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O sujeito pré-adolescente: uma visão multidimensional

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE

CATÓLICA DE

BRASÍLIA

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

STRICTO SENSU EM PSICOLOGIA

Mestrado

O SUJEITO PRÉ-ADOLESCENTE:

UMA VISÃO MULTIDIMENSIONAL

Autora: Ternise Castelar Tôrres

Orientadora: Profª. Drª. Carmen Jansen de Cárdenas

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TERNISE CASTELAR TÔRRES

O SUJEITO PRÉ-ADOLESCENTE: UMA VISÃO

MULTIDIMENSIONAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação

Stricto Sensu em Psicologia da

Universidade Católica de Brasília, para obtenção do título de Mestre.

Área de Concentração: Saúde e Desenvolvimento Humano

Orientadora: Profª. Drª Carmen Jansen de Cárdenas

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TERMO DE APROVAÇÃO

Dissertação de autoria de Ternise Castelar Tôrres, intitulada: O Sujeito Pré-Adolescente: Uma Visão Multidimensional, defendida e aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação Stricto

Sensu da Universidade Católica de Brasília, em 21 de setembro de 2007, pela banca

examinadora constituída por:

____________________________________________________

Professora Doutora Carmen Jansen de Cárdenas

Orientadora –UCB

_____________________________________________

Professora Doutora Regina Lúcia Sucupira Pedroza

Examinador Externo – UnB

_____________________________________________________

Professora Doutora Sandra Francesca Conte de Almeida

Examinadora - UCB

_____________________________________________________

Professora Doutora Tânia Maria de Freitas Rossi

Examinadora Suplente – UCB

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Dedico este trabalho a meus pais

Li Tôrres (in memoriam) e

Terezinha a quem agradeço pela magia e alegria da vida.

A minha querida filha Thamires pelo amor e crescimento mútuo.

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AGRADECIMENTOS

A todas as pessoas que constroem a Universidade Católica de Brasília, em especial a Equipe de Pós-Graduação Stricto Sensu, Mestrado em Psicologia, pela qualidade de trabalho oferecido aos alunos, quer pela excelência profissional dos docentes, quer pela seu construto filosófico, que busca o desenvolvimento humano respaldado na Ciência norteada pelos princípios éticos. Entre os docentes gostaria de destacar as contribuições da Profª Drª Sandra Francesca Conte de Almeida e Profª Drª Tânia Maria de Freitas Rossi.

Agradecimento especial a Profª Drª Carmen Jansen de Cárdenas, orientadora, pela sua dedicação, zelo, interesse e prestimosas contribuições para o enriquecimento deste trabalho.

A minha família, em especial a minha irmã Maria Goretti, pela permanente manifestação de afeto e cumplicidade em momentos relevantes.

Aos meus queridos amigos pelo estímulo incansável e pela relevância ao não comparecimento aos nossos encontros, principalmente aos grupos de estudo da DEP e Core Energetics. Destaco as carinhosas palavras de Aidda Pustilnik, Sandra Carvalho e Maria Célia.

A toda equipe, parceiros e clientes do Espaço Terapêutico Adoleser pelo efetivo apoio, paciência e compreensão, principalmente nos momentos críticos, para o desenvolvimento das atividades de campo, em que minhas ausências foram sentidas. Queridos Ângela Paiva, Daniela Santos, Darcy Costa, Fabiana Leal, Fernanda Sutoff, Fernando Aguiar, Polyanna Santos e Mônica Filizola, o meu profundo agradecimento.

Ao estimado companheiro Channa pelo respeito e nutrição afetiva neste momento especial da minha jornada.

A Direção, Coordenação Pedagógica, Professores e Alunos da Escola que abriu as portas para o trabalho de campo, com especial atenção as professoras Arabela, Maria Luiza e Patrícia.

(6)

Este é um estudo acerca do sujeito pré-adolescente (idade entre 10 e 14 anos), a partir das novas perspectivas da Psicologia do Desenvolvimento, que entende o processo de transformação e crescimento da pessoa durante a vida toda. Pretendeu-se investigar as influências positivas e negativas do atual contexto sócio-histórico no processo de significação da identidade desse sujeito, reconhecendo temas do seu interesse e suas idéias em relação a esses temas. O estudo se torna relevante na medida em que aprofunda o entendimento da pessoa humana, em especial da mencionada faixa etária. A partir de uma visão global e não fragmentada, auxilia educadores e profissionais da área de saúde a conhecer as especificidades desse estágio de desenvolvimento humano, minimiza as dificuldades de relacionamento com eles e torna a prática profissional mais consciente. Quase nenhum estudo existe com relação a essa clientela. O trabalho foi pautado dentro da teoria de Henri Wallon, e os sujeitos foram ouvidos e observados em oficinas de desenho, colagem e grupos focais. Apuração dos dados foi efetuada pela análise de conteúdo e processamento eletrônico do software Alceste. Foram identificados 18 temas de interesse para esta faixa etária, os quais em sua maioria são trabalhados em oficinas temáticas para adolescentes, com exceção dos temas trabalho e

cidadania. Os temas não coincidentes referem-se às questões importantes para a idade:

moda, mudanças no corpo/emoções, bandas de sucesso, alimentação e dinheiro. Os dados apurados pelo Alceste, os quais consolidam a fala dos sujeitos, sugerem que os sujeitos de ambos os sexos com idade entre 10 e 11 e os sujeitos do sexo masculino com idade 12 a 13 anos encontram-se efetivamente na idade púrbere, com todas as suas implicações corporais, emocionais e cognitivas. Já as meninas com idade entre 12 e 13 anos encontram-se incorporadas nos hábitos adolescentes. Outras especificidades foram encontradas, tais como a dinâmica entre as Dimensões Pessoal e Social. Na primeira dimensão a História de Vida, os Hábitos e a Família encontram-se correlacionados positivamente entre si em contraposição com a Dimensão Social caracterizada pelos

Contexto Sócio-econômico e Relacionamentos afetivos/sexualidade.

(7)

This study has addressed the preadolescent subject (age 10 to 14), from the new perspectives of Developmental Psychology that understands the process of transformation and growth of the person during the lifespan. The purpose of the study was to investigate the positive and negative influences of the contemporary socio-historical context in the process of signification of the identity of this subject, recognizing themes that interest the subject, and subject’s ideas related to those themes. The relevancy of this study is in deepening the understanding of the human being, specially at the above mentioned age group, from a non-fragmented and global vision, in helping educators and health professionals to know the specificities of the preadolescent stage of human development, as well as minimizing the relationship difficulties with them and bringing more conscience to professional practice. Previous research concerning this clientele is scarce. The work presented here was based on the theory of Henry Wallon. Subjects were listened to and observed in drawing workshops, collage and focus groups. The data was verified through content analysis and processed by the software Alceste. Eighteen themes of interest were identified for the preadolescent age group, most of which were usually worked on in adolescents’ workshops, except the themes employment and citizenship. The themes that were not coincident are related to questions relevant for this age: fashion, changes in the body/emotions, success bands, alimentation and money. The data suggests that the subjects of both sex between 10 and 11 years of age and the male subjects 12 to 13 years of age are effectively in the puberty. The girls between the age of 12 and 13 years of age displayed the adolescent habits. Other specificities were also found, such as the dynamic between the Personal and Social Dimensions. At the first dimension Life

History, Habit, and Family are positively correlated and contra positioned to Social

Dimension characterized by Socio-economics and Affective Relationships/ sexuality.

