Esmerindo Bernardes
1,∗1
L.I.A. – Laborat´ orio de Instrumentac ¸˜ ao Alg´ ebrica Instituto de F´ısica de S˜ ao Carlos
Universidade de S˜ ao Paulo 13560-970 S˜ ao Carlos, SP, Brasil
(Dated: 19 de Setembro de 2018)
A fim de complementar as discuss˜ oes feitas sobre movimento e suas leis, faremos aqui uma dis- cuss˜ ao muito breve sobre a relatividade especial, a qual corrige o modelo newtoniano para velocidades pr´ oximas ` a velocidade m´ axima permitida na nossa natureza (a velocidade da luz). Veremos tamb´ em a fus˜ ao das no¸ c˜ oes de espa¸ co e tempo por um lado e da fus˜ ao entre as no¸ c˜ oes de energia e massa por outro.
CONTENTS
I. Espa¸co + Tempo 1
I.1. Transforma¸ c˜ oes de Galileu 1
I.2. Espa¸ co euclidiano 2
II. Espa¸cotempo 3
II.1. Transforma¸ c˜ oes de Lorentz 3 II.1.1. Dilata¸c˜ ao temporal 3 II.1.2. Contra¸ c˜ ao espacial 3
II.2. Espa¸co minkowskiano 4
II.3. Cinem´ atica relativ´ıstica 5
II.4. Dinˆ amica relativ´ıstica 7
II.4.1. ∆E = ∆mc
28
III. Exerc´ıcios 9
I. ESPAC ¸ O + TEMPO I.1. Transforma¸ c˜ oes de Galileu
Suponha dois referenciais inerciais quaisquer, digamos O e ¯ O , cada um equipado com seu pr´ opio rel´ ogio. Consi- dere o referencial ¯ O em movimento uniforme em rela¸c˜ ao a O . Para simplificar um pouco, vamos supor que os ei- xos espaciais X , Y e Z do referencial O sejam paralelos aos eixos espaciais ¯ X, ¯ Y e ¯ Z do referencial ¯ O em qual- quer instante de tempo. Vamos supor tamb´ em que suas origens coincidam em t = ¯ t = 0, onde ambos rel´ ogios s˜ ao sincronizados. Vamos tamb´ em considerar que o referen- cial ¯ O se movimente ao longo do eixo X com velocidade constante V , conforme indicado na Figura 1.
Muito bem. Imagine agora que algum experimento mecˆ anico seja realizado (no v´ acuo) no referencial em mo- vimento ¯ O . Este experimento pode ser (1) o lan¸ camento ou a queda livre de um objeto sob a a¸c˜ ao da gravidade ou (2) o movimento de um corpo preso a uma mola (os- cilador harmˆ onico sem atrito) ou (3) o movimento de um
∗sousa@ifsc.usp.br
corpo sob a a¸ c˜ ao da gravidade, por´ em preso a uma extre- midade de uma haste inextens´ıvel e de massa nula com a outra extremidade fixa (pˆ endulo simples sem atrito), para citar apenas trˆ es possibilidades. Como os resulta- dos desses experimentos em ¯ O ser˜ ao vistos no referencial em repouso O ? Todos os n´ umeros ser˜ ao os mesmos? As trajet´ orias ser˜ ao as mesmas? Eventos simultˆ aneos em ¯ O ser˜ ao vistos tamb´ em simultaneamente no outro referen- cial O ?
O
¯ O V t ¯
V
x ¯
x
X
¯ X Y
¯ Y
Figura 1. Transforma¸ c˜ oes de coordenadas entre referenciais inerciais. A velocidade relativa entre eles ´ e V . Os rel´ ogios foram sincronizados no momento em que os dois referenciais coincidiram.
Para respondermos estas quest˜ oes, precisaremos saber primeiramente como relacionar coordenadas nestes dois referenciais. Segundo Newton, esta rela¸ c˜ ao deve cum- prir uma exigˆ encia fundamental: ela deve preservar a defini¸ c˜ ao de for¸ ca, ou seja, o produto massa (constante) por acelera¸ c˜ ao deve ser o mesmo ou proporcionais nos dois referenciais, pois estes dois referenciais s˜ ao inerci- ais. Isto ´ e conhecido como o princ´ıpio da relatividade de Galileu-Newton:
Princ´ ıpio 1
Todas as leis da Mecˆ anica s˜ ao as mesmas em todos os sis- temas inerciais de referˆ encia.
Note que Galileu e Newton n˜ ao ousaram incluir as demais leis f´ısicas, al´ em daquelas da Mecˆ anica, neste princ´ıpio.
Portanto, se queremos aderir ao princ´ıpio da relatividade
de Galileu-Newton, a ´ unica possibilidade de efetuarmos uma transforma¸ c˜ ao de coordenadas que preserve a de- fini¸ c˜ ao de for¸ ca (portanto as leis da Mecˆ anica) ´ e uma rela¸ c˜ ao linear no tempo e na posi¸ c˜ ao,
x = γ(¯ x + V ¯ t), (1) quando o referencial ¯ O estiver movimentando-se no sen- tido positivo do eixo X (veja a Figura 1), ou
¯
x = γ(x − V t), (2)
quando o referencial O estiver movimentando-se no sen- tido negativo do eixo ¯ X. Note que mantivemos a mesma constante γ nestas duas rela¸c˜ oes. Isto ´ e razo´ avel, pois es- tamos considerando que o nosso espa¸ co vazio (o palco de todos os movimentos) seja homogˆ eneo e isotr´ opico. Ser homogˆ eneo significa que a constante γ n˜ ao pode depen- der da posi¸c˜ ao. Em um espa¸co isotr´ opico, a constante γ n˜ ao pode depender nem da dire¸c˜ ao nem do sentido de qualquer vetor. Consequentemente, se γ tiver qualquer dependˆ encia com a velocidade do referencial ¯ O , poder´ a ser apenas uma dependˆ encia em seu m´ odulo V (rapidez).
At´ e aqui, n˜ ao mencionamos qualquer rela¸ c˜ ao entre t e ¯ t, a n˜ ao ser que x = ¯ x em t = ¯ t = 0. Quem s˜ ao os poss´ıveis valores de γ?
