CAPA
Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Comunicação
MOBILIZAÇÃO NAS MÍDIAS DIGITAIS E O PROJETO FICHA
LIMPA: INFLUÊNCIA NO AGENDAMENTO DO JORNAL
FOLHA DE S. PAULO
Brasília - DF
2014
JANAINA GOULART
MOBILIZAÇÃO NAS MÍDIAS DIGITAIS E O PROJETO FICHA LIMPA:
INFLUÊNCIA NO AGENDAMENTO DO JORNAL FOLHA DE S. PAULO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós
Graduação
Stricto
Sensu
em
Comunicação da Universidade Católica de
Brasília, como requisito parcial para
obtenção
do
Título
de
Mestre
em
Comunicação.
Orientador: Prof. Dr. Alexandre Kieling
7,5cm
Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB
G694m Goulart, Janaina.
Mobilização nas mídias digitais e o projeto ficha limpa: influência no
agendamento do jornal Folha de S. Paulo. / Janaina Goulart – 2014.
346 f.; 30 cm
Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2014.
Orientação: Prof. Dr. Alexandre Kieling
1. Comunicação. 2. Mediação. 3. Mídia digital. 4. Mídia – aspectos
sociais. 5. Redes de relações sociais. I. Kieling, Alexandre, orient. II. Título.
AGRADECIMENTO
“Na adversidade, sentimo-nos mais perto uns
dos outros.”
RESUMO
GOULART, Janaina.
Mobilização nas mídias digitais e o projeto Ficha Limpa
: influência
no agendamento do jornal Folha de S. Paulo. 2014. 346 folhas. Dissertação (Mestrado em
Comunicação), Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2014.
Esta dissertação busca identificar eventuais deslocamentos no processo de
contra-agendamento da imprensa na sociedade midiatizada, tendo como objeto a mobilização
empreendida pela sociedade civil também nos meios digitais para aprovação do projeto de Lei
da Ficha Limpa, de iniciativa popular. A partir de 3.100 postagens sobre a campanha na mídia
social Twitter, foram identificados e analisados os atores ali presentes e suas
intencionalidades discursivas, confrontados por 152 registros noticiosos do jornal Folha de S.
Paulo acerca do processo de aprovação da referida lei. Os deslocamentos identificados
compreendem a percepção de que a imprensa deu lugar às mídias sociais como principal
mecanismo de agendamento em mobilizações sociais; de que o processo comunicacional
atingiu grandes proporções em curto espaço de tempo; e que de fato houve circulação e
construção de sentido na teia discursiva compartilhada entre meio digital e cultura.
Evidenciou-se também que a imprensa só absorveu o tema em caráter editorial a partir do
momento em que houve fatos políticos concretos, e não necessariamente a partir das
proporções que a mobilização atingiu no meio digital.
ABSTRACT
This dissertation seeks to identify any shifts in the process of the counter-agenda of the press
in a mediated society, having as object the mobilization undertaken by civil society, also in
the social media, for the project approval of the “Lei da Ficha Limpa”, a popular initiative
against corruption. From 3,100 posts on the Twitter campaign were identified and analyzed
the actors and their discursive intentions, confronted by 152 records on the newspaper Folha
de S. Paulo about the process of adoption of this law. The shifts identified include the
perception that the press gave way to social media as the primary scheduling mechanism in
social mobilization; that the communication process has reached large proportions in a short
time; and indeed there were a construction of meaning in the shared space between digital
media and culture. It was evident also that the press only absorbed the topic in an editorial
level from concrete political facts, and not necessarily from the proportions that the
mobilization reached in the digital media.
RESUMEN
Esta disertación trata de identificar posibles cambio en el proceso de contra-establecimiento
periodístico de temas en la sociedad mediatizada, teniendo como objeto la movilización
llevada a cabo por la sociedad civil, también en los medios digitales, para la aprobación del
proyecto de la “Lei da Ficha Limpa”, anticorrupción, de iniciativa popular. Desde 3100 posts
en el Twitter, se han identificado y analizado los actores allí presentes y sus intenciones
discursivas, enfrentados por las 152 noticias en el diario Folha de S. Paulo sobre el proceso de
aprobación de la presente ley. Los desplazamientos identificados incluyen la percepción de
que la prensa dio paso a las redes sociales como mecanismo principal en la movilización
social; de que el proceso de comunicación ha alcanzado grandes proporciones en un corto
período de tiempo; y que de hecho hubo un movimiento de construcción de sentido discursivo
en la web compartida entre los medios digitales y la cultura. Era evidente también que la
prensa sólo absorbió el tema de manera editorial, cuando hubo hechos políticos concretos, y
no necesariamente de las proporciones que la movilización alcanzó en el medio digital.
Palabras-clave: Mediación. Mediatización. Movilización social. Agenda-setting. Proceso
comunicacional
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1
Mapa das mediações
... 21
Figura 2
Ambiência da midiosfera
... 28
Figura 3
Rede infinita da semiose social
... 31
Figura 4
O produser
... 34
Figura 5
Resultado de busca no sistema Google Insights
... 44
Figura 6
Incidência de registros no jornal Folha de S. Paulo:
quantidade de inserções com o termo Ficha Limpa
... 54
Figura 7
Incidência de matérias sobre Ficha Limpa no jornal Folha
de S. Paulo
... 55
Figura 8
Incidência de elementos opinativos sobre Ficha Limpa no
jornal Folha de S. Paulo
... 55
Figura 9
Campanha Ficha Limpa entre agosto de 2008 e fevereiro de
2010
... 57
Figura 10
Campanha Ficha Limpa entre março e junho de 2010
... 57
Figura 11
Mapa das mediações
... 59
Figura 12
Mapa das mediações adaptado para expressar as mediações
em uma sociedade
... 59
Figura 13
Mapa das mediações na sociedade híbrida dentro da esfera
de circulação da semiose social
... 61
Figura 14
Linha do tempo da Campanha Ficha Limpa
... 64
Figura 15
Atores presentes no Twitter com postagens relacionadas a
ficha limpa durante 01 e 31 de maio de 2010
... 67
Figura 16
Postagem Folha de S. Paulo sobre manifestação no Rio de
Janeiro sobre Ficha Limpa
... 68
Figura 17
Perfil MTV atuando também como agente mobilizador
... 69
Figura 18
Incidência de perfis únicos entre 01 e 31 de maio de 2010
... 69
Figura 19
Categorias de postagens no Twitter entre 01 e 31 de maio
de 2010 com o termo ficha limpa
... 71
Figura 20
Exemplos de postagens de mobilização
... 72
Figura 21
Exemplos de postagens de pressão
... 73
Figura 22
Exemplos de postagens de protestos
... 74
Figura 23
Exemplos de postagens de opinião
... 75
Figura 24
Elementos de agendamento no Twitter x Informação
... 75
Figura 25
Exemplos de postagens de informação
... 76
Figura 26
Tensão entre sistema religioso e sistema político
... 77
Figura 27
Tensão entre sociedade civil e mídia
... 77
Figura 28
Acoplamento entre mídia e sociedade civil
... 78
Figura 29
Proposta de acoplamento entre sociedade civil e mídia
... 78
Figura 30
Campanha Ficha Limpa entre março e junho de 2010
... 86
Figura 31
Proposta de movimento helicoidal no mapa das mediações
de Martín-Barbero
... 88
Figura 32
Mapa das mediações adaptado para expressar as mediações
em uma sociedade midiatizada
... 88
Figura 33
Mídia social como espaço de reconhecimento e
legitimidade
... 90
Figura 34
Rede infinita da semiose social
... 91
Figura 36
Termo ficha limpa entre os dez assuntos mais comentados
no Twitter globalmente
... 92
Figura 37
Reconhecimento da classe política sobre a campanha
... 93
Figura 38
Utilização do termo ficha limpa no ambiente digital além
da campanha
... 94
Figura 39
Processo de semiose social dentro da operação de
contra-agendamento ficha limpa
... 95
Figura 40
Movimentos entre mídias na mídia digital
... 96
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
Quadro comparativo para construção da teoria dos
discursos
... 31
Tabela 2
Métricas da campanha Ficha Limpa na Internet
... 43
Tabela 3
Editoriais publicados pelo jornal Folha de S. Paulo sobre
Ficha Limpa
... 55
Tabela 4
Registros sobre ficha limpa no jornal Folha de S. Paulo
entre 01 de maio e 31 de junho de 2010
... 79
LISTA DE QUADROS
Quadro 1
Recortes de matérias Folha de S. Paulo
...
