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Ilha Desterro vol.70 número1

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Academic year: 2018

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AO SOM DO JAZZ... OS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA NA POESIA DE MÁRIO DE ANDRADE

Angela Teodoro Grillo*

Universidade de São Paulo São Paulo, São Paulo, BR

Resumo

O presente artigo dedica-se ao estudo do poema “Nova canção de Dixie” de Mário de Andrade, escrito em 1944 e de publicação póstuma. Os versos tematizam o preconceito e a perseguição racial contra os negros nos Estados Unidos da América, nos anos de 1940. A partir da consulta à correspondência, da comparação com outros textos do escritor, bem como a identiicação de episódios sócio-históricos dos EUA, transigurados nos versos, foi possível interpretar o poema brasileiro que ironiza a democracia norte-americana.

Palavras-chave: Mário de Andrade Poeta; Nova Canção de Dixie; Preconceito Racial; Estados Unidos da América; Poesia Brasileira

LIKE JAZZ... THE UNITED STATES ACCORDING MARIO DE ANDRADE’S POETRY

Abstract

his article is dedicated to study the poem “Nova canção de Dixie” written by Mario de Andrade in 1944 and published posthumously. he verses thematize prejudice and racial persecution of blacks in the United States during the 1940s. From the consultation of the correspondence and compared to other writer’s texts, as well as the identiication of socio- historical episodes of the USA, transigured in the verses, it was possible to interpret the Brazilian poem that mocks American democracy.

Keywords: Mario de Andrade Poet; Nova Canção de Dixie; Racial Prejudice; USA; Brazilian Poetry

* Doutora e mestre em Letras, Literatura Brasileira (USP). Pesquisadora da Equipe Mário de Andrade e do Núcleo de Estudos de Biblioteca de Escritores e da Criação Literária (IEB-USP). Seu endereço de e-mail é angelagri@gmail.com

Esta obra tem licença Creative Commons

a construção (invertida) da tópica da terra ideal, infe-re-se, como procuraremos demonstrar, que o principal elemento motivador da criação dessa anti-passárgada foram as perseguições racistas contra os negros, prati-cadas nos EUA. O exame do poema serve-se de diferen-tes referenciais teóricos como a crítica genética e a lite-ratura comparada; além disso, há um estudo de cunho sócio-histórico que contribui para a interpretação de acontecimentos nos Estados Unidos, transigurados ironicamente nos versos do bardo mestiço1 brasileiro. Busca-se, de acordo com a ideia adorniana, analisar em um universo individual, na construção particular de uma linguagem, a expressão de uma voz poética que, muitas vezes, mantém uma relação com o sujeito cole-A proposta deste artigo é apresentar um trabalho

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tivo (ADORNO, 2003; 78). Como se trata de um poema relativamente curto, segue a transcrição dele na íntegra:

Nova Canção de Dixie

Kenst du das Land Où leurit l’oranger?... É a terra maravilhosa Nascida duma barquinha Flor de Maio se chamava, Onde tudo o que é bom dava, Que tudo o que é rico tinha...

Lá quem queira gozar goza Com toda a felicidade, É só passear pela rama, É só não ser tagarela: É a terra maravilhosa, Parece com a liberdade Pois já tem a estátua dela.

É a terra dos plutocratas, Palácios de cem andares, Você sai se faz questão, Mas pode icar nos ares, É só apertar o botão, Que recebe tudo em latas Pela quarta dimensão.

No. I’ll never never be In Colour Line Land.

Mas porque tanta esquivança! Lá tem Boa Vizinhança Com prisões de ouro maciço; Lá te darão bem bom lanche E também muito bom linche, Mas se você não é negro O que você tem com isso!

No. I’ll never never be In Colour Line Land.

É a terra maravilhosa

Chamada do Amigo Urso, Lá ninguém não cobra entrada Se a pessoa é convidada. Depois lhe dão com discurso Abraço tão apertado

Que você morre asixiado, Feliz de ser estimado.

No. I’ll never never be In Colour Line Land.

Uma versão datiloscrita de “Nova canção de Dixie”, datada de 5 de janeiro de 1944, encontra-se na série Manuscritos Mário de Andrade, no acervo do escritor, salvaguardado no Instituto de Estudos Brasileiros (IE-B-USP); os versos foram postumamente publicados no Correio Paulistano, em 24 de fevereiro de 1946, véspera do primeiro aniversário da morte do poeta. Anos mais tarde, Telê Ancona Lopez refere-se ao texto e o trans-creve em Mário de Andrade: ramais e caminho (1972); em 2013, ao lado de Tatiana Longo Figueiredo, as pes-quisadoras incluem-no em Poesias completas (ANDRA-DE, 2013, v. 2; 277). Em 2015, os versos ganham um capítulo de análise e interpretação na tese de doutorado O losango negro na poesia de Mário de Andrade, desen-volvida na Universidade de São Paulo e inanciada pela FAPESP (GRILLO, 2015).

