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O FESTIVAL DE CULTURA POPULAR DO TERRITÓRIO ALTO RIO PARDO (MG) COMO PRÁTICA SOCIAL E PEDAGÓGICA: FORMAÇÃO E RESISTÊNCIA

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Resumo:este trabalho realizou reflexões sobre a cultura popular camponesa enten-dendo-a como uma construção dinâmica advinda dos seus modos de vida, expe-riências e saberes relativos ao trabalho e a produção de sua subsistência. Se fez a luz da divisão social do trabalho e suas relações com a formação da cultura, posto que existem dicotomias históricas constituída e constituinte de relações sociais de poder. Considerando ainda que a investigação científica deve desvelar as condi-ções estruturais da sociedade. Analisamos a articulação que se deu entre Cultura Popular e Educação do Campo, demonstrada aqui concretamente na apresentação do Festival da Cultura Popular do Alto Rio Pardo – MG, destacando as práticas culturais que o compõem como processos educativos, onde se desenvolve uma ação social e pedagógica na região, a qual contribui para a formação dos sujeitos e o fortalecimento da resistência camponesa mediante a inserção da lógica de de-senvolvimento capitalista em seus modos de vida, sociabilidades e experiências. Palavras-chave: Cultura popular. Educação do Campo. Território Alto Rio Pardo (MG).

THE FESTIVAL OF POPULAR CULTURE IN ALTO RIO PARDO (MG) AS SOCIAL AND PEDAGOGICAL PRACTICE: FORMATION

AND RESISTANCE

Abstract: this work carried out reflections on the peasant popular culture, unders-tanding it as a dynamic construction derived from its ways of life, experiences and knowledge related to work and the production of its subsistence. The light of the social division of labor and its relations with the formation of culture was made, since there are historical dichotomies constituted and constituent of social rela-tions of power. Considering also that scientific research must reveal the structural conditions of society. We analyze the articulation that took place between Popular Culture and Field Education, demonstrated here concretely in the presentation of

A R

T I G O S

Érika Fernanda Pereira de Souza, José Paulo Pietrafesa

O FESTIVAL DE CULTURA

POPULAR DO TERRITÓRIO

ALTO RIO PARDO (MG)

COMO PRÁTICA SOCIAL

E PEDAGÓGICA: FORMAÇÃO

E RESISTÊNCIA*

, v. 4, n. 2, p. 308-323, jul./dez. 2018. 308 D O I 10.18224/b ar u.v4i2.7011

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the Festival of Popular Culture of the Upper Rio Pardo - MG, highlighting the cultural practices that compose it as educational processes, where a social and pedagogical action is developed in the region, which contributes to the formation of the subjects and the strengthening of peasant resistance through the insertion of the logic of capitalist development into their ways of life, so-ciabilities and experiences.

Keywords: Popular culture. Field Education. Alto Rio Pardo Territory (MG).

EL FESTIVAL DE CULTURA POPULAR DEL TERRITORIO ALTO RÍO PARDO (MG) COMO PRÁCTICA SOCIAL Y PEDAGÓGICA: FORMACIÓN Y RESISTENCIA

Resumen: este trabajo realizó reflexiones sobre la cultura popular campesina entendiéndola como una construcción dinámica proveniente de sus modos de vida, experiencias y saberes relativos al trabajo y la producción de su subsistencia. Se hizo la luz de la división social del trabajo y sus relaciones con la formación de la cultura, puesto que existen dicotomías históricas constituida y constituyente de relaciones sociales de poder. Considerando que la investigación científica debe desvelar las condiciones estructurales de la sociedad. Se analizó la articulación que se dio entre Cultura Popular y Educación del Campo, demostrada aquí concretamente en la presentación del Festival de la Cultura Popular del Alto Río Pardo - MG, destacando las prácticas culturales que lo componen como procesos educativos, donde se desarrolla una acción social y pedagógica en la región, la cual contribuye a la formación de los sujetos y el fortalecimiento de la resistencia campesina mediante la inserción de la lógica de desarrollo capitalista en sus modos de vida, so-ciabilidades y experiencias.

Palabras clave: Cultura popular. Educación del Campo. Territorio Alto Rio Pardo (MG). A DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO NA FORMAÇÃO DA CULTURA E A CUL-TURA POPULAR COMO MODO DE VIDA: TRABALHO E EXPERIÊNCIA

P

elo trabalho é possível formar a materialização da existência humana, condição pela qual o homem faz a si mesmo, atua sobre os elementos naturais, modifica o mundo e potencializa a criação de culturas, organizações sociais e suas contradi-ções (MARX, 2008). O ser humano desenvolve as forças produtivas e seus diferentes meios de produção. Com as transformações ocorrida neste processo histórico, a classe que não detêm esses meios vê-se dominada através do seu próprio trabalho a partir da divisão entre trabalho manual e intelectual (MARX; ENGELS, 1974). Consideramos que

O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que deter-mina sua consciência. Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não é mais que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais elas se haviam desenvolvi-do até então. De formas evolutivas das forças produtivas que eram, essas relações convertem-se em entraves. Abre-se, então, uma época de revolução social (MARX, 2008, p. 47).