80
Quadro 2
Pautas criadas pela Folha de S. Paulo sobre a lei
...
81
Quadro 3
Recortes de notas Folha de S. Paulo
...
82
Quadro 4
Recortes de entrevista Folha de S. Paulo
...
82
Quadro 5
Recorte de análise Folha de S. Paulo
...
83
Quadro 6
Recortes de artigos Folha de S. Paulo
...
84
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
... 14
INTRODUÇÃO
... 16
1.
MEDIAÇÃO MIDIATIZADA
... 18
1.1.
REVISANDO O MODELO COMUNICACIONAL E A
MEDIAÇÃO
... 20
1.2.
MIDIATIZAÇÃO
... 22
1.3.
TEORIA DOS SISTEMAS
... 25
1.4.
MIDIOSFERA
... 27
1.5.
SEMIOSE SOCIAL
... 30
2.
NOVOS ATORES NA MEDIAÇÃO MIDIATIZADA
... 33
2.1.
O SUJEITO RECEPTOR-PRODUTOR
... 33
2.2.
ENGRENAGENS DA MOBILIZAÇÃO SOCIAL POR
MEIO DA INTERNET E DAS MÍDIAS DIGITAIS
... 36
2.3.
CAMPANHA FICHA LIMPA
... 42
3.
DIVIDINDO O ESPAÇO MIDIÁTICO COM A
IMPRENSA
... 46
3.1.
MUDANÇAS NO JORNALISMO COM O ADVENTO
DAS NOVAS MÍDIAS
... 46
3.2.
TEORIA DA AGENDA E O
CONTRA-AGENDAMENTO
... 48
4.
PREMISSAS PARA A CONSTRUÇÃO
METODOLÓGICA
... 51
4.1.
A APROXIMAÇÃO ENTRE A SEMIÓTICA
DISCURSIVA E OS ESTUDOS
LATINO-AMERICANOS DA CULTURA
... 52
4.2.
MATERIAL INFORMATIVO E OPINATIVO DA
FOLHA DE S. PAULO SOBRE FICHA LIMPA
... 54
4.3.
O PROCESSO DE SEMIOSE SOCIAL E O MAPA DAS
MEDIAÇÕES NA CAMPANHA FICHA LIMPA
... 56
5.
ANÁLISE DO MATERIAL
... 64
5.1
ANÁLISE DO PROCESSO DE
CONTRA-AGENDAMENTO
... 64
5.2
ANÁLISE SOB O MAPA DAS MEDIAÇÕES
... 87
5.3
ANÁLISE SOB O PROCESSO DE SEMIOSE SOCIAL
... 91
5.4
ANÁLISE SOB A MIDIOSFERA
... 96
6.
APONTAMENTOS FINAIS
... 98
REFERÊNCIAS
... 104
APRESENTAÇÃO
Novas dinâmicas entre as instâncias de produção e de recepção tem surpreendido o
processo da comunicação, seja junto à indústria da comunicação, ou junto ao tradicional
público, cujo perfil tem se modificado fortemente. Teorias e modelos comunicacionais de que
a priori se tem conhecimento tem sido desafiados diariamente, cabendo uma reavaliação
constante de sua aplicabilidade, um movimento acadêmico histórico e natural, porém,
atualmente, lidando com fenômenos que acontecem sob uma velocidade inédita.
É o caso do fenômeno verificado no processo de aprovação da lei chamada de Ficha
Limpa, que proíbe a candidatura de políticos que tenham alguma condenação judicial por júri
colegiado. A lei foi resultado de um processo articulado sob iniciativa da sociedade civil, que
se organizou por meio de várias instâncias de mediação e midiatização, das ruas e das mídias
sociais à mídia de massa.
Na tentativa de tentar contribuir com questionamentos para este panorama, sobretudo
no Brasil, esta pesquisa recorre aos estudos culturais latino-americanos, que posicionam a
cultura e a política em um patamar tão relevante quanto os meios de comunicação no processo
de mediação, e apresentam a sociedade comunicacional mediada a partir de processos no
âmbito da cultura e da política.
No esforço de compreensão do fenômeno recorre-se a uma tentativa de análise do
processo comunicacional abordado a partir das dinâmicas de mediações e midiatizações nas
operações de construção do discurso social, sendo esta abordagem articulada pela
aproximação entre a semiótica-discursiva e os estudos da cultura.
Assim, esta pesquisa buscará contemplar uma revisão bibliográfica que ofereça
subsídio para o exercício reflexivo e analítico a que se propõe. Como premissa de partida,
entende-se que, enquanto uma vasta literatura contemporânea reforça a centralidade dos
meios – ainda que de fato eles permeiem a existência humana – a produção de sentido
acontece na cultura e na experiência individual e coletiva, a partir de instâncias variadas, e
que, uma vez compartilhados os discursos sociais junto aos meios de comunicação, estes
estão novamente sujeitos a interpretações.
Para tanto, a presente dissertação está dividida em seis seções. O capítulo 1 –
Mediação midiatizada vai ancorar o processo comunicacional mediado sob o arcabouço
No capítulo 2 –
Novos atores da mediação midiatizada
são formulados os
questionamentos relacionados ao problema da pesquisa, neste caso, busca entender os
deslocamentos que acontecem no processo comunicacional em virtude da existência de novos
meios e em que medida e de que maneira a imprensa, numa sociedade midiatizada, absorve
em sua agenda temas impulsionados pela sociedade civil, que agora usa dos meios digitais
para se posicionar e publicitar o seu posicionamento. Neste capítulo se realiza uma reflexão
acerca da mobilização social junto às mídias digitais, e é apresentado o objeto de pesquisa, a
mobilização empreendida durante a campanha Ficha Limpa.
