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AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DO BRASIL ( )

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AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DO BRASIL (1930-1945)

Liberalismo inercial. Projeto desenvolvimentista gradual. Os acordos comerciais dos anos 1930. O Contexto Internacional de Crise do Liberalismo. A Política da Boa Vizinhança. O comércio compensado com a Alemanha

e o Acordo Comercial de 1935 com os EUA. A Equidistância Pragmática e a política de barganhas. A participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial. A “mão” de Washington no fim do Estado Novo.

Periodizar é um exercício político. Na seara dos estudos históricos, a periodização nunca é isenta ou neutra, e os intérpretes da história, mesmo quando herdam marcos inequívocos de ruptura como 1889, 1930 ou 1937, podem ressignificá-los, valorizá-los ou desmerecê-los. No campo da história das relações internacionais do Brasil, a década de 1930 é unanimemente percebida como um divisor de águas. Inaugura-se durante a Era Vargas o paradigma desenvolvimentista de Política Externa. Uma política externa prioritariamente a serviço do desenvolvimento industrial do país.

No imediato pós-revolução, no entanto, estes ditames grandiosos ainda não estavam claros. Em que pese a força do tenentismo e seu compromisso com a modernização do país, o movimento revolucionário de 1930 contava em suas fileiras um numeroso grupo de oligarcas dissidentes acostumados ao relativo laissez-faire da Primeira República, entre eles o próprio Getúlio que tinha sido o primeiro ministro da Fazenda de Washington Luiz, o presidente que restaurara o padrão-ouro. Para muitos, o que se devia fazer era aguardar o retorno da normalidade econômica que certamente viria passada a tempestade sistêmica da crise de 1929. Até lá, o governo deveria agir cautelosamente e seu intervencionismo seria reativo, não proativo. Mas a crise de 1929 virou a Grande Depressão dos anos 1930 e o que era paliativo e temporário começou a se insinuar na perenidade, institucionalizando-se nas agências e ideias do grupo que havia tomado o poder.

Assim, paulatinamente, estimulado por externalidades estruturais, o projeto desenvolvimentista brasileiro foi sendo construído, conforme observa e defende Francisco Corsi.

Este autor acredita que apenas em 1937 podemos identificar claramente o desenvolvimentismo industrialista encastelado no aparato estatal e sendo por ele fomentado. Antes disso, o debate ainda estava em curso, e, mesmo que crescentemente consensual ao compromisso industrialista, não era capaz de chegar ao mesmo grau de consenso quanto ao papel que teria o Estado nesta meta. Estado forte para os paulistas, vanguarda da industrialização nacional, evocava quase automaticamente “ditadura tenentista” e escravização militar de São Paulo. A luta por autonomia paulista era em certo nível de simplificação uma luta pela manutenção de algum liberalismo.

A maior parte dos industriais paulistas que havia angariado ou aumentado suas fortunas nas franjas da economia cafeeira ou diretamente vinculados a ela, tinham grande fé nos dogmas liberais da Primeira República e o defendiam ferrenhamente, como ficou claro nos debates da Constituinte de 1934. Industrializar sim, Estado não.

A modernização seria um movimento da sociedade exclusivamente, cabendo ao Estado o papel de fornecer os meios de suporte ao empreendedorismo: estabilidade econômica, acesso aos mercados internacionais, infraestrutura de transporte e energia, estímulo à educação, sem se exceder em medidas de fomento e sem obstaculizar o espírito da livre-iniciativa. Esta visão é perfeitamente exemplificada pela obra e vida de paulistas como Roberto Simonsen e Monteiro Lobato. O primeiro, rebelde em 1932, foi o articulador na Constituinte da bancada industrialista

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de São Paulo e fundador da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, onde lecionou história econômica, base para muitos de seus livros. O segundo, empreendedor de sucesso, bissexto no mercado editorial e na prospecção de petróleo, virou panfletário da livre-iniciativa nos moldes norte-americanos. Anos depois do golpe do Estado Novo, tal vertente se revigoraria na releitura udenista dos anos de redemocratização ao final da 2a Guerra. Essa contenda sobre o “como?” da industrialização brasileira teve naturalmente impacto no exercício da Política Externa do Governo Provisório. Ricardo Seitenfuss defende que os homens que tomaram o poder em 1930 davam importância limitada à inserção internacional, exceto naturalmente no caso dos temas econômicos: comércio (de café, sobretudo) e dívida externa. Justamente os temas que poderiam minimizar o estrangulamento creditício e a escassez de divisas em curso. Voltar-se para dentro foi, nos primeiros anos, menos uma opção e mais uma necessidade. Mas como se justificar isso para fins de propaganda e consumo interno? O nacionalismo era a resposta que encontrava respaldo tanto na vocação dos militares que apoiaram o golpe quanto na demonização da República “Velha” anterior retratada como submissa ao imperialismo dos fortes.