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Tabela 1 – Número de encontros por turma . . . . . . 81 Tabela 2 – Categorização dos textos escritos na oficina de sensibilização. . 86 Tabela 3 – Análise Lexical dos textos obtidos nas oficinas de sensibilização 87 Tabela 4 – Consolidação dos temas escolhidos pelos pré-adolescentes . . . 90 Tabela 5 - Categorização dos temas por critério semântico e freqüências

significativas . . . . . . .91

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Classificação Hierárquica Descendente do corpus composto

pelo discurso apurado nos grupos focais . . . .119 Figura 2 – Distribuição das classes por porcentagem . . . . . 120

Figura 3 – Resumo da incidência dos sujeitos/características por classe. . 120 Figura 4 – Análise Fatorial – Representação em coordenadas . . . . 121 Figura 5 – Análise Fatorial – Distribuição dos sujeitos e das classes . . . . 122 Figura 6 – Disposição Gráfica da Primeira e Segunda Classificação

Hierárquica Descendente (2ª. Etapa) . . . .. . . 123 Figura 7 – Análise Fatorial Correspondente em correlação . . . . . 124

(9)

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Distribuição dos sujeitos da 1ª. Etapa por domicílio . . . . . . 82

Gráfico 2 – Distribuição dos sujeitos da 1ª. Etapa por série . . . . . 82

Gráfico 3 – Distribuição dos sujeitos da 1ª. Etapa por sexo . . . 83

Gráfico 4 – Distribuição dos sujeitos da 1ª. Etapa por faixa etária . . . 83

Gráfico 5 – Distribuição dos sujeitos da 1ª. Etapa por série,

dentro da faixa etária 10-11 anos . . . 84

Gráfico 6 – Distribuição dos sujeitos da 1ª. Etapa por série,

dentro da faixa etária 12-13 anos . . . 84

Gráfico 7 – Distribuição dos sujeitos da 2ª. Etapa por série . . . 92

Gráfico 8 – Distribuição dos sujeitos da 2ª. Etapa por domicílio . . . . 92

Gráfico 9 – Distribuição dos sujeitos da 2ª. Etapa por domicílio e sexo . . 92

Gráfico 10 – Distribuição das meninas que participaram do grupo focal

por série e idade . . . 93

Gráfico 11 – Distribuição dos meninos que participaram do grupo focal

por série e idade . . . 93

(10)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO:

Apresentação . . . 12

Questões para reflexão . . . . . . 16

Objetivos . . . 19

Justificativa . . . 20

CAPÍTULO I: BASE ESPISTEMOLÓGICA: A PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E O MATERIALISMO DIALÉTICO EM WALLON . . . 27

CAPÍTULO II : VIDA E OBRA DE HENRI WALLON, SUA VISÃO MULTIDIMENSIONAL E O SUJEITO PRÉ-ADOLESCENTE . . . 42

O Desenvolvimento Infantil . . . . . . . 43

Puberdade e Adolescência . . . 45

Conflitos: a construção da pessoa . . . . . . 47

As emoções . . . 49

O movimento . . . 51

Pensamento, linguagem e conhecimento . . . 53

Educação . . . 54

A visão multidimensional emWallon: algumas reflexões . . . 55

O sujeito pré-adolescente: contribuição de outros autores . . . 59

(11)

CAPÍTULO IV

MÉTODO . . . 72

Sujeitos . . . 74

Local . . . 75

Procedimentos . . . 75

Material . . . 78

Apuração dos resultados . . . 78

CAPÍTULO V RESULTADOS 5.1 – 1ª. Etapa: Oficinas de Sensibilização e Levantamento dos Temas . . . 81

5.1.1 – Os sujeitos . . . 81

5.1.2 – As oficinas de sensibilização . . . 84

5.1.3 – As oficinas de Levantamento dos Temas . . . 89

5.2 – 2ª. Etapa: Realização dos Grupos focais . . . 91

5.2.1 – Os sujeitos . . . 91

5.2.2 - A realização dos grupos focais . . . 94

5.2.3 - A auto-apresentação . . . 95

5.2.4 - Síntese dos discursos por temas trabalhados nos grupos focais . . . 97

5.2.4 - Dados apurados pelo Alceste . . . 118

5.3 - 3ª. Etapa: Aula Expositiva sobre Educação Sexual . . . 124

CAPÍTULO VI DISCUSSÃO . . . 125

CONSIDERAÇÕES FINAIS: . . . 140

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: . . . 144

(12)

INTRODUÇÃO

“Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda Brilha, porque alta vive.”

Fernando Pessoa (Ricardo Reis).

Apresentação

O interesse por este trabalho surgiu há mais de trinta anos e se confunde com a minha própria história de vida. Aos treze anos de idade me inscrevi para atuar como instrutora do programa de alfabetização proposto pelo governo, à época denominado MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização1. Naquele momento comecei a perceber que o processo de ensino-aprendizagem era maior do que a simples transmissão de conhecimento. Ao testemunhar o desejo de “libertação” daqueles adultos em coisas simples do dia-a-dia, tais como autonomia para ler o letreiro de um ônibus, escrever uma carta para parentes, passei a observar o quanto lhes era importante aquele espaço. A despeito das sérias dificuldades, investiam seu tempo na busca de uma vida melhor. Uma das falas de uma aluna ainda permanece em minha memória: “Pois é, fessora, eu quero aprender a ler e escrever porque essa vida de cunzinha não tem muito futuro. A gente sofre muito na casa dos

outros.” E questionamentos surgiam: qual o conhecimento que essas pessoas procuram?

Parecia que alguma coisa se sobrepunha ao cognitivo. Cidadania? Esse tema era desconhecido para mim. O Brasil estava em plena ditadura militar e tanto em casa como na escola não se falava sobre o assunto.

(13)

Alguns anos mais tarde, após concluir o curso de licenciatura em Ciências com habilitação em Matemática, fui trabalhar como docente em uma escola pública da periferia de Brasília. Recém chegada, foram-me designadas as chamadas “últimas” turmas de 5ª. e 6ª. séries. Naquela época as turmas eram distribuídas por idade, e as últimas referiam-se a alunos (geralmente) três vezes repetentes em matemática e tidos como indisciplinados. Alguns deles, inclusive, encontravam-se sob tutela e acompanhamento de centros de recuperação para adolescentes em situação de conflito com a lei. Para uma jovem de pouco mais de vinte anos foi uma grande experiência. Novas questões vieram: o que é ser educador em tais circunstância e realidade? Qual o sentido da matemática para esses adolescentes? Quais as prioridades de educação para essa clientela? O que é mais importante: o assassinato que aconteceu ao lado de casa ou as expressões de álgebra escritas no quadro?

Como docente de ciências foi-me dada oportunidade de lecionar Ciências e Programa de Saúde. Comecei a trabalhar com eles as questões de saúde, autocuidado, sexualidade e doenças sexualmente transmissíveis. Nessa época, a imprensa falava sobre AIDS, as discussões em sala de aula sobre o tema sempre aconteciam e literatura sobre o assunto não existia. A internet ainda não era acessível. Somente revistas como a Playboy2 traziam algumas referências de artigos científicos e informações mais consistentes. Isto demonstra o quanto era precário o apoio ao educador, frente à realidade que encontrava na sala de aula.

Por vezes, as aulas de matemática serviam, também, de espaço para os alunos colocarem seus conflitos e questões pessoais. Para os adolescentes era muito proveitoso este momento, entretanto eu entrava em profundo conflito ao me questionar quanto ao cumprimento do conteúdo programático. Este aspecto era muito cobrado do professor. Acreditava-se que a omissão de temas prejudicaria os alunos, pois lhes reduziria as oportunidades para o vestibular e concursos públicos. Os cursos profissionalizantes haviam

(14)

sido abolidos do currículo escolar.

Não suportei a carga da atividade docente, então praticada por dois anos. Com profundo sentimento de incompetência abandonei a profissão. Entretanto, o conflito não foi superado, e uma forte sensação de fracasso ficou em meu coração. Minha alma não se aquietou. Fui buscar o autoconhecimento, por meio da psicoterapia, como uma forma de encontrar respostas para as questões existenciais que a vida me trouxera: conciliar o desejar, o pensar, o sentir e o agir.