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em 1938, livro que anos mais tarde será prefaciado pelo surrealista francês André Breton. Em 1947, Alioune Diop funda a revista Présence africaine, cujo comitê de patronage do primeiro número é assinado por nomes como Aimé Césaire, Léophold Senghor, André Gide, Richard Wright, Albert Camus e Jean-Paul Sartre.

O início dessas ideias teriam se encontrado com o Blaise Cendrars da Anthologie nègre e com L’âme nègre de Maurice Delafosse, obras de 1921 e 1922, presentes na biblioteca de Mário de Andrade, biblioteca que con-ta com mais de 17 mil exemplares, hoje incorporada ao acervo do escritor, trazendo anotações da leitura dele. A marginalia de Mário nas obras de Delafosse e Cen-drars – grifos, sem comentários – no entanto, não dá subsídios suicientes para avaliar a dimensão do conta-to do leiconta-tor com os movimenconta-tos artísticos destacados. Ainda que o ano de publicação de um livro não ateste, evidentemente, o momento da leitura, é possível supor que, neste caso, Mário de Andrade a tenha feito nesses anos de 1920, pois era amigo Blaise Cendrars. Ambos integram a caravana dos modernistas na viagem do “Descobrimento do Brasil”, por Minas Gerais, em 1924.

As mobilizações literárias de resistência e oposição à marginalização do negro possivelmente chegaram a Mário de Andrade como ideias no ar. Seu acervo indi-ca, contudo, que menos a literatura e mais a música ne-gra lhe alcançaram mais diretamente. Em “Negritude, Negrismo, Literaturas Afrodescendentes”, as autoras do ensaio explicam que a manifestação do Harlem Reinas-sance, “revela, também, o início do sucesso internacio-nal do jazz” (FIGUEIREDO, 2010; 313). Nesse sentido, a coleção de discos de Mário de Andrade, de fato, mos-tra o interesse dele pela música popular norte-ameri-cana desde os anos de 1920; iguram ali artistas como Duke Ellington, Louis Armstrong, Ella Fitzgerald, Cab Calloway, Joe King Oliver. Mário também guardou em sua biblioteca o programa de Porgy and Bess, ópera de George Gershwin e libreto de Du Bose Heyward. Ain-da que não seja necessariamente um jazz, mesmo que tenha recebido sua inluência, conforme relato do com-positor, e não participe do Renascimento do Harlem, distingui-se pelo fato de ser o primeiro musical que re-trata a vida de negros dos Estados Unidos. Vale lembrar que Porgy and Bess conta a história de um homem que

vive nas ruas de Charleston, na Carolina do Norte, e tenta resgatar sua amada, Bess, da vilania do amante. É considerada, no entanto, por uma parte da crítica, como uma reprodução racista contra os negros dos EUA.

Na obra de Mário de Andrade, o jazz surge recor-rentemente; em um devaneio amazônico, por exemplo, o Turista Aprendiz almeja enviar para São Paulo “Tele-gramas mandando comprar todos os candelabros ilu-minados do mundo e buscar nos Estados Unidos todos jazes de negros autênticos” (ANDRADE, 2002; 54). Na poesia, além da “Nova canção de Dixie”, o jazz foi toca-do em versos como:

Aleluia!

Louvemos o Criador com os sons dos saxofones arrastados,

Louvemo-Lo com os salpicos dos xilofones nítidos! Louvemos o Senhor com os riscos dos recorrecos e os estouros

[do tantan,

Louvemo-Lo com a instrumentarada crespa do ja-zz-band!”

(Clã do jabuti. “Carnaval Carioca”. Poema “III”; v. 215-219)

E New York abençoa o jazz universal. Negros de cartola

Turcos de casaca

Montecarlo e Caldas e Copacabana Tudo é um caxambu!

EU DANÇO!

(Remate de males. “Danças”. Poema “V”; v. 181-186)

Para Mário de Andrade “o poeta [está] reintegrado na vida do seu tempo. Por isso: renovação da sacra fúria.” (ANDRADE, 2009; 57). Na criação poética do autor de Pauliceia desvairada encontra-se um olhar agudo de sua época, uma crítica relativa a diferentes atrocidades que aconteciam no Brasil e no estrangeiro: grandes guerras, racismo cientíico, preconceito de cor, ditadura, lincha-mentos de negros, genocídio dos judeus… Mário morre em 1945, sem ver o im da segunda guerra mundial.

1. A recusa literal e a criação poética

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países da América Latina. O talento e a erudição de Mário de Andrade, multiplicado em tantos projetos e ocupações, é reverenciado por diferentes personalida-des nacionais e internacionais. A criação da Discoteca Pública Municipal, em 1935, como parte do projeto cultural democrático de Mário de Andrade, à frente do Departamento de Cultura e da fundação da Socieda-de Socieda-de Etnograia e Folclore, por ele e pela antropóloga Dina Lévi-Strauss, abre espaço para o rico ilão da cria-ção popular. Mário, no intuito de consolidar essa par-cela de pesquisa e formação de acervo, convida, para dirigir a Discoteca, Oneyda Alvarenga, musicóloga e sua discípula. É com ela que, em 1939, tem início um fe-cundo intercâmbio, envolvendo os musicólogos Harold Spivacke, chefe da Divisão de Música da Biblioteca do Congresso, com quem a Discoteca Pública de São Paulo planejava troca de gravações e Carleton Sprague Smith, diretor da seção de Musicologia da Biblioteca Nacional de Washington. Ambos conversam tanto com Oneyda, em São Paulo, quanto com o escritor, no Rio de Janeiro, onde ele vive do segundo semestre de 1938 ao início do ano de 1941.