A divisão social do trabalho gerou uma bifurcação histórica na cultura e o desdo-bramento disto é explicitado nas relações sociais que emergem da contradição imanente no processo de produção, gerando o conflito e, em contrapartida, a possibilidade de re-sistência.

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Marx (2008) salientou que a separação entre ação e pensamento é ideológica, com-posta para criar alienação e divisão social. Por isso, o ser humano, organizador das rela-ções sociais necessitam pensarem-se a partir da sua estrutura de classe. Nesta mesma di-reção, Pinto (1979) identificou que, no processo de materialização da existência humana, onde o homem produz o mundo e a si mesmo, houve uma cisão da cultura, produzindo assim um antagonismo social.

Para este autor, a cultura se constitui como um processo de acumulação da expe-riência humana, a relação entre a ação e sua conversão em ideias e aprendizados na trans-formação do mundo natural. Como a constituição das culturas são mediadas pelas classes sociais, surgem da diferenciação do trabalho, do seu desempenho no processo produtivo, quando o sujeito histórico (ser humano) se aliena do seu trabalho e de si mesmo, assim a cultura torna-se elemento de distinção.

Com isso, as classes efetivamente trabalhadoras ficam privadas, não do direito de pensar, que, esse, o exercem constantemente e em natural sentido reivindicatório, mas do direito de ver reconhecidas como expressão da cultura as ideias que elaboram. Seus produtos artísticos são classificados ape-nas como pitorescos, artesanato, folclore, e somente despertam transitória e divertida curiosidade, enquanto os dos grupos dirigentes revestem suas obras da qualidade de sérias e eruditas (PINTO, 1979, p. 131).

A cultura dita erudita se apropria da produção de conhecimento que nasce do traba-lho manual humano, exercido pelos subalternos, subjugados, explorados. Azevedo (1996)

apresentou a desvalorização do trabalho manual na formação da nossa sociedade colonial proveniente da divisão de classes. Este estudioso da cultura brasileira, nos mostrou uma eli-te ineli-telectual desvinculada do trabalho manual devido essa atividade ser associada à escra-vidão e serescra-vidão, assim a formação era preparação para a erudição que reforçava privilégios já constituídos pela posse de terras, riqueza e poder.

Thompson (1998) fez uma análise histórica que contribui para este debate ao dis-correr sobre a associação entre costumes e práticas legais, ressaltando que os primeiros eram amplamente aplicados no cotidiano e no trabalho, ainda sendo celebrados em even-tos oficiais. Contudo, a cultura plebeia foi se tornando opaca sob o controle e inspeção crescente da burguesia, marcando a dissociação entre culturas, percebida por ele dessa forma no século XVIII e XIX.

Este mesmo autor salientou que a negação de educação a classe pobre fez com que sua cultura fosse marcada pela oralidade, marcada pelos costumes. Entendendo cultura como um movimento dinâmico, caracterizado como

[...] um conjunto de diferentes recursos, em que há sempre uma troca entre o escrito e o oral, o dominante e o subordinado, a aldeia e a metrópole, é uma arena de elementos conflitivos [...]. E na verdade o próprio termo “cultura”, com sua invocação confortável de um consenso, pode distrair nossa atenção das contradições sociais e culturas, das fraturas e oposições existentes dentro do con-junto (THOMSPON, 1998, p. 16-7).

Para Silva (2008), a dicotomia entre cultura popular e erudita está imbrincada por relações de poder e vem estruturando outras desigualdades de cunho classista, econô-mico e político. Na sociedade brasileira, o conceito de cultura associa-se à erudição e a

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educação formal e nessa lógica, pensar essa categoria na dimensão popular gera um es-tranhamento. A cultura popular seria “[...] o cultivo dos elementos, significados e valores comuns ao povo, essencialmente diferentes dos meus – sofisticados, elaborados, superio-res – posto que são também, eles, diferentes de mim, se vestem e falam de outro modo, habitam outros lugares” (SILVA, 2008, p. 7).

Neste contexto, a cultura popular não se auto define, mas as influências externas são fundamentais para entendê-la e funcionou como uma defesa ao controle e limites impos-tos pelo governo (THOMPSON, 1998).

É importante ressaltar que nos ofícios sem aprendizado formal, o ensino de técnicas dá-se mediante a própria prática, através das experiências e saberes coletivos. A educação formal não elimina a importância e significado desses processos formativos informais (THOMPSON, 1998).

No século XVIII nota-se “[...] o delineamento das subsequentes formações de clas-se, bem como da consciência de classe: e os fragmentos residuais das antigas estruturas são revividos e reintegrados no âmbito dessa consciência de classe emergente” (THOMP-SON, 1998, p. 21). Este movimento aconteceu no bojo do conflito entre a economia de mercado e os costumes da plebe, a cultura assume assim sua alcunha de defesa, conectada aos interesses do povo, posto que,

[...] a inovação do processo capitalista, é quase sempre experimentada pela plebe como uma explora-ção, a expropriação de direitos de uso costumeiros, ou a destruição violenta de padrões valorizados de trabalho e lazer. Por isso a cultura popular é rebelde, mas o é em defesa dos costumes (THOMP-SON, 1998, p. 19).