Galileu e Newton fizeram a hip´ otese de que o tempo flui uniformemente nos dois referenciais, ou seja, t = ¯ t sempre. Isto significa que o tempo ´ e absoluto, o mesmo em todos os referenciais inerciais, ou seja, um evento que
´
e simultˆ aneo em um referencial inercial, o ser´ a em todos os demais. Newton acreditava tamb´ em que a existˆ encia de um tempo absoluto estivesse ligado com a existˆ encia de um Deus supremo. Fazendo t = ¯ t em (1) e (2) e depois somando estes dois resultados, obteremos
x + ¯ x = γ(x + ¯ x) ⇒ γ = 1. (3) Tamb´ em fazendo x = ¯ x em t = ¯ t = 0, determinamos γ = 1. Tamb´ em observando Figura 1 e usando geometria plana euclidiana, deduzimos que γ = 1 nas rela¸c˜ oes (1) e (2).
As transforma¸ c˜ oes
x = ¯ x + V t, y = ¯ y, z = ¯ z, t = ¯ t, (4)
¯
x = x − V t, y ¯ = y, z ¯ = z, ¯ t = t, (5) s˜ ao conhecidas por transforma¸ c˜ oes de Galileu. Note que derivando no tempo estas equa¸c˜ oes, obtemos a conhecida regra de composi¸c˜ ao para velocidades,
¯
v
x¯= v
x± V. (6) Note tamb´ em que as transforma¸ c˜ oes de Galileu preser- vam a acelera¸ c˜ ao dos corpos. Consequentemente, o pro- duto massa (constante) por acelera¸c˜ ao ´ e mantido invari- ante, ou seja a segunda lei ´ e preservada. Naturalmente, estas transforma¸c˜ oes tˆ em sido verificadas em todos os ca- sos conhecidos, exceto quando o valor de V ´ e compar´ avel ao valor da velocidade da luz. Surpreso? Isto ´ e realmente surpreendente!
I.2. Espa¸ co euclidiano
Imagine um espa¸ co tridimensional onde um ponto ´ e localizado pelas coordenadas (x, y, z) e a distˆ ancia infini- tesimal entre dois pontos ´ e dada por
(ds)
2= (dx)
2+ (dy)
2+ (dz)
2=
∑
3 i,j=1g
ijdx
idx
j, g
ij= δ
ij, (7) onde a m´ etrica g ´ e a identidade. Esta distˆ ancia infini- tesimal (7) ´ e invariante mediante transla¸c˜ oes e rota¸ c˜ oes espaciais (independentes do tempo; tempo absoluto).
Um espa¸co deste tipo ´ e denominado de euclidiano. A Mecˆ anica newtoniana est´ a inserida num espa¸ co euclidi- ano tridimensional equipado com rel´ ogios que uma vez sincronizados, assim premanecer˜ ao mesmo se estiverem em movimento.
Para mostrar que a distˆ ancia infinitesimal (7) ´ e um invariante perante rota¸c˜ oes (fa¸ca o Exerc´ıcio 1), considere uma rota¸ c˜ ao em torno do eixo z,
¯
x = x cos θ − y sin θ, y ¯ = x sin θ + y cos θ, (8) onde θ ´ e o ˆ angulo de rota¸ c˜ ao (medido no sentido contr´ ario aos ponteiros de um rel´ ogio; regra da m˜ ao direita). Agora escreva a distˆ ancia d¯ s
2no referencial girado e use as transforma¸ c˜ oes de Galileu (8) para passar as diferenciais para o outro referencial. Por exemplo, d¯ x = dx cos θ − dy sin θ (θ ´ e constante) e assim por adiante. Como as diferenciais n˜ ao “enxergam” constantes, ´ e imediato mos- trar que transla¸c˜ oes n˜ ao afetam a distˆ ancia infinitesimal (7), pois elas apenas somam constantes ` as coordenadas cujas varia¸ c˜ oes ser˜ ao tomadas em seguida.
No entanto, curiosamente, a distˆ ancia infinitesimal (7) n˜ ao ´ e invariante perante ` as transforma¸ c˜ oes de Galileu (4). Para ver isto, escreva a distˆ ancia d¯ s
2no referen- cial em movimento e use as transforma¸ c˜ oes de Galileu (4) para passar as diferenciais para o outro referencial.
Por exemplo, d¯ x = dx − V dt (a velocidade relativa V ´ e constante) e assim por adiante. Verifique que para (7) ser invariante ` as transforma¸c˜ oes de Galileu (4), ter´ıamos de aceitar V = 2v
x, o que ´ e um absurdo.
A discrepˆ ancia entre a previs˜ ao (6), fruto das trans- forma¸ c˜ oes de Galileu (4), e experimentos foi consagrada no experimento de Michelson-Morley, realizado pela pri- meira vez um pouco antes de 1900. Vejamos primeiro o que a teoria de Galileu-Newton prediz quando luz ´ e emitida na origem do referencial em movimento ¯ O e ob- servada em O (nosso referencial, “fixo”). No instante t, a luz est´ a na posi¸ c˜ ao ¯ x = ct em ¯ O . Ent˜ ao, no refe- rencial O , segundo a transforma¸c˜ ao (4), ela estar´ a em x = ¯ x + V t = (c + V )t. Portanto, no referencial O a luz deve ser vista com uma velocidade c + V , maior que c.
Entretanto, o experimento de Michelson-Morley diz que a velocidade da luz ´ e a igual a c em todos os referenci- ais inerciais! Pronto, a confus˜ ao estava feita. Albert A.
Michelson, por achar que havia alguma coisa errada em
seu experimento, continuou a repeti-lo por quase 30 anos!
Ele recebeu o prˆ emio Nobel em 1907 (por estas medidas e por ter inventando o interferˆ ometro, um instrumento
´
otico de alta precis˜ ao).
II. ESPAC ¸ OTEMPO II.1. Transforma¸ c˜ oes de Lorentz
No entanto, ainda em 1905, Albert Einstein, um jo- vem f´ısico, at´ e ent˜ ao completamente desconhecido, disse de forma arrebatedora que a nossa natureza ´ e assim: a velocidade da luz no v´ acuo ´ e independente do movimento da fonte, ou seja, ela ´ e uma constante universal. Sem ter conhecimento do experimento de Michelson-Morley. Sim- ples assim. E concluiu: ent˜ ao n˜ ao poderemos ter γ = 1 e nem ¯ t = t! Devemos ter x = ct em O e ¯ x = c ¯ t em ¯ O . Substituindo estes valores em (1) e (2), teremos (fa¸ca o Exerc´ıcio 2)
ct = γ(c + V )¯ t, c ¯ t = γ(c − V )t, (9) da qual resulta (a menos de um sinal)
γ = 1
√ 1 − β
2= 1 + 1
2 β
2+ O (β
4), β = V
c . (10) Note que γ depende somente do m´ odulo da velocidade relativa entre os referenciais inerciais, como previsto. A presen¸ ca da velocidade da luz ´ e uma surpresa enorme.