Anos mais tarde voltei à universidade para cursar Psicologia. Comecei a trabalhar na área clínica, com especial atenção aos pré-adolescentes. Atuando há oito anos, tenho observado uma grande lacuna nos cursos de pós-formação e especialização em relação a esses sujeitos. Alguns estudos colocam essa faixa etária na categoria das crianças; outros, na dos adolescentes. Além disso, a maioria dos programas de qualificação em Psicologia apresenta a pessoa de forma fragmentada, algumas vezes valorizando os aspectos cognitivos, outras os socioculturais, os sexuais, perdendo a perspectiva integral de desenvolvimento.

Por outro lado, em contato com escolas tenho identificado a mesma situação por mim vivenciada como educadora, passados vinte anos: os professores encontram-se despreparados, sem apoio e inseguros com relação a sua prática profissional. Também na área da saúde tenho observado o quanto o sistema atua fragmentando as pessoas. Cada especialista -- o médico, o psicólogo, o assistente social, o educador -- pelo pouco tempo de contato com uma dada pessoa, e necessitando dar uma resposta imediata, acaba por enquadrá-la em algum rótulo da sua especialidade, sem ouvir, conhecer e contextualizar seja o indivíduo, seja a área de atuação do outro profissional. Rótulos vão sendo dados à revelia sem o cuidado e acompanhamento adequados.

(15)

poderia trazer para o modelo clínico perspectivas integrais do ser humano sem a responsável reflexão teórica --, voltei para a academia com a intenção de buscar mais conhecimento, refletir e discutir. Enfim, ampliar as perspectivas de debate, principalmente interno e, em certo sentido, unificar-me. Integrar-me para que a minha prática clínica também se tornasse íntegra. Desejei com esse retorno desvendar novos caminhos para, sem deixar de fazer psicologia, ver a pessoa de forma integral.

E assim o desafio se apresenta: o que se pode chamar de desenvolvimento integral da

pessoa, em especial do adolescente, frase tão ouvida nos congressos sobre adolescentes e

bandeira defendida pelos Ministérios da Saúde e da Educação? Até que ponto sabe-se disto ou pensa-se saber sobre isto?

(16)

Questões para reflexão

Como psicóloga clínica de pessoas entre 10 e 17 anos de idade, temos desenvolvido vivências terapêuticas em pequenos grupos. Tomando por base pesquisas desenvolvidas por ONGs, como, por exemplo, “A voz do adolescente”3 e outras apresentadas em congressos, trabalhamos com a hipótese de que temas de interesse dos pré-adolescentes (faixa etária de 10 a 14 anos) são semelhantes aos dos adolescentes (15 a 19 anos). Entretanto, inexistem estudos que ratifiquem tal entendimento.

Uma das questões que levantamos é que a inexistência de pesquisas diferenciando essas faixas etárias inspira-se, em sua maioria, na proposta do atual ECA-Estatuto da Criança e do Adolescente, que dispõe em seu segundo artigo: “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e

dezoito anos de idade” (Brasil,1990). Entretanto, a Organização Mundial de Saúde-OMS,

diferentemente do exposto no ECA, propõe que a adolescência abrange a pré-adolescência (faixa etária entre 10 e 14 anos) e a adolescência propriamente dita (dos 15 aos 19 anos). Para a OMS, a fase adolescente constitui um processo fundamentalmente biológico de vivências orgânicas no qual se aceleram o desenvolvimento cognitivo e a estruturação da personalidade (WHO, 1974).

À vista da inexistência de consenso, e considerando que as intervenções da psicologia extrapolam o enquadramento jurídico proposto pelo ECA e o biológico/orgânico proposto pela OMS, pensamos em abrir, com a presente pesquisa, um espaço para o debate sobre o sujeito pré-adolescente. Buscamos identificar, a partir da análise de conteúdo da sua fala, quais as especificidades do seu modo de pensar e agir. Como foco de pesquisa, tentamos

(17)

identificar quais os temas de interesse para debate no referido grupo. A necessidade de estudar o assunto está respaldada nos enganos que podem ser cometidos em intervenções clínicas e até mesmo no âmbito escolar com relação ao grau de aprofundamento e forma de abordagem para essa faixa etária. A forma como se trabalha e contextualiza as questões sobre sexualidade, por exemplo, com um adolescente de 18 anos, que hipoteticamente tem uma vida sexual ativa, deve ser diferenciada da de um pré-adolescente de 12 anos que começa a despertar para esta questão? Em quais aspectos? O senso comum provavelmente dirá que sim, mas isto pode ser comprovado? Pensamos e pretendemos investigar se nos âmbitos clínico e escolar faz-se necessário o entendimento do sujeito pré-adolescente de forma diferenciada. Buscamos, também, entender se há adequação dos temas trabalhados e desenvolvidos com os pré-adolescentes.

Algumas Secretarias de Educação, como a da cidade de Valentim Gentil, no estado de São Paulo,4 e a do Estado do Mato Grosso5 têm focalizado atividades direcionadas especificamente para os pré-adolescentes. Entretanto, geralmente, os projetos desenvolvidos por ONGs, entidades públicas e até mesmo particulares são criados e desenvolvidos sem o verdadeiro e consciente conhecimento por parte dos profissionais com relação à necessidade de divisão e adequação de conteúdos entre pré-adolescentes e adolescentes. Então, pergunta-se: quais seriam os temas mais valorizados pelo pré-adolescente inserido no atual contexto sócio-cultural-histórico e quais as suas idéias com relação a esses temas? Como desdobramento dessa questão principal, temos, ainda, a intenção de investigar se pessoas dessa faixa etária teriam dificuldade em expressar verbalmente os seus pensamentos e sentimentos, ou seja, como se processa a conexão entre o pensar e o sentir. No âmbito da clínica existe grande incidência dessa desconexão. Levantamos a hipótese de este ser um

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fator presente apenas na área clínica, pela própria característica da mesma.

Finalmente, observamos, no convívio diário com essa faixa etária, que com o advento da puberdade surgem questões importantes no que diz respeito à relação desse sujeito com o corpo, com a família e com pessoas do seu círculo. No primeiro aspecto, o corpo, supomos que o pré-adolescente teria dificuldades em se perceber através dele, além de vivenciá-lo de forma sub ou super valorizada, o que interferiria sobremodo na sua auto-estima. Com referência à família, temos a hipótese de que esse sujeito vivencia situações conflitantes que se polarizam entre o abandono – na fala dos pais: “Ele (ou ela) já tem tantos anos” – e a superproteção – “Ele (ou ela) ainda tem tantos anos”. Supomos, por outro lado, que as pessoas do seu círculo servem de referência importante no seu desenvolvimento afetivo e até mesmo na constituição da sua identidade.

(19)

Objetivos

Objetivo Geral:

O objetivo geral desse trabalho é identificar temas de interesse do sujeito pré-adolescente, bem como conhecer as suas opiniões com referência a esses temas.

Identificar os temas de interesse e ouvir sua opinião sobre eles implica em conhecer esse sujeito para compreendê-lo melhor, possibilitando, assim, a melhoria no relacionamento e na comunicação com ele, tanto no processo ensino-aprendizagem como na prática clínica, já que o não-conhecimento dessas peculiaridades gera intervenções inapropriadas e desnecessárias. Assim, conhecer, nesse trabalho, é entendido pela própria concepção do verbo, conforme define Ferreira (1975, p.366): do latim cognoscer, ter noção, conhecimento, informação, de; saber; ser muito versado em; travar conhecimento com; conviver com; distinguir, reconhecer. Este objetivo mais abrangente relaciona-se com o contexto sócio-cultural e histórico do pré-adolescente.