Mediante o emaranhado de relações entre “força de trabalho”, “divisão social e internacional do trabalho”, “redefinições de relações sociais”, dentre outros fatores e questões ideológicas, surgiu no Brasil um movimento de Educação comprometido com a cultura popular e a emancipação do povo de forma política e contextualizada.

EDUCAÇÃO POPULAR, CULTURA E EDUCAÇÃO DO CAMPO NO BRASIL: CAMINHOS QUE SE CRUZAM

Resgatando o sentindo fundante de cultura como toda experiência humana e sua transformadora atividade de trabalho, Freire (2008) considerou cada indivíduo como sujei-to de cultura. A Educação, como elemensujei-to de ampliação de culturas, necessita promover a democratização desse elemento, sendo a cultura a “[...] aquisição sistemática da experiência humana [...]” considerando todo o povo, região, classe e gentes (FREIRE, 2008).

Na década de 1960, a partir do Brasil e com desdobramentos em toda a América Latina surgiu uma proposta renovadora de formação pela cultura popular que deu origem ao movimento de educação popular (BRANDÃO, 2008b). Segundo este autor,

Ela provém de pessoas, de grupos e de unidades de ação social envolvendo estudantes, educadores, artistas, agentes religiosos e militantes populares do campo e da cidade. A Cultura Popular pretendeu ser um corpo de ideias e práticas questionadoras do estado atual da sociedade e de suas culturas. [...] apresenta-se como uma alternativa de vocação transformadora e mesmo revolucionária, sob a forma de uma ampla gama de ações culturais e também pedagógica de teor político (BRANDÃO, 2008b, p.112).

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Considerando uma educação feita com o povo e não para o povo, a cultura popular torna-se chave do projeto político de formação de consciência dos trabalhadores para a transformação da realidade. A Educação para a classe popular perpassa toda a obra de Paulo Freire, pensador que dedicou sua vida enquanto ser humano, intelectual e professor ao trabalho com os oprimidos.

Este movimento foi fundamental considerando que vivemos um processo de ho-mogeneização global, numa sociedade que não tolera contradições, por elas explicitarem as divisões e desigualdades sociais, como revela Chauí (1986). Para ela, as lutas sociais figuram para reivindicação do direito à cidadania e da sua condição de sujeito social, fenômeno este percebido com mais força nos movimentos populares e de trabalhadores.

Chauí (1986, p.63) ainda buscou examinar a Cultura Popular em seu aspecto de resistência no que tange as ações coletivas. Segundo a autora, encontram “[...] práticas dotadas de uma lógica que as transforma em atos de resistência”.

Desta relação fértil entre educação e cultura popular, no período de efervescência pela redemocratização do país, surgiu o Movimento Por Uma Educação do Campo, pau-tado pela dimensão política e pedagógica dos processos não formais de educação e nos momentos de produção material da existência humana (ARROYO, 1999).

A cultura hegemônica trata os valores, as crenças, os saberes do campo ou de maneira romântica ou de maneira depreciativa, como valores ultrapassados, como saberes tradicionais, pré-científicos, pré-modernos. Daí que o modelo de educação básica queria impor para o campo currículos da escola urbana, saberes e valores urbanos como se o campo e sua cultura pertencessem a um passado a ser esquecido e superado. Como se os valores, a cultura, o modo de vida, o homem e a mulher do campo fossem uma espécie em extinção. Uma experiência humana sem mais sentido a ser superada pela experiência urbano-industrial moderna (ARROYO, 1999, p. 23-4).

Na base do debate sobre a construção de uma Educação do campo, a luta pela terra, por direitos, o trabalho, a produção, a cultura e conhecimentos coletivos figuravam como matrizes formadoras, considerando que os processos educativos precisam estar vinculados às experiências e vivências dos sujeitos, posto que estes são pilares da nossa formação humana, processos de produção da nossa existência que nos fazem enquanto sujeitos e marcam nossas vidas.

Os movimentos sociais do campo foram forças motivadoras de uma renovação pedagógica através da luta pelo reconhecimento dos povos do campo como sujeitos de saberes e direitos, portanto, de afirmação de produtores de cultura. Também elencando a “celebração da memória coletiva” como matriz formadora cultural é necessário “[...] in-corporar as transformações que as lutas no campo provocam nessas matrizes culturais. A cultura é dinâmica. Ao longo da história a luta pela terra acelerou essa dinâmica cultural” (ARROYO, 1999, p. 23).

Engajados na luta pela terra, os movimentos sociais do campo perceberam que a Educação é uma frente de ação estratégica, nascendo assim a proposta de Educação do Campo em contraposição a um modelo urbanocêntrico e inadequado de educação rural, pautada na pedagogia dos movimentos sociais do campo que atuam numa perspectiva de educação popular, ressignificação das matrizes pedagógicas e valorização da cultura para a construção de um novo projeto de sociedade.

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Na perspectiva de campo em movimento, sua escola também deve estar em movi-mento, em consonância com a realidade dos seus sujeitos. Neste sentido, apresentaremos uma região que se organizou politicamente para construir um processo educativo para além da educação formal construída na escola, uma educação que fosse contextualizada e em sin-tonia com os interesses e necessidades dos trabalhadores do campo como uma estratégia de formação e resistência frente ao acirramento das condições de existência humana advindas do projeto capitalista desenvolvimentista aplicado na região. Tal processo de resistência se dá através de muitas ações e práticas, dentre elas a organização de um evento que contempla a riqueza das manifestações culturais da região, entendendo que tais práticas são fundamen-tais para a formação dos sujeitos através do reconhecimento e valorização de suas experiên-cias e modos de vida como forma de resistência ao modelo predatório imposto pelo projeto desenvolvimentista advindo da inserção do capital agrário na região.