Podemos ver ent˜ ao que no limite de baixa velocidade V ≪ c, β → 0 e γ → 1, que ´ e o seu valor no caso cl´ assico (3) se escolhermos γ positivo em (10). No en- tanto, quando V ´ e compar´ avel a c, temos de usar as transforma¸ c˜ oes (1) e (2) com γ dado em (10). Rela¸c˜ oes similares para o tempo visto nos dois referenciais podem ser obtidas eliminando-se ou x ou ¯ x em (1) e (2) (fa¸ca o Exerc´ıcio 3),
¯
x = γ(x − β ct), c t ¯ = γ(ct − β x), (11) x = γ(¯ x + β c ¯ t), ct = γ(c ¯ t + β x). ¯ (12) com ¯ y = y e ¯ z = z.
Estas transforma¸c˜ oes foram apresentadas por Einstein em 1905 e s˜ ao conhecidas por transforma¸ c˜ oes de Lorentz (por motivos diferentes dos relacionados aqui e anterio- res a 1905). Em (11), expressamos as coordenadas do referencial ¯ O em termos das coordenadas do referencial O . As transforma¸c˜ oes inversas (12) s˜ ao obtidas simples- mente invertendo o sinal de V (e, consequentemente, de β = V /c tamb´ em).
Como as rela¸c˜ oes (11)–(12) misturam as posi¸ c˜ oes espa- ciais com o tempo (e vice-versa), o tempo n˜ ao ´ e absoluto, como Galileu e Newton imaginaram (e o resto do mundo).
Isto significa que um acontecimento n˜ ao precisa ser si- multˆ aneo em todos os referenciais inerciais. Isto trar´ a consequˆ encias ainda mais surpreendentes, como veremos a seguir.
Naturalmente, as transforma¸c˜ oes (11) s˜ ao idˆ enticas ` as transforma¸ c˜ oes (4) quando V ≪ c (ou β ≪ 1). Este
´ e um exemplo onde uma teoria foi devidamente corri- gida: para velocidades baixas (comparado ` a velocidade da luz) podemos usar a mecˆ anica newtoniana; para velo- cidades altas devemos usar a mecˆ anica relativ´ıstica. Na- turalmente, nossas experiˆ encias sensoriais est˜ ao imersas no mundo newtoniano.
II.1.1. Dilata¸ c˜ ao temporal
Suponha um rel´ ogio em repouso no referencial ¯ O . Per- manecendo sempre no mesmo lugar (¯ x
1= ¯ x
2), marque um determinado intervalo de tempo, ¯ T = ¯ t
2− ¯ t
1, usando este mesmo rel´ ogio. Este intervalo de tempo medido com o rel´ ogio em repouso ser´ a denominado de tempo pr´ oprio.
No outro referencial O , aquele rel´ ogio usado para medir o tempo pr´ oprio em ¯ O ser´ a visto em movimento. Por- tanto os dois eventos que determinaram o intervalo de tempo ¯ T ser˜ ao vistos no referencial O nos instantes t
1e t
2(em posi¸ c˜ oes diferentes), correspondendo a um inter- valo T = t
2− t
1. Usando as transforma¸ c˜ oes (12) em T , encontraremos (fa¸ca o Exerc´ıcio 5)
T = γ T . ¯ (13)
Esta rela¸c˜ ao nos mostra que T > T ¯ , ou seja, que o in- tervalo de tempo T medido (calculado) no referencial O
´ e maior que o intervalo de tempo ¯ T medido no referen- cial ¯ O . Isto significa que o rel´ ogio no referencial ¯ O em movimento ´ e visto como mais lento: o tempo passa mais devagar no referencial em movimento. Este efeito ´ e co- nhecido por dilata¸ c˜ ao temporal.
Os observadores solid´ arios ao referencial ¯ O chegar˜ ao ` a mesma conclus˜ ao a respeito de um rel´ ogio usado para me- dir um tempo pr´ oprio em O . H´ a nenhuma contradi¸ c˜ ao nisto. O tempo pr´ oprio ser´ a sempre o menor intervalo de tempo e pode somente ser medido em apenas um re- ferencial inercial. Todos os demais referenciais inercias distintos ir˜ ao medir intervalos de tempo maiores, por´ em haver´ a nenhuma concordˆ ancia de valores entre eles.
Estas previs˜ ao, a dilata¸c˜ ao temporal, ´ e confirmada em experimentos usando part´ıculas elementares em acelera- dores de part´ıculas (para saber mais sobre part´ıculas ele- mentares, consulte Aventuras das Part´ıculas, mantido pelo Instituto de F´ısica Te´ orica (IFT), Unesp). Em par- ticular, visite o site Experimento com M´ uons.
II.1.2. Contra¸ c˜ ao espacial
Suponha uma r´ egua em repouso no referencial ¯ O , de
comprimento ¯ L = ¯ x
2− x ¯
1. Este ´ e o comprimento pr´ oprio
(r´ egua em repouso). Uma vez que a r´ egua est´ a em re-
pouso, a medida das posi¸ c˜ oes ¯ x
1e ¯ x
2das extremidades
podem ser efetuadas em tempos diferentes. No outro re-
ferencial O , esta r´ egua ser´ a vista em movimento, por isto
a leitura de suas extremidades dever˜ ao ser efetuadas no mesmo instante de tempo (t
1= t
2). Assim, o compri- mento da r´ egua medido em O ser´ a L = x
2(t) − x
1(t).
Usando as transforma¸c˜ oes (11) em ¯ L, encontraremos (fa¸ca o Exerc´ıcio 5)
L = L ¯
γ . (14)
Esta rela¸c˜ ao nos mostra que L < L, pois ¯ γ > 1. Portanto, a r´ egua no referencial ¯ O em movimento ser´ a vista com um comprimento menor no outro referencial O . Este resultado ´ e conhecido por contra¸ c˜ ao espacial.