Críticos do governo Washington Luís e da sua aproximação com os Estados Unidos na chancelaria de Octavio Mangabeira – não por acaso, futuro líder udenista – viam no americanismo do último presidente da Primeira República indícios de uma submissão estrutural à Washington.

Washington Luís representaria assim toda a vocação submissa da República, não por acaso,

“Velha”. Tratava-se de uma visão de dependência por metonímia. Tal visão, fortemente controversa, como podemos depreender da leitura das obras de Eugenio Garcia, marcaria a historiografia e ajudaria a conformar o marco de 1930 como data de ruptura seminal tanto na política interna quanto na política externa.

O que se percebe, ao menos no campo da política externa, que o que se deu foi muito mais uma transição gradual de paradigma que uma ruptura da noite para o dia. Essa transição que durou toda a primeira metade dos anos de 1930 teve como principal motor a permanência das restrições sistêmicas que sofria a atuação externa do país com o agravar da Grande Depressão e da restrição creditícia e escassez de divisas dela advinda. Assim, com o objetivo de permitir o escoamento da superprodução de café e a diversificação de parcerias que minimizassem a dependência do mercado estadunidense, o Brasil buscou o estabelecimento de acordos de comércio bilaterais com dezenas de países. Estes acordos celebrados foram a tônica da ação externa da chancelaria de Afrânio de Melo Franco (1930-1933), ele próprio um diplomata e deputado destacado da velha ordem, representante do Brasil na Liga das Nações nos anos de 1920.

Os mais de 30 acordos comerciais se comprometiam, como é óbvio supor, a desagravar tarifas alfandegárias, comungando, portanto, da matriz liberal que acreditava no retorno, cedo ou tarde, da ordem pré-1929. Não sobreviveram ao contexto de Crise dos anos de 1930, e descumpridos tanto pelo Brasil quanto por seus parceiros seriam todos, sem exceção, denunciados até 1935. Aos poucos, o liberalismo inercial ia dando lugar a uma política externa mais focada no fomento à industrialização por substituição de importações, o que nos leva ao exame dos parceiros comerciais que poderiam efetivamente viabilizar ou obstaculizar a modernização: os Estados Unidos da América e a Alemanha nazista. Foram os dois únicos acordos comerciais assinados pelo governo brasileiro após 1934.

Ambos os países haviam passado por transição política significativa em janeiro de 1933. Em Berlim, a formação de um governo de coalizão liderado por Hitler em breve daria lugar a uma autocracia nazista que poria fim à República de Weimar e sua Constituição inaugurando o regime malévolo mais demonizado da história humana, mas admirado e emulado por muitos de seus contemporâneos, não excluído o Brasil. Em Washington, a transição menos radical de quase

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sete décadas de hegemonia republicana para um período de sucessivas presidências democratas (duas décadas) se iniciava.

Imediatamente se fez sentir o peso de um governo bem mais intervencionista detestado pelos liberais de Wall Street. A intervenção se daria ao longo dos anos que se seguiram ao New Deal em quase todos os campos da vida social – das artes aos sindicatos, da produção industrial à agricultura – fortalecendo imensamente a Presidência da República, o alcance do Estado, o tamanho do funcionalismo público e criando as bases do que seria o Wellfare State vigente por quase cinco décadas, e ainda vivo em muitos aspectos. A política externa não foi exceção. O liberalismo aparecia abalado no reino da prosperidade capitalista norte-americana e ferido de morte na Europa central. A política externa destas duas potências não tardaria em colocar o governo brasileiro igualmente revolucionário em seu radar.

No caso dos Estados Unidos é muito bem estudada a transição das três décadas de “Big Stick” para a Política da Boa Vizinhança. Basta-nos aqui lembrar que poucas eram as diferenças em termos de seus objetivos entre uma e outra política. Nos dois casos tratava-se de garantir a supremacia comercial norte-americana na região, a segurança dos bens e direitos dos cidadãos estadunidenses e a aliança diplomática da região contra eventuais inimigos europeus, na esteira da velha Doutrina Monroe. As diferenças eram de duas ordens: o método e a ideologia.