Objetivos específicos:

Com o objetivo de focalizar a subjetividade do pré-adolescente e oferecer especificidade à presente pesquisa, estabelecemos os seguintes objetivos específicos:

• identificar os temas os mais valorizados pelo pré-adolescente;

• avaliar se os temas de interesse nomeados pelos pré-adolescentes são semelhantes

àqueles abordados na pesquisa “A voz do adolescente”;

• Identificar, pela análise de conteúdo das verbalizações, como esse sujeito percebe as

suas relações familiares e a sua faixa etária;

• avaliar eventual dificuldade de expressão desse sujeito;

• identificar, através de relatos, que pessoas do seu convívio pessoal são representativas

(20)

Justificativa

A Psicologia do Desenvolvimento, na forma como se apresenta atualmente, tem avançado muito ao conseguir efetivar diálogos entre as diversas concepções teóricas clássicas da Psicologia (Behaviorismo, Psicologia genética de Piaget, etc) sobre o desenvolvimento humano. Falamos, hoje, de visões lifespan em que a pessoa se desenvolve ao longo de sua vida e de concepções biopsicossocial do desenvolvimento (Cárdenas, 2000; Bérger, 2003; Shaffer, 2005). Entretanto, as pesquisas geralmente focalizam temas e partes específicas do ser humano, como, por exemplo, cognição, afetividade, inteligência, memória. Dentro da prática clínica, principalmente quando desejamos focalizar aspectos de saúde e resiliência, necessitamos de uma visão mais global do ser humano. E assim nos questionamos: tal visão é possível?

Shaffer, citado acima, no capítulo que denominou “Encaixando todas as peças”, no epílogo do seu livro, afirma categoricamente que “o desenvolvimento humano é um

empreendimento holístico” (Id. ibid. p. 618), pois somos ao mesmo tempo seres físicos,

cognitivos, sociais e emocionais, e todas essas tendências de desenvolvimento estão interligadas como um todo na pessoa, especialmente na infância e adolescência. Além disso, assinala:

Certamente somos afetados por muitas pessoas com as quais não escolhemos

interagir (professores de escolinhas, colegas de classes, ..., etc.). Mas tão certo como criamos

nosso próprio ambiente, também influenciamos aqueles que nos rodeiam, e, assim fazendo,

contribuímos para o nosso próprio desenvolvimento. É essa constante “transação” entre uma

pessoa ativa e um ambiente em constante mudança, influenciando, um ao outro de modo

recíproco, que direciona o desenvolvimento” (Id., ibid. p. 619).

(21)

o processo de desenvolvimento e de aprendizagem a partir da inclusão da afetividade, como da relevância desse aspecto em todas as teorias de desenvolvimento. Como exemplo podemos citar a obra organizada por Arantes (2003), A afetividade na escola: alternativas teóricas e

práticas. Expressa a autora na apresentação da obra: “um aspecto comum a todos os textos

(...) é o fato de questionarem os tradicionais dualismos do pensamento ocidental e

compartilharem da premissa de que cognição e afetividade, razão e emoção, são dimensões

indissociáveis no funcionamento psíquico humano. Esse fato, por si só, parece lançar um

grande desafio a todos os profissionais da educação: incorporar essa premissa na

organização e estruturação do trabalho educativo cotidiano” (p. 13).

Por seu turno, entende Almeida (1999), de forma mais específica, que “a sala de aula é um ambiente onde as emoções se expressam, e a infância é a fase emocional por excelência.

Como em qualquer outro meio social, existem diferenças, conflitos e situações que provocam

os mais variados tipos de emoção. E, como é impossível viver num mundo sem emoções, ao

professor cabe administrá-las, coordená-las. É-lhe imprescindível uma atitude corticalizada,

isto é, racional, para poder interagir com os alunos. (...) O professor deve procurar utilizar

as emoções como fonte de energia e, quando possível, as expressões emocionais dos alunos

como facilitadores do conhecimento. É necessário encarar o afetivo como parte do processo

de conhecimento, já que ambos são inseparáveis” (p.103).

Pedroza (1993) vai além, ao pontuar a importância do entendimento do desenvolvimento também a partir da sexualidade. “Além da importância de uma educação sexual na escola, (...), é necessário que o sexual seja tratado da mesma forma que outros

assuntos importantes que surjam em sala de aula” (p.125).

(22)

sentem-se perdidos em relação a si próprios e totalmente incompetentes para lidar com esses assuntos, quer na relação aluno-professor, quer no processo ensino-aprendizado. Daí a reflexão: até que ponto seria justo exigir do professor essa compreensão e práxis? Sua formação não lhe fornece essa competência! Certamente, uma das soluções seria adequar a formação do professor às suas necessidades de atuação, oferecendo-lhe competências diferenciadas para que possa auxiliar o desenvolvimento integral da pessoa, seja criança, adolescente ou adulto. Entretanto, não podemos descartar desse compromisso a Psicologia. Como sugere Pedroza (1993), na conclusão final de sua dissertação: “Outra questão refere-se à necessidade de buscar-refere-se na psicologia referências teóricas e metodológicas que

possibilitem estudar o homem na perspectiva da indissociabilidade dialética entre o biológico

e o social, sem dualismos e reducionismos” – grifo nosso (p. 140).

Um excelente debate sobre novos discursos e práticas da Psicologia Escolar foi proposto pelos artigos publicados em recente obra organizada por Martinez (2005a), por iniciativa da ANPEPP6. Guzzo (2005) comenta, por exemplo, que “viver o cotidiano da escola tem sido viver o desalento de um processo adaptativo e domesticador em relação ao

mundo. Pouco se conhece acerca das crianças que a freqüentam. Pouco se faz pelas

possibilidades de transformação coletiva e individual ...”(p.19). Assinala, ainda, que o atual

sistema educacional em escolas públicas continua reproduzindo o processo de dominação da classe privilegiada sobre as massas pobres, enquanto que escolas particulares são voltadas para os interesses de sustentação de uma elite econômica, fortalecendo as profundas desigualdades sociais do nosso país. Para a autora, a escola poderia ter o papel de romper com este ciclo a partir do momento em que a formação, voltada para a valorização do bem comum, pudesse transformar o coletivo. Propõe, assim, uma postura mais política por parte do psicólogo, para que possa transformar a realidade e praticar o que chamou de “Psicologia da Libertação”, especialmente porque nesse contexto o profissional assume, como objetivo, a

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capacidade de ação de cada pessoa sobre a dinâmica de suas vidas na busca da dignidade (pp. 19-20 e 27).

Cruces (2005), por sua vez, ao fazer uma profunda reflexão sobre os novos compromissos éticos exigidos pela psicologia praticada nas escolas, afirma que diante das transformações atualmente vivenciadas no mundo escolar, cada vez mais o profissional é chamado para novas atitudes e práticas. Martinez (2005b) especifica mais este aspecto e assevera que o compromisso ético, neste momento histórico, é principalmente o social, sendo imprescindível “o compromisso com os mais desfavorecidos, o querer trabalhar para

transformar esta situação” (p. 112).

Araújo & Almeida (2005), ao analisarem as questões de identidade vivenciadas pelo psicólogo escolar, entendem que a ação desse profissional é sempre institucional e, citando Guzzo, lembram a importância de eles pautarem suas ações, também, para a construção de estratégias de intervenções que visem à promoção da saúde e do bem-estar do sujeito, seja ele o próprio profissional ou pessoa envolvida na sua área de atuação.

Diante das questões apresentadas por estas renomadas autoras – Guzzo, Cruces, Martinez, Araújo e Almeida --, e ainda fazendo uma reflexão do que seria o “compromisso

social” , concluímos que problemas emocionais que comprometem o desenvolvimento

integral das crianças e adolescentes carentes, certamente são da competência do psicólogo, especialmente do psicólogo clínico.

Contudo, apesar dos esforços do Conselho Federal de Psicologia em promover o conceito de cidadania e responsabilidade social entre os profissionais, não se conhece ainda, salvo eventual engano, ações práticas que pudessem atender a essa clientela dentro da demanda e necessidade que na realidade se apresenta.