O TERRITÓRIO E O FESTIVAL DE CULTURA POPULAR DO ALTO RIO PARDO: SUJEITOS, DINÂMICAS, SIGNIFICADOS E RESISTÊNCIAS

A microrregião Alto Rio Pardo é composta por 15 municípios e está localizada no Norte do estado de Minas Gerais. A demarcação foi instituída pela política nacional de Territórios da Cidadania1 com o intuito de construir e gerenciar projetos e ações de forma coletiva para alcançar as demandas e necessidades locais de maneira mais dinâmica.

O território Alto Rio Pardo está localizado no sertão Norte mineiro, região semiári-da que carrega em seu histórico um estigma de atraso, lugar inóspito, não civilizado, o que justificou uma incursão desenvolvimentista iniciada nas décadas de 1960 e 1970, na qual o capital agrário foi responsável pela abrupta modificação no uso e exploração da terra através da chegada de grandes empresas, cultivo de monoculturas, principalmente eucalipto e pinus, impondo uma lógica mercantilista ao campo e concentração de renda e riqueza para os empre-sários estrangeiros à custa do desmantelamento dos modos de vida dos locais. Essa inserção desencadeou uma intensa degradação do ambiente, dano grave aos cursos d’água com uma crise hídrica sem precedentes e o acirramento das condições de vida dos habitantes do lugar. Somada a urbanização e industrialização da região, a expropriação e expulsão dos camponeses geraram intenso êxodo rural e o fim de um tempo de fartura, iniciando-se um tempo de penúria e opressão (NOGUEIRA, 2009). A modernização conservadora do sertão ocorreu de forma voraz e a despeito do registro milenar de ocupação da região pelas populações tradicionais, marcada pela cooperação e solidariedade entre indígenas, negros e colonos, colimando uma aprendizagem intercultural na história de desenvolvimento da região (NOGUEIRA, 2009).

Os povos locais apresentavam uma convivência com o ecossistema, sociabilida-des, modo de vida, jeito de sentir e estar no sertão muito particulares. O direito à terra era entendido pelo seu uso e produção “coletivos”, não pela lógica mercantil de posse legal enquanto propriedade privada. A subsistência ainda era alcançada através da coleta de frutos, raízes, criação de gado, cultivo, troca de excedente (NOGUEIRA, 2009).

Posta a contradição entre os modos de produção e vida do camponês e a lógica mercantil do capital agrário, surgiu um conjunto de conflitos. Essa situação fez eclodir movimentos de resistência e luta pela reconquista do território e a reivindicação enquanto

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população tradicional para sua sobrevivência material e cultural. Eles perceberam a impor-tância da sua identidade enquanto povo dos Gerais (populações residentes e culturalmente vinculadas à região Norte do estado de Minas Gerais, fazendo divisa com o Sul do estado da Bahia) para a própria manutenção de suas vidas e da região.

Mobilizados numa supra-comunidade geraizeira, resignificam sua própria história e relações com a paisagem, atualizando fronteiras identitárias e territoriais, porque vivenciam o presente, em toda a sua irredutibilidade, como momento impar, nascido de um encontro de circunstâncias e forças dinâ-micas, com as quais interagem criativamente. (...) Assim, resistem não às mudanças, mas à opressão e lutam, bravamente, pela sua própria reprodução física e cultural (NOGUEIRA, 2009, p. 208).

A população local percebeu a necessidade de fortalecer os laços de união e con-vivência já existentes como estratégia de enfrentamento. Essa luta não se dá contra a modernidade, posto que buscam se reinventar para continuar existindo, conquistando o reconhecimento do direito pelo seu lugar de moradia e sociabilidades. Então,

Se antes a mobilização da identidade já se baseava sobre um sistema de valores comuns, de um modo de vida particular, de um sentimento de identidade ou pertença coletivos a um lugar específi-co – os Gerais – agora, esses traços culturais vêm sendo realçados, num processo de intensificação cultural e resistência às forças homogeneizadoras e excludentes do capitalismo globalizado (NO-GUEIRA, 2009, p. 212).

A diversidade promovida pelos encontros étnicos é uma boa representação do que ocorreu de forma geral em nosso país e para Gabriel (2008, p. 79) tais interlocuções tem sido alvo de repressões e gerado consequentes resistências “[...] principalmente, por te-rem um valor considerável que organiza, chama à participação e integra as comunidades e, sobretudo por nos darem um colorido potencial criativo e artisticamente rico”.

Figura 1: Convites do II e IV Festival da Cultura Popular do Alto Rio Pardo Fonte: Rede social – Facebook EFA Nova Esperança.