Em carta a Oneyda Alvarenga, de 17 de julho de 1940, ao im das coordenadas para a recepção de Car-leton Sprague Smith em São Paulo, Mário explica: “Eu pedia a vocês meus amigos que o juncassem de ama-bilidade, é um tipo humano, apesar de acreditar que democracia é ou são os U.S.A., com linchamento, ra-cismos, Chinatown2, Sacco e Vazenti3 etc” (ANDRADE & ALVARENGA, 1983; 240). No comentário lagra-se a contradição encontrada por Mário de Andrade: Smith é um altruísta, mas acredita que os EUA sejam um lugar democrático. O país que, além de combater o nazismo, é refúgio de intelectuais e artistas perseguidos na Europa por comungarem ideais democratas, socialistas/comu-nistas, ou serem judeus, concomitantemente, praticava perseguições raciais contra negros e chineses e, ainda, condenava à morte anarquistas injustamente acusados de cometer assassinato.

No Rio de Janeiro, entra em cena mais um nome, William Berrien, representante do American Council of Learned Societies (ACLS)4 e mentor do convite ao escritor, feito pelo Instituto Brasil-Estados Unidos, para a conferência “A expressão musical dos Estados

Unidos”, realizada no auditório da Associação Brasi-leira de Imprensa, no Rio de Janeiro, em 12 de dezem-bro de 1940.5 No ano seguinte, Berrien insiste no com-parecimento do escritor no Congresso sobre o Negro, promovido pela ACLS, a realizar-se no Haiti6. Além desse, outros convites virão. O convidado se esquiva, mas as solicitações não cessam, sempre à espera de uma resposta airmativa. Em carta a Sérgio Buarque de Holanda, de 21 de março de 1941, Mário disfarça a recusa aos convites, no desabafo:

“Quando vamos pros States? Maria Amélia vai também? Eu, cada vez mais desistindo de ir e talvez desistindo de tudo, não sei, ando com nojo do tudo que não é minha vidinha de deserto-mãe. Amo o deserto, requeimado pegureiro de mim mesmo, beduíno ou quiçá camelo. Deve dar camelo. Mas é uma gostosu-ra hipermagestática e tem seu trágico.” (Apud MONTEIRO, 2012; 120).

Em 1944, nos versos, o poeta exprime sua verdade e a consciência das próprias contradições move a carta que ele endereça a seu amigo Manuel Bandeira, em 20 de janeiro, certamente diante da primeira versão do poema:

Tenho uma consulta a lhe fazer, aliás sem enor-me importância porque onde vem a coisa não tem importância. Numa sátira de combate, que aliás não publico porque não convém, pois sou ‘Nações-unidas’, eu esculhambo os EE. UU. por causa da linha de cor. A ideia nasceu da irrita-ção que me causaram as várias recusas (que fui obrigado a explicar) escusas dolorosas aos con-vites de ir visitar os States. Pois não vou numa terra que tem a lei do Linch, Daí nasceu uma sátira mal escrita, que tem este refrão:

‘No. I’ll never never be In Colour Line Land’

“Pus ‘be’ por ‘go’ pra indicar bem que o que me horroriza é estar lá dentro. O que me interessa é saber se está certa a invenção “Colour Line Land” pra dizer o, em portuga, ‘Terra da Linha de Cor’. ‘Colour Line Land’ ica bem melhor que ‘Line of Colour Land’, ou ainda pior “Land of the Line of Colour”. O inglês dos que consul-tei aqui não deu pra responderem.

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cor-rosivo, que é o que eu quero. (Apud MORAES, 2001; 670).

A missiva evidencia a repulsa à linha de cor vigen-te nos Estados Unidos e, ao mesmo vigen-tempo, insinua o preconceito racial que perturba Mário de Andrade no campo individual. Esse aspecto é reforçado pelo depoi-mento de Moacir Werneck de Castro:

À escritora argentina María Rosa Oliver, que estava no Brasil durante a guerra, tratando de um número especial da revista Sur sobre nossa literatura, fez uma conidência rara. Em suas memórias, conta Maria Rosa que ele [Mário de Andrade] recusara convites para os Estados Unidos ‘simplesmente por ser mulato’ e acres-centou com naturalidade: ‘Não aceitei. Você não sabe que tenho sangue negro?’. Achava que seria pessoalmente discriminado (na carteira de identidade constava ‘cor branca’), mas expli-cava: ‘Já sei, não sofreria por isso, mas outros iguais a mim sofrem, e isso eu não poderia to-lerar. (Apud CASTRO, 1989; 64).

