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A ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA: Da constitucionalidade a um verdadeiro meio de resolução alternativa de litígios.

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A ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA:

Da constitucionalidade a um verdadeiro meio de resolução alternativa de litígios.

Carla Pereira dos Santos Dias

Orientadora

Prof. Doutora Eva Dias Costa

Dissertação apresentada ao Instituto Politécnico do Cávado e do Ave para obtenção do Grau de Mestre em Fiscalidade.

Outubro, 2018

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A ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA:

Da constitucionalidade a um verdadeiro meio de resolução alternativa de litígios.

Carla Pereira dos Santos Dias

Orientadora

Prof. Doutora Eva Dias Costa

Dissertação apresentada ao Instituto Politécnico do Cávado e do Ave para obtenção do Grau de Mestre em Fiscalidade.

Outubro, 2018

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Declaração

Nome: Carla Pereira dos Santos Dias

Endereço eletrónico: diascarla26@gmail.com Telemóvel: 924293158

Número do Cartão de Cidadão: 13788127 4ZY1

Título da Dissertação: A Arbitragem Tributária: Da constitucionalidade a um verdadeiro meio de resolução alternativa de litígios.

Orientadora: Prof. Doutora Eva Dias Costa Ano de Conclusão: 2018

Designação do curso: Mestrado em Fiscalidade

É AUTORIZADA A REPRODUÇÃO INTEGRAL DESTA DISSERTAÇÃO APENAS PARA EFEITOS DE INVESTIGAÇÃO, MEDIANTE DECLARAÇÃO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.

Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, 26 de Outubro de 2018

Assinatura:

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RESUMO

Projeto inovador e de compromisso do Governo perante a União Europeia de implementação de uma nova lei de arbitragem fiscal1, a arbitragem tributária surge em Portugal como uma forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos no domínio fiscal.

O regime jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei 10/2011, de 20 de janeiro decorrente da autorização legislativa concedida pela Assembleia da República ao Governo, nos termos o artigo 124º da Lei 3-B/2010, de 28 de Abril (Lei do Orçamento de Estado para 2010), visa três objetivos principais:

o O reforço da tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegidos por parte dos sujeitos passivos;

o A maior celeridade na resolução de litígios que opõem a administração tributária ao sujeito passivo;

o A redução do número de processos judiciais em curso nos tribunais tributários de primeira instância.

O princípio da legalidade e da vinculação, assim como a proibição do recurso à equidade, expressa na Lei da Arbitragem Tributária (artigo 2º, nº 2 do DL 10/2011), constituem a base da constitucionalidade na criação destes tribunais à luz da Constituição de 1982. A irrenunciabilidade e a indisponibilidade dos créditos tributários não são, por essa via, em nada afetados.

O recurso à arbitragem tributária permitiu, desde a sua génese até ao presente, efetivamente, reforçar a tutela dos direitos e interesses dos sujeitos passivos. Diminuiu, ainda que de forma ligeira e gradual, pendências dos tribunais administrativos e fiscais e aumentou a confiança dos cidadãos/sujeitos passivos numa justiça mais célere, com decisões proferidas num curto espaço de tempo.

Palavras-Chave: Arbitragem Tributária, Tribunais Arbitrais, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

1 Memorando de entendimento sobre as condicionalidades de Politica Económica.

(6)

ABSTRACT

An innovative project and the result of the commitment of the Government to the European Union to implement a new tax arbitration law, tax arbitration arises in Portugal as an alternative form of jurisdictional resolution of conflicts in the fiscal field.

The legal regime of Tax Arbitration, approved by Decree-Law 10/2011, of January 20, deriving from the legislative authorization granted by the Assembly of the Republic to the Government, pursuant to article 124 of Law 3-B / 2010, of April 28 ( Law of the State Budget for 2010), aims at three main objectives:

-Reinforcement of effective protection of legally protected rights and interests on the part of taxable persons;

-Greater speed in resolving disputes between the tax administration and the taxable person;

-Reduction of the number of lawsuits in the lower courts of first instance.

The principle of legality and binding, as well as the express prohibition of recourse to equity, expressly provided for in the Tax Arbitration Law (article 2, no. 2 of DL 10/2011), constitute the basis of constitutionality in the creation of these courts, which had already been enshrined in the 1982 Constitution. The irrevocability and unavailability of tax credits are thus not affected at all.

The use of tax arbitration has, from its inception up to the present, effectively reinforced the protection of the rights and interests of taxable persons, especially legal persons. It has diminished, albeit slightly and gradually, pending administrative and tax courts as well as increased citizens '/ taxpayers' confidence in faster justice, with judgments given in a short period of time.

Key Words: Tax Arbitration, Arbitration Courts, Legal Regime of Tax Arbitration.

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ABREVIATURAS

CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa;

CCP – Código dos Contratos Públicos;

CPPT – Código de Procedimento e Processo Tributário;

CPTA – Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais;

CRP – Constituição da República Portuguesa;

DGPJ – Direção Geral da Política da Justiça;

LAT – Lei da Arbitragem Tributária;

LGT – Lei Geral Tributária;

ETAF – Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais;

IMI – Imposto Municipal sobre Imóveis;

IMT – Imposto Municipal Sobre Transmissões;

IRC – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas;

IRS – Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares;

IS – Imposto de Selo;

IUC – Imposto Único de Circulação;

IVA – Imposto sobre o Valor Acrescentado;

SITAF – Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais;

TAF – Tribunal Administrativo e Fiscal.