O capítulo 3 – Dividindo o espaço midiático com a imprensa apresenta uma
abordagem teórico-metodológica a partir das mudanças no jornalismo com o advento das
novas mídias. Está baseado na teoria da agenda e o contra-agendamento, a fim de traçar um
paralelo entre a produção de conteúdo pela sociedade em rede e a produção pelos mídia
noticiosos.
No capítulo 4 – Premissas para a construção metodológica
é apresentando o perfil do
material noticioso e opinativo do jornal Folha de S. Paulo sobre a Lei da Ficha Limpa,
sinalizando a relevância que o veículo dedicou ao tema, e que servirá de base para a
construção metodológica de pesquisa.
Em seguida, no capítulo 5 –
Análise do material é empreendida uma visita aos
conteúdos publicados nas mídias digitais e na imprensa assim como aos processos de
publicação, circulação e reconhecimento da campanha Ficha Limpa à luz da lógica do
agendamento e contra-agendamento, aqui vistos no âmbito dos estudos culturais
latino-americanos e do processo de produção de sentido a partir do conceito de semiose social, assim
como seu respectivo tensionamento comunicacional com as lógicas de fechamento sistêmicos
presentes na teoria dos sistemas de função.
INTRODUÇÃO
Vivemos em uma sociedade global cuja interação acontece virtualmente em grande
medida, por distintos dispositivos, valendo-se do uso das tecnologias digitais. No Brasil, este
movimento de digitalização é resultado, em grande parte, dos índices crescentes de conexão à
Internet em casa e do uso da telefonia móvel, destaques constantes nas últimas edições da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2011, como demonstrado a seguir.
A aquisição de computadores com acesso à Internet aumentou 39,8% em 2011
comparando-se a 2009, alcançando 22,368 milhões de residências. O número de internautas
naturalmente aumentou também. Em 2011, 77,7 milhões de pessoas acima dos 10 anos de
idade declararam ter acessado a Internet pelo menos três meses antes da entrevista. A
aquisição de aparelhos celulares acompanha os índices, e cada vez mais as residências
utilizam apenas o telefone móvel em detrimento ao telefone fixo, havendo em 2011, mais de
30 milhões de domicílios nesta situação.
Além do vertiginoso crescimento na adoção de infraestrutura tecnológica, os
brasileiros se destacam pelo uso que fazem das redes, figurando constantemente nos rankings
mundiais nos últimos anos. Os brasileiros são os que ficam conectados por mais tempo à
Internet no mundo, informação corroborada por vários institutos de pesquisa, como Ibope
Nielsen, Net Insight, entre outros. Além disso, representam o maior número de participantes
nas duas principais mídias sociais em uso na atualidade, o
Twitter e o Facebook, depois dos
Estados Unidos.
O consumo simultâneo de mídias também tem sido estudado, considerando que 43%
dos internautas no Brasil assistem à televisão enquanto navegam, de acordo com o Instituto
Ibope Nielsen
1. O mercado parece ter entendido esta dinâmica e constantemente empresas de
tecnologia como Google, entre outras, expandem seus negócios no país.
Utiliza-se a Internet para se expressar, para resolver questões junto ao poder público e
a fornecedores, para se relacionar, para se posicionar, para realizar transações sigilosas,
financeiras, para compras, para mobilizar, para se informar, para acompanhar os
acontecimentos praticamente em tempo real. Estas atividades da vida social até anos atrás
eram inimagináveis de se realizar pela rede, e hoje são parte do cotidiano midiatizado. A
digitalização envolvida neste processo cria condições para uma aceleração das dinâmicas
comunicacionais entre instâncias de produção e de recepção, dentro de uma agenda social.
1
Passa a existir uma interseção entre o que chamaremos dos meios tradicionais de
comunicação – impresso, rádio, televisão – e os meios digitalizados e interconectados – em
princípio digitais. Mobilizações sociais tem alcançado níveis de visibilidade e de organização
sustentados em parte pelo aparato digital. Isto é o que foi possível verificar durante as
recentes revoluções no oriente, como a primavera árabe, o movimento Occupy Wall Street e
as manifestações ocorridas no Brasil em junho de 2013, tendo no movimento Ficha Limpa um
marco importante sobre a nova forma de mobilização no país.
É sob este contexto que a presente pesquisa busca refletir sobre a mediação e a
midiatização, em uma estrutura cada vez mais complexa de produção de sentido na sociedade
contemporânea.
Ao iniciar esta pesquisa, justamente porque se trata de um fenômeno recente, ficou
evidente a necessidade de se observar e transcrever eventuais atualizações do processo de
agendamento e contra-agendamento, percebendo suas transformações operativas nas
dinâmicas entre a mídia e a sociedade civil no tratamento de temas de interesse coletivo,
como é o caso do objeto desta pesquisa, a campanha pela aprovação da Lei da Ficha Limpa.
1 MEDIAÇÃO MIDIATIZADA
A história, como aponta Santos (2011, p. 25), vai de par com o desenvolvimento das
técnicas, e referindo-se à técnica da informação – por meio da cibernética, informática e
eletrônica – evidencia que esta desempenha um papel fundamental, pois permite que diversas
técnicas possam ser utilizadas ao mesmo tempo. Assim, “na história da humanidade é a
primeira vez que tal conjunto de técnicas envolve o planeta como um todo e faz sentir,
instantaneamente, sua presença.”
Este movimento, um dos condutores da sociedade global, ensina Thompson (2008, p.
77), “cria novas formas de ação e de interação e novos tipos de relacionamentos sociais, [...] e
faz surgir uma complexa reorganização de padrões de interação humana através do espaço e
do tempo”.
É neste contexto que, diante de uma inédita proliferação de mídias nas últimas
décadas, a centralidade dos meios de comunicação emerge como objeto de estudo de distintas
ciências e correntes teóricas.
É o caso de
Luhmann (2005, p. 15), sociólogo que elegeu a
comunicação como o operador central de todos os sistemas sociais em constante tensão, que
resume: “aquilo que sabemos sobre nossa sociedade, ou mesmo sobre o mundo em que
vivemos, o sabemos pelos meios de comunicação”. Entretanto, o autor sugere ainda que as
instâncias de recepção não confiam inteiramente nos meios de comunicação.
A centralidade do meio, em uma estrutura comunicacional cada vez mais complexa
diante do uso da tecnologia em suas variadas formas, apresenta um universo a ser explorado,
em constante transformação, e portanto, passível de inúmeras interpretações.
Entre as instâncias de produção, tradicionalmente os conglomerados da mídia, e as
instâncias de recepção, o público, McLuhan (2007, p. 23), em sua máxima de que o meio é a
mensagem, afirma que “é o meio que configura e controla a proporção e a forma das ações e
associações humanas. O conteúdo ou usos desses meios são tão diversos quão ineficazes na
estruturação da forma das associações humanas”. Neste sentido, o autor sugere a ideia de que
os meios de comunicação induzem a maneira de organização social, o que implicaria num
processo e inclusão e exclusão.
forma de empresa em rede, constitui o mais importante fator responsável pela desigualdade.”