Os observadores solid´ arios ao referencial ¯ O chegar˜ ao
`
a mesma conclus˜ ao a respeito de uma r´ egua usada para medir um comprimento pr´ oprio em O . Novamente, h´ a nenhuma contradi¸ c˜ ao nisto. O comprimento pr´ oprio ser´ a sempre o maior comprimento pr´ oprio e pode somente ser medido em apenas um referencial inercial. Todos os de- mais referenciais inercias distintos ir˜ ao medir comprimen- tos menores, por´ em haver´ a nenhuma concordˆ ancia de va- lores entre eles.
II.2. Espa¸ co minkowskiano
Imagine um espa¸ co quadridimensional onde um ponto (evento) ´ e localizado pelas coordenadas
(x
µ) = (x
0, x
1, x
2, x
3) = (ct, x, y, z) = (ct, ⃗ r) (15) e a distˆ ancia infinitesimal entre dois pontos ´ e dada por
(ds)
2= (cdt)
2− (dx)
2− (dy)
2− (dz)
2=
∑
3 µ,ν=0g
µνdx
µdx
ν= dx
µdx
µ, (16) onde x
0= ct. A m´ etrica g
µνtem os seguintes elementos n˜ ao-nulos (diagonal):
g
00= − g
11= − g
22= − g
33= 1. (17) Um espa¸ co deste tipo ´ e denominado de espa¸ co de Min- kowski.
Neste espa¸co, as coordenadas x
µde um evento s˜ ao de- nominadas de contra-variantes e as coordenadas
x
µ=
∑
3 ν=0g
µνx
ν= g
µνx
ν(18) s˜ ao denominadas de co-variantes. Note a presen¸ ca impl´ıcita de um somat´ orio na ´ ultima igualdade em (16) e tamb´ em em (18). O sinal de somat´ orio ser´ a omitido sempre que tivermos dois ´ındices, um contra e outro co-variante, numa mesma express˜ ao (conven¸ c˜ ao de Eins- tein). A m´ etrica (17) deve ser usada para comutarmos entre ´ındices contra e co-variantes (diz-se da subida e descida de ´ındices).
A m´ etrica (17) deve ser usada tamb´ em para alterar seus pr´ oprios ´ındices:
g
µαg
αν= g
µν, g
ναg
αµ= g
νµ, g
µν= (g
T)
νµ= δ
νµ, (19) onde δ
νµ´ e o delta de Kronecker,
δ
νµ= {
1 se ν = µ,
0 se ν ̸ = µ. (20)
Em geral, objetos com dois ´ındices, como a m´ etrica (17), podem ser vistos como matrizes. O ´ındice na esquerda ser´ a o ´ındice das linhas e o ´ındice na direita ser´ a o ´ındice das colunas, independentemente se os ´ındices s˜ ao contra ou co-variantes.
As transforma¸c˜ oes de Lorentz (11)–(12) deixam a distˆ ancia infinitesimal (16) invariante (fa¸ ca o Exerc´ıcio 4). Portanto estas transforma¸c˜ oes devem re- presentar algum tipo de rota¸c˜ ao. Antes por´ em, vamos reescrevˆ e-las numa nota¸c˜ ao covariante:
x
0= γ¯ x
0+ βγ¯ x
1, x
1= βγ¯ x
0+ γ x ¯
1,
x
2= ¯ x
2, x
3= ¯ x
3. (21) Por ser uma transforma¸ c˜ ao linear entre coordenadas, me- lhor expres´ a-la na forma matricial
x
µ= Λ
µνx ¯
ν, (Λ
µν) =
γ βγ 0 0 βγ γ 0 0 0 0 1 0 0 0 0 1
. (22)
Fisicamente, a transforma¸c˜ ao inversa ´ e dada pela troca β → − β aplicada ` a matriz (22). Qual ser´ a a forma co- variante da matriz representando esta transforma¸c˜ ao in- versa? Por inspe¸c˜ ao, encontramos
(Λ
µν) = (g
µαΛ
αβg
βν) =
γ − βγ 0 0
− βγ γ 0 0
0 0 1 0
0 0 0 1
. (23)
Esta matriz ´ e a inversa daquela apresentada em (22).
Por´ em, para escrevermos o produto matricial entre elas numa forma covariante, precisaremos do transposto de (23). Assim, a matriz da transforma¸c˜ ao inversa ´ e
(Λ
−1µν) = (Λ
νµ)
T= (g
ναΛ
T αβg
βµ) =
γ − βγ 0 0
− βγ γ 0 0
0 0 1 0
0 0 0 1
, (24) ou, removendo os ´ındices,
Λ
−1= g
−1Λ
Tg. (25)
Note a semelhan¸ ca (e a diferen¸ca) desta rela¸ c˜ ao com
uma matriz ortogonal R (representando uma rota¸ c˜ ao no
espa¸ co euclidiano), R
−1= R
T= g
−1R
Tg (g ´ e a identi-
dade no espa¸co euclidiano). Note tamb´ em que a inversa
´
e calculada usando uma conjuga¸ c˜ ao (transforma¸c˜ ao de similaridade), um dos procedimentos mais ´ uteis em ma- tem´ atica. A conjuga¸c˜ ao ´ e equivalente a levarmos um ele- trodom´ estico para ser consertado numa oficina e depois o retornarmos para casa (analogia feita pelo Prof. Antˆ onio Conde).
A transforma¸c˜ ao linear (22) representa uma “rota¸c˜ ao”
no plano ct − x, onde γ = cosh ψ, βγ = senh ψ,
cosh
2ψ − senh
2ψ = 1, tanh ψ = β. (26) Novamente, esta rota¸c˜ ao no espa¸ co de Minkowski, reali- zada por fun¸c˜ oes trigonom´ etricas (ou circulares), lembra uma rota¸c˜ ao no espa¸co euclidiano, realizadas por fun¸c˜ oes hiperb´ olicas.
A semelhan¸ca (ou diferen¸ca) entre as fun¸ c˜ oes circula- res e hiperb´ olicas impressionam. As fun¸ c˜ oes circulares representam um c´ırculo unit´ ario,
x
2+ y
2= 1, x = cos θ, y = sen θ, (27) onde o ˆ angulo θ ´ e numericamente igual ao dobro da ´ area da regi˜ ao delimitada pelo vetor posi¸ c˜ ao (x, y), o eixo x (referˆ encia) e o arco circular compreendido. As fun¸c˜ oes hiperb´ olicas representam uma hip´ erbole unit´ aria,
x
2− y
2= 1, x = cosh ψ, y = senh ψ, (28) com
cosh ψ = 1
2 ( e
ψ+ e
−ψ), senh ψ = 1
2 ( e
ψ− e
−ψ), (29) onde o ˆ angulo ψ ´ e numericamente igual ao dobro da ´ area da regi˜ ao delimitada pelo vetor posi¸ c˜ ao (x, y), o eixo x (referˆ encia) e o arco hiperb´ olico compreendido. Desta semelhan¸ ca podemos perceber o qu˜ ao diferentes s˜ ao estes dois espa¸ cos.