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como pelo Federal prendem-se mais a campanhas de informação (e não propriamente educação) de doenças sexualmente transmissíveis, uso de drogas ou tratamento de doenças já caracterizadas como patologias. Nada se fala (ou faz) sobre uma concepção de autocuidado relacionado com saúde, autoconhecimento como forma de reflexão sobre os próprios atos, principalmente emocionais, aspecto essencial na constituição de uma sociedade menos violenta e mais ética. Este aspecto foi ratificado pela pesquisa “A Voz dos Adolescentes”, promovida pela UNICEF (2002). No documento, os adolescentes alegam e pontuam grande dificuldade de acesso a programas de saúde.

Dessa forma, esse sujeito em pleno desenvolvimento não recebe amparo psicológico na escola, não é bem assistido pelo sistema público ou pela iniciativa privada, quando necessita de acompanhamento e, à exceção de alguns poucos projetos filantrópicos oferecidos por ONGs, de forma descontinuada (Fundação Odebrecht, Instituto Ayrton Senna, etc7), não recebe intervenções de caráter educativo ou preventivo. Ao contrário, fica à mercê das influências negativas da mídia e do desamparo social, muitas vezes também familiar. Isto sem citar as penúrias advindas da pobreza material.

Temos assistido, em documentários televisivos, que a migração de adolescentes para o tráfico de drogas se dá geralmente entre 10 e 12 anos, quando esse sujeito recebe uma arma e fica sob a guarda de um adolescente maior (geralmente de 16 anos). Da mesma forma, meninas são direcionadas para a prostituição, nessa faixa etária, induzidas, muitas vezes, por agentes exploradores. Certamente, conhecer esse sujeito em suas especificidades seria de grande valia para o desenvolvimento de programas educacionais e de intervenção terapêutica. Vale ressaltar, ainda, que, diante dos elementos previamente colhidos para referendar esse trabalho, verificamos inexistirem estudos específicos sobre o pré-adolescente. Encontramos apenas algumas referências nas áreas de Medicina e Educação Física,

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especificamente na área da Biologia (Boato, 2000). Entretanto, nenhuma delas fala explicitamente do “sujeito” pré-adolescente. Dificuldade semelhante foi pontuada pelos pesquisadores da UNICEF (2002), quando declararam que na busca de dados e estatísticas sobre a adolescência brasileira poucas informações foram encontradas. Algumas poucas que existem são desagregadas, em parte em função do próprio dissenso sobre o início e o fim dessa fase da vida, e outra parte em função de uma cultura de políticas públicas que ainda se concentram em áreas temáticas e não em integração de serviços para grupos específicos.

Por todo o exposto, julgamos extremamente oportuno o aprofundamento do estudo acerca do sujeito pré-adolescente, a partir das novas perspectivas da Psicologia do Desenvolvimento, pesquisando as influências positivas e negativas do atual contexto sócio-histórico no processo de significação da sua identidade, reconhecendo temas de seu interesse e suas idéias em relação a esses temas.

Neste sentido vimos buscar, por meio desta pesquisa, elementos que permitam conhecer e entender o sujeito pré-adolescente a partir de uma visão multidimensional. Para tanto, utilizamos a teoria de Henri Wallon para dar suporte teórico ao nosso trabalho e, dentro dos moldes da pesquisa qualitativa, observamos e ouvimos este sujeito através de sua fala escrita e oral, esta última em grupos focais, dentro do ambiente escolar.

O grupo focal é uma técnica de avaliação que oferece informações qualitativas. Um moderador guia o grupo, com aproximadamente 10 pessoas, numa discussão que tem por objetivo revelar experiência, sentimentos, percepções e preferências. Geralmente, o grupo é formado com participantes que têm características em comum e são incentivados pelo moderador a conversarem sobre si, trocando experiências e interagindo sobre suas idéias, sentimentos, valores, dificuldades, etc (Gatti, 2005).

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fragmentada. Pretende também auxiliar educadores e profissionais da área de saúde a conhecer esse sujeito, minimizando as dificuldades de relacionamento e tornando a prática profissional deles mais consciente.

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CAPÍTULO I

BASE EPISTEMOLÓGICA: A PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E O MATERIALISMO DIALÉTICO EM WALLON

A Psicologia, na área do desenvolvimento humano, considera o indivíduo desde o processo de sua concepção até a sua morte. Este entendimento é fruto de uma série de percursos que a Psicologia do Desenvolvimento atravessou. O conceito atual de desenvolvimento é entendido principalmente como sinônimo de mudança e transformação e não apenas de crescimento (Bérger, 2003).

Para Rappaport (1981), anteriormente à concepção de vida toda, a Psicologia do Desenvolvimento teve como foco a criança e o adolescente. Dentro dessa perspectiva, a autora define a Psicologia do Desenvolvimento como “uma abordagem para a compreensão da criança e do adolescente, através da descrição e exploração das mudanças psicológicas

que as crianças sofrem no decorrer do tempo” (p.1). A Psicologia do Desenvolvimento

pretende explicar de que maneira as crianças mudam no decorrer do tempo e como essas mudanças podem ser descritas e compreendidas. Lembra, ainda, Rappaport que o estudo da criança é muito recente, em termos de história da humanidade.

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mundo adulto. Para tanto, passou a constituir escolas onde, além do ensino da religião – sua preocupação básica –, ensinavam-se habilidades como leitura, escrita, aritmética, etc.

A despeito de a motivação da Igreja estar ligada ao moralismo e às questões da prática da sexualidade precoce, quando apontava as inadequações que essas vivências traziam à formação do caráter e da moral das crianças, foi muito evidente a sua contribuição para a área do estudo do desenvolvimento humano. Tanto assim que a atuação dessa Instituição, apesar de limitada – pois atingiu uma minoria de crianças – foi importante para acusar as grandes diferenças entre as personalidades das crianças e do adulto. Posteriormente, veio influenciar profundamente as reflexões filosóficas sobre o tema, principalmente no século XIX. No início do século XX, observamos uma preocupação mais ampla e mais sistemática com o estudo da criança e com a necessidade de educação formal para elas. No âmbito da Psicologia, diversas teorias surgiram nesse momento com o objetivo de possibilitar e entender a adaptação da criança ao sistema educacional (Rappaport, 1981).

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normalização da conduta. Como ilustração, tivemos os testes psicológicos, com a finalidade de retratar objetivamente as competências intelectuais e lingüísticas do indivíduo, assim como suas habilidades.

Neste momento, surgiu também, segundo Campos (2002), a primeira proposta de entendimento da fase adolescente. A Autora esclarece que Stanley Hall (1844-1924), ao escrever e publicar a obra “Adolescence – Its psycology and its relation to physiology,

antropology, sociology, sex, crime, religion and education”, foi consagrado o pai da

psicologia da adolescência. Desenvolvendo o conceito de evolução biológica de Darwin em

uma teoria psicológica de recapitulação, Hall estabeleceu que a história experimental da espécie humana se tornou parte da estrutura genética de cada indivíduo. Dessa maneira, o organismo do indivíduo, durante o seu desenvolvimento, passaria por estágios correspondentes aos que ocorreram durante a história da humanidade: do estágio de selvageria até o de civilização.

Assim, a Psicologia do Desenvolvimento foi a responsável pelas representações da infância e da adolescência na modernidade. A partir de testes e análise dos estágios/fases do desenvolvimento, determinava-se o que seria normal ou patológico, o que seria desejável ou não, principalmente no âmbito das práticas educacionais infanto-juvenis. O desenvolvimento humano, segundo o entendimento preconizado no início do século XX, deveria ser linear; a infância deveria ser marcada pelo autocontrole e a adaptação social. Estes aspectos deveriam ir se aperfeiçoando gradativamente no decorrer da vida do sujeito (Castro, 1999).