(CASTELLS, 1999, p. 162)
Tal desigualdade residirá em vários outros sistemas, dos quais Martín-Barbero apud
Moraes (2003, p.62) considera a educação o mais vulnerável, visto que enquanto os filhos das
classes econômicas altas tem acesso ao ecossistema informacional e comunicativo a partir de
casa, “os filhos das classes populares – cuja escolas não tem, em uma imensa maioria, mínima
interação com o ambiente informático [...], acabam excluídos do novo espaço laboral e
profissional que a cultura tecnológica configura.”
Baseado nesta realidade, Santos (2011, p.20) afirma que a sociedade vivencia um
verdadeiro fundamentalismo do consumo, e que “a perversidade sistêmica na raiz dessa
evolução negativa da humanidade tem relação com a adesão desenfreada aos comportamentos
competitivos que caracterizam as ações hegemônicas.”
O dispositivo tecnológico, nesse rumo, centraliza então o intenso fluxo informacional
que povoa o cotidiano e desencadeia as interações virtuais. As instâncias de recepção
permanentemente conectadas, passam a acompanhar os acontecimentos por meio dos mais
variados dispositivos, encarnados em telas. Castells (1999), com o conceito de virtualidade
real, coincide com Baudrillard (1991) e seu conceito de simulacro e simulação, de que a
virtualidade, neste contexto amplamente mediado entre pessoas, constitui-se assim numa
realidade.
Para Castells (1999, p. 291), a virtualidade real é um sistema onde a realidade está
imersa em um ambiente em que os símbolos abarcam a experiência real, caracterizada pela
“mistura de temas, mensagens, imagens e identidades em um hipertexto potencialmente
interativo”. Nesta perspectiva, Baudrillard (1991) aponta que o excesso de informação
desencadeia a dificuldade das instâncias de recepção em estabelecer sentido para estas
informações, e que portanto vivemos em uma constante simulação do real, que se configura
na própria realidade.
Da mesma forma, Luhmann (2005, p.24) considera que a realidade não está no mundo
lá fora, mas na sua percepção, e que a “realidade nada mais é que um indicador de que o
sistema foi aprovado ao prestar provas de consistência.” Portanto, as informações e os dados
que circulam na rede não são elementos capazes, por si, de estabelecer sentido, e aí se
configura uma crise na própria condição humana contemporânea.
“caracteriza-se por uma precessão do modelo, de todos os modelos sobre o mínimo fato – os
modelos já existem antes, a sua circulação, orbital como a da bomba, constitui o verdadeiro
campo magnético do acontecimento” (BAUDRILLARD, 1991, p. 26). Assim, não estaria
sendo criado sentido, e sim, a partir de modelos pré-estabelecidos, uma sensação de realidade
que circunda a nossa existência, com aparente sentido, e que acaba sendo aceito como a
própria realidade.
Sob esta ótica, Castells (1999, p. 428) critica que a lógica das redes globais é tão
difusa e penetrante, “que o único modo de se livrar de seu domínio parece ser ficar fora delas
e reconstruir o significado com base em um sistema de valores e crenças inteiramente
distinto”, ainda que o autor reconheça que “não há nada que não possa ser mudado por ação
consciente e intencional, munida de informação e apoiada em legitimidade”. (CASTELLS,
1999, p. 437)
Do exposto até o momento depreende-se que os interesses econômicos vão
estabelecendo impactos na cultura e na política, dentre outros, a dificuldade de orientação
frente à carga informacional, desencadeada junto à sociedade global.
É neste contexto que a distinção entre informação e comunicação vem trazer mais
elementos para a compreensão da mediação midiatizada, entendendo-se por midiatização
2,
uma “ordem de mediações socialmente realizadas no sentido da comunicação entendida como
processo informacional, a reboque de organizações empresariais com ênfase num tipo
particular de interação.” (SODRÉ, 2013, p. 21)
1.1 REVISANDO O MODELO COMUNICACIONAL E A MEDIAÇÃO
O informacionalismo, como aponta Castells (1999), é um dos principais fatores de
uma desintegração das sociedades tradicionais, por conectar pessoas e locais valiosos ao redor
do mundo ao mesmo tempo em que desconecta populações e territórios desprovidos de valor
e interesse para a dinâmica do capitalismo global.
Enquanto a informação, a partir das instâncias de produção, é o elemento primordial
que flutua e é replicado ininterruptamente pelo meio, a comunicação pressupõe interpretação,
significação, circulação e consequentemente produção de sentido.
Isto acontece quando as instâncias de recepção depreendem e estabelecem este
sentido, fenômeno que só é possível a partir de uma realidade cultural local, como contra
argumenta Martín-Barbero (2009), em uma perspectiva dos estudos da cultura sobre os meios
2
e as mediações, mantendo assim as sociedades tradicionais e o ambiente local como base da
experiência e compreensão do mundo.
Enquanto reconhece a centralidade dos meios de comunicação, Martín-Barbero (2009,
p. 20) alerta contra o “pensamento único que legitima a ideia de que a tecnologia é hoje o
grande mediador entre as pessoas e o mundo, quando o que a tecnologia medeia hoje [...] é a
transformação da sociedade em mercado [...]”. Notadamente coincidindo com os autores
citados anteriormente acerca da influência do capitalismo sobre os meios, Martín-Barbero
reconhece também, e destaca a presença de uma resistência cultural.
Baseado nestes argumentos, o autor propõe um novo mapa das mediações (ver Figura
1) a fim de verificar como se dá a construção da comunicação, cultura e política, em um
cenário que se move entre as matrizes culturais e os formatos industriais, assim como entre as
lógicas de produção e as competências de recepção.
Figura 1 – Mapa das mediações
Fonte: Martín-Barbero, 2009.
Com o intuito de contrapor-se ao pessimismo ao que ele chama de
“profetas-fim-de-milênio”, sobretudo em relação à política, Martín-Barbero demonstra que o que aconteceria
hoje seria uma “reconfiguração das mediações em que se constituem os novos modelos de
interpelação dos sujeitos e de representação dos vínculos que dão coesão à sociedade.”
(MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 14)
Neste processo são as matrizes culturais que ativam e moldam os hábitos das
instâncias de recepção. “Vista a partir da socialidade, a comunicação se revela uma questão de
fins – da constituição do sentido e da construção e desconstrução da sociedade”
(MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 18), ou seja, quando o público constitui determinado sentido político,
social e cultural, o faz ancorado em seu acervo intelectual e memória cultural.
O que a comunicação mediada pela mídia vai trazer no contexto proposto por
Martín-Barbero é uma perspectiva de multiplicidade de relações que tendem a influenciar os
comportamentos dos atores ali representados. Para isso, é importante compreender como se dá
esta relação, geralmente construída a partir das tensões provocadas pelos interesses
específicos de cada instância, o que desencadeia condições de dominação, ou em um segundo
momento a construção de um pensamento hegemônico, à medida que cada instância busca
impor seus interesses.
Esta pesquisa, portanto, utilizará o conceito de mediação proposto por
Martín-Barbero, considerando que é um modelo que vem de encontro não apenas ao objeto de estudo
proposto, mas a uma desmistificação de que a tecnologia é a orientadora da produção de
sentido.
A produção de sentido, em fato, se daria em resposta a manifestações desencadeadas
pela cultura e pela política. A tecnologia seria assim o fator que midiatiza estes processos.