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INDÍCE

INTRODUÇÃO ... 1

CAPITULO I – A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA E FISCAL... 5

1.Direito tributário e direito fiscal, conceitos diferenciados? ... 5

2. O sistema de justiça administrativa e fiscal ... 6

2.1.A criação de centros de arbitragem ... 7

2.2.O projeto para uma nova reforma da jurisdição administrativa e fiscal ... 8

CAPITULO II – A CONSTITUCIONALIDADE NA CRIAÇÃO DOS TRIBUNAIS ARBITRAIS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA ... 11

3.A constitucionalidade na criação dos Tribunais Arbitrais ... 11

3.1.O Princípio da Reserva da Função Jurisdicional ... 11

3.2.A Indisponibilidade dos Créditos Tributários ... 12

CAPITULO III – O RECURSO À ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA ... 17

4. O recurso à arbitragem tributária ... 17

4.1.O Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ... 17

4.1.1.Competência dos tribunais arbitrais em função do valor ... 18

4.1.2.Composição Tribunal Arbitral ... 19

4.1.3.Designação dos Árbitros: ... 19

4.1.4.Requisitos de Admissibilidade e Deveres dos Árbitros: ... 19

4.2.As fases do processo arbitral ... 20

4.2.1.O Impulso Processual ... 20

4.3.A Taxa de Justiça Aplicável ... 21

4.4.A vinculação da Administração Tributária ... 21

4.5.O Processo Arbitral ... 22

4.6.A Decisão ... 23

4.7.A Impugnação ou o Recurso da decisão arbitral ... 24

4.7.1A Impugnação da decisão arbitral ... 24

4.7.2.O Recurso da decisão arbitral ... 25

CAPITULO IV - A ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA NO DIREITO COMPARADO ... 27

5. A admissibilidade da arbitragem em matéria tributária em São Tomé e Príncipe, Angola, Brasil e Espanha. ... 27

5.1. São Tomé e Príncipe ... 27

5.2 Angola ... 28

5.3 Brasil ... 29

5.4 Espanha ... 31

CAPITULO V – ANÁLISE ESTATÍSTICA ... 33

6. Análise estatística ... 33

6.1.Processos entrados nos Tribunais Arbitrais (CAAD) ... 33

(10)

6.2.Processos entrados por ano e espécie nos Tribunais Arbitrais (CAAD) ... 33

6.3.Prazo médio de decisões dos Tribunais Arbitrais ... 38

6.3.1.Prazo médio dos decisões por ano e imposto (meses) ... 38

6.4.Prazo médio das decisões por ano ... 39

6.5.Resultado das decisões ... 40

6.6.Apresentação pedido de constituição do Tribunal Arbitral ... 41

6.7.Processos entrados nos Tribunais de Primeira Instância ... 41

6.8.Processos entrados por tribunal ... 42

6.9.Processos entrados nos Tribunais de Primeira Instância por ano e espécie ... 43

7.RECURSOS/IMPUGNAÇÕES ... 45

7.1.Os recursos/impugnações das decisões dos tribunais arbitrais ... 45

7.2.Os recursos das decisões proferidas pelos tribunais de primeira instância (TAF´s) ... 48

8. CONSIDERAÇÕES ... 53

CONCLUSÃO ... 57

BIBLIOGRAFIA ... 59

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INDÍCE DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Processos entrados no tribunal arbitral em matéria tributária ... 33

Gráfico 2 - Processos entrados por ano e espécie (2011) ... 34

Gráfico 3 - Processos entrados por ano e espécie (2012) ... 35

Gráfico 4 - Processos entrados por ano e espécie (2013) ... 35

Gráfico 5 - Processos entrados por ano e espécie (2014) ... 36

Gráfico 6 - Processos entrado por ano e espécie (2015) ... 36

Gráfico 7 - Processos entrados por ano e espécie (2016) ... 37

Gráfico 8 - Processos entrados por ano e espécie (2017) ... 37

Gráfico 9 - Prazo médio das decisões por ano e imposto ... 38

Gráfico 10 - Prazo médio das decisões por ano ... 39

Gráfico 11 - Resultado das decisões ... 40

Gráfico 12 - Apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral ... 41

Gráfico 13 - Processos entrados nos tribunais administrativos e fiscais em matéria tributária ... 42

Gráfico 14 - Processos entrados nos tribunais administrativos e fiscais por tribunal ... 43

Gráfico 15 - Processos de impugnação entrados nos tribunais administrativos e fiscais ... 44

Gráfico 16 - Percentagem de recursos e impugnações apresentadas das decisões do tribunal arbitral ... 45

Gráfico 17 - Recorrentes das decisões proferidas pelo tribunal arbitral ... 46

Gráfico 18 - Resultados dos recursos e impugnações ... 46

Gráfico 19 - Recorrentes das decisões proferidas pelos tribunais administrativos e fiscais ... 48

Gráfico 20 - Tribunais administrativos e fiscais recorridos ... 49

Gráfico 21 - Tribunais Centrais Administrativos de recurso ... 50

Gráfico 22 - Objeto de recurso ... 50

Gráfico 23 - Resultado dos recursos ... 51

Gráfico 24 - Resultados por tribunal central administrativo ... 52

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INTRODUÇÃO

Os meios de resolução alternativa de litígios, são como o nome indica, procedimentos de resolução e, passando o pleonasmo, alternativos aos meios judiciais2.

Os meios de resolução alternativa de litígios podem classificar-se segundo três critérios distintos entre voluntários ou obrigatórios; entre adjudicatórios ou consensuais e entre os centrados nos interesses ou os centrados nos direitos. Os voluntários dependem sempre, e como o próprio nome indica, da vontade das partes na adesão a um meio alternativo de resolução de litígios (a mediação, a negociação, a arbitragem voluntária).

Por sua vez, os obrigatórios, são os impostos por lei, como a arbitragem necessária.

Os meios alternativos adjudicatórios são aqueles que atribuem o poder de decisão a um terceiro e os consensuais são os que se regem pela obtenção de um acordo entre as partes.

Como se disse, podem, ainda, ser centrados nos interesses ou nos direitos. Os primeiros consideram individualmente os interesses das partes. Atendem, preferencialmente, à pacificação do conflito do que à solução que, juridicamente, seria a mais correta3. Os segundos seguem a ótica dos tribunais estaduais, em discussão dos argumentos apresentados pelas partes. A arbitragem e a conciliação são exemplos disso.

Os meios de resolução alternativa de litígios não são taxativos, pelo que não se esgotam nos referidos anteriormente.

Centremo-nos na arbitragem.

Vista como uma forma de resolução alternativa da estadual, a arbitragem surge no período medieval como forma de resolução dos conflitos existentes entre os comerciantes. Naquela época, eram as decisões cumpridas pelos comerciantes que pugnavam pela continuidade da sua atividade.

Décadas mais tarde, o crescimento do mercado e a sua internacionalização contribuíram para o reforço e necessidade de afirmação, através de diplomas regulamentares, das regras da arbitragem.

A arbitragem comercial é, a partir desta época, um verdadeiro meio de resolução alternativa de litígios de grande importância. As decisões ou, se quisermos, as sentenças arbitrais eram cada vez em maior número.

Mas não se fala só de arbitragem comercial. Por esta altura este meio de resolução alternativa de litígios também se estendia aos conflitos sobre o consumo.