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castigado (punição) após sua ocorrência. Pela lei do reforço a pessoa irá associar essas situações com outras semelhantes, generalizando essa aprendizagem.

Assim, o behaviorismo, como também é chamada a Psicologia Comportamental, enfocou e ainda propõe o desenvolvimento humano como processo de aquisição gradativa de habilidades e competências proporcionadas por meio dos condicionamentos ambientais. Segundo essa perspectiva teórica, tanto a criança quanto o adolescente são considerados como sujeitos passivos, modelados pelas contingências sociais; e por isso, as práticas educacionais devem permitir-lhes a formação de um repertório de conhecimentos, valores e normas de conduta necessárias à sua adaptação social (SEMT, 2001).

Já na década de 70, segundo ainda o estudo da SEMT, verificamos uma reviravolta no campo teórico da Psicologia do Desenvolvimento e das intervenções educacionais caracterizada pela presença das teorias cognitivistas, cujo maior representante foi Jean Piaget, que concebe a criança como um sujeito ativo e cognocente, capaz de construir conhecimento por intermédio da interação com a realidade física, e destaca a universalização da construção das estruturas cognitivas, rumo à adaptação gradativa do pensamento às demandas ambientais.

Nas duas últimas décadas do século XX, após o fim da ditadura militar no Brasil, apesar de ainda ser possível, para alguns, pensar o desenvolvimento humano como algo que obedece a uma evolução linear, onde o tempo e o próprio indivíduo fragmentam-se e são decalcados da história e da cultura, são redescobertos, no País, autores que anunciam uma nova ordem do desenvolvimento a partir de uma perspectiva sociocultural: os soviéticos Vygotsky e Leontiev e o francês Henri Wallon, simpatizante do partido comunista. A prontidão para o acolhimento dessas perspectivas no Brasil encontra-se claramente expressa na obra de Ferreira (1986).

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perspectiva marxista, que somente a partir do surgimento da sociedade capitalista -- que se fundamenta nas relações sociais de produção, cuja finalidade é a valorização do capital e a pauperização do trabalhador --, é que aparecem as idéias de valorização do indivíduo autônomo. O momento da instituição do capitalismo, segundo a Autora, coincidiu com as mudanças de posição da sociedade com relação à criança, ocorridas a partir dos séculos XVII e XVIII, as quais influenciaram a direção da Psicologia, em especial a do desenvolvimento.

Citando os principais sistemas teóricos conhecidos no Brasil quando produziu suas idéias (Freud, Piaget e o behaviorismo, entre outros) e excluindo Wallon e Vygotsky – possivelmente não conhecidos à época da sua obra --, Ferreira (1986) finaliza seu trabalho sustentando que “a análise crítica da relação indivíduo-sociedade no modo capitalista de produção tem por base a constatação de que tanto as orientações subjetivas em psicologia

quanto as orientações objetivas representam o movimento real do indivíduo na sociedade de

maneira abstrata e formal. Quaisquer que sejam as dicotomias adotadas (sujeito-objeto,

atividade-passividade, herança-meio, essência-existência), elas abstraem a natureza histórica

do indivíduo social” (p. 83). Dessa forma, conclui a Autora, “as visões dicotomizadas da

natureza humana, nas visões subjetivas e objetivas das visões de homem veiculadas na

Psicologia e na Educação, se efetuará em sua totalidade quando os homens não mais

separarem antagonicamente as relações sociais de produção.” (Ferreira, 1986, p. 83).

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Esses autores marxistas defendiam idéias contrárias ao fortalecimento do sistema capitalista. Na área da Educação, por exemplo, ao invés de defender a adaptação do indivíduo ao sistema, Wallon defendeu a adaptação do sistema ao sujeito. Criticou com veemência a Psicologia que estava se construindo no início do século – o que ele denominou de psicotécnica – que tinha como objetivo atender a avaliações rápidas necessárias à seleção de candidatos a guerras e às exigências do capitalismo como um todo. Com relação ao behaviorismo, por excluir a história e o contexto social do indivíduo, considerava este um sistema precário para explicar a complexidade humana (Wallon, 1931). Sobre os sistemas teóricos vindos de antigas vertentes filosóficas, o idealismo e a introspecção, achava-os extremamente inadequados para absorverem a tecnologia dos tempos modernos que se apresentava naquele momento. Não defendeu as fases do desenvolvimento propostas pelas perspectivas freudiana e piagetiana, por entender que a noção de estágio é menos sistemática do que as defendidas por estas teorias (Wallon, 1956a).

Apesar de Vygotsky também haver defendido, como paradigma epistemológico para a sua teoria, a compreensão da constituição do sujeito a partir da centralidade da sua história e da cultura, no seu desenvolvimento psíquico, construiu seu legado enfatizando mais o papel da linguagem e da aprendizagem nesse processo. Com o entendimento da linguagem como atividade mediadora e estrutural das relações humanas, Vygotsky (1991) mostrou como o acesso a ela implica em transformações no nível das funções psicológicas.

Henri Wallon, por sua vez, entende a mediação social como o alicerce do desenvolvimento. A relação entre as pessoas é o ingrediente indispensável para que o psiquismo se constitua. A socialização é o esteio da individualização que se aprimora à partir da ruptura gradativa com a dependência imediata do outro. Isso, entretanto, não descarta o fato de o sujeito, mesmo autônomo e sozinho, continuar a nutrir-se da cultura, “

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Segundo Bérger (2003), as teorias socioculturais propostas por esses autores, em especial a de Vygotsky, contribuíram sobremodo para a consolidação da visão de desenvolvimento atual, mais completa, que percebe as transformações do sujeito por toda a vida e através, também, da influência do meio.

Vale ressaltar, entretanto, que foi Erik Erikson, segundo Rappaport (1981), o primeiro teórico que percorreu esse caminho no ocidente, em especial nos Estados Unidos, ao atribuir a cada etapa da vida do indivíduo uma tarefa desenvolvimental a ser realizada. Apesar de psicanalista, Erikson foi fortemente influenciado pela Antropologia Social e desde 1950 trouxe contribuições muito importantes principalmente no que se refere à teoria de estabelecimento da identidade do ego a partir de um contexto social (Campos, 2002).

Para o desenvolvimento da nossa pesquisa, entretanto, considerando que o objetivo principal é entender o sujeito pré-adolescente a partir de uma visão multidimensional, optamos pela abordagem de Henri Wallon. A nosso ver, através do materialismo dialético Wallon busca superar dicotomias e análises reducionistas e pontuar a indissociabilidade do ser humano, que é biológico e social ao mesmo tempo. Em suas palavras: “... não seria possível encontrar um indivíduo que fosse o homem da natureza e que não fosse o homem de uma

certa sociedade” (Wallon, 1937, p.11). Além disso, Wallon coloca a Psicologia e a Pedagogia

em relação de reciprocidade, o que vai ao encontro dos nossos principais objetivos, isto é, trazer ao educador uma perspectiva ampliada do sujeito pré-adolescente. Enquanto a Pedagogia oferece um campo de observação privilegiado à Psicologia, esta pode auxiliar a prática pedagógica na construção de conhecimento sobre o processo de desenvolvimento humano, oferecendo-lhe instrumentos valiosos (Wallon, 1937).

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a própria concepção da sociedade evoluíram. Mas de civilização em civilização conseguiu

perpetuar-se o programa de uma educação didáctica e autoritária. Educação própria de uma

casta determinada que pretende conservar por este meio os seus atributos sociais ou o seu

prestígio. (...) Este gênero de educação é não só o mais antigo, mas é a concepção oficial da

educação através de todos os tempos. É por isso que aquele que se lhe opõe e que olha mais

para o indivíduo, para as suas aptidões, para a aplicação da sua atividade original e pessoal

pode considerar como sinal o título de Educação Nova” (Wallon, 1951, pp. 222-3).