Para tanto, faz-se essencial compreender o conceito de midiatização, que de acordo com
Sodré (2006), requer um novo olhar antropológico-político para sua compreensão.
1.2 MIDIATIZAÇÃO
Sodré (2006, p. 20) coincide com Martín-Barbero de que a mediação acontece no
âmbito da cultura, mas argumenta que é “preciso esclarecer o alcance do termo
“midiatização”, devido à sua diferença com “mediação”, que, por sua vez, distingue-se
sutilmente de “interação”, forma operativa do processo mediador. Para tanto, a
Novamente emerge o sentido mercadológico da rede, e considerando-se a tendência à
virtualização das relações humanas, Sodré (2006, p. 20) sugere uma “nova antropologia
ético-política da comunicação” considerando o advento das novas mídias.
O autor busca redescrever as relações entre o ser humano e as neotecnologias, levando
em consideração “as transformações da consciência e do
self sob o influxo de uma nova
ordem cultural, a simulativa” ao mesmo tempo em que uma abordagem
ético-político-antropológica viabiliza o entendimento das “mudanças socioculturais dentro de um horizonte
de autoquestionamento, norteado pela afirmação da diferença essencial do homem, de sua
singularidade.” (SODRÉ, 2006, p. 21)
Para o autor, a proliferação das tecnologias da comunicação é responsável pela
multiplicação das tecnomediações sociais. Neste sentido,
a canalização em que implica a prótese midiática tem [...] um potencial de transformação da realidade vivida. É, portanto, uma forma condicionante da experiência vivida, com características particulares de temporalidade e espacialização [...]. (SODRÉ, 2006, p. 21)
Dessa maneira, “a forma midiática condiciona apenas na medida em que permite
hibridizações com outras formas vigentes no real-histórico” sendo que este processo é uma
“expansão do que Giddens chama de ‘reflexividade institucional’ – um dos motores da
modernidade, ou seja, o uso sistemático da informação com vistas à reprodução de um
sistema social.” (SODRÉ, 2006, p. 21) Esta constatação traz mais uma camada no caminho da
produção de sentido na sociedade da informação e merece aprofundamento.
Justamente neste ponto, Sodré alerta que a midiatização, diferentemente da mediação,
não compreende “a totalidade do campo social, e sim, o da articulação hibridizante das
múltiplas instituições [...] como as várias organizações de mídia”, ou seja, “com atividades
regidas por estritas finalidades tecnológicas e mercadológicas, além de culturalmente afinadas
com uma forma ou código específico”. Neste sentido, a midiatização pode ser pensada como
uma “esfera existencial, com uma qualificação cultural própria (uma tecnocultura),
historicamente justificada pelo imperativo de redefinição do espaço público burguês.”
(SODRÉ, 2006, p. 22).
Isso quer dizer que, segundo Sodré, além da influência normativa que parte da mídia
para o público, há também a influência emocional e sensorial, tendo como pano de fundo um
modelo estético generalizado da vida social, “onde identidades pessoais, comportamentos e
até mesmo juízos de natureza supostamente ética passam pelo crivo de uma invisível
comunidade do gosto [...], estatisticamente determinado.” (SODRÉ, 2006, p. 23)
Esta realidade é facilmente presenciada no universo das mídias sociais digitais, em
que julgamentos e avaliações tecem cadeias intermináveis de diálogo (ou de monólogos
sequenciais), sobretudo quando se trata de assuntos polêmicos em determinadas culturas.
Neste espaço virtual onde as pessoas expõem suas opiniões, como fontes primárias, Sodré
afirma que se estimula uma extroversão sistemática, com elevada carga emocional, “cuja
influência sensorial – relacionamento das tecnologias comunicacionais com o aparelho
perceptivo dos indivíduos – conforma o sentido de nossa presença no território que habitamos
[...].” (SODRÉ, 2006, p. 23)
E assim, é nesta ambiência afetiva ou sensorial que se “constitui o quadro de
referências (familiares, produtivas, sociais) necessário aos mecanismos psicológicos que
organizam as defesas contra as ansiedades existenciais.” (SODRÉ, 2006, p. 25) Isto fica
evidente quando se percebe uma elevada necessidade de várias pessoas demonstrarem
constantemente suas ideias e seu meio social (casa, familiares, trabalho, bens,
relacionamentos) na rede. Seria uma tentativa de demonstrar que “está tudo bem”?
Entretanto, segundo Sodré, a obrigação moral permanece latente. A palavra de
consciência do sujeito social é sempre a palavra de outro, que se impõe. Na sociedade
midiatizada não se trata mais da moral repressiva, e sim de uma “eticidade exaltativa do
desejo individual”, para capturar o público em nome da qualificação existencial orientada
pelo mercado. “Chamar a atenção, atrair e manter sobre si mesmo o olhar do outro,
converte-se em valor moral.” (SODRÉ, 2006, p. 28)
Cabe à mídia então encenar esta nova moralidade objetiva, pautada pela criação de
uma ética de conteúdos, a partir de ensaios e negociações discursivas ou interfaces com o
ethos tradicional. Eis a complexidade que envolve a midiatização. A mídia “se torna uma
espécie de suporte da consciência prática na medida em que os fluxos informativos fazem
interface, reorganizam ou mesmo inventam rotinas inscritas no espaço-tempo existencial.”
(SODRÉ, 2006, p. 29) Neste sentido,
explícita para a falha na observância dessa prescrição, mas fica implícita a vergonha (fato interno), consequente à autodesvalorização estética, à inadequação pessoal a um padrão. É o padrão identitário valorizado que vai permitir ao indivíduo atingir um optimum de reconhecimento social. (SODRÉ, 2006, p. 30)
Fica evidente aqui a intangibilidade de uma operação que podemos presenciar, mas
que nós é impossível tocar e controlar. Quando parte do processo comunicacional é
midiatizado há uma ambiência virtual, e neste ínterim a indústria também cria rotinas de
produção sujeitas a processos tecnológicos e matrizes culturais. Quando as matrizes passam a
ser midiatizadas, os sistemas industriais passam então a servir como condutor da construção
da realidade. É aqui que reside a cultura como uma espécie de filtro de tensão entre a
tecnicidade e a ordenação política.
Isto significa que os meios de comunicação obedecem a uma ordem política social que
é mediada. E neste sentido, havendo uma determinada organização entre estas instâncias, que
tentam se impor neste novo espaço-tempo, na maior parte das vezes atendendo a imperativos
comerciais, se evidencia a existência de correlação de forças. Para analisar a dinâmica desta
correlação, esta pesquisa visita a teoria dos sistemas, proposta por Luhmann.
1.3 TEORIA DOS SISTEMAS
Estas instâncias e as relações de poder que as conectam foram analisadas por
Luhmann (2005), em que as engrenagens sociais emergem sob um contexto que dilui o
protagonismo das instâncias de recepção e produção, com enfoque no nível de poder e
controle exercido por cada sistema. O que caracteriza um sistema é o interesse compartilhado
por um grupo de indivíduos e instituições, e pode ser econômico, político, religioso, militar e
midiático, entre outros.