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Como ação prática e na contramão da cultura hegemônica, uma vez por ano a Esco-la Família AgrícoEsco-la Nova Esperança organiza o Festival da Cultura PopuEsco-lar do Alto Rio Pardo, congregando os povos das comunidades de seus 15 municípios para celebrar seu modo de vida através das manifestações culturais. Na imagem abaixo podemos observar os convites do II e IV Festival da Cultura Popular do Alto Rio Pardo, amplamente divul-gados nos meios de comunicação, rede dos movimentos sociais do campo e redes sociais.

Figura 2: Divulgação do III Festival de Cultura Popular do Alto Rio Pardo Fonte: Rede social – Facebook EFA Nova Esperança

Na Figura 2, temos uma ilustração feita pelos jovens alunos da EFA Nova Esperan-ça para a divulgação do evento.

Cabe ressaltar que os sujeitos envolvidos direta ou indiretamente no Festival não necessariamente são parentes dos alunos, embora boa parte seja. Os pontos de união do grupo são os vínculos com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e outros movimentos sociais do território que vem desenvolvendo um trabalho de formação política fundamen-tal, que inclusive culminou no debate sobre a necessidade de uma escola contextualizada e de formação profissional para os filhos dos trabalhadores do campo. Tal processo levou a criação e funcionamento da Escola Família Agrícola, organizadora do evento.

Destacamos aqui o trabalho realizado pelo Movimento de Educação de Base (MEB), berço da Educação Popular no País e fator importante para a formação política rural na região. O Movimento de Educação de Base sobreviveu à ditadura por sua asso-ciação com a Igreja Católica, contudo teve seu sentido ressignificado no andamento do projeto, o qual não estava previsto inicialmente. Tal movimento exerceu um trabalho importante no meio rural no que tange sua formação política e sindicalização em sen-tido político contra hegemônico e fundamental na Educação Popular (SAVIANI, 2013; NOGUEIRA, 2009).

Refletindo sobre as festas populares, Silva (2008) considerou que elas ocorrem de modo mais significativo em pequenas cidades, periferias ou no meio rural. Brandão (2008a) fez um esclarecimento importante ao elucidar a ritualização do cotidiano de tra-balho, sendo este um marco essencial das festas populares, podendo ser observado em festas de colheita, festas de aboio, mutirões, ritos religiosos, procissões, danças e cantos.

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A partir das considerações de Brandão (2008a) podemos refletir até que ponto é possível dicotomizar os atos práticos dos gestos simbólicos, o trabalho e a festa. Por ve-zes o ato prático do trabalho está imbuído de significado simbólico, a ser festejado, com sentidos vinculados a religiosidade, musicalidades, oralidades e outras diversas manifes-tações artísticas culturais que dizem sobre a sociabilidade, trocas, reciprocidade e afeto nos momentos de trabalho de um povo e sua sociedade.

Considerando a cultura popular dinâmica, como um movimento entre tradição e modernidade, essa articulação envolve o âmbito global e o regional na confluência de relações de poder (GABRIEL, 2008). Envolve o enraizamento de valores, tradições e normas nos indivíduos do grupo social, mas também novas maneiras de representar as formas de estar no mundo, assim está presente uma integração da modernidade com uma herança geracional a qual se realimenta e resiste na atualidade (SILVA, 2008).

Para Gabriel (2008), as culturas populares apresentam tal riqueza e diversidade, que a cultura de massa do mundo globalizado não se impõe de forma hegemônica como estratégia de colonização cultural. A cultura popular resiste e está sendo revivida (GA-BRIEL, 2008).

Para os idealizadores e organizadores do Festival de Cultura do Alto Rio Pardo, o evento é uma oportunidade de encontro e troca de saberes, onde a cultura popular é pro-tagonista mediante a falta de espaço que possui em nossa sociedade.

Na imagem de número 3, a seguir, podemos conferir a programação do Primeiro

Festival de Cultura Popular do Alto Rio Pardo, organizado em 2014.

Figura 3: Programação do I Festival de Cultura Popular do Alto Rio Pardo Nota: arquivo pessoal Erika Fernanda Pereira de Souza.

Analisando a programação se percebe como a alimentação tem espaço nas práti-cas culturais da região, com abundância de comidas típipráti-cas, exposição de produtos da agricultura familiar camponesa, a troca de sementes crioulas. Essa presença se deve, em parte, a importância do trabalho e produção agrária, atividade econômica que materializa a existência daquelas pessoas, prática historicamente constituída (MONTANARI, 2013).

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Segundo este autor, a coleta, cultivo, preparação e consumo dos alimentos são permeados de aspectos culturais, onde se identifica uma confluência de sentidos climá-ticos, geográficos, políclimá-ticos, religiosos e sociais. Ressaltamos a tendência mundial das cozinhas mais famosas em vincular sua prática e os pratos servidos a um território ou região, recusando assim a ideia de que a alimentação é apenas um fator biológico natural, evidenciando, por sua vez, o forte caráter cultural da comida.