Ainda que se justiique a possibilidade de ser ame-nizado o preconceito, pela cor branca que consta na carteira de identidade, bem se sabe que, nos EUA, Má-rio de Andrade seria discriminado; inclusive ele mesmo está consciente disso, conforme se lê no depoimento, à amiga María Rosa Oliver, relatado por Castro – “outros iguais a mim sofrem”. Na criação poética destaca-se o incômodo do artista com a violência que persegue os negros na sociedade estadunidense e a subjetividade é trabalhada, portanto, no âmbito coletivo; há uma opção do vate pelo discurso movido pela alteridade. Diante dos relatos e das cartas, vemos que o aspecto individual também impulsionou a criação; porém, o poeta privile-gia o tom social. Conforme relata na carta à Henriqueta Lisboa, de 3 de agosto de 1944, momento em que com-põem também Lira paulistana: “Porque toda poesia, toda obra de arte é ‘social’, porque, mesmo se preocu-pando exclusivamente com as reações pessoais do artis-ta interessa à coletividade” (Apud SOUZA, 2010, 290).

Aliás, naquele ano, Mário de Andrade interrompe-ra a escrita do romance Quatro Pessoas pois julgava-o por demais individualista, um despropósito em tempos de barbárie social.7 No ano da criação de “Nova Canção de Dixie”, em entrevista a Francisco de Assis Barbosa,

airma: “Sempre fui contra a arte desinteressada. Para mim, a arte tem de servir. Posso dizer que desde o meu primeiro livro faço arte interessada.” (LOPEZ, 1983; 104). Além disso, para ele, não basta o intelectual pro-clamar-se contra a barbárie:

Porque o não conformismo do intelectual não está apenas em gritar e assinar; ‘Sou antina-zista!’ ‘Sou pela democracia’, sou mais isto e aquilo. Isto quando muito é ser tagarela. O não conformismo implica não apenas na reação, mas a ação. E é nesta ação que está a responsa-bilidade pública do intelectual. (Apud LOPEZ, 1983; 108).

Em relação aos EUA, a recusa em comparecer a eventos airma o posicionamento político de um demo-crata que impele práticas racistas; no campo artístico, nasce mais uma poesia de combate. Além disso, ao não sublinhar no poema o preconceito que sofreria no campo individual, o artista mantém a coerência do seu discurso:

Em momentos como esse não é possível dúvi-da: o problema do homem se torna tão decisi-vo que não existe mais o problema do artista. Não existe mais o problema do proissional. O artista não só deve, mas tem que desistir de si mesmo. Diante de uma situação universal de humanidade como a que atravessamos, os problemas proissionais dos indivíduos se tor-nam reles que causam nojo. E o artista que no momento de agora sobrepõe seus problemas de intelectual aos seus problemas de homem, está se salvaguardando numa confusão que não o nobilita. (Apud LOPEZ, 1983; 109).

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Mas se formos auscultar a pulsação mais ínti-ma da nossa vida social e familiar, encontrare-mos entre nós uma linha de cor bastante nítida, embora o preconceito não atinja nunca, entre nós, as vilanias sociais que pratica nas terras de inluência inglesa. Mas, sem essa vilania, me parece indiscutível que o branco no Brasil concebe o negro como um ser inferior. (AN-DRADE, 1939).

O termo “Linha de cor” remete à expressão “Co-lour Line”, que será retomada pelo poeta, em 1944, no refrão de “Nova canção de Dixie” – “No. I’ll never never be/ In Colour Line Land” (v. 22, 23; 31,32; 41,42) [gri-fo meu]. É importante destacar que no artigo, ao com-parar o Brasil aos Estados Unidos, Mário de Andrade, na contramão das ideias em voga sobre a democracia racial brasileira, reconhece a prática do preconceito de cor também em nosso país.

2. A inversão da tópica da terra ideal

“Nova canção de Dixie” combina quatro diferentes idiomas ocidentais. Os dois primeiros versos, em ale-mão e em francês, valem a apropriação por meio da co-lagem e trazem o topus da terra ideal, uma constante na literatura romântica, que será retomada ironicamente pelo poeta. Os dois primeiros versos: “Kennst du das Land/ Où leurit l’oranger?” pertencem, respectivamen-te, ao poema “Mignon” de W. Goethe (1749-1832) e à ópera homônima de Ambroise homas (1811-1896), inspirada nos versos do poeta alemão. Em ambos vigo-ra a referência a uma verdadeivigo-ra tervigo-ra ideal, oposta ao sentido presente no poema do brasileiro.8 Mário apro-pria-se de um trecho do verso “Kennst du das Land, wo die Zitrornen blühn”, de Goethe”9, que na tradução de Paulo Quintela ica: “Conheces o país onde loresce o limoeiro?”. O segundo verso de Mário transcreve uma parte do primeiro verso da ópera francesa Mignon10

“Connait tu le pays, où leurit l’oranger?”. Ambroise homas prefere traduzir “Zitrornen” por “l’oranger”, isto é, “limoeiro” por “laranjeira”. O poeta Mário de An-drade dialoga com os dois românticos ao captar o tema da terra ideal, seja na poesia como na música.