A primeira é mais óbvia, mudava a forma de se alcançar os objetivos. A América Latina deixava, com Franklin Delano Roosevelt, de ser a “mulher de malandro” americana sujeita a constantes intervenções em nome da democracia ou da defesa contra a intervenção europeia.

Passava a ser, no mínimo, amante cortejada. Empréstimos do Eximbank, cooperação técnico- cultural e militar, tolerância com governos de perfil mais nacionalista, missões financeiras e estímulos para que empresários americanos investissem em setores estratégicos dos governos da região contribuíram para a melhoria das relações no eixo vertical do hemisfério. O “grande irmão do Norte” finalmente aprendia a agir como irmão maduro, excluindo o porrete como método de negociação.

A segunda, menos notada, é ideológica. Se antes, por mais contraditório que possa parecer, era a “Democracia” o objetivo declarado das intervenções do Big Stick – por isso mesmo sempre seguidas de eleições locais que ratificavam a vitória, não raro efêmera do partido pró-Casa Branca – agora, fins mais pragmáticos não permitiriam que se insistisse na promoção da democracia continental em um hemisfério onde as únicas democracias estáveis eram os Estados Unidos e o Canadá. Convinha abandonar a ideia de promoção da democracia e aceitar a realpolitik do convívio com ditaduras que forçavam o Secretário americano a enunciar frases de cinismo espetacular como a que se referia à Trujillo ou Somoza, ou que assim lhe atribuíram. Substituía-se assim a democracia pela neutra ideia de pan-americanismo, a solidariedade geograficamente determinada entre os povos da América, perfeitamente ilustrada pelo encontro animado do Pato Donald com Panchito e Zé Carioca no longa “The Three Caballeros” no qual Walt Disney sintetizava à Boa Vizinhança em 1945.

Se no caso americano o Soft Power da Boa Vizinhança motivava a conquista dos

“corações e mentes” da região latino-americana, a estratégia de sedução nazista se restringia aos canais mais tradicionais de influência bilateral: o comércio, os intelectuais e os militares. As três coisas se inter-relacionavam, já que a parte relevante do comércio entre o Brasil e a Alemanha em meados da década de 1930 era de material bélico alemão importado pelas Forças Armadas brasileiras. Os militares brasileiros estavam frustrados desde 1932 com a ambiguidade francesa em seguir vendendo arma ao Exército no contexto da luta contra os constitucionalistas paulistas.

Mas onde encontrar divisas para financiar a compra destes armamentos em um quadro de

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restrição sistêmica dos empréstimos e das exportações de café?

Também os alemães careciam de divisas, e sofrendo do mesmo problema surgiram com uma solução criativa, graças à perspicácia de Hjalmar Schacht no tocante a questão da balança de pagamentos. Gustavo Franco, em texto sublime que não pode deixar de ser elogiado, resume assim a questão e suas implicações no sistema internacional:

A Alemanha devia procurar equilibrar seu comércio exterior em bases bilaterais, usando controles cambiais administrados pelo Ministério da Economia de modo a que o país comprasse apenas até o equivalente ao que fosse capaz de vender. O esquema agradou em cheio, e Schacht, feito ministro, pode colocá-lo em prática quase que imediatamente. Pouca coisa gerou mais irritação aos parceiros comerciais da Alemanha, que se puseram a fazer o mesmo com redobrada hostilidade. Nada resultaria mais emblemático desse momento de desintegração da economia internacional: uma regressão a um mercantilismo primitivo que colocava diversas nações a um passo da autarquia e, ademais, parecia um prelúdio a uma economia de guerra que parecia já se desenhar. (FRANCO, Gustavo B. Prefácio aos Setenta e Seis anos de minha vida, de Hjalmar Schacht, p.12).

Não era o caso do Brasil. Ao contrário, ao invés de hostilidade, o que se verificou foi adesão e emulação ao ponto que, em poucos anos, a Alemanha, ocupando crescentemente o espaço britânico, rivalizaria e finalmente ultrapassaria os Estados Unidos como principal parceiro comercial brasileiro sem que fosse necessário o recurso a uma grande quantidade de divisas. Era o comércio compensado. Concebido para justamente minimizar a necessidade de troca de moedas, o comércio compensado era uma espécie de escambo sofisticado nos quais os produtos brasileiros, comprados no Brasil por uma Câmara de comércio compensado envolvendo apenas mil-réis, na prática, trocava, usando dólares ou libras apenas como padrão, estes mesmos bens por material manufaturado alemão adquirido com o desembolso exclusivo de reichmarks por uma Câmara de comércio compensado similar na Alemanha.