Suponha a existˆ encia de trˆ es referenciais inerciais, A, B, C, alinhados como na Figura 1. O referencial A tem uma velocidade relativa a B dada por V e o referencial B tem uma velocidade relativa a C dada por U . Quem ´ e a velocidade relativa W entre A e C em termos das veloci- dades U e V ? Em outras palavras, a aplica¸c˜ ao sucessiva de duas transforma¸ c˜ oes de Lorentz, A →
ΨB e B →
ΦC, ´ e tamb´ em uma transforma¸ c˜ ao de Lorentz, A →
ΩC? Esta situa¸ c˜ ao ´ e melhor analisada em termos dos ˆ angulos de rota¸ c˜ ao
tanh ψ = V
c , tanh ϕ = U
c , tanh ω = W
c , (30) associados a cada uma desta transforma¸c˜ oes. Assim, os elementos da matriz resultante da aplica¸c˜ ao sucessiva das transforma¸c˜ oes de Lorentz A →
ΨB e B →
ΦC s˜ ao
Ω
µν(ω) = Ψ
µα(ψ)Φ
αν(ϕ), (31)
onde
(Ω
µν) =
cosh ω sinh ω 0 0 sinh ω cosh ω 0 0
0 0 1 0
0 0 0 1
, ω = ψ + ϕ. (32)
Da lei de composi¸c˜ ao ω(ψ, ϕ) = ψ + ϕ em (32), tanh ω = tanh(ψ + ϕ) = tanh ψ + tanh ϕ
tanh ψ tanh ϕ + 1 , (33) obtemos uma rela¸c˜ ao entre as velocidades relativas cor- respontes,
W = U + V 1 + U V
c
2. (34)
Esta ´ e a lei de composi¸c˜ ao de velocidades relativ´ısticas (todas na mesma dire¸c˜ ao). Quando as velocidades relati- vas s˜ ao pequenas, recuperamos a lei de composi¸c˜ ao new- toniana (U + V ). Note que mesmo impondo U = V = c, conseguimos apenas W = c. Isto mostra que a velocidade da luz ´ e um invariante, uma constante universal, inde- pendente do movimento de sua fonte. Mostra tamb´ em que n˜ ao conseguimos produzir uma velocidade superior
`
a da luz. A velocidade da luz ´ e um limite superior para velocidades (espero que n˜ ao seja definitivo).
O resultado em (32) mostra que a aplica¸ c˜ ao sucessiva de duas transforma¸c˜ oes de Lorentz ´ e tamb´ em uma trans- forma¸ c˜ ao de Lorentz; ou seja, as transforma¸c˜ oes de Lo- rentz formam um grupo (j´ a verificamos a existˆ encia da identidade, ω = 0, e da inversa, − ω). Neste caso particu- lar, onde alinhamos os eixos dos referenciais, este grupo
´ e abeliano (comutativo). Al´ em disso, como a fun¸c˜ ao ω(ψ, ϕ) = ψ + ϕ em (32) ´ e anal´ıtica, ent˜ ao trata-se de um grupo de Lie. Este grupo ´ e n˜ ao-compacto, pois os ˆ
angulos hiperb´ olicos ψ, ϕ, . . . n˜ ao est˜ ao limitados superi- ormente. Compare este cen´ ario com aquele das rota¸c˜ oes em torno de um eixo (fixo): elas formam tamb´ em um grupo de Lie, por´ em compacto, pois o ˆ anglo θ pode ser limitado ao intervalo 0 ≤ θ ≤ 2π.
II.3. Cinem´ atica relativ´ ıstica
Neste espa¸co da relatividade especial, o espa¸cotempo de Minkowski, o tempo junta-se ` as demais coordena- das espaciais e perde o status de absoluto. Se na mecˆ anica newtoniana o tempo absoluto ´ e o parˆ ametro na- tural da representa¸ c˜ ao param´ etrica de uma trajet´ oria, na mecˆ anica relativ´ıstica esse parˆ ametro natural ´ e o pr´ oprio comprimento s da trajet´ oria. O comprimento de um tre- cho infinitesimal ´ e dado por (16),
(ds)
2= dx
µdx
µ= (cdt)
2− (dx)
2− (dy)
2− (dz)
2= (cdt)
2(1 − v
2c
2) =
[ cdt γ(v)
]
2, (35)
onde v = || ⃗ v || ´ e o m´ odulo (rapidez) do vetor velocidade (de um corpo) e
γ(v) = 1
√ 1 − v
2c
2, dγ
dt = γ
3⃗ v · ⃗a
c
2, ⃗ v = d⃗ r
dt , ⃗a = d⃗ v dt . (36) Embora esse corpo possa estar acelerado, podemos as- sociar a ele um referencial inercial a cada instante, sendo v a sua velocidade relativa. No espa¸cotempo de Min- kowski, taxas de varia¸ c˜ ao em rela¸c˜ ao ao comprimento infinitesimal
ds = cdt
γ(v) (37)
definem 4-velocidade e 4-acelera¸ c˜ ao, u
µ= dx
µds , w
µ= du
µds = d
2x
µds
2, (38) respectivamente, cujas componentes s˜ ao (verifique)
(u
µ) = γ ( 1, ⃗ v
c
) , (39)
(w
µ) = γ
4⃗ v · ⃗a c
3( 1, ⃗ v c
) + γ
2( 0, ⃗a
c
2) (40)
= γ
3⃗ v · ⃗a
c
3(u
µ) + γ
2( 0, ⃗a
c
2) .