Goethe é retomado ainda por heophile Gautier em “La chanson de Mignon” (GAUTIER, 1970) e

tam-bém por Gonçalves Dias que utiliza os versos do poeta alemão como epígrafe. Mário de Andrade, que estudou com ainco os poetas românticos brasileiros, em seu exemplar de poesias de Gonçalves Dias, à margem da “Canção do exílio” (S/D; v. 2, 88), tece o comentário que reconhece a beleza musical dos versos, mas satiriza a imagem da terra ideal:

Esta moda de G.D. comove e sublima pelo sen-timento geral que a ditou e pela musicalidade genial. É som puro que nem o milhor de Goe-the Heine Verlaine. Porém ideias fracas. Erradas mesmo. Sabiá cantando na palmeira já muito se falou que só mesmo estudante de Coimbra po-dia pregar mentiradas dessas. Duma feita me es-cutando ressoar esses versos um sitiante me se-cundou: Homem até agora no alto do/ coqueiro só enxerguei urubu dormindo.11

Como se vê, o crítico/leitor ironiza a tópica, prova-velmente, antes mesmo da elaboração dos versos aqui focalizados em que a ideia da terra ideal, como tema recorrente na literatura do ocidente, será por ele satiri-zada. Sendo assim, sua anti-passárgada, imaginada mas nunca visitada, inicia-se em três diferentes línguas:

Kenst du das Land Où leurit l’oranger É a terra maravilhosa Nascida duma barquinha ‘Flor de Maio’ se chamava, Onde tudo o que é bom dava,

Que tudo o que é rico tinha... (v. 1-7).

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faz questão” (v.17) / “Lá te darão bem bom lanche” (v. 28)/ “Depois lhe dão com discurso/ Abraço tão aperta-do/ Que você morre asixiado” (v. 37-39). Por sua vez, o turno conversacional distingue-se pela disposição das oito estrofes que dão unidade ao poema. As estrofes/ convites 1, 2, 3, 5 e 7 formam uma voz externa, frisada com o uso dos pronomes – te/ lhe/ você – que insis-tem, tal como os convites feitos ao poeta para visitar os Estados Unidos, e airmam os valores da “terra mara-vilhosa”. O “I”, tem seu turno nas estrofes 4, 6, 7 que re-colhem o refrão. Funciona como uma recusa reiterada que se apoia em um único e contundente argumento; conforme se viu na carta a Manuel Bandeira, o poeta airma: “Pus ‘be’ por ‘go’ pra indicar bem que o que me horroriza é estar lá dentro”. Ainda que no poema, a voz do outro, do argumentador, ocupe um espaço maior – cinco das oito estrofes -, a repetição idêntica do dístico torna a decisão irredutível. Ocorre também que o pro-nome “I”, evidentemente primeira pessoa do singular, pode ser tomado numa amplitude social; nesse sentido, minha leitura concorda com Telê Ancona Lopez, para quem “o refrão [de “Nova canção de Dixie”] dialoga com as estrofes irônicas, como a refutação de um côro, como a negação popular”(LOPEZ, 1972; 231). Toda essa emulação da recusa e do convite pode ser vista, por exemplo, neste trecho:

Mas porque tanta esquivança! Lá tem Boa Vizinhança Com prisões de ouro maciço; Lá te darão bem bom lanche E também muito bom linche, Mas se você não é negro O que você tem com isso!

No. I’ll never never be

In Colour Line Land. (v. 24-32)

A ironia, igura de expressão por oposição, está des-de a escolha do título “Nova canção des-de Dixie”. No ensaio referido, “A expressão musical dos Estados Unidos”, Má-rio de Andrade reporta-se a Dan Emmett, autor da can-ção intitulada “Dixie”, o qual “se tornaria o canto de guer-ra da Confedeguer-ração, e hoje um verdadeiro canto nacional de todos os norte-americanos”(ANDRADE, 1963; 401). Dan Emmet (1815-1904), compositor estadunidense,

na letra de “I wish I was in Dixie”, refere-se à história de um escravo negro do Sul dos Estados Unidos. A canção, aprovada pelo público, passa a ser simplesmente chama-da “Dixie”. No Sul, os Estados Confederados chama-da América a haviam adotado como hino não oicial na Guerra Civil. Ocorre então este fato curioso na nossa literatura: uma canção nascida no Sul escravagista, vista como ofensiva e racista, ao ser retomada por Mário de Andrade, transfor-ma-se em um vitupério aos Estados Unidos.

A partir da canção como matriz, o efeito “mais cor-rosivo” é então alcançado na construção do refrão “No. I’ll never never be/ In Colour Line Land”, quando o poe-ta se apropria do refrão da “velha” canção de “Dixie”, invertendo a perspectiva: “Look away, look away. Dixie Land. / I wish I was in Dixie. Hooray! Hooray!”. Essa inversão do poeta brasileiro joga com dois elementos da canção norte-americana. O primeiro é localizado na comparação do verso “I wish was” com “I’ll never never be”, enquanto o refrão de “Dixie” ressalta o desejo de “um dia ir”, em a “Nova canção de Dixie”, o sujeito lírico decide “nunca estar”. Em relação ao segundo elemento, o poeta troca o termo “Dixie Land”, o sul dos Estados Unidos como terra ideal na música, por “Colour Line Land”, a mesma região do país onde são mais violentas as práticas racistas e portanto a sua anti-pasárgada.