Ao final do exercício, as diferenças eram contabilizadas e quitadas ou postergadas, excluindo assim a necessidade de divisas, dado que este ajuste era forçosamente transformado em produtos. Tratava-se de um plano perfeito para o contexto da Grande Depressão, e uma péssima notícia para os Estados Unidos que viam a Alemanha preenchendo as necessidades de fornecimento de bens manufaturados, sobretudo armas para o governo brasileiro, em muitos casos por preços nominais muito superiores aos praticados pelos fabricantes americanos. Mas os americanos não aceitavam café ou açúcar como pagamento e os alemães, graças ao esquema do comércio compensado, sim. E o café seria queimado de qualquer forma. Acordos assinados em 1934 e 1936 garantiam que o governo brasileiro poderia exportar para a Alemanha couro, laranja, carne enlatada, tabaco além do café e principalmente do algodão, sem depender do mercado norte- americano em retração e fugindo ao modelo de comércio liberal que os Estados Unidos tentavam impor ao Brasil desde 1933.

Finalmente, conseguiram em 1935, com a ratificação na Câmara dos Deputados, o acordo de comércio bilateral entre os dois países. Isso não foi conseguido sem a forte pressão do Presidente junto aos Deputados classistas e, principalmente, Euvaldo Lodi, líder industrial e deputado, que suspeitava do prejuízo que abrir o mercado brasileiro aos manufaturados estadunidenses provocaria na incipiente indústria nacional. A alternativa era ainda mais amarga.

Se não fosse ratificado, o governo do Rio de Janeiro poderia esperar retaliação norte-americana, muito provavelmente em restrições à entrada do café Brasileiro, então responsável por mais de 2/3 da pauta de exportações do país. Era o fogo ou a frigideira. O Brasil então assina e ratifica o

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acordo e inicia a segunda metade da década de 1930 com um pé na América e o outro na Alemanha, num equilíbrio delicado.

Para Gerson Moura, teve início neste momento, na política comercial brasileira, o que ele chamou de Equidistância Pragmática. Trata-se de uma crítica conceitual à ideia de “política pendular” relevante na historiografia dos anos de 1970. Como o próprio nome sugere, a política externa brasileira, segundo o entendimento “pendular”, oscilou ao longo dos anos de 1930 entre Washington e Berlim em busca de melhores condições de parceria bilateral até finalmente se definir pelo lado americano. Este conceito tem o inconveniente de atribuir ao Itamaraty e a Vargas uma postura errática, como se o país não soubesse direito o que queria e de certo modo caracterizando a continuidade inserção internacional brasileira dos anos de 1920, “entre a América e a Europa” tal qual o entendimento de Eugênio Vargas Garcia.

A controvérsia historiográfica que se seguiu à crítica do pretenso ‘pêndulo’ de Vargas não é irrelevante. Trata-se, afinal, de explicar a participação brasileira na 2a Guerra Mundial, tema dos mais caros à história diplomática. Qual a razão pela qual um regime autoritário, análogo em muitos aspectos aos fascismos do Eixo optou por permanecer do lado dos Aliados após flertar por mais de meia década com o nazismo alemão? Dois caminhos hermenêuticos são possíveis.

O caminho estrutural, defendido com ênfase na economia por Marcelo Paiva Abreu e na estrutura do sistema internacional por Vágner Camilo Alves, assevera a inevitabilidade da aliança Brasil-Estados Unidos. Os vínculos de ordem cultural, histórica, comercial e, claro, geográfica reforçam este entendimento. Nesta visão, o Brasil não teve outra alternativa a não ser se unir ao aliado tradicional, potência hegemônica da região. Os frutos atribuídos por Gerson Moura à aliança com os Estados Unidos teriam sido liberalidades de Washington ou frutos da própria dinâmica do capitalismo americano.

Gerson Moura discorda com veemência. Mais que simples concessões liberais ou benesses tais frutos foram conquistados pelo Estado brasileiro mediante barganha e diplomacia talentosa, aproveitando-se da situação internacional favorável de disputa entre alemães e americanos. Em seu livro Autonomia na Dependência, o falecido professor da PUC-Rio defende que o governo brasileiro conseguiu cavar, mesmo em face da enorme assimetria de poder existente no sistema internacional, um espaço de autonomia decisória por meio de barganhas bem negociadas entre as potências. Eis o Pragmatismo Equidistante. Em resposta aos seus críticos, defendia que a equidistância era política, não “geométrica”. Não significava ignorar a maior proximidade dos Estados Unidos em termos financeiros, culturais, e históricos