Esses dois 4-vetores possuem algumas propriedades inte- ressantes e nada intuitivas. A 4-velocidade ´ e adimensio- nal e unit´ aria:
u
αu
α= dx
αdx
αds
2= 1. (41)
A 4-acelera¸ c˜ ao tem dimens˜ ao de inverso de comprimento,
´
e ortogonal ` a 4-velocidade, u
αw
α= u
αdu
αds = 1 2
d
ds (u
αu
α) = 0, (42) e de m´ odulo dado por
w
αw
α= − γ
4c
4[
a
2+ γ
2c
2(⃗ v · ⃗a)
2]
. (43)
Como ser´ a vista no referencial O a velocidade de um determinado corpo movendo-se com velocidade ¯ v
x¯= d¯ x/d ¯ t no referencial ¯ O , este movendo-se com velocidade constante V em rela¸c˜ ao a O ? Vejamos. A compo- nente x da velocidade deste corpo em O ´ e definida como v
x= dx/dt, ou seja, a raz˜ ao entre as diferenciais dx e dt.
Ent˜ ao, usando as transforma¸ c˜ oes (11)–(12), teremos v
x= dx
dt = d¯ x + β cd ¯ t
d ¯ t +
βcd¯ x = v ¯
x¯+ V
1 +
Vcv¯2x¯. (44) Fazendo o mesmo para as demais componentes, teremos
v
y= dy
dt = v ¯
¯yγ (
1 +
Vcv¯2x¯), (45)
v
z= dz
dt = v ¯
z¯γ (
1 +
Vc¯v2x¯) . (46)
Note que ¯ v
¯x= c implica em v
x= c. Note tamb´ em que a regra de adi¸c˜ ao de velocidades (44) ´ e a mesma encontrada em (34). A regra relativ´ıstica de composi¸c˜ ao de veloci- dades (44)–(46) nunca fornece uma velocidade relativa maior que a velocidade da luz.
Uma situa¸ c˜ ao interessante, an´ aloga ao movimento
“queda livre” no cen´ ario newtoniano, ´ e o movimento re- lativ´ıstico de um corpo sujeito a uma acelera¸c˜ ao cons- tante. No referencial do corpo, a sua velocidade (es- pacial) ´ e nula. Portanto, de (40) sua 4-acelera¸c˜ ao ser´ a ( ¯ w
µ) = (0, ⃗ g/c
2), cujo m´ odulo ´ e ¯ w
µw ¯
µ= − g
2/c
4. Supo- nha tamb´ em que g seja constante (o equivalente de uma queda livre). Como o m´ odulo de um 4-vetor ´ e um inva- riante, ent˜ ao o m´ odulo da 4-acelera¸c˜ ao em (43) deve ser igual a − g
2/c
4. Sendo g constante, podemos alinhar os vetores espaciais velocidade e acelera¸c˜ ao, (⃗ v · ⃗a)
2= (va)
2e a = ˙ v, onde ˙ v significa uma derivada temporal. Neste caso, a express˜ ao do lado direito em (43) simplifica para (verifique)
w
αw
α= − ( γ
3c
2v ˙ )
2= ¯ w
µw ¯
µ= − ( g
c
2)
2, (47) onde impusemos tamb´ em que este m´ odulo ´ e uma cons- tante e invariante. Disto resulta a EDO
˙ ( v
1 − v
2c
2)
32= g, (48)
cuja solu¸ c˜ ao ´ e (verifique)
γ(v) v = gt, v(t) = gt
√
1 + g
2t
2c
2, (49)
onde impusemos v(0) = 0 como condi¸c˜ ao inicial. No regime n˜ ao-relativ´ıstico, gt/c ≪ 1, recuperamos uma ve- locidade linear no tempo, v = gt, e, se formos sufici- entemente pacientes, poderemos ter v > c. No regime relativ´ıstico, mesmo tendo um tempo de vida tendendo ao infinito, o m´ aximo que consiguiremos ´ e v → c (veri- fique), mostrando que mesmo num movimento acelerado (acelera¸ c˜ ao constante), n˜ ao conseguimos ultrapassar a ve- locidade da luz. A velocidade da luz aparece aqui como uma velocidade terminal, caracter´ıstica de objetos em queda livre na presen¸ca de uma atmosfera.
Para esse caso unidimensional, v = ˙ r, onde r ´ e a distˆ ancia radial (ao longo do eixo x, por exemplo). Assim podemos integrar v(t) em (49) para obter como a posi¸ c˜ ao varia com o tempo (verifique):
r(t) =
∫
t t=0v(t)dt = c
2g
(√
1 + g
2t
2c
2− 1
)
. (50)
Note que esta express˜ ao tem ct como ass´ımptota; ´ e como
se a acelera¸c˜ ao desaparecesse depois de um tempo longo,
como ocorre no movimento de objetos em queda livre na
presen¸ ca de uma atmosfera. Isto ´ e condizente com o fato
da velocidade (49) ter c como ass´ımptota. Resta calcular o tempo pr´ oprio deste objeto sujeito a esta acelera¸c˜ ao constante g. Supondo que o objeto esteja na origem de seu pr´ oprio referencial, ent˜ ao da invariˆ ancia do intervalo (16), reescrito na forma (35),
ds = cdt
γ(v) = cdτ, (51)
podemos calcular o tempo pr´ oprio τ do objeto (verifique), τ(t) =
∫
t 0dt γ(v) = c
g senh
−1( gt c
) . (52)
Esta express˜ ao deve ser comparada com t, o tempo no nosso referencial. Em particular, ap´ os um tempo t longo, o tempo pr´ oprio tem (c/g) ln(2gt/c) como ass´ımptota, mostrando que o tempo pr´ oprio τ transcorre de forma mais lenta que o nosso tempo t.
II.4. Dinˆ amica relativ´ ıstica
Podemos usar a 4-velocidade em (39) para definir o 4-momentum linear
p
µ= mcu
µ, p
µp
µ= m
2c
2, (53) onde m ´ e a massa do objeto. Note que esse 4-vetor tem as dimens˜ oes de momentum linear. ´ E muito interessante ob- servar sua componente temporal, p
0= mcγ , multiplicada pelo velocidade da luz (que produz uma quantidade com dimens˜ ao de energia), para velocidades n˜ ao-relativ´ısticas (verifique),
cp
0= γmc
2= mc
2+ 1
2 mv
2+ · · · (54) O primeiro termo mc
2´ e denominado de energia de re- pouso. O segundo termo ´ e a energia cin´ etica newtoniana.