A região de Dixie, que compreende os estados de Texas, Oklahoma, Missouri, Arkansas, Louisiana, Missis-sippi, Tennessee, Alabama, Kentucky, Maryland, Virgínia Ocidental, Virgínia, Carolina do Sul, Carolina do Norte, Geórgia e Flórida, está situada em um clima mais apto às plantations, com invernos menos rigorosos que o norte do país, um dos aspectos que impulsionaram o modelo econômico escravagista, e que explicam a majoritária pre-sença de negros no país. Com a crise econômica do início do século XX, aumenta-se consideravelmente a emigra-ção de negros para o Norte, principalmente para Chicago e Nova York. Em Dixie, está New Orleans, maior cidade do estado de Louisiana, conhecida como berço do jazz. Para o historiador Eric Hobsbawm, no termo Dixieland há um sentido geográico e também musical:

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Como estilo de jazz, adaptação do estilo New Orleans, feita a partir da Original Dixieland Jazz Band, formada em 1908 por Nick La Roc-ca, por músicos brancos de Chicago, na década de 1920. (HOBSBAWN, 2011).

Dixie, no título do poema de Mário, é retomada em uma perspectiva musical e territorial. A importân-cia da música ao longo da criação mariodeandradiana é conhecida. Os ritmos musicais populares estão pre-sentes na obra do poeta, desde Pauliceia desvairada (1922) – nos poemas “Laranja da China”, “O domador” e “Inibraturas do Ipiranga”, que alías é um oratório pro-fano. Encontram-se também em Clã de jabuti (1927) nas formas da moda de viola, coco e toada. Sobre o jazz especiicamente, cogita:

O jazz é essencialmente polifonista, bom exem-plo democrático, individualizando um por um os instrumentos do conjunto, mas conservando -os todos em concordância e harmonia, como se, para repetir a frase cubana de Fulgencio Ba-tista, a liberdade de cada um tivesse por limite a liberdade do outro.” (ANDRADE, 1963;401)

Ainda que o ditador cubano não tenha sido um exemplo de respeito à liberdade, o escritor airma a independência dos músicos de jazz, relembrado dois aspectos fundamentais do estilo: o tema e a improvisa-ção. Os músicos envolvidos realizam conjuntamente o tema, e revezam o turno individual na improvisação, o que leva à harmonia do conjunto. Nesse sentido, o jazz metaforiza, pela liberdade de cada músico, em sua im-provisação, o respeito à representação de diferenças. No poema, que ironiza a democracia do país, Mário toma uma música de um branco, vista como racista, inverte-a e toca a canção de “bardo mestiço” que reivindica, pela ironia e recusa, a liberdade; assim como uma apresen-tação de jazz, a voz do negro deve ser respeitada e par-ticipar de um conjunto maior, o da nação.

3. A História dos EUA na composição do poema

Em o “Início da música norte americana”, parte da conferência “A expressão musical dos Estados Unidos” (1963), Mário de Andrade aponta:

Mas não pense que tudo foram lores no princí-pio. Os “peregrinos” do Maylower quando em 1620 se refugiaram na América, reacionários e severos como eram, só traziam na bagagem in-sossa um livro de salmos arranjados pelo reve-rendo Ainsworth, da igreja de Amsterdam, de onde vinham. (ANDRADE, 1963; 397)

O episódio histórico será retomado pelo poeta para contar os primórdios da terra ideal construída pe-los primeiros imigrantes ingleses que ali chegaram:

É a terra maravilhosa Nascida duma barquinha ‘Flor de Maio’ se chamava, Onde tudo o que é bom dava,

Que tudo o que é rico tinha... (v. 3-7).

Em ambos os textos, no poema e na conferência, Mário de Andrade retoma a história da embarcação, conhecida como Maylower, que transportou um grupo de puritanos, no século XVII, que escapavam da refor-ma religiosa na Inglaterra e decidiram estabelecer-se na região da Nova Inglaterra. Os tripulantes passaram por diiculdades durante a travessia e adaptação nas terras norte- americanas. Essa passagem é atribuída à lenda do indígena que lhes serviu de guia à terra ideal e ensinou-lhes a pescar, cultivar milho e a celebrar, pela primeira vez, o dia de Ação de graças, em 1621, para comemoração da chegada do navio Fortune, que lhes trazia suprimentos (MORISON, 1950, t.1; 64-65). Avançando no tempo, o sujeito lírico continua a focali-zar outros aspectos históricos para alimentar sua sátira da terra ideal:

“Lá quem queira gozar goza Com toda a felicidade, É só passear pela rama, É só não ser tagarela: É a terra maravilhosa, Parece com a liberdade

Pois já tem a estátua dela.” (v. 8-14).