Os sistemas se movimentam, seja por acoplamento – quando dialogam –, seja por
interpenetração – quando sofrem autopoiese. E para Luhmann, o sistema midiático é o grande
centralizador da interação entre estes sistemas. “É um sistema que comunica algo distinto de
si mesmo. Portanto, é um sistema que pode distinguir entre autorreferência e
heterorreferência” (LUHMANN, 2005, p. 20).
Como a informação é a matéria prima que faz o sistema midiático operar, este deve
atuar seletivamente sobre o que não considera informação, caso contrário estaria entregue a
tudo o que surge, e com isto não poderia se distinguir no ambiente. A partir desta
característica, a seleção, “os meios de comunicação manipulam a opinião pública. Produzem
tendências. Tudo pode estar escrito corretamente, mas não responde à questão: para que?”
(LUHMANN, 2005, p. 75).
É neste sentido que o sistema midiático pode se acoplar a qualquer outro sistema, seja
para atender a um interesse, seja para se defender. Entretanto, Luhmann reconhece que “a
função social dos meios de comunicação, portanto, não se encontra na totalidade das
informações sempre atualizadas, mas na memória produzida por meio disso” (LUHMANN,
2005, p. 114), estabelecendo aqui um determinado sentido de cultura. Entretanto existem
dinâmicas entre os sistemas, gerando interdependências que podem afetar a engrenagem de
um determinado sistema ou campo, como sugere Bourdieu (1997).
Bourdieu (1997, p. 77) enxerga no “campo” o espaço onde as tensões, ou correlações
de força são articuladas, emergindo a centralidade do campo jornalístico, que está pressionado
pelo campo econômico, por meio do índice de audiência. “E esse campo muito heterônomo,
muito fortemente sujeito às pressões comerciais, exerce, ele próprio, uma pressão sobre todos
os outros campos, enquanto estrutura.” As consequências seguem em efeito cascata,
sobretudo a partir da televisão.
O campo jornalístico age, enquanto campo, sobre os outros campos. Em outras palavras, um campo, ele próprio cada vez mais dominado pela lógica comercial, impõe cada vez mais suas limitações aos outros universos. Através da pressão do índice de audiência, o peso da economia se exerce sobre a televisão, e, através do peso da televisão sobre o jornalismo, ele exerce sobre os outros jornais, mesmo sobre os mais “puros”, e sobre os jornalistas, que pouco a pouco deixam que problemas de televisão se imponham a eles. (BOURDIEU, 2005, p. 81)
Bourdieu reconhece a vulnerabilidade do campo, considerando que “muito mais que o
campo científico, artístico ou literário ou mesmo jurídico, o campo jornalístico está
permanentemente sujeito à prova dos vereditos do mercado, através da sanção, direta, da
clientela ou, indireta, do índice de audiência [...].” (BOURDIEU, 2005, p. 106)
O poder, como capacidade de impor comportamentos, reside nas redes de troca de informação e de manipulação de símbolos que estabelecem relações entre atores sociais, instituições e movimentos culturais por intermédio de ícones, porta-vozes e amplificadores intelectuais. No longo prazo, não importa quem está no poder porque a distribuição dos papeis políticos torna-se generalizada e rotativa. Não há mais elites estáveis do poder. Há, contudo, elites resultantes do poder, ou seja, elites formadas durante breve período de detenção de poder em que tiram vantagens da posição política privilegiada para obter acesso mais permanente aos recursos materiais e conexões sociais. (CASTELLS, 1999, p. 424)
O poder, na perspectiva de Castells, tende a ser também circunstancial. As tensões
entre os sistemas, ou campos, ou instâncias, remetem ao exercício de um poder materializado
pela dominação, entretanto, quando se trata destas mesmas tensões em uma sociedade
midiatizada, podemos perceber dois estatutos de poder: dominação e hegemonia, os quais
reintroduzem a instância de recepção no processo de construção de novas elites de poder.
Neste ambiente em rede o poder depende de validação e legitimação, como vamos
observar no objeto desta pesquisa, em que a sociedade civil, dotada de um poder
circunstancial, fez valer suas demandas. A partir da exploração dos pontos comuns
observados nestes embates, o que não se apaga é a batalha entre os campos e seu recorrente
atrito sistêmico.
Sob esta perspectiva, a ambiência midiática onde as instâncias de produção e recepção
tensionam e são tensionadas pelas dinâmicas dos sistemas abertos e fechados, foi abordada
por Kieling (2011), a partir de apontamentos para uma visão mais complexa da digitalização
das mídias
.
1.4 MIDIOSFERA
Partindo da necessidade de um melhor entendimento sobre os desafios que recaem
sobre o mercado e a academia diante da digitalização, Kieling (2001) retoma a perspectiva da
midiosfera a fim de identificar nuances das novas relações entre as instâncias de produção e
de recepção. O autor aponta que
aformação das redes e comunidades na Internet (e-mail, sítios) forjam outras formas
de atuação deste ator econômico, social, cultural e político. Há um cenário convergente no qual se pode escolher quando, onde e como consumir, interpretar, interagir com os conteúdos. O sujeito da recepção transcende a classificação de audiência, ou de consumidor, ou mesmo de usuário (como o mundo da Internet
A midiosfera, aqui entendida como a ambiência de convergência das mídias, suporta
uma circulação de conteúdo
em que o co
nsumidor é
fortemente ativo, dotado de ferramentas
que possibilitam maior visibilidade aos seus próprios conteúdos, no mesmo ambiente em que
circulam os conteúdos e narrativas oferecidos pela mídia tradicional. É nesta ambiência que a
tensão entre os sistemas midiáticos abertos e fechados será mais nítida. Kieling sugere o
esquema de esferas a seguir (ver Figura 2), em que coexistem o Sistema de Produção e
Distribuição (SPD) e o Sistema de Significação (SSI), que compreende o consumo e a
interpretação.
Figura 2 – Ambiência da midiosfera
Fonte: Kieling, 2001
A interação entre as esferas “constitui um lugar, um espaço, um terreno virtual de
confronto e acomodação entre as lógicas de cada sistema. Mas, ao mesmo tempo, configura-
se um espaço de realização, de consumação.” (KIELING, 2001, p. 11) O autor avalia ainda
que, considerando a capacidade autopoiética dos dois sistemas, este é o ambiente em que suas
operações são reorganizadas mutuamente, ou seja, o lugar compartilhado pelo real, o
imaginário, o material, o virtual, o editorial e o colaborativo.
“O espaço de troca, de construção de sentido que se deu durante a transmissão
resultou do encontro desses dois sistemas que juntos e com a atuação dos sujeitos produtores
e receptores viabilizou a midiosfera.” (KIELING, 2001, p. 12)
Não se ignore que um sistema fechado vai se proteger do ambiente externo (sistema econômico – financiadores, anunciantes, concorrentes, o mercado – e sistema político – concessões públicas, leis protecionistas, impostos) e com ele interagir, considerando os níveis de interdependência, e se relacionar por acoplamento estrutural, autofortificado como pensa Luhmann. Seria o SPD – sistema de produção e distribuição.