Como vimos, Wallon apresenta, em sua obra, uma consistente prática da perspectiva dialética materialista histórica. Como explica Frigotto (1994), “no processo dialético de conhecimento da realidade, o que importa fundamentalmente não é a crítica pela crítica, o

conhecimento pelo conhecimento, mas a crítica e o conhecimento crítico para uma prática

que altere e transforme a realidade anterior no plano do conhecimento e no plano

histórico-social” (p.81). E acrescenta: “a teoria materialista histórica sustenta que o conhecimento

efetivamente se dá na e pela práxis. A práxis expressa, justamente, a unidade indissolúvel de

duas dimensões distintas, diversas no processo de conhecimento: a teoria e a ação. A

reflexão teórica sobre a realidade não é uma reflexão diletante, mas uma reflexão em função

da ação para transformar” (Frigotto, 1994, p.81).

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questão do que se interroga e responde. De acordo com a concepção filosófica dos gregos, dialética era a arte de separar, distinguir as coisas em gêneros e espécies, classificar as idéias para poder discuti-las melhor (Rezende, 2002).

Hegel desenvolveu seu pensamento baseado na intuição e no idealismo filosófico, e sua obra teve grande repercussão desde que foi publicada a “Fenomenologia do Espírito”. Seu sistema filosófico pode ser observado por meio de dois pontos de partida distintos: a fenomenologia e a ciência lógica. Com a sua morte, a grande massa dos seus discípulos dividiu-se em dois troncos, com concepções políticas e religiosas totalmente opostas, as quais foram denominadas de direita e esquerda hegeliana. Um dos que tomou posição contra a direita hegeliana foi Feuerbach (1804-1872). Para ele o Deus da religião cristã era uma criação do próprio homem. “O homem se objetiva em Deus e nele projeta as suas melhores

qualificações: amor, bondade. (...). Tanto mais o homem empobrece sua essência quanto

mais Deus se enriquece com tributos dele. A essência é a essência alienada do homem. A

objetivação alienada não é enriquecimento, mas empobrecimento. Submetido a Deus o

homem se cinde, se separa dos outros homens, isola-se do seu gênero natural. O homem é o

deus do homem”... Feuerbach desenvolve, assim, o materialismo sob a forma de humanismo

naturalista (Gorender, 2002).

(36)

idéia é o sujeito cujo predicado consiste nas suas objetivações.” (Gorender, 2002 – grifo nosso, p. XXIII).

Outra reformulação significativa foi a concepção de essência. Para Marx, citado por Gorender, “a essência do homem é o conjunto das relações sociais. A conformação corpórea natural é condição necessária do ser homem. Não é condição suficiente. A humanização do

ser biológico específico só se dá dentro da sociedade e pela sociedade.” (Gorender, 2002, p.

XXIII). E, ainda, sobre o ser e a consciência, Marx acredita que “não é a consciência que

determina a vida ... a vida é que determina a consciência (...). Para que os homens consigam

fazer história, é absolutamente necessário, em primeiro lugar, que se encontrem em

condições de poder viver, de poder comer, beber, vestir-se e alojar-se. (...) A satisfação das

necessidades elementares cria necessidades novas, e a criação de necessidades novas

constitui o primeiro ato da história” (Gorender, 2002, p. XXV).

Resumindo o materialismo dialético de Marx, podemos dizer, nas palavras de Jacob Gorender (2002), que “o novo materialismo de Marx e Engels é crítico e revolucionário. Da filosofia de Hegel extraiu seu núcleo radical – a dialética. Nos quadros do sistema hegeliano,

a dialética se submetia a mistificações expeculativas. Na concepção materialista

identificou-se, ao definir o real da natureza e da história. Perdeu o caráter expeculativo, desfez-se das

construções arbitrárias requeridas pela cosmovisão idealista. Em vez disso, converteu-se em

método de pensar o real, pois adequado ao real. Severa disciplina do pensar que objetiva

reproduzir conceitualmente o real na totalidade inacabada dos seus elementos e processos

(p. XXV).

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epistemológica. (Martinet, 1981, p.139).

Sem entrar no mérito dessa discussão, constatamos que Wallon, para explicitar seus fundamentos epistemológicos, objetivos e método sob a luz do materialismo na forma proposta por Marx, opõe-se veementemente às concepções reducionistas que limitam a compreensão do psiquismo humano a algum termo da dualidade mente-corpo. Segundo ele, a psicologia da introspecção, baseada no idealismo, vê o psiquismo como entidade incondicionada, completamente independente do mundo material. Neste sentido, propõe a reflexão do sujeito sobre suas sensações e imagens mentais como único instrumento e meio de explicação para a realidade psíquica (Galvão, 1996).

De fato, Wallon teceu algumas críticas ao idealismo, linha que então sustentava uma parte da Psicologia da década de 30. Ponderou que em Descartes -- na obra “Tratado das Paixões” –, tem-se uma psicologia cartesiana voltada para mostrar os mecanismos dos estados afetivos. Em Leibniz, as relações do inconsciente são tratadas sob a perspectiva do cálculo diferencial, enquanto que em Kant, pela influência newtoniana, observam-se os ditames da Revolução Francesa: "o céu estrelado sobre si e a lei moral no fundo do coração” (Wallon, 1975, p.35).

No início do século XX, a despeito do afastamento do idealismo intelectual, a Psicologia sofreu, segundo Wallon, a influência do idealismo industrialista: “para cada um a

sua verdade, e a verdade que lhe era conveniente” (Wallon, 1975, p. 38). Neste contexto a

Psicologia, considerada como ciência da medida e do número, pode dar um salto para o desenvolvimento de técnicas, sendo que estas originam-se em necessidades práticas.

(38)

em forma de espiral, à medida em que o mundo progride (Wallon, 1975, p. 39). Para ele o behaviorismo, quando se originou, teve como objetivo o enquadramento da Psicologia como ciência, mas, dentro da possibilidade de explicar o comportamento humano, tornou-se estéril e limitada pela técnica. É, em últimas palavras, uma forma de Psicologia derivada da técnica. E como conseqüência, pondera que as necessidades ou interesses práticos suscitaram uma nova técnica para a Psicologia: a psicotécnica, cujo objetivo é o “rendimento mais econômico”. Dentro desse contexto, aponta Binet, que preconizou “o emprego de provas e testes

específicos para provar que a criança tem as aptidões requeridas para o trabalho da classe

(Wallon, 1975, p. 48).

Concluindo, podemos dizer que, para Wallon, todas estas formas de se fazer Psicologia satisfazem a determinado sistema teórico ou até mesmo a algum sistema econômico, como seria o exemplo do “idealismo industrialista”. Como disse, entretanto, não satisfazem à necessidade da Psicologia propriamente dita. Assim, o objetivo principal da Psicologia deveria ser o estudo dos processos psíquicos em sua gênese. A análise genética seria o único procedimento que não dissolve em elementos estanques e abstratos a totalidade da vida psíquica. Constitui-se um método para a compreensão da Psicologia geral, concebida como conhecimento do adulto, através da criança. Para tanto, não bastam dados fornecidos pela Psicologia genética, mas campos de comparação como os da Neurologia, da Psicopatologia, da Psicologia animal e da Antropologia (Galvão, 1996).

(39)

requer, o observador deve explicitar ao máximo os referenciais prévios que influenciam o seu olhar e sua reflexão. Um referencial inevitável é a comparação que o adulto faz do comportamento da criança com o seu próprio, necessitando, assim, que a observação se dê a partir do ponto de vista da criança, sem prévia censura e lógica adulta. Estas questões ficam bastante claras em seu artigo “Psicologia e Educação da Infância (Wallon, 1937) quando pontua:

É em todas as suas etapas, em todas as suas manifestações que se torna necessário

estudar a criança. O seu conhecimento exige a colaboração de todos aqueles que desta ou

daquela forma estão em contacto com ela. Mas nem sempre cabe àqueles que estão em

melhor situação de a conhecer, e que por vezes a conhecem melhor, o saber observá-la.