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remete mais a um “sonho” democrático. Adiante, o eu poético ao chegar na contemporaneidade ironiza a tec-nologia e o poderio dos homens, os plutocratas que “vi-vem em outra dimensão”:

É a terra dos plutocratas, Palácios de cem andares, Você sai se faz questão, Mas pode icar nos ares, É só apertar o botão, Que recebe tudo em latas Pela quarta dimensão. (v. 15-21)

Em seguida, os versos anteriores à primeira ocor-rência do refrão localizam, mais uma vez, o tempo pre-sente. Mas, nesse caso, vão além da menção irônica à tecnologia e ao poder, conirmam a denúncia da vio-lência social:

Mas porque tanta esquivança! Lá tem Boa Vizinhança Com prisões de ouro maciço; Lá te darão bem bom lanche E também muito bom linche, Mas se você não é negro

O que você tem com isso! (v. 24-30).

Destaco que nos versos –“Mas se você não é ne-gro/ O que você tem com isso!” (v. 29-30) – infere-se uma chamada ao leitor para que ele também se inquiete diante da violência contra os negros, independente de qual seja a sua cor. Nessa passagem, o sujeito lírico faz referência à Lei de Lynch, que deu origem à palavra “lin-chamento”. Trata-se da intolerância desencadeada pelo ódio racial contra negros perseguidos pelos “comitês de vigilância”, que abriu caminho para o nascimento da Ku Klux Klan, organização declaradamente racista que existe até os dias de hoje. Sabe-se que o ataque da Lei de Linch expandiu-se para outros grupos sociais como judeus, imigrantes asiáticos e indígenas. Contudo, a prática icou estreitamente associada ao assassinato de negros no sul dos Estados Unidos. Dessa perseguição, muitas vezes, resultaram os inúmeros enforcamentos públicos de negros em árvores, extrema violência que servia de espetáculo à sociedade branca.

Foto reproduzida em: David. Strange fruit: Billie Holliday e a biograia de uma canção. São Paulo: Cosac Naif, 2012, p. 128.

Esse tema é também retratado no standard “Stran-ge fruit” interpretado por Billie Holliday, contemporâ-neo à criação do poema de Mário de Andrade. Ainda que os recursos estéticos da cada obra sejam diferentes, tanto a canção de Holliday,12 que não é absolutamente uma sátira, como os versos do poeta brasileiro, plan-tam-se no mesmo momento histórico. Se em “Nova canção de Dixie”, ultrapassa-se a fronteira individual e a nacional, e propaga-se a contradição do preconceito racial simultâneo à defesa da democracia nos Estados Unidos, “Strange fruit”, por sua vez, denuncia o assassi-nato de negros no sul do país. O poeta e a cantora dei-xaram marcado, em suas respectivas artes, o horror de-les perante a perseguição racial contra os negros. Ainda que sem a força da interpretação de Holliday, segue a letra de “Strange fruit”:

“Southern trees bear a strange fruit Blood on the leaves and blood at the root, Black body swinging in the Southern breeze, Strange fruit hanging from the poplar trees.

“Pastoral scene of the gallant South. he bulging eyes and the twisted mouth, Scent of magnolia sweet and fresh, And the sudden smell of burning lesh!

“Here is a fruit for the crows to puck, For the rain to gather, for the wind to suck, For the sunt to rot,

For the tree to drop,

(10)

4. Notas inais...

Mário de Andrade escreve “Nova canção de Dixie” no mesmo momento em que o nazismo alemão exter-minava judeus em campos de concentração, pautando-se na justiicativa do racismo cientíico como argumento mais contundente para essa prática. Os Estados Unidos serviam de refúgio – terra ideal – ao povo judeu, mas, em relação aos negros, agiam contraditoriamente aos ideais democráticos; uma perseguição cruel, estribada na intolerância racial. Esta contradição do país foi pro-clamada pelo poeta brasileiro. Em seus versos, o “bardo mestiço” alcança a comunhão com os negros estadu-nidenses, garantindo-lhes que, diante da hipocrisia da terra ideal, o poeta aqui continuará repetindo, no ritmo do jazz: “No, I’Il never never be/ In Colour Line Land.”

Notas

1. A expressão “bardo mestiço” é inventada pelo próprio poeta: “Eu me sinto grimpado no arco da Ponte das Bandeiras,/ Bardo mestiço, e o meu verso vence a corda/ Da caninana sagrada, e aina com os ventos dos ares, e enrouquece/Úmido nas espumas da água do meu rio,/ E se espatifa nas dedilhações brutas do incorpóreo Amor.” (v. 280-284). ANDRADE, Mário de. “A meditação sobre o Tietê”. In Poesias completas. Ed. cit., v. 1, p. 441.

2. Mário de Andrade faz referência à lei federal norte-americana que excluía imigrantes de acordo com suas nacionalidades. A lei, além de barrar a imigração de qualquer chinês, não permitia a naturalização deles, mesmo os que já moravam no país.