Para além da necessidade biológica de se alimentar, a comida tem um aspecto social, e constituindo-se como elemento cultural importante das localidades, potencializa as relações sociais a partir de sua elaboração enquanto momento festivo. O “comer junto”, a comunicação e sociabilidade envolta destaca-se no ato de comer. A comida se apresen-ta como discurso, auto represenapresen-tações, vocabulário, sistemas, valores simbólicos, enfim, como uma dimensão que compõe a identidade humana. Na mesa estão representadas as relações humanas do grupo, suas hierarquias, relações de poder, como, por exemplo, a subserviência ao preparar, servir e organização do ato de comer. (MONTANARI, 2013)

Também faz parte da celebração a Dança do Pau de Fita, prática relativamente co-mum em festejos populares no país, onde um tronco de madeira é transpassado por fitas coloridas em que cada etapa de trançado simboliza uma etapa do trabalho com a natureza, tendo como produto final, a árvore simbólica. No ritual são contemplados o preparo e cultivo da terra, cuidado com a semente, semeadura, seu crescimento e produção.

Outro fundamento que se destaca na celebração da cultura popular é a religiosida-de, aqui apresentada através da Folia de Reis, o levantamento de bandeira, procissão e romaria.

Para Silva (2008), o catolicismo popular está ligado ao histórico escravista da so-ciedade, traço fundamental na representação do sagrado coletivo na religiosidade do povo da região. Ao corroborar com a ideia de religiosidade popular como fator cultural marcan-te em nossa sociedade, Chauí (1986, p. 75) afirma que a mesma “[...] frequenmarcan-temenmarcan-te se encontra na base dos grandes movimentos populares de contestação política (no Brasil e noutros lugares), como foi o caso de Canudos e do Contestado.”

Nestas manifestações são identificados os aspectos apresentados por Chauí (1986) como a difusão da necessidade de união para fortalecimento dos oprimidos em meio à adversidade, e da vida terrena e o fim dos tempos como preparação para a vinda de Cristo e sua nova ordem contra a injustiça dos opressores. Essa autora ainda apresenta a contradição imbrincada quando, neste caso, “a religiosidade se realiza como uma forma de conhecimento do real, como uma prática que ao mesmo tempo reforça e nega o real, combina fatalismo (conformismo) e desejo de mudança (inconformismo), o milagre sendo sua pedra de toque” (CHAUÍ, 1986, p. 84).

Percebe-se nas práticas culturais religiosas apresentadas no festival uma atitude religio-sa popular com “[...] relação intrínseca entre a crença e a graça, isto é, a fé busca milagres. (CHAUÍ, 1986, p.82). Neste contexto, o Festival ocorrendo em meados de outubro e novem-bro, época que as chuvas estão na iminência de chegar no sertão, traz em sua programação a romaria à um local, conhecido como Areião, com forte simbolismo para os moradores do lugar. A caminhada ao local sagrado onde foi construído um Santuário de São Francisco de Assis é árdua e feita com sol à pino para pedir que a seca abrande e o período das águas seja farto para sanar a crise hídrica que assola a região e trazer boas novas para o cultivo.

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Outra manifestação sempre presente no Festival de Cultura Popular do Alto Rio Pardo é a Folia de Reis, tendo esta Festa um histórico de confluência entre sagrado e profano na cultura popular (TORRES; CAVALCANTE, 2008). Considerando toda a di-versidade das manifestações relativas à Folia de Reis, bem como suas práticas,

Normalmente, saem por promessa e/ou devoção aos Santos Reis, e nas visitas, os Grupos de Reis entram nas casas, cantam à saúde e pedem a proteção de seus moradores, desejam o melhor para todos, através de bênçãos, recebendo, em contrapartida, donativos (dinheiro, mantimentos, entre outros) (TORRES; CAVALCANTE, 2008, p. 204).

Observando este aspecto, para Martins (1975) a religiosidade camponesa remete ao respeito, mas imbuída de uma intimidade e até descontração que não está presente de forma mais expressiva no meio urbano, de manifestação formal, dando assim, vasão a festejos.

A Folia de Reis apresentada no Festival é uma representação do festivo ocorrido entre 24 de dezembro e 6 de janeiro. Segundo Martins (1975), a festa costumeiramente envolve o deslocamento pelo bairro rural, com visita às casas onde a folia é recebida pela família que acolhe a bandeira santa para benção da casa, com o rito sagrado de cantoria ao presépio, seguida, ao final da peregrinação, dos festejos ditos profanos, mundanos, o baile no quintal. A comida também está presente para alimentação e confraternização dos foliões. 2 Aqui, a escola, onde o Festival é realizado, substitui o espaço da moradia fami-liar e recebe a bandeira e o cantorio para abençoar seus cômodos e área aberta.

Figura 4: Momento de celebração ao final da Romaria ao Areião Fonte: Rede social – facebook EFA Nova Esperança.

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Nogueira (2009, p. 170), ao fazer em sua tese um estudo sobre a identidade da população local sinalizou “ [...] a cultura geraizeira impregnada de religiosidade” através dos costume de rezar o terço, ritos em comemoração aos santos padroeiros, danças vinculadas às funções do trabalho na roça, além de “ [...] procissões rústicas, romarias, e uma moral profundamente cristã a embasar as relações entre o homem e a natureza.”

Apesar do ambiente de afeto, reciprocidade e trocas simbólicas com o envolvimen-to da comunidade, há uma forte transmissão de saberes geracionais, de pai para filho, ou através de outra relação de parentesco. O festejo não é livre de um certo controle e orga-nização estruturada, posto que,

Cada pessoa possui um papel importante dentro do complexo universo ritual e dos Grupos de Reis, que inclusive podem ter regulamento (estatuto) interno, com normas que devem ser seguidas pelos componentes e que estabelecem uma hierarquia e conduta mais responsável, disciplinada e fraterna podendo, inclusive, “punir” com a desfiliação o integrante que não seguir esses preceitos (TORRES; CAVALCANTE, 2008, p. 204-5).