Por sua vez, o sistema de significação, o SSI, que vai depender de variáveis externas, sociais, culturais que podem dissipar interpretações e escolhas, como pensou Prigogine e Stengers (1990) em relação às moléculas, para fora da proposta original dos textos midiáticos, as suas estruturas modelizantes do script, do roteiro, do estúdio, dos esquemas da multicâmera, das normas de estilo, de redação, dos manuais. (KIELING, 2001, p. 13)
O autor sustenta que os sistemas se reorganizam rapidamente a cada nova desordem
ou perturbação do equilíbrio provocado pelos agentes; são adaptáveis e permeáveis. Neste
contexto, a produção de sentido depende do público e é externa à mídia.
O resultado da produção dos sistemas de televisão (SPD e SSI) precisa do lugar onde tudo que foi produzido e que é exibido, seja assistido. Espaço onde ganharia a dimensão de produção de sentido. Produção simbólica que vai se construir no ato da exibição e de leitura e, a partir daí, ganhar as ruas, vai estar nas relações mediadas de cada grupo, cada rede social. No caso da midiosfera, reenviando de uma mídia a outra, constituindo outra esfera de sociabilidade, que é virtual. (KIELING, 2001, p.13)
Neste contexto, como funcionam as engrenagens desta produção de sentido, dentro da
midiosfera, em uma sociedade midiatizada? Considerando-se as múltiplas plataformas de
comunicação, o elemento comum fundamental e transversal o qual estas instâncias recorrem
para interpretar ou conquistar seu posicionamento reside no discurso social, aqui conceituado
conforme Verón (1993), que é o discurso produzido a partir da produção de sentido.
Vamos concentrar nossos esforços nos deslocamentos do processo de construção do
discurso e na produção de sentido que deles resulta, percebidos como uma terceira camada na
articulação entre sociedade de massa e sociedade em rede.
Para tanto, a compreensão da dinâmica de construção e de entendimento deste
discurso sob uma perspectiva social pode apontar evidências de eventuais reconfigurações na
dinâmica de circulação discursiva e reconhecimento de sentido, animados pelas lógicas da
sociedade mediada e midiatizada.
1.5 SEMIOSE SOCIAL
Baseando-se na premissa de que não existe um sistema discursivo por si, e sim, na
existência do discurso em todos os sistemas, Verón evidencia que é impossível descrever o
processo de produção do discurso sem considerar suas condições de produção. Neste marco, o
autor reconhece três instâncias primárias: a instância de condições de produção, de circulação
e de reconhecimento, ou recepção, sendo que:
O conceito de circulação designa precisamente o processo através do qual o sistema entre condições de produção e condições de percepção é, por sua vez, produzido socialmente. ‘Circulação’ é pois o nome do conjunto de mecanismos que formam parte do sistema produtivo, que definem as relações entre ‘gramática’ de produção e ‘gramática’ de reconhecimento, para um discurso ou um tipo de discurso dado. [...] A análise discursiva de um determinado conjunto de texto deveria permitir, por um lado, a descrição de um campo de efeitos de sentido, campo determinado pelas operações discursivas que operam no material textual (as que definem o processo de produção). (VERÓN, 1993, p. 20)
Tradicional crítico da separação entre ciência e ideologia, prevalecendo à primeira
historicamente em relação à segunda, sobretudo no universo acadêmico; para Verón (1993), a
relação entre os discursos e suas condições de produção são a base de sustentação para o
sistema ideológico.
Desta forma, “o ideológico não é o nome de um tipo de discurso, mas uma dimensão
dos discursos socialmente determinados [...]”. (VERÓN, 1993, p. 21) É sob esta perspectiva
que Verón concentrará o estudo da semiose social nos processos.
Os ‘objetos’ que interessam à análise do discurso não estão, em resumo ‘nos’ discursos; tampouco ‘fora’ deles, em alguma parte da ‘realidade social objetiva’. São sistemas de relações: sistemas de relações que todo produto significante mantém com suas condições de geração por uma parte, e com seus efeitos por outra. (VERÓN, 1993, p. 128)
Neste sentido, voltamos a Luhmann (2005) e o conceito de autopoiese, reconhecendo
que a circulação entre as instâncias de produção e de recepção, se configura num processo de
entropia permanente – a autopoiese ou autoprodução da semiose é aqui auxiliada pelo sistema
de circulação, numa cadeia semiótica sem fim – sendo ao mesmo tempo produtor e produto
em relação ao sentido.
produzido o discurso, as condições permanecerão sempre as mesmas, entretanto, a instância
de recepção fatalmente se modificará indefinidas vezes.
Há que se considerar ainda, que “entre as condições produtivas de um discurso há
sempre outros discursos” (VERÓN, 1993, p. 129). Assim, a infinita rede da semiose social
(ver Figura 3) se desenvolve no espaço-tempo das matérias significantes, da sociedade e da
história, representada a seguir.
Figura 3 – Rede infinita da semiose social
Fonte: Verón, 1993.
Pelo diagrama, Verón conclui que sem esta semiose, não é possível conceber qualquer
forma de organização social, ainda que esta semiose esteja sujeita a um princípio simples de
coerência interna. Buscando na semiótica a base para a elaboração da teoria dos discursos (ver
Tabela 1), o autor delimita, a partir da análise da produção discursiva, o tipo de
funcionamento social que recai sobre aquela construção.
Tabela 1 – Quadro comparativo para construção da teoria dos discursos
PEIRCE TEORIA DOS
DISCURSOS
ANÁLISE DA PRODUÇÃO DISCURSIVA
FUNCIONAMENTO SOCIAL
Interpretante Operações Condições de produção – Gramática de produção
Ideológico
Signo Discurso Pegadas na superfície discursiva Leituras
Objeto Representações Condições de reconhecimento – Gramáticas de reconhecimento
Poder
Neste sentido, o acesso à rede semiótica implica um trabalho de análise que opera
sobre fragmentos extraídos do processo semiótico, ou o que o autor denomina “cristalização”
(resultado da intervenção da análise) das três posições fundamentais
(operações-discurso-representações.
Percebe-se então que a construção de poder passa pela legitimação por meio de
operações discursivas, o discurso em si, e as representações ou reconhecimento que dele se
depreende. Este processo vem de encontro ao poder circunstancial, visto que uma infinidade
de operações como esta acontecem ao mesmo tempo, desencadeando inúmeros debates
discursivos.
Este contexto é necessário para ajudar a formular hipóteses sobre o problema desta
pesquisa: observar e transcrever eventuais atualizações do processo de agendamento e
contra-agendamento, percebendo suas transformações operativas nas dinâmicas entre a mídia e a
sociedade civil no tratamento de temas de interesse coletivo, como é o caso do objeto desta
pesquisa, a campanha pela aprovação da Lei da Ficha Limpa.
2 NOVOS ATORES NA MEDIAÇÃO MIDIATIZADA
Se na sociedade mediada e midiatizada emerge a batalha por hegemonia nas redes de
troca de informação, o que acontece quando as instâncias de recepção também tem acesso a
estes meios e podem fazer parte destas interações?
Ao mesmo tempo em que as instâncias de recepção se apropriam do uso dos meios
digitais no cotidiano, o conteúdo que elas produzem parece não estar sujeito às limitações
comerciais a que estão os conteúdos do sistema midiático ou do campo jornalístico.