De forma gradual, os meios de resolução alternativa de litígios, e em especial a arbitragem, foram-se cimentando através da criação de centros de arbitragem e da aprovação das leis da arbitragem.

A arbitragem é um meio de resolução alternativa de litígios confiada, ou melhor, decidida, por terceiros neutros e imparciais. Significa isto, que as partes subsumem a sua questão/conflito a um terceiro – o árbitro – cuja decisão tem força vinculativa, faz caso julgado e tem força executiva.

2 FRANÇA GOUVEIA, Mariana, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 3º Edição, Almedina, 2015, p.17: Os meios de resolução alternativa de litígios, tradução livre da designação inglesa alternative dispute resolution (ADR), podem definir-se como o conjunto de procedimentos de resolução de conflitos alternativos aos meios judiciais”.

3 Idem, op.cit, p.20 “tem como ponto de vista os interesses das partes, individualmente considerados, desconsiderando o que o direito determina sobre o seu caso. Tenta conciliar os interesses e não direitos, procurando a pacificação do conflito em detrimento da solução juridicamente correta. A mediação na sua vertente facilitadora é claramente um meio de resolução alternativa de litígios baseada nos interesses”.

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Quanto à sua natureza, a doutrina tem considerado que a arbitragem é definida no meio-termo entre o julgamento da autoridade judicial e o contrato celebrado entre as partes de forma livre e consciente4.

A arbitragem pode ser de duas espécies: a institucionalizada ou ad hoc. Diz-se institucionalizada a arbitragem que decorre numa instituição arbitral, dotada de regulamento próprio e com caracter permanente5. Diz-se ad hoc, aquela em que o tribunal arbitral é constituído, naquele momento, para aquele efeito, i.e., para a resolução de um determinado litígio. Só após o surgimento do conflito é criado o tribunal arbitral.

Em Portugal, a arbitragem tem sido encarada, embora de uma forma mais tímida, como uma solução à morosidade dos Tribunais estaduais onde as pendências são cada vez mais e a tendência é crescente, uma vez que com o aumento dos agentes judiciais (magistrados, tribunais e funcionários) a resposta não foi a pretendida.

O nosso estudo centrar-se-á, precisamente, na arbitragem enquanto meio de resolução alternativa aos Tribunais Administrativos e Fiscais, em especial, em matéria tributária 6.

O percurso legislativo iniciado com a reforma do Contencioso Administrativo em 2004 teve como principal enfoque a criação do Centro de Arbitragem Administrativa, em 2009 e a implementação de um regime inovador de arbitragem tributária, em 2011.

O Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), centro de arbitragem institucionalizada e de carácter especializado, foi, então, criado pelo despacho nº 5097/2009 do Secretário de Estado da Justiça que funciona deontologicamente nos termos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais sob a égide do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais. O Presidente do Conselho Deontológico do CAAD é designado pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, órgão responsável pela independência e imparcialidade assim como pela idoneidade e competência dos árbitros.

Em 2011, o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária aprovado pelo DL 10/2011, de 20 de janeiro, permitiu o recurso à via arbitral de litígios tributários que opusessem os contribuintes à Administração fiscal.

São os Tribunais arbitrais competentes para:

- Apreciar a declaração da ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

- Apreciar a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo;

- Apreciar atos de determinação da matéria coletável e atos de fixação de valores patrimoniais.

Contudo, revela-se necessário aferir sobre a constitucionalidade na criação destes tribunais arbitrais.

4 FRANÇA GOUVEIA, op.cit., p.120; “arbitragem está a meio caminho entre o julgamento da autoridade judicial e o contrato livremente consentido pelas partes – o árbitro julga mas não exerce as funções públicas de um juiz”. Há, no entanto, quem defensa outras teorias como a teoria contratual, em que é celebrado um contrato pelos árbitros mandatários das partes e a teoria jurisdicional, em que as decisões arbitrais são atos jurisdicionais, em que os árbitros são juízes e não mandatários das partes.

5 Em Portugal existem diversos centros de arbitragem, como por exemplo, o CNIACC – Centro Nacional de Informação e Arbitragem de Conflitos de Consumo, de âmbito nacional, o Arbitrare (centro de arbitragem relativo à propriedade industrial), o CAAD (centro de arbitragem administrativa e tributária).

6 SERRA, Manuel Fernando dos Santos, Deontologia e ética arbitral tributária, Revista de Direito e Gestão Fiscal, nº 41, edição do Instituto Superior de Gestão, Janeiro-Março 2010, p. 48 “Abrir portas à arbitragem nas relações jurídicas tributárias, representa para o Estado uma importante delegação de autoridade (…), da autoridade para compor litígios de natureza tributária até aqui reservada aos Tribunais Administrativos e Fiscais, e doravante parcialmente colocada à guarda de tribunais de natureza arbitral ”

(15)

Vejamos.

O artigo 111º, nº 2 da CRP diz-nos que «Nenhum órgão de soberania, de região autónoma ou de poder local pode delegar os seus poderes noutros órgãos, a não ser nos casos e nos termos expressamente previstos na Constituição e na lei». Não obstante o seu caracter absoluto, é clara a indisponibilidade de competências dos órgãos de soberania.

Seguidamente, diz-nos o artigo 202º, nº 1 da CRP: «Os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo». Falaremos, aqui, de tipicidade constitucional exclusiva?

Mas, o artigo 209º, nº 2 da CRP afirma: «Podem existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz». A indefinição dos termos de criação e dos limites dos seus poderes de indecisão colocarão em causa a constitucionalidade dos mesmos?

Acresce o disposto no artigo 212º, nº 2: «Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais», sublinhado nosso.

É, precisamente, a estas questões que pretendemos dar resposta.

Assim, numa primeira fase, iremos aferir sobre a questão primordial da constitucionalidade/inconstitucionalidade da criação destes tribunais arbitrais enquanto meios de resolução alternativa de litígios, desenvolvendo, com elevado espirito crítico, as várias posições dos mais sabedores doutrinários do domínio tributário.

Numa segunda fase, realizaremos uma análise um tanto ou quanto estatística e minuciosa às decisões dos tribunais arbitrais em confronto com as decisões dos tribunais judiciais.

Efetivamente, saber quantas ações de impugnação dão entrada por ano nos tribunais de primeira instância e quantos pedidos semelhantes de decisão arbitral entram no Centro de Arbitragem Administrativa.

