ajudam os pobres e oprimidos e lutam contra o poder injusto do Estado. Esse enaltecimento faz com que sejam vistos como modelos injustos e seguidos, ou seja, eles produzem amor e identificação (FRÁGOLA, 1996 apud FREITAS 2002, p. 64).

No que tange ao acesso tecnológico não se pode deixar de mencionar o desvirtuamento de valores e a influência de modelos sociais, impostos por ideologias que vêm embutidas e carregadas de preconceitos nos filmes e joguinhos eletrônicos à disposição da sociedade. Essas ferramentas contribuem diretamente na desconstrução e reconstrução da identidade das crianças e dos adolescentes.

Esta constatação é revelada no recorte a seguir:

Os jovens brasileiros nascidos no final da década de 1970 para cá, encontram um mundo mudado. Eles fazem parte de uma geração pós-industrial, pós-guerra Fria e pós-descoberta da ecologia. Vivem as tensões e os mistérios do emprego, da violência urbana e do avanço tecnológico. Em um contexto de intensificação da difusão de informações, a cultura midiática também oferece espiritualidade. Para os jovens de hoje, multiplicam igrejas e grupos de várias tradições religiosas. Para eles também existem possibilidades de combinar elementos de diferentes espiritualidades numa síntese “pessoal e intransferível”. Em síntese: nos dias atuais, surgem constantemente novas possibilidades sincréticas que, ao mesmo tempo, (re) produzem identidades institucionais e até novos fundamentalismos (ABRAMO, 2011, p. 264-65).

Cabe à família ensinar à criança e ao adolescente a cuidar da higiene do corpo, respeitar normas, princípios e valores sociais, distinguir o bom do mal, o certo do errado, socializar e cultuar a religiosidade da qual o núcleo familiar é adepto, pois a família é a base para a criança e o adolescente se tornarem cidadãos, se configurando de modo mais afetuoso possível. Os pais devem expor a sua autoridade com amor, fazendo com que a criança cresça e se prepare para ser um adulto feliz e afetivo com seus semelhantes.

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Tratar crianças e adolescentes como adultos em miniaturas, um ser acabado, pode ser o grande equívoco da sociedade, conforme se pode observar a seguir:

A família e a escola retiraram a criança da sociedade dos adultos. A escola confinou uma infância outrora livre num regime disciplinar cada vez mais rigoroso, que nos séculos XVIII e XIX resultou no enclausuramento total do internato. A solicitude da família, da igreja, dos moralistas e dos administradores privou a criança da liberdade de que ela gozava entre os adultos. Infringiu o chicote, a prisão, em suma, as correções reservadas aos condenados das condições mais baixas. Mas esse rigor traduzia um sentimento muito diferente da antiga indiferença: o amor obsessivo que deveria dominar a sociedade a partir do século XVIII. É fácil compreender que essa invasão das sensibilidades pela infância tenha resultado nos fenômenos hoje mais conhecidos do malthusianismo ou do controle de natalidade. Esse último surgiu no século XVIII, no momento em que a família acabava de se reorganizar em torno da criança e erguia entre ela mesma e a sociedade o muro da vida privada. (ARIÉS, 1981, p. 95).

Percebe-se na atualidade que a sociedade brasileira vem tentando, por meio de oportunidades diferenciadas, atenuar as injustiças sociais sofridas pelos adolescentes que num passado remoto foram tratados de forma desigual. Para isso vem criando programas sociais de inclusão, os quais permitem a essas crianças e adolescentes uma oportunidade social, profissional e econômica das quais foram excluídas no passado. A escola possui um papel preponderante nesse sentido, constituindo-se num instrumento formatador e reprodutor de desigualdades sociais que por muito tempo era oferecida somente aos filhos da elite brasileira.

A constituição da imagem dos adolescentes passa pela profunda reestruturação familiar que a sociedade atravessa nesse momento contemporâneo. A diversidade cultural e de gênero ocorre quando a mulher sai da condição de dona de casa e ingressa no mercado de trabalho, configurando uma forma radical que atinge a estrutura familiar. Muitas dessas crianças são criadas fora da família, não mais em internatos, mas em escolas infantis que, muitas vezes, não contemplam a necessidade afetiva e amorosa que o filho necessita de seus pais.

A reconstrução da imagem do adolescente e das instituições podem ser visivelmente percebidas na entrevista a seguir:

Eu gostaria de ter pai e mãe que me pegassem no pé, coisa que eu não tive, eu nasci bem dizer dentro de uma boate, minha mãe, o primeiro emprego dela foi com 14 anos numa boate, não me envergonho disso, eu fui criado com a mãe, já sendo filho de uma mãe que vivia na boate, não conheço meu pai, então não tenho como dizer que eu tive educação de pai e mãe, então quem me ensinou foi a rua [...]. (ex-adolescente A, grifos do autor).

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