Retomando a matriz proposta por Martín-Barbero, as instâncias de recepção, dotadas
de algum nível de tecnicidade, podem criar, publicar, difundir e distribuir informação,
conteúdo, assim como sua interpretação sobre determinado acontecimento, ou seja, a sua
própria construção de sentido na rede, baseada em sua matriz cultural, graças à digitalização
das mídias.
Esta instância de recepção produtora não se comporta como mídia tal como
reconhecemos, porque produz em pequena escala, fora de um formato industrial, e geralmente
não obedece ou não está preocupada em obedecer a uma lógica de produção. E esta pesquisa
está justamente interessada em descrever os novos fatores envolvidos nos processos
comunicacionais, de modo que se permita observar os deslocamentos e as reacomodações nas
lógicas entre as instâncias.
2.1 O SUJEITO RECEPTOR-PRODUTOR
Coincidindo com Martín-Barbero, Jenkins (2009), em uma leitura voltada para o
consumidor e relações de consumo, aponta que a cultura digital mistura cultura popular com
conteúdo da cultura de massa.
Este movimento de apropriação dos recursos tecnológicos pelas instâncias de recepção
vem modificando drasticamente o funcionamento da indústria cultural, não pela tecnicidade
em si, mas pelo o que o autor conceitua por cultura da convergência, que é o fluxo de
conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia cooperando entre múltiplos mercados
midiáticos, somados ao comportamento migratório dos públicos.
da popularização da Internet, tentando alcançar esta audiência, que também flutua, aleatória e
propositadamente, na mídia.
É neste contexto que Bruns (2008) desenvolve o conceito de produser (ver Figura 4),
referindo-se a este novo sujeito que, midiatizado, passa a desempenhar novos papeis dentro da
cadeia industrial, tornando-se também produtor de conteúdo em uma escala capaz de lograr
visibilidade, e em um segundo momento e proporção, mudanças nos rumos da indústria.
Nesta cadeia, os participantes podem agir mais como usuários (utilizando os recursos
existentes) ou mais como produtores (adicionando novas informações), variando ao longo do
tempo e por meio das atividades. Assim, “eles assumem um papel de usuário/produtor híbrido
que inextricavelmente entrelaça ambas as formas de participação e assim se tornam
produsers.” (BRUNS, 2008, p. 21 NT)
Figura 4 – O produser
Fonte: Bruns, 2008.
Aqui acontece uma mudança estrutural na cadeia industrial tal como tradicionalmente
conhecemos, e não somente; isto se reflete na área do conhecimento com plataformas como a
Wikipedia, por exemplo, mudanças profundas no jornalismo, como será mencionado adiante,
e na própria maneira como consumimos bens e serviços.
Bruns nomeou a atividade desempenhada pelo
produser de
produsage, um conceito
criado a partir da necessidade de se descrever um fenômeno emergente com a implantação da
web 2.0, que cria a ambiência para a construção coletiva.
A consolidação da Internet como mídia de massa, com significantes diferenças em
relação aos meios anteriores, cria uma série de desafios para o modelo de produção e
distribuição de informação da indústria tradicional.
O amplo acesso às fontes de informação torna menos assimétrica a relação entre
produtores e consumidores; o acesso aos meios de produção faz com que os consumidores se
transformem em produtores ativos e distribuidores de informação; e a tecnologia permite que
os usuários se comuniquem e engajem diretamente um ao outro em uma escala global.
A partir da observação sobre como funcionam estas comunidades, Bruns ancora a
produsage em quatro princípios fundamentais: participação aberta, avaliação comum;
heterarquia fluída e meritocracia; artefatos inacabados, processos contínuos; propriedade
comum e recompensas individuais.
Baseando-se no princípio de inclusão e não de exclusividade, a participação aberta e
avaliação comum pressupõe que os usuários são capazes de contribuir, examinar e avaliar,
assim como adicionar contribuintes que elevarão a qualidade do que está sendo construído
coletivamente. Portanto, a
produsage compreende uma ampla gama de conhecimentos
disponíveis, habilidades, talentos e ideias, encorajando seus participantes a aplicar estas
capacidades.
A heterarquia é fluída e o modelo de ascensão é a meritocracia, permitindo que líderes
de projetos emerjam na comunidade a partir da qualidade de suas contribuições. As
orientações quanto ao desenvolvimento do trabalho serão de comum acordo e no curso do
trabalho podem surgir vários pioneiros, que seguirão nesta posição temporária ou
permanentemente.
Os artefatos são inacabados e o processo é contínuo. Bruns utiliza propositalmente o
termo ‘artefato’ justamente pelo fato de que nestas comunidades geralmente não se criam os
produtos, prontos para a distribuição e venda, porque se está falando de um processo que não
termina.
Estes artefatos são concebidos como propriedade comum porque “continuarão
disponíveis aos futuros participantes assim como estarão disponíveis àqueles participantes que
já fizeram suas contribuições.” (BRUNS, 2008, p. 28 NT)
Estas características trouxeram impactos inicialmente na área de produção de
software, mas rapidamente se expandiram para outras áreas, como a produção de
conhecimento coletivo, por exemplo a Wikipedia
3, uma ampla distribuição de informação, o
3
trabalho criativo, e até mudanças culturais. “A cultura da convergência, a convergência da
cultura, tira dos meios de comunicação de massa sua posição privilegiada de finalizador da
produção na cadeia de valor, e os reduz ao nível de outros participantes na rede [...]”
(BRUNS, 2008, p.30 NT)
Bruns avalia que a mídia é um dos campos afetados pela emergência da criação de
conteúdo colaborativo. “Conteúdo é informação, informação pode ser convertida em
conhecimento, e conhecimento é poder [...].” (BRUNS, 2008, p.31 NT) O conceito de
produsage e sua horizontalidade vem de encontro, em vários aspectos, às características dos
movimentos de mobilização digital, que tecem cadeias interminárveis de discussão para uma
determinada deliberação.
A partir dos conceitos expostos e com o intuito de se aprofundar nas engrenagens da
mobilização social contemporânea, a seguir serão apresentadas algumas especificidades
relacionadas aos recentes movimentos sociais pelo mundo.
2.2 ENGRENAGENS DA MOBILIZAÇÃO SOCIAL POR MEIO DA INTERNET E DAS
MÍDIAS DIGITAIS
Antes de adentrar ao universo da mobilização nos meios digitais, faz-se necessário
conceituar a mobilização social como fenômeno, que está diretamente relacionada a
cidadania. Em uma dicotomia entre direitos e deveres dos cidadãos, Manzine-Covre (2001),
destaca passagens da Carta de Direitos da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948,
que tem como proposta conceitual de cidadania a premissa de que
[...] todos os homens são iguais ainda que perante a lei, sem discriminação de raça, credo ou cor. E ainda: a todos cabem o domínio sobre seu corpo e sua vida, o acesso a um salário condizente para promover a própria vida, o direito à educação, à saúde, à habitação, ao lazer. E mais: é direito de todos poder expressar-se livremente, militar em partidos políticos e sindicatos, fomentar movimentos sociais, lutar por seus valores. Enfim o direito de ter uma vida digna de ser homem. (MANZINE-COVRE, 2001, P. 13)