Por isso, a quantidade
E = γmc
2(55)
´
e denominada de energia (mecˆ anica). A energia rela- tiv´ıstica ´ e n˜ ao-nula mesmo na ausˆ encia de movimento, re- sultando na energia de repouso E = mc
2, a qual depende diretamente da massa inercial do objeto. Isto indica que massa e energia s˜ ao manifesta¸c˜ oes de uma mesma quan- tidade. Sabemos hoje que podemos transformar uma na outra. Um exemplo dessa transforma¸c˜ ao ´ e a energia libe- rada na quebra (jun¸c˜ ao) de ´ atomos grandes (pequenos), um processo conhecido por fiss˜ ao (fus˜ ao) nuclear.
O 4-momentum linear (53) reescrito em termos da energia e do momentum linear relativ´ısticos,
(p
µ) = mc(u
µ) = ( E c , ⃗ p )
, ⃗ p = γm⃗ v, (56) cuja intensidade
p
µp
µ= E
2c
2− p
2= m
2c
2(57)
e denominada de rela¸c˜ ao de dispers˜ ao relativ´ıstica. Por inspe¸c˜ ao das defini¸ c˜ oes de energia (55) e momentum li- near (56) relativ´ısticos, encontramos
⃗ p = E
c
2⃗ v. (58)
Esta rela¸ c˜ ao n˜ ao menciona a massa m diretamente e nos diz que um objeto com rapidez || ⃗ v || = c tem momentum p = E /c, que ´ e a componente temporal do 4-momentum em (56). Esta ´ e a rela¸ c˜ ao de dispers˜ ao adequada para objetos que possuem massa nula, como o f´ oton (e neutri- nos).
E poss´ıvel construir uma vers˜ ´ ao relativ´ıstica de se- gunda lei de Newton, onde for¸ ca se iguala ` a taxa de va- ria¸ c˜ ao do momentum linear,
z
µ= dp
µds = mcω
µ, (59)
onde a ´ ultima igualdade ´ e v´ alida somente quando a massa m for constante. note as dimen˜ oes de massa por tempo desse quadrivetor for¸ca. Para massa constante, os qua- drivetores for¸ca e momentum linear s˜ ao ortogonais,
p
αz
α= 1 2
d
ds (p
αp
α) = 1 2
d
ds (mc)
2= 0. (60) Podemos usar as componentes do quadrivetor momen- tum linear dadas em (56) para escrevermos as compo- nentes do quadrivetor for¸ ca,
( z
µ) = γ c
( E ˙ c , ⃗ F )
, ⃗ F = d⃗ p
dt , ⃗ p = γm⃗ v. (61) O princ´ıpio da relatividade de Galileu-Newton agora deve ser enunciado na seguinte forma:
Princ´ ıpio 2 (Relatividade de Einstein)
1. Todas as leis f´ısicas s˜ ao as mesmas em todos os sis- temas inerciais de referˆ encia;
2. A velocidade da luz no v´ acuo tem o mesmo valor em todos os sistemas inerciais.
Este princ´ıpio ´ e conhecido como o princ´ıpio da re-
latividade de Einstein. Note que ele ´ e mais ge-
ral que o princ´ıpio da relatividade de Galileu-Newton
(Princ´ıpio 1), pois agora todas as leis f´ısicas foram de-
vidamente inclu´ıdas.
II.4.1. ∆E = ∆mc
2¯ O
O
V
A
¯ X X
¯
Y Y
c c
Figura 2. Colis˜ ao entre um corpo A e dois f´ otons vista por dois referenciais inerciais em movimento relativo com V ≪ c.
O corpo A est´ a em repouso no referencial O e tem massa M neste referencial.
Tudo que tem massa, possui esta energia ∆E = ∆mc
2armazenada. At´ e a descoberta desta rela¸ c˜ ao, acreditava- se na conserva¸ c˜ ao da energia e da massa separadamente.
Hoje sabemos que massa e energia s˜ ao manifesta¸c˜ oes de uma mesma quantidade f´ısica (ainda sem nome!). Se- guindo o pr´ oprio Einstein, ´ e instrutivo realizarmos uma deriva¸ c˜ ao elementar desta equivalˆ encia entre massa e energia. Consideremos um sistema como ilustrado na Figura 2. O corpo A est´ a em repouso no referencial O e tem massa M . Neste mesmo referencial, observamos dois f´ otons (luz) movendo-se na mesma dire¸ c˜ ao mas em sentidos opostos, os quais ser˜ ao absorvidos pelo corpo A.
Supondo que cada f´ oton tenha uma energia igual a E /2, o corpo A ter´ a sua energia aumentada por ∆E = E .
O f´ oton ´ e uma part´ıcula curiosa, pois ele n˜ ao tem carga el´ etrica e nem massa de repouso, isto ´ e, um f´ oton parado em algum referencial inercial teria massa nula. No en- tanto ele s´ o pode estar em movimento! Mas como, se ele n˜ ao tem massa? Mesmo n˜ ao tendo massa, o f´ oton pode ter ent˜ ao uma quantidade de movimento n˜ ao-nula! O momentum linear do f´ oton ´ e a sua energia dividida pela velocidade da luz (no v´ acuo). Devemos lembrar que o f´ oton carrega a menor quantidade de energia em um feixe luminoso. Esta energia depende apenas da frequˆ encia ν da luz e da constante de Planck h = 6.626 × 10
−34J s, E = hν. Por isso ele ´ e denominado de quantum de luz (ou da radia¸ c˜ ao eletromagn´ etica). O f´ oton foi descoberto por Max Planck em 1900 (Planck recebeu o prˆ emio Nobel em 1918 por esta descoberta). Coube a Einstein esclarecer a natureza corpuscular (composta de muitos f´ otons) da luz em 1905 (ele recebeu o prˆ emio Nobel em 1921, por esta e outras contribui¸ c˜ oes ` a f´ısica te´ orica).
¯ O
V
A
¯ X
¯ Y
c c
α α
Figura 3. Colis˜ ao entre um corpo A e dois f´ otons vista pelo referencial inercial em movimento ¯ O com V ≪ c.