3. Nicola Sacco (1891-1927) e Bartolomeo Vanzetti (1888 - 1927) anarquistas italianos que, nos EUA dos anos de 1920, foram presos e condenados. Acusados de assassinar um contador e um guarda de uma fábrica de sapatos. Não foram absolvidos, nem mesmo depois de outro homem ter admitido o crime. São executados por eletrochoque, em 1927. No poema “America”, Allen Ginsberg (1926-1997) refere-se ao caso: “America Sacco & Vanzetti must not die”.

4. O site da associação informa: “ACLS, a private, nonproit federation of 71 national scholarly organizations, is the preeminent representative of American scholarship in the humanities and related social sciences. Advancing scholar-ship by awarding fellowships and strengthening relations among learned societies are central to our work. Other activities include support for scholarly conferences, reference works, and

scholarly communication innovations.” http://www.acls. org/. Última consulta: 15 julho de 2015.

5. A conferência é publicada, no mesmo ano de 1940, como opúsculo na coleção Lições da vida americana, nº 3. Depois, nas Obras completas do autor In: “A expressão musical dos Estados Unidos”, in: Música, doce música. Organização Oneyda Alvarenga. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1963, p. 395-417. 6. V. carta de William Berrien de 5 de dezembro de

1941, a qual reitera o convite para MA participar do Congresso no Haiti e, em seguida, visitar Nova York (Correspondência Mário de Andrade- IEB/ USP). 7. Sobre essa criação, MA airma, em entrevista a Mário

da Silva Brito (Diário de São Paulo, São Paulo, 2 dez. 1943): “Eu estava escrevendo no Rio de Janeiro quando a notícia da queda de Paris me estarreceu. Não era mais possível preocupar-se com o destino de quatro indivíduos – envolvidos em dois casos de amor – quando o mundo sofria tanto e a cultura recebia um golpe profundo. Desisiti.” V. LOPEZ, Telê Ancona (Org.). “Uma excursão pelo ichário de Macunaíma – reedições, novas obras e planos de futuros trabalhos de Mário de Andrade – o mais organizado intelectual do país’.” In: Entrevistas e depoimentos: Mário de Andrade. São Paulo: T.A. Queiroz, 1983, p. 96. Para a amiga Oneyda Alvarenga, confessa: “quando começou a arrancada alemã iquei envergonhado de estar escrevendo romance fazendo crochet sobre a psicologia de 4 pessoas e parei tudo” . APUD. ALMEIDA, Maria Zélia Galvão de. “Quatro pessoas: uma edição crítica”. In: ANDRADE, Mário de. Quatro pessoas. Organização, apresentação e notas de Maria Zélia Galvão de Almeida. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1985, p. 15.

8. MA guardou em sua biblioteca três partituras da ópera e o livro de poemas: GOETHE, Johann Wolfgang von. Goethes lyrische und epische Dichtungen. Leipzig: Inselverlag, 1920, 2v. Goethe, em “Mignon”, faz referência à Itália como terra ideal, país por onde o poeta viajou por dois anos. Em carta de 3 de dezembro de 1786, a Herder de Nápoles, airma: “Considero o dia que cheguei a Roma como data de meu segundo nascimento, de um verdadeiro renascimento”

9. A primeira estrofe do poema: “Conheces o país onde loresce o limoeiro?/ Por entre a rama escura ardem laranjas de ouro, /Do céu azul sopra um arzinho ligeiro,./Eis que se ergue a murta calma, olha altivo o louro!./Conheces? Oh partir! Partir/ Pra lá, contigo, Amado! Oh! Quem me dera ir!”. GOETHE J.W. Poemas. Antologia, versão portuguesa. Tradução notas e comentários de Paulo Quintela. Coimbra: Centelha,1958, p.103.

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estejam na versão italiana, a transcrição do verso no poema aqui analisado mostra que Mário também conhecia a versão francesa, de acordo com a tradução feita pelo poeta francês.

11. Transcrição diplomática de nota marginal de MA à p. 88 de: DIAS, Gonçalves. “Canção do exílio”. In:

Poesias. Ed. cit., v. 2.

12. Embora a composição não seja da autoria de Billie Holliday, é impossível separá-la da força da intérprete. 13. V. MARGOLICK, David. Strange fruit: Billie Holliday

e a biograia de uma canção. Trad. José Paulo Siqueira. São Paulo: Cosac & Naif, 2012. Traduzida por Carlos Rennó, na mesma edição: “Árvores do Sul dão uma fruta estranha;/ Folha ou raiz em sangue se banha;/ Corpo negro balançando, lento;/ Fruta pendendo de um galho ao vento.// Cena pastoril do Sul celebrado:/ A boca torta, o olho inchado/ Cheiro de magnólia chega e passa/ De repente o odor de carne em brasa// Eis uma fruta para que o vento sugue,/ Para que um corvo puxe, para que a chuva enrugue,/ Para que o sol resseque, para que o chão degluta./Eis uma estranha e amarga fruta.”

Referências

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Foto reproduzida em: David. Strange fruit: Billie Holliday e a  biograia de uma canção

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