Quanto tempo demora as respetivas decisões, quantos recursos existem e quantas decisões, de ambos, acabam por ser afetadas pelo recurso.

Recorreremos a dados estatísticos essenciais para a análise pretendida.

Desta forma, estamos certos que alcançaremos o objetivo traçado com a elaboração da presente dissertação.

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CAPITULO I – A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA E FISCAL 1.Direito tributário e direito fiscal, conceitos diferenciados?

Antes de analisarmos a atual situação da justiça administrativa e fiscal impõe-se definir os conceitos de direito tributário e direito fiscal. Serão estes conceitos diferenciados ou, pelo contrário, semelhantes? Vejamos.

A satisfação das necessidades coletivas é colocada, como bem sabemos, a cargo do Estado e dos demais entes públicos. A atividade financeira do Estado constitui um dos setores mais importantes para o seu desenvolvimento. Ao conjunto de normas que regulam aquela atividade financeira, designadamente de obtenção e gestão de receita para o bom funcionamento do Estado e dos demais entes públicos designa-se por Direito financeiro, ou se quisermos, Direito financeiro público7.

Como ensina CASALTA NABAIS8 a atividade financeira do Estado não é uma atividade homogénea, ela desdobra-se num conjunto de atividades quer para a realização de receita, quer para a realização de despesa.

CASALTA NABAIS apresenta uma divisão de direito financeiro: o direito das receitas, o direito das despesas e o direito da administração ou gestão financeira. O direito das despesas pode ser definido como aquele que se distribui pelos diversos setores de intervenção do Estado. É o campo de atuação do direito administrativo. A título exemplificativo, a concessão aos cidadãos dos benefícios fiscais. O direito da administração ou gestão financeira é definido, como o próprio nome indica, como a gestão orçamental dos dinheiros púbicos. Por fim, o direito das receitas. E é aqui que se associam os conceitos de direito tributário e direito fiscal.

O direito tributário é o direito das receitas coativas do Estado e demais entes públicos, abrangendo todo um conjunto de regras e princípios relativos a todos os tributos: impostos, taxas e contribuições especiais. É no seio do direito tributário que surge o conceito de direito fiscal, um direito relativo às receitas coativas unilaterais do Estado: os impostos e, -somente-, estes. De outra forma, podemos defini-lo como o ramo da ciência jurídica que se ocupa dos impostos. Acontece que, muitas vezes o conceito de direito fiscal é utilizado na definição dos demais diversos tributos.

A doutrina brasileira, espanhola e italiana optou por homogeneizar um conjunto de regras e princípios da ciência-jurídico-fiscal definindo-a como direito tributário, a ciência que estuda o direito tributário, ao passo que a doutrina portuguesa, alemã, francesa, etc. define-a como direito fiscal, como um conjunto de regras e princípios constitucionais relativos aos impostos.

Na prática, em boa verdade não existe grande discrepância na definição dos conceitos. A ciência que estuda o direito tributário, o direito de todos os tributos, é coerente relativamente a todos eles, não evidenciando, de forma aprofundada, cada um quanto se esperaria. E a ciência que estuda o direito fiscal não se circunscreve, de todo, ao direito dos impostos. A referência, ainda que diminuta, aos tributos bilaterais é evidente.

Entendemos, por isso, que independentemente da qualificação empregada: direito fiscal ou direito tributário, o direito como conjunto de regras e princípios deverá ocupar-se de todos os tributos: impostos, taxas e contribuições especiais, não olvidando o importante papel dos impostos, tratando os conceitos sem qualquer diferença, pois, na verdade, do que se trata é o estudo do direito dos impostos.

7 CASALTA NABAIS, José, Direito Fiscal, 9º Edição, Almedina, 2016, p. 28.

8 Idem, op.cit., p. 28.

(18)

Assim, independentemente da qualificação que adotarmos no presente estudo deverá ser entendida similarmente, i.e., ao conjunto de regras e princípios que se ocupa do estudo relativo aos impostos, às taxas e às contribuições especiais, corresponderão os conceitos de direito fiscal e direito tributário.

2. O sistema de justiça administrativa e fiscal

Desde a década de 2000 que Portugal se vê confrontado com dificuldades sérias no que à justiça administrativa e fiscal diz respeito. A opinião pública, fundamentada nas vozes dos mais sabedores das áreas, difundidas pelos diversos meios de comunicação centra-se, essencialmente, no descontentamento e desacreditação do funcionamento da justiça administrativa e tributária pela demora na resolução dos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, colocando em causa o direito a uma tutela jurisdicional efetiva.

Era, fundamental, por isso, que se desse um passo em frente. A ausência de estudos desenvolvidos sobre a jurisdição administrativa e fiscal, ao contrário do que se verificava, desde a década de 90 nos tribunais comuns, diga-se jurisdição comum, onde era crescente a análise sociológico-jurídica necessária à atualização e acompanhamento da sociedade comprometia, de certa forma, os passos a seguir, mas não excluía, de todo, a preocupação constante com os problemas da jurisdição administrativa e fiscal.

Desde a década de 90 que todas estas preocupações se fazem sentir. Mas é só na década de 2000 que ganha mais força com a elaboração e debates públicos dos anteprojetos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais e do Estatuto dos Tribunais Tributários. Estes diplomas foram publicados em 2002, pela Lei 13/2002, de 19 de fevereiro, que aprovou o ETAF e pela Lei nº 15/2002, de 22 de fevereiro que aprovou o CPTA. Através destes diplomas foram aumentadas e densificadas as competências dos tribunais administrativos e fiscais de primeira instância, assim como o reforço de acesso a esta jurisdição administrativa e fiscal por parte dos cidadãos. Ainda, pela Lei nº 15/2001, de 5 de junho, procedeu-se à reformulação da organização judiciária tributária.

O ano de 2004 é, no entanto, com maior evidência na justiça administrativa, o começo de uma nova etapa. Um novo conjunto de regras e critérios que se impunham mais equitativos, uniformes, coerentes e seguros conforme os imperativos sociais constituíam a base da reforma do contencioso administrativo. A estrutura orgânica dos tribunais administrativos e fiscais9, verdadeiros e próprios tribunais, cuja existência e autonomia é devidamente justificada pela especialização dos agentes jurídicos, só entra em vigor em 1 de janeiro de 2004 e vê o seu leque de competências exclusivas alargado10.