Observar é evidentemente, registrar o que pode ser constatado. Mas registrar e constatar, é

também analisar, é ordenar o real em fórmulas, é instá-lo de perguntas. ... É a observação

que permite colocar problemas, mas são os problemas colocados que tornam possível a

observação”. (p.15). E acrescenta sobre a observação, p. 16: “O que constitui a grande

dificuldade da observação é o facto do observador se encontrar em presença do real, sem

dispor de outro instrumento além da sagacidade de que pode dispor, e ainda o facto de única

ligação entre os diferentes observadores ser constituída pelas curiosidades mais ou menos

orientadas no mesmo sentido.

Dessa forma, como referendamos anteriormente, escolhemos como referencial teórico deste trabalho a psicogenética de Henri Wallon por entendermos que este sistema teórico auxilia a compreensão da pessoa de forma integral, na qual as dimensões de desenvolvimento (motora-afetiva-cognitiva) estão interligadas. Wallon propõe “a psicogênese da pessoa completa”.

(40)

indivíduo. No primeiro caso, um dos seus problemas consiste em descobrir ou definir as

origens biológicas da vida psíquica” (p.51) bem como “(...) a anatomia comparada, que

permite proceder à classificação evolutiva dos aparelhos funcionais, é um guia indispensável

para o estudo psicogenético das espécies animais” (p.52-3).

Prossegue Wallon: “A escala da nossa espécie, a psicologia genética apresenta ainda muitas incertezas. Os nossos conhecimentos sobre a passagem do primata ao homem estão

eles próprios cheios de lacunas. A evolução parece ter procedido por tentativas dispersas e

incompletas. Morfogênese e psicogênese nem sempre andam a par.” (p.54). Entretanto,

afirma ainda: “Os indivíduos morrem, mas a bagagem adquirida permanece e dá frutos. Não sem choques, evidentemente, nem sem retrocessos. Mas o homem é ele próprio transformado

pelas realizações mentais, técnicas e sociais que a linguagem lhe permitiu elaborar.” (p.54).

E acrescenta: “A escala individual, a psicologia genética estuda a transformação da criança em adulto.” (...) “A psicogenética encontra-se ligada, no homem, a duas espécies de

condições, uma orgânica, e outras relativas ao meio do qual a criança recebe os motivos das

suas reacções. O recém-nascido, na nossa espécie, é um ser ainda longe do seu acabamento.

As suas insuficiências motoras, perceptivas, intelectuais são disso a prova. Se é verdade que

possui já todos os neurônios de que poderá vir a dispor, o facto é que a maioria deles não se

encontra ainda em estado de funcionar. Só muito gradualmente é que os seus prolongamentos

neurofibrilares se tornam capazes de conduzir o fluxo nervoso. É assim que se fecham, cada

um por seu turno, os circuitos que correspondem ao exercício de cada função, da qual se diz

então que chegou à maturação. É aquilo a que se pode chamar o seu ponto inicial. Mas o seu

desenvolvimento ulterior pode variar muito, consoante encontre ou não ocasiões para se

manifestar. (p. 56-7).”

É aqui – conclui o Autor – que intervem o meio, que é o complemento indispensável da

(41)

aliás, ser, a princípio, puramente lúdico, um meio onde a função parece revelar-se a si

mesma, exercer-se para si mesma, sem necessidade nem utilidade prática (...).“ (p.57).

A psicogênese não é pois automática, não tem uma progressão necessária. À

maturação do sistema nervoso, que torna sucessivamente possíveis diferentes espécies ou

diferentes níveis de actividade, é preciso que se venha juntar o exercício, que deve ser tão

diverso quanto possível. (...) a superioridade do homem encontra-se ligada à necessidade de

aprendizagens prolongadas e sucessivas em que cada função, ao princípio ineficaz, deve

descobrir as suas diferentes virtualidades e estabelecer conexões interfuncionais tão

complexas quanto as circunstâncias o permitam atualmente e o poderão exigir mais tarde.

(42)

CAPÍTULO II

VIDA E OBRA DE HENRI WALLON, SUA VISÃO MULTIDIMENSIONAL E O SUJEITO PRÉ-ADOLESCENTE

A maioria dos livros e artigos sobre Henri Wallon (Galvão 1996, Dantas 1992, Almeida 1999 e Zacharias 2003) fala inicialmente da história pessoal dele. Isto demonstra o quanto é importante, na concepção da sua teoria, as suas experiências de vida e a forma como se constituiu como pessoa e teórico.

Henri Wallon nasceu na França em 1879. Antes de chegar à Psicologia formou-se em Filosofia em 1902, com 23 anos, pela Escola Normal Superior, e em Medicina em 1908. Viveu num período marcado por instabilidade social e turbulência política. As duas grandes guerras mundiais (l914-1918 e 1939-1945), o avanço do facismo no período entre as guerras, as revoluções socialistas e as guerras para libertação das colônias da África atingiram boa parte da Europa, em especial, a França. Em 1914, atuou como médico do exército francês, onde permaneceu vários meses no fronte de combate. O contato com lesões cerebrais de ex-combatentes fez com que revisse posições neurológicas que havia desenvolvido no trabalho com crianças deficientes. Até 1931, atuou como médico em instituições psiquiátricas. Paralelamente desenvolveu seu interesse e pesquisa pela psicologia da criança.

(43)

viver clandestinamente. Em 1942, filiou-se ao partido comunista, do qual era simpatizante. Manteve ligação com o partido até o final da vida, em 1962.

Em 1946, Wallon assumiu a presidência da comissão nomeada pelo Ministério da Educação, encarregada da reformulação do sistema de ensino francês. O projeto Langevin-Wallon, como foi denominado, tinha como diretriz norteadora a idéia de “uma educação mais

justa para uma sociedade mais justa” (Almeida, 2004, p.75) As ações propostas se

ancoravam sobre quatro princípios: Justiça, Dignidade igual de todas as ocupações, Orientação e Cultura Geral. O projeto -- que não chegou a ser implementado –, deveria atuar no sentido de adequar o sistema às necessidades, possibilidades e características psicológicas do indivíduo, favorecendo ao máximo seu desenvolvimento. Esta foi a expressão mais concreta de seu pensamento pedagógico e desenvolvimental.

Desenvolvimento infantil

Para Wallon (1937), o desenvolvimento ocorre de forma diferenciada por etapas. O estudo da criança contextualizada permite a observação da dinâmica de cada etapa e a passagem de uma para outra. Cada criança absorve, de acordo com o contexto, o que lhe interessa – é este o alicerce para as etapas seguintes. O meio, neste sentido, também se transforma, de acordo com a interação. Como cita em seu artigo Psicologia e Educação na Infância: “No decorrer da infância, as atividades, que perdem sua preponderância com o avançar dos anos, são inicialmente as atividades ligadas às funções vegetativas, depois as

atividades emocionais e as que unem o sujeito ao meio ambiente, por uma espécie de

participação afetiva e imitativa, em que o sentimento de autonomia pessoal e a decisão

individual permanecem obscuros. As etapas pelas quais a evolução mental tende a se realizar

marcam, ao contrário, o advento de uma discriminação exata entre si e os outros, entre as

Imagem

Gráfico  1  –  Distribuição dos sujeitos da 1ª. Etapa por domicílio   .  .  .  .   .
Tabela  2   –    Categorização  dos  textos  escritos  obtidos  na  oficina  de  sensibilização,  distribuídos por porcentagem dentro de cada classe de idade, sexo e turma
Tabela 3 –  Análise Lexical dos textos obtidos na oficina de sensibilização:
Tabela 4  – Consolidação dos temas escolhidos pelos pré-adolescentes,  por ordem alfabética    TURMAS Nº  DE  ORDEM  TEMAS  ESCOLHIDOS  5ª
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Referências

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