Essa organização reforça o caráter formativo das práticas culturais, que mesmo não imbuídas de um processo de educação formal, estão engendradas pelo cultivo de valores e saberes transmitidos entre gerações.

Outro elemento presente nas manifestações culturais da região e que pode ser ob-servado no Festival organizado pela EFA é a musicalidade. Esse fator é explicitado atra-vés dos cantos populares, moda de viola e catira, com presença garantida na programação do evento. Consideramos que

Nossa riqueza musical não obedece à lógica dos mapas geográficos. A diversidade é a essência da nossa produção musical, reflexo de um processo de formação intercultural e que hoje representa a mais completa tradução das características étnicas de cada região do país, conjugando diferentes cantos, ritmos e sons (MURRAY, 2008, p. 106).

A musicalidade vem sendo fundamental na memória coletiva e constitui-se “[...] palco iluminado para a interpretação dos múltiplos aspectos formadores de nossa identi-dade nacional” (MURRAY, 2008, p. 106). A manifestação musical é uma arte com con-teúdo significativo, mas também desperta outros sentidos, sensações e emoções.

Ademais, “[...] o discernimento das condições sociais de produção e emprego da música é o ponto central para desvendar-se o seu sentido”, como ressaltou Martins (1975, p. 103). Por exemplo, a música caipira “[...] se caracteriza estritamente por seu valor de utilidade, enquanto meio necessário para efetivação de certas relações sociais essenciais ao ciclo do cotidiano do caipira” (MARTINS, 1975, p. 112). Para este autor, a música caipira media relações e vai no sentido oposto à uma representação rural irreal das classes sociais dominantes.

Há uma integração entre o natural e o sobrenatural na vida do camponês claramente percebida nos rituais, músicas, danças e festejos sempre envoltos na relação entre sagrado e profano. Este pesquisador ainda fala sobre o ciclo do cotidiano do caipira ou ainda sua rotina ritualizada, posto que, “As regularidades da natureza e as regularidades da reli-gião combinam-se em função do trabalho rural, da atividade humana sobre a natureza. Cada passo do ciclo é referido aos momentos do segundo, um explicando-se pelo outro”

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(MARTINS, 1975, p. 108). A música caipira e a moda de viola, para este autor, surgem como um canto rural profano, relacionada a ritos contidos no ciclo da natureza ou ciclo do calendário litúrgico festivo.

À luz das manifestações culturais que compõem o Festival de Cultura Popular do Ato Rio Pardo, consideramos que o evento possui grande relevância para região enquan-to processo formativo em seu caráter de encontro e troca de saberes. Muienquan-tos aspecenquan-tos da estrutura social da região podem ser captados a partir da observação e participação nos festejos populares.

Ponderando sobre a bifurcação da cultura, a valorização da cultura dita erudita e sua consequente transformação em privilégio, bem de consumo, fazendo do próprio homem um bem de consumo a ser explorado, como demonstrado por Pinto (1979), consideramos as manifestações culturais populares, bem como o Festival de Cultura Popular do Alto Rio Pardo como um este movimento de resistência ao propor a valorização da cultura ancestral da região, resgatando seu sentido advindo da produção material da existência humana, a cultura como uma experiência de trabalho e vida, a cultura que humaniza o homem e não o contrário, promovendo sua desumanização, o não reconhecimento de si mesmo como sujeito no mundo.

Para Marx e Engels (1974), “as ideias da classe dominante são também as ideias dominantes de cada época.” Neste sentido a alienação do homem se dá, também, pela sua própria cultura, fato descrito por Pinto (1979) quando este reconhece o outro como “culto” por ter valores culturais a ele alheios ou através da abstração da cultura, quando esta deixa de ser concreta, quando deixa de reconhecer cultura no que faz, no que vive cotidianamente. Por esses motivos, as manifestações de cultura popular são focos de resistência à alienação pela divisão social do trabalho e bifurcação da cultura, posto que

As festas são, por outro lado, rituais nos quais se dramatizam os valores mais importantes desses grupos sociais ou comunidades, mas também em que se denunciam os contextos de sofrimento e realidade de opressão das condições em que frequentemente se encontram as camadas subordinadas (SILVA, 2008, p. 191-2).

Os festejos demonstram “[...] uma invejável habilidade de celebrar descontraida-mente e de dizer sim à vida em meio à tanta adversidade” (SILVA, 2008, p. 192). Quando, por essas manifestações, os grupos afirmam seus valores, saberes, modos de viver, ser e pensar o mundo, eles desvelam esse histórico de opressão, “[...] tornando visíveis as re-lações subordinadas em que se encontram e que estabelecem com os sistemas simbólicos dominantes ou hegemônicos da sociedade” (SILVA, 2008, p. 192).

Thompson (1998, p. 23) salientou que o movimento da sociedade não almeja uma volta ao passado ou sua natureza anterior ao modelo capitalismo, “[...] mas lembrar como eram seus códigos, expectativas e necessidades alternativas podem renovar nossa percep-ção da gama de possibilidades implícita no ser humano.”