De volta ao nosso experimento: uma colis˜ ao entre trˆ es corpos, onde um dos corpos (o corpo A) absorve dois f´ otons. Estes trˆ es corpos est˜ ao isolados. Portanto, de acordo com a segunda lei (princ´ıpio 2 do Cap. 2) h´ a con- serva¸ c˜ ao do momentum linear. Como o momentum linear
´ e um vetor, devemos olhar para as trˆ es dire¸c˜ oes em cada referencial. No referencial O onde o corpo A est´ a em repouso, a componente no eixo X do momentum linear total ´ e nula, pois cada f´ oton tem p
x= E /2c, mas em sentidos opostos e o corpo A est´ a em repouso. Depois da colis˜ ao, eles s˜ ao completamente absorvidos e, por sime- tria, o corpo A continua em repouso. Portanto h´ a con- serva¸ c˜ ao da componente X do momentum linear. Como n˜ ao h´ a movimento nas demais dire¸ c˜ oes (Y e Z), n˜ ao pre- cisamos nos preocupar como as respectivas componentes do momentum linear.
Passemos agora para o outro referencial inercial em movimento, ¯ O . Este referencial est´ a em movimento uni- forme ao longo eixo Y , como indicado na Figura 2. Neste referencial em movimento, nosso experimento ´ e visto como mostrado na Figura 3. Considerando que o fator β = V /c ´ e pequeno, podemos aproximar o ˆ angulo α pelo seu seno,
sin(α) = V
c ≃ α. (62)
Assim, antes da colis˜ ao, o momentum linear total no eixo Y ¯ ´ e
P
y¯(a)= M V + 2 ( E
2c sin(α) )
= M V + E
c
2V. (63) Na verdade, tanto a massa M do corpo A quanto o mo- mentum linear do f´ oton E /2c no referencial ¯ O deveriam sofrer corre¸c˜ oes relativ´ısticas. No entanto, estas corre¸ c˜ oes s˜ ao muito pequenas se β = V /c ´ e pequeno, que ´ e o caso em quest˜ ao (veja o Exerc´ıcio 8). Bem e depois da ab- sor¸ c˜ ao? Vimos no referencial em repouso O que o corpo A permanece em repouso ap´ os a colis˜ ao dos dois f´ otons.
Portanto ele ter´ a de continuar com a velocidade V ao
longo do eixo ¯ Y , como indicado na Figura 3, mesmo
ap´ os a colis˜ ao (explique). Ap´ os a colis˜ ao os dois f´ otons
n˜ ao existem mais, devido ` a absor¸ c˜ ao. Ent˜ ao, para n˜ ao
concluirmos que os f´ otons n˜ ao existiam antes da colis˜ ao
devido ` a conserva¸ c˜ ao do momentum linear, ou ent˜ ao para
n˜ ao concluirmos que a conserva¸ c˜ ao do momentum linear est´ a errada, temos de supor uma massa M
′̸ = M para o corpo A ap´ os a colis˜ ao. Assim, ap´ os a colis˜ ao o mo- mentum linear total no eixo ¯ Y ´ e P
¯y(d)= M
′V . Como o momentum linear deve ser conservado, pois n˜ ao existem for¸cas externas, ent˜ ao
M V + E
c
2V = M
′V, (64) de onde obtemos
∆M = M
′− M = E c
2= ∆E
c
2. (65) Este resultado est´ a nos dizendo que a energia ∆E, ab- sorvida ou liberada por um corpo, ´ e equivalente a uma varia¸ c˜ ao ∆m na sua massa de repouso m, ∆E = ∆m c
2. Veja o Exerc´ıcio 10 para um exemplo num´ erico. Esta rela¸ c˜ ao entre massa e energia explica porque o f´ oton tem uma quantidade de movimento, mesmo n˜ ao tendo uma massa de repouso (como a nossa): ele tem energia. N˜ ao poder (nunca) estar parado, ´ e o pre¸co que ele paga por n˜ ao ter uma massa de repouso, ele precisa estar sempre em movimento.
III. EXERC´ ICIOS Exerc´ ıcio 1
Mostre que as transforma¸ c˜ oes de Galileu (4) n˜ ao deixam a distˆ ancia infinitesimal (7) invariante. Mostre que as rota¸ c˜ oes (8) deixam a distˆ ancia infinitesimal (7) invari- ante (considere tamb´ em dt = 0).
Exerc´ ıcio 2
Mostre que as rela¸ c˜ oes (9) est˜ ao corretas e determine explicitamente o valor de γ.
Exerc´ ıcio 3
Determine explicitamente as transforma¸c˜ oes para o tempo, mostradas na segunda coluna das Eqs. (11) e (12), a partir das rela¸ c˜ oes (1) e (2).
Exerc´ ıcio 4
Mostre que as transforma¸c˜ oes de Lorentz (11)–(12) dei- xam a distˆ ancia infinitesimal (16) invariante.
Exerc´ ıcio 5
Determine explicitamente as rela¸ c˜ oes (14) e (13).
Exerc´ ıcio 6
Determine explicitamente os resultados (44), (45) e (46).
Exerc´ ıcio 7
Quais s˜ ao os valores relativos das contra¸ c˜ oes espacial ( ¯ L/L) e temporal ( ¯ T /T ) quando β = 0.3, β = 0.6, β = 0.9 e β = 0.99?
Exerc´ ıcio 8
Mostre, usando a s´ erie de Taylor, que a corre¸c˜ ao rela- tiv´ıstica (10) pode ser escrita na forma de uma s´ erie de potˆ encias quando β ≪ 1,
γ ≃ 1 + 1 2 β
2+ 3
8 β
4. (66)
Exerc´ ıcio 9
Considere a part´ıcula denominada de m´ uon. Ela tem a mesma carga de um el´ etron, mas uma massa cerca de 200 vezes maior. Ela ´ e inst´ avel: ap´ os o tempo ¯ L = 2.2 µs (medido no referencial do m´ uon (lento) em laborat´ orios) ela se transforma (decai) em outras part´ıculas. Quando o m´ uon vem de raios c´ osmicos, ele penetra nossa atmosfera com uma velocidade V = 0.99c e chega at´ e o solo em grandes quantidades. Explique como o m´ uon chega at´ e a superf´ıcie (poucos kilˆ ometros abaixo do in´ıcio da nossa atmosfera).
Exerc´ ıcio 10
O is´ otopo
216Po do ´ atomo de polˆ onio, n´ umero atˆ omico Z = 84, massa atˆ omica 216.001889 u.m.a., foi descoberto por Marie Curie em 1893, como um ´ atomo radioativo.
Pela descoberta de ´ atomos radioativos, ela e seu marido (Pierre) receberam o prˆ emio Nobel em 1903. Vale menci- onar que ela recebeu um segundo prˆ emio Nobel em 1911 pela descoberta do polˆ onio. O processo de desintegra¸ c˜ ao do polˆ onio ´ e
216