O reforço dos meios humanos mereceu, também, a devida atenção e preocupação pelo legislador. Era importante nesta altura a redução das pendências existentes nos tribunais de primeira instância. Para além do recrutamento de novos juízes tributários, com a abertura do concurso público especial, foi consagrada a

9 Supremo Tribunal Administrativo e os Tribunais Centrais Administrativos funcionam como tribunais superiores, ao passo que os Tribunais Administrativos e Ficais passaram a funcionar como Tribunais de primeira instância, salvo determinadas exceções.

10 Tomemos como exemplo o surgimento das providências cautelares até então insuficientes. Cerca de um ano após a reforma do contencioso administrativo as providências cautelares a seguir aos processos urgentes, era as que mais se faziam sentir.

(19)

possibilidade de existência de reforços humanos no auxílio dos juízes tributários, dito de outra forma, a possibilidade de os juízes tributários serem coadjuvados no exercício das suas funções, pese embora a sua implementação tenha ficado muito aquém das expectativas. Tal qual a medida legislativa relativa ao desdobramento dos tribunais tributários.

Os sinais positivos que foram surgindo ditavam a certeza de que, com perseverança de todos os intervenientes, era aquele o caminho a seguir a fim de garantir um maior efetivo controlo jurisdicional. Mas os resultados pretendidos não se revelavam satisfatórios. Sobretudo no domínio tributário. As medidas adotadas com a reforma do contencioso administrativo e fiscal apenas haviam sido pensadas para os problemas surgidos na jurisdição administrativa, onde teve o seu grande enfoque. As questões relativas a matérias tributárias não mereceram a devida atenção. De igual forma, os projetos para a Reforma da Jurisdição Administrativa e Fiscal, dos anos de 2006, 2007 e 2009, centravam-se, essencialmente, na área administrativa.

2.1.A criação de centros de arbitragem

O sistema da justiça administrativa e fiscal não poderia cingir-se, apenas, aos tribunais do Estado. A capacidade de resposta do sistema da justiça administrativa e fiscal, como vimos, não se revelava satisfatória.

Era necessário, por isso, uma alteração ao sistema interno que aumentasse aquela capacidade e criasse na própria sociedade uma ideia de possibilidade de escolha na resolução das suas questões/conflitos. Dito de outra forma, a possibilidade de o autor/sujeito passivo ver satisfeita a sua pretensão por opção a outro meio que não o recurso aos tribunais do Estado, aumentando, desta forma, o leque de opções ao dispor dos cidadãos.

É então que, pioneiramente, entra no “coração do direito administrativo”11 o instituto da arbitragem.

A ideia de criação de centros de arbitragem para a sua concretização, tal qual consagrada no artigo 187º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, surge com a reforma administrativa, no entanto, só em 2009, foi criado o Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD). A criação de um centro de arbitragem em matéria administrativa não poderia ficar comprometida pelo apressar da sua implementação. A necessidade de criar na opinião pública uma ideia de alternativa segura e que oferecesse confiança na sua concretização, impunha-se. Caso contrário, cairia, por terra, o foco que se pretendia.

O CAAD configura uma das alterações substanciais que a reforma administrativa implementou. O CAAD desempenha um papel importante como alternativa na resolução dos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. É um centro de arbitragem institucionalizada e de carácter especializado, criado pelo despacho nº 5097/2009 do Secretário de Estado da Justiça. Funciona deontologicamente nos termos do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e sob a égide do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

As expectativas na criação deste centro de arbitragem administrativa eram elevadas. Ao CAAD era deixada uma enorme responsabilidade quer perante os cidadãos que a ele recorreriam, quer perante a sociedade portuguesa. O recurso a um meio alternativo de resolução de conflitos administrativos e fiscais, diverso do já

11 VILLA-LOBOS, Nuno de, Nota Introdutória, CADD, um Primeiro Balanço, Mais Justiça Administrativa e Fiscal, Coimbra Editora, 2010, p. 11.

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conhecido nos tribunais estaduais, mais informal e acessível, criara na sociedade e nos seus cidadãos a expectativa de uma justiça mais célere, rápida e justa, a que o CAAD teria de assegurar.

2.2.O projeto para uma nova reforma da jurisdição administrativa e fiscal

O ritmo de desenvolvimento dos tribunais administrativos e fiscais não é, por si só, suficiente. São cada vez mais as exigências normativas e a pressão da sociedade para que se dê respostas em prazo razoável.

Há quem afirme que a justiça administrativa e fiscal é uma justiça a duas velocidades.

Para os mais sabedores é urgente e necessário, muito para além de uma reforma Administrativa, uma reforma na Justiça Tributária.

Encontra-se, em cima da mesa, e em discussão o projeto elaborado pelo Ministério da Justiça para a Reforma da Jurisdição Administrativa e Fiscal, a entrar em vigor no ano de 2019.

De entre as medidas propostas, e de uma forma geral, na área administrativa, a contratação de assessores de apoio aos juízes; os ajustamentos ao CPTA; a alteração das regras da arbitragem administrativa (artigo 181º); a agilização entre o CPTA e o CCP; o alargamento da legitimidade do Ministério Público; a simplificação processual; as restrições ao recurso per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo; a especialização dos tribunais de primeira instância; as alterações às medidas cautelares, …

Na área fiscal, a simplificação e agregação processual; o ajustamento e alargamento do quadro de magistrados (portaria 211/2017, de 17 de julho e portaria 290/2017, de 28 de setembro); a criação de bolsa de juízes; a criação de um gabinete de apoio aos magistrados (agilização e racionalização do trabalho dos juízes);

a criação de juízos de competência especializada associado às execuções fiscais e contra ordenações; a criação de equipas para a recuperação de pendências, a publicidade das sentenças em matéria de arbitragem, … Centremo-nos na especialização de juízes, na criação de equipas de recuperação de pendências e na publicidade das decisões arbitrais.

É consensual, entre os demais agentes jurídicos (juízes, professores universitários especialistas na área administrativa e fiscal …) que os critérios de especialização para aumento da qualidade e dos níveis da administração da justiça se revelam adequados. Num quadro de especialização será notória a concentração daqueles profissionais sobre as questões a si atribuídas.

Não obstante, para a Juíza Conselheira DULCE NETO12 é necessário um estudo mais cuidado e exaustivo da atual situação dos Tribunais Tributários, pois criar estes juízos especializados em tribunais onde o volume não seja elevado poderá traduzir-se em situações de menor eficiência.

A criação de equipas de recuperação de pendências parecerá, à primeira vista, uma medida positiva para a maioria dos sabedores da área, compostas por juízes libertos da pressão do expediente diário. Acontece que, não estando preenchidos os quadros mínimos dos juízes nos tribunais, estas equipas poderão ter efeitos negativos. Esta medida só se relevará satisfatória após o recrutamento de juízes.

12 Colóquio sobre a Reforma Administrativa e Fiscal, realizado na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em 05-05-2018;

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No que às alterações em matéria de arbitragem diz respeito, o Juiz Conselheiro LOPES DE SOUSA13 é crítico quanto a esta questão. A proposta da publicidade das decisões arbitrais, fundada no interesse público, leva a crer que as decisões arbitrais não são publicadas. LOPES DE SOUSA refere, ainda que, para além se permitir a continuação da publicação das decisões arbitrais pelo Centro de Arbitragem Administrativa, dever- se-ia permitir, também, a publicação das decisões dos tribunais de primeira instância.

Foram estas, e de uma forma geral, algumas das propostas apresentadas e que se encontram em discussão. Os mais sabedores das áreas, debruçados sobre estas questões, apesar de algumas críticas assinaladas, dão luz verde para que se continue. A justiça administrativa, mas sobretudo a tributária está a sofrer e, independentemente da incerteza que se espera, é necessário que se continue, que se avance e que se dê respostas mais rápidas, mas sobretudo mais céleres e justas.

13 Colóquio sobre a Reforma Administrativa e Fiscal, realizado na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, em 05-05-2018;

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CAPITULO II – A CONSTITUCIONALIDADE NA CRIAÇÃO DOS TRIBUNAIS ARBITRAIS EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

3.A constitucionalidade na criação dos Tribunais Arbitrais 3.1.O Princípio da Reserva da Função Jurisdicional

O artigo 110º da Constituição da República Portuguesa consagra um princípio de tipicidade constitucional dos órgãos de soberania. Significa isto que, os órgãos de soberania são somente os criados, considerados e definidos pela Constituição14.

Os órgãos de soberania podem ser definidos como sujeitos com determinadas competências institucionais que exercem funções constitucionalmente atribuídas/definidas. Os órgãos de soberania constituem a soberania interna de um Estado, a eles são atribuídos determinados poderes soberanos, como o poder legislativo, o executivo, o judicial, de direção política e de revisão constitucional. Podemos defini-los, ainda, como órgãos constitucionais. A Constituição prevê outros órgãos como órgãos do Estado, mas que não são órgãos de soberania, como o Provedor de Justiça, o Conselho Económico e Social, a Procuradoria-Geral da República... Prevê, ainda, órgãos constitucionais que não são órgãos de soberania nem órgãos do Estado, como os órgãos das regiões autónomas e do poder local 15.

O artigo 202º da Constituição da República Portuguesa dispõe que “os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo” e que “na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”.

Numa primeira análise, são os tribunais, e apenas eles, que enquanto órgãos de soberania devem administrar a justiça, assegurando a defesa dos direitos e interesses de todos os cidadãos. Tal função encontrar- se-á vedada a qualquer outro órgão que não revista a natureza jurídica de Tribunal. No exercício da função jurisdicional, são os tribunais o órgão decisor. Não se olvida, contudo, a possibilidade de os órgãos administrativos exerceram as suas funções, proferindo, evidentemente, as suas decisões. Não lhes pertence, todavia, a última palavra.

A interpretação tão restritiva daquele preceito constitucional colidiria, contudo, com disposições constitucionais. É a Constituição da República Portuguesa que determina a possibilidade de institucionalizar- se instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos:

“A lei pode institucionalizar instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos.”, reza o artigo 202º, nº 4 da CRP.

O princípio da tipicidade constitucional dos órgãos de soberania não pode impedir, por isso, a criação de novos órgãos, ainda que não se situem no campo da soberania. A tipicidade constitucional dos órgãos de soberania não pode ser, por essa via, exclusiva. Ao permitir-se instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos, permitir-se-á o recurso a meios alternativos de resolução de conflitos.

14Cf. o artigo 110º da CRP: “1. São órgãos de soberania o Presidente da República, o Governo e os Tribunais. 2. A formação, a composição, a competência e o funcionamento dos órgãos de soberania são definidos na Constituição.

15 GOMES CANOTILHO, José Joaquim e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, 4º Edição Revista, Coimbra Editora, agosto 2010, pp. 39 e 40.

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O legislador constituinte adianta, ainda, que os órgãos de soberania não podem delegar os poderes que lhes são constitucionalmente atribuídos noutros órgãos, exceto nos casos expressamente previstos pela Constituição16, consagrando, desta forma, o princípio da indisponibilidade de competências, corolário do princípio do estado de direito17. Nenhum órgão de soberania poderá delegar ou, se quisermos, transmitir, os poderes que lhe foram atribuídos diretamente pela Constituição.

Uma vez mais, a interpretação literal e restritiva deste preceito constitucional colidiria com disposições constitucionais, designadamente a possibilidade de criação dos tribunais arbitrais que o artigo 209º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa evidencia18.

O princípio da indisponibilidade de competências consagrado no artigo 111º, nº 2 da CRP não pode revestir, por essa razão, um carácter absoluto. Existem determinados casos em que os poderes atribuídos constitucionalmente podem ser delegados/atribuídos a outros órgãos, desde que expressamente previstos na Constituição. É exigida uma determinação normativo-constitucional.

A Constituição atribui, ainda, competência aos tribunais administrativos e fiscais para julgamento de todas as ações e recursos contenciosos no âmbito de conflitos das relações jurídicas administrativas e fiscais:

“ Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”. Artigo 212º, nº 3 da CRP.

No entanto, e no seguimento do que vem expedito, uma interpretação restritiva daquele preceito constitucional colidiria com os demais preceitos constitucionais. A atribuição de competências que o legislador constitucional pretendeu atribuir aos tribunais administrativos e fiscais para dirimir conflitos emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, não poderá ser, de todo, exclusiva.

Conclui-se, portanto, que é constitucionalmente admissível a criação de tribunais arbitrais para a resolução de litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, designadamente em matéria tributária. A base constitucional encontra-se, como supra evidenciado, no artigo 209º, nº 2 da CRP em conjugação com todos os outros artigos relativos aos princípios por aqueles preceitos legais definidos (artigo 110º, 202º, 111º, nº2 e 212º, 3 todos da CRP), interpretados no seu sentido jurídico-normativo mais adequado, i.e., não tão restritivo.

3.2.A Indisponibilidade dos Créditos Tributários

O princípio da indisponibilidade de crédito tributário não encontra expressão na Constituição da

16 Cf. o artigo 111º, nº 2 da CRP: “Nenhum órgão de soberania (…) pode delegar os seus poderes noutros órgãos a não ser nos casos e nos termos expressamente previstos na Constituição e na lei.”

17 “- Proibição dos chamados «plenos poderes», através dos quais se possibilitava ao governo avocar o exercício de qualquer poder ou atribuição;- A proibição, mesmo nos casos de delegação constitucionalmente admitidos, das chamadas delegações genéricas, isto é, delegações respeitantes a funções globais;- A proibição de renúncia a competências, sendo nulos os atos dos órgãos de soberania cujo objeto seja a renuncia à titularidade ou ao exercício da competência”. Constituição da República Portuguesa Anotada, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, p.47

18 Cf. o artigo 209º, nº 2 da CRP. “Podem existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz”.

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República Portuguesa, mas tem como fundamentos constitucionais os princípios da igualdade e da legalidade, os quais vinculam toda a atividade da Administração Tributária19. É evidenciado nos termos do número 2 do artigo 30º da LGT:

“O crédito tributário é indisponível só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”.

Numa leitura superficial do preceito legal acabado de citar concluiríamos que o crédito tributário é sempre indisponível. Não obstante, e efetuando uma interpretação da disposição normativa à luz do artigo 9º do Código Civil, não podemos depreender que o crédito tributário é, sempre, indisponível apenas podendo ser reduzido ou extinguido de acordo com o princípio da igualdade e da legalidade.

As partes quando decidem submeter o litígio à arbitragem não dispõem do crédito tributário nem de qualquer outro elemento da obrigação tributária. O sujeito passivo escolhe, apenas, uma outra forma de resolução do litígio, o qual vincula a Administração Tributária.

Como bem ensina VICENTE-ARCHE COLOMA20, uma coisa é a obrigação tributária, os seus elementos essenciais, o facto tributário assim como as regras para a sua correta aplicação, matéria reservada de lei, essa excluída da intervenção e da vontade das partes; outra coisa é a existência de um conflito entre a Administração e o obrigado tributário, o qual decide submeter o litígio a um terceiro neutro e imparcial – o árbitro.

O facto tributário é o fundamento da criação do crédito tributário. O crédito tributário existe, independentemente da sua definição, através do ato de liquidação que reveste a natureza meramente declarativa. E, a interpretação da disposição normativa alude a créditos tributários já existentes, pois só após a sua existência poder-se-á «reduzir» ou «extinguir» aquele crédito.

Não obstante é necessário, em primeiro lugar, aferir da existência e da legalidade do crédito tributário.

Caso contrário, não se colocará a questão da possibilidade da sua redução ou extinção. Os meios impugnatórios como a reclamação graciosa, o recurso hierárquico, a reclamação de atos de fixação da matéria tributável, entre outros, visam, precisamente, aferir da legalidade de atos de liquidação já praticados. Podendo daqui resultar a anulação dos créditos já previamente declarados existentes.

Para LOPES DE SOUSA21 a questão do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários só deverá reportar-se a créditos consolidados, cuja existência seja declarada depois de esgotados os meios de impugnação existentes. Pois, até aqui não há certeza jurídica da existência de direitos de crédito.

É esta incerteza jurídica que, permitindo a sindicância de forma a aferir a existência ou não do crédito tributário, permite a revogação dos atos tributários (a anulação administrativa), nos termos do artigo 112º do CPPT. Não só uma revogação administrativa mas também uma revogação na fase inicial do processo judicial.

É a própria Constituição que determina a vinculação da Administração à Constituição e à lei com respeito pelos

19Cf. Artigo 266º, nº 2 da CRP.

20VICENTE-ARCHE COLOMA, Paula, La situatión actual de la implantación del arbitraje tributário em españa, Revista de Arbitragem Tributária nº 7, CAAD, Jun. 2017, p.34 e 35.

21LOPES DE SOUSA, Jorge Manuel, Algumas notas sobre o regime da arbitragem tributária, in A arbitragem Administrativa e Tributária:

Problemas e desafios, 2º Edição, Almedina, 2013, p.234.

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princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé22.

Deverá, portanto, a Administração revogar os atos cuja ilegalidade suscitar. O princípio da indisponibilidade dos créditos tributários não pode, por essa via, interferir no cumprimento de obrigações de base constitucional.

A interpretação neste sentido permite a possibilidade de suspensão da execução fiscal, nos casos de impugnação administrativa ou judicial (conforme os artigos 52º da LGT e 169º do CPPT), não obstante ter sido ou não prestada garantia, que como se sabe pode ser dispensada nos termos do artigo 52º, nº 4 da LGT e 170º do CPPT; permite ainda que o instituto da compensação não possa ser aplicado, uma vez que a inexistência de certeza do crédito tributário impede a compensação (artigo 89º do CPPT: não há compensação enquanto decorrem os prazos de reclamação graciosa, recurso hierárquico, impugnação judicial, recurso judicial ou oposição à execução); e permite ainda à administração interpor ou não recurso de uma decisão jurídica desfavorável.

A não ser assim, poder-se-ia exigir ao sujeito passivo o cumprimento de obrigações que, apesar decorrentes de factos tributários existentes, não são devidas. Atingindo, dessa forma o património do sujeito passivo em favorecimento da Autoridade tributária e, por essa via, colocando em causa os princípios fundamentais da igualdade e legalidade.

Como bem define LOPES DE SOUSA23 até ao momento da sindicância do crédito tributário, ou melhor da existência ou inexistência daquele crédito, a Administração Tributária é titular, apenas, de uma expetativa e não de um crédito. A expectativa poderá vir a ser defraudada se, atendendo ao princípio da legalidade, concluir não ser devido aquele crédito.

Conclui-se, portanto, que o crédito tributário é indisponível, à priori, mas é passível de impugnação.

O princípio da indisponibilidade de créditos tributários não deverá, ainda, contender com a revisão do ato tributário. Decorrente do princípio da legalidade será admissível a revisão dos atos tributários ainda que fora dos prazos normais de impugnação. A eliminação de um crédito já consolidado por parte da Administração Tributária, ainda que intempestiva não é contrária a lei. O princípio da legalidade e da igualdade fundamentam essa atuação.

Acresce ainda, o dever de o Estado assegurar a tutela jurisdicional efetiva (artigo 20º, nº1 e 268º, nº 4 da CRP). Significa isto que se o Estado não se encontra munido dos meios necessários para a resolução dos litígios existentes entre a Administração Tributária e o contribuinte deverá implementar novos meios que garantam essa eficácia e eficiência.

A decisão que se exige que seja proferida num prazo razoável24, de acordo com o imperativo constitucional, poderá ser deixada aos meios de resolução alternativa de litígios.

22Cf. Artigo 266º, nº 2 da CRP.

23Op.cit. p. 236.

24Cf. Artigo 20º, nº 4 da CRP.

(27)

Concluímos da mesma forma que LOPES DE SOUSA25 não deverão existir dúvidas quanto à possibilidade de intervenção dos tribunais arbitrais para a resolução de litígios em matéria tributária. Se não há qualquer violação do princípio da indisponibilidade de créditos tributários quando se deixam nas mãos de entidades não jurisdicionais (administração) o poder de liquidar ou não, de decidir se devem ou não serem liquidados, não poderá constituir qualquer violação a intervenção de entidades jurisdicionais (os tribunais arbitrais) na resolução daqueles litígios.

25Op.cit. p.237.

(28)

Esta página foi deixada propositadamente em branco.

(29)

CAPITULO III – O RECURSO À ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA 4. O recurso à arbitragem tributária

Decorrente da autorização legislativa conferida ao Governo, na proposta de lei do Orçamento de Estado para 2010, foi instituída, no ordenamento jurídico português, a arbitragem tributária como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos que oponha os contribuintes à administração tributária.

A fixação de um limite temporal de seis meses para a prolação da sentença arbitral, embora prorrogável por igual período, mas nunca por um prazo superior a doze meses; a especialização e a autonomia dos árbitros; a ausência de formalidades especiais; a permissão de transferência dos processos em curso para estes tribunais arbitrais, sem qualquer pagamento de custas judiciais e a irrecorribilidade (embora com algumas exceções) das decisões arbitrais, ditaram os traços gerais e essenciais da arbitragem tributária enquanto meio de resolução alternativa de litígios.

Volvidos que se encontravam cerca de doze meses após esta autorização legislativa, surge o Decreto- Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro (LAT – Lei da arbitragem tributária), que aprova o regime jurídico da arbitragem tributária.

Conheçamos, então, os seus traços gerais.

4.1.O Regime Jurídico da Arbitragem Tributária

O Decreto-lei nº 10/2011, de 20 de janeiro teve como principais objetivos:

Reforçar a tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos;

Imprimir uma maior celeridade na resolução de litígios que opõem a administração tributária aos sujeitos passivos;

Reduzir a pendência de processos nos tribunais administrativos e fiscais.

Nos termos do artigo 2º, nº 1 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, «a competência dos tribunais arbitrais compreende apreciação das seguintes pretensões:

a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta;

b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.»

Ficam, assim, excluídos do âmbito da arbitragem tributária:

I. A declaração de direitos ou interesses em matéria tributária;

(30)

II. A apreciação da inexigibilidade da dívida tributária ou a anulação de atos e decisões no processo de execução fiscal (âmbito de aplicação da ação administrativa especial, da oposição à execução fiscal e da reclamação contra atos e decisões do órgão de execução fiscal, tal como consagrados na lei processual tributária)26.

4.1.1.Competência dos tribunais arbitrais em função do valor

A competência dos tribunais arbitrais está limitada a litígios cujo montante não ultrapasse os

€10.000.000,00.

O valor do litígio é aferido de acordo com o disposto no artigo 97º-A aditado ao CPPT pelo Decreto- lei nº 34/2008, de 26 de fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro.

Assim, nos casos de impugnação da liquidação, o valor do litígio é o da importância da anulação que se pretende; nos casos de impugnação do ato de fixação da matéria coletável, o valor do litigio é o valor que se contesta assim como nos casos de impugnação do ato de fixação dos valores patrimoniais; nos casos de recurso contencioso do indeferimento total ou parcial da revogação de isenções ou demais benefícios fiscais o valor atendível é o da isenção ou do benefício fiscal em causa; já nos casos de contencioso associado à execução fiscal, o valor é o correspondente ao montante da dívida exequenda ou da parte restante, quando haja anulação parcial, com exceção em algumas situações27.

Nos restantes casos o valor do litígio será sempre determinado pelo juiz de acordo com a complexidade do processo e a condição económica do impugnante. O limite máximo corresponderá ao valor da alçada da 1ª instância dos tribunais judiciais.

No caso de apensação de impugnações ou execuções, o valor será o que corresponde à soma dos pedidos.

Os tribunais arbitrais decidem de acordo com o direito constituído. A opção do legislador com a instituição deste meio de resolução alternativa de conflitos foi a de vedar o recurso à equidade (artigo 2º, nº 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária).

26 PEREIRA, Rui Ribeiro, Breves Notas Sobre o Regime da Arbitragem Tributária, in a Arbitragem Administrativa e Tributária: problemas e desafios, 2º Edição, Almedina, 2013, p.392.

27 Cf. o artigo 97º-A do CPPT: “1.Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários são os seguintes: a) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende; b) Quando se impugne o ato de fixação da matéria coletável, o valor contestado; c) Quando se impugne o ato de fixação dos valores patrimoniais, o valor contestado; d) No recurso contencioso do indeferimento total ou parcial da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais do valor da isenção ou benefício; e) No contencioso associado à execução fiscal, o valor correspondente ao montante da dívida exequenda ou da parte restante, quando haja anulação parcial, excepto nos casos de compensação, penhora ou venda de bens ou direitos, em que corresponde ao valor dos mesmos, se inferior; 2. Nos casos não previstos nos números anteriores, o valor é fixado pelo juiz, tendo em conta a complexidade do processo e a condição económica do impugnante, tendo como limite máximo o valor da alçada da 1ª instância dos tribunais judiciais. 3. Quando haja apensação de impugnação ou execuções, o valor é o correspondente à soma dos pedidos.”

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