Essa reflexão é coerente com os estudos de Brandão (2008a), quando este percebe nas manifestações da cultura popular os princípios importantes de solidariedade, partici-pação coletiva, cooperação e generosidade entre os grupos e povos. Para ele, é

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fundamen-tal exercitar o hábito de saber doar, receber, retribuir, partilhar saberes, sentidos e afetos. É fundamental “Fazer desta alternância de recíprocas intertrocas que resistem ao mundo dos negócios em nome do mundo da vida, a própria essência solidária da razão de ser e de viver” (BRANDÃO, 2008a, p.239).

Recusar a subalternidade da cultura popular, recuperar sua importância fundamental é concebê-la a ocupar um local privilegiado de onde se pode pensar e ver criticamente, perspectiva analítica capaz de pensar em profundidade os principais nós e estrangulamentos da história do Brasil e da cultura brasilei-ra em gebrasilei-ral. A partir da cultubrasilei-ra popular, é possível pensar um outro país, uma ou várias alternativas de Brasil. Isto porque a cultura popular brasileira é um estoque inesgotável de conhecimentos, sabedorias, tecnologias, maneiras de fazer, pensar e ver nossas relações sociais e, nessa exata medida, um lugar em que mais do que simplesmente criticar o modelo genocida e autodestrutivo de desenvolvimento, é possível resistir a ele com outras propostas de sentido do viver e de humanidade (SILVA, 2008, p. 9).

É necessário pensar os princípios que regem estas manifestações como caracterís-ticas de um modo de vida que resiste, não a passagem do tempo, mas a exploração do homem pelo homem, da alienação do ser humano pelo seu trabalho e própria cultura. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Consideramos que pelo trabalho se dá a materialização da existência humana, con-tudo, através do processo de divisão social do mesmo, o homem vem se historicamente se alienando ao não reconhecer-se no seu próprio trabalho. Tal bifurcação está estrutural-mente no cerne da divisão de classes e na exploração do homem pelo homem.

Em manifestações culturais que celebram o modo de vida e a experiência humana, tanto há o reconhecimento do trabalho humano como cultura, quanto uma valorização social deste processo e dos sujeitos envolvidos.

Assim, entendemos que elencar a cultura popular camponesa como protagonista de um evento regional, no caso do Festival de Cultura Popular do Alto Rio Pardo, promo-ve a valorização do modo de vida e experiências que resistem ao modelo predatório de desenvolvimento imposto socialmente e que assumiu características nefastas na região, atingindo diretamente a população local no que tange o acirramento de suas condições de vida e promovendo dificuldades a sua reprodução cultural e física. No entanto, através da valorização da sua cultura, os habitantes do lugar encontraram um elo de força e união para resistir e travar lutas enquanto sujeitos de direitos.

Notas

1 Os Territórios da Cidadania é uma política de governo para gestão colegiada e democrática de uma micro região constituída por municípios rurais com o mesmo perfil econômico e social, visando a cons-trução de um plano de desenvolvimento que atenda as necessidades locais. Para mais informações, consultar o material “Territórios da Cidadania: integração de políticas públicas para reduzir desigualda-des” (Disponível em: <http://www.mda.gov.br/sitemda/sites/sitemda/files/ceazinepdf/3638134.pdf>) e o Relatório do Território da Cidadania Alto Rio Pardo produzido pelo Núcleo de Extensão em Desenvol-vimento Territorial do Norte e Nordeste de Minas Gerais – NEDET (Disponível em: <http://niisa.com. br/wp-content/uploads/2017/07/Relat%C3%B3rio-Rio-Pardo-de-Minas.pdf>).

2 Para uma descrição etnográfica e análise detalhada das Folias, ver a tese “Os giros do sagrado: um estudo etnográfico sobre as folias em Urucuia – MG”, defendida por Luzimar Paulo Pereira no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ em 2009.

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Recebido em: 09.12.2018. Aprovado em: 16.12.2018. O presente artigo foi desenvolvido a partir do trabalho final da disciplina Práticas Culturais e Educação, ministrada pelo professor Dr. Márcio Penna Corte Real no Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás.

ÉRIKA FERNANDA PEREIRA DE SOUZA

Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás (UFG). Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). Integrante do Laboratório de Ensino em Educação do Campo na Unimontes.

JOSÉ PAULO PIETRAFESA

Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília. Mestre em Educação pela UFG. Graduado em Ciências Sociais (Bacharelado e Licenciatura) pela UFG. Professor na Fa-culdade de Educação e no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFG.

Imagem

Figura 1: Convites do II  e IV Festival  da Cultura Popular do Alto Rio Pardo  Fonte: Rede social – Facebook EFA Nova Esperança.
Figura 2: Divulgação do III Festival de Cultura Popular do Alto Rio Pardo Fonte: Rede social – Facebook EFA Nova Esperança
Figura 3: Programação do I Festival de Cultura Popular do Alto Rio Pardo       Nota: arquivo pessoal Erika Fernanda Pereira de Souza.
Figura 4: Momento de celebração ao final da Romaria ao Areião Fonte: Rede social – facebook EFA Nova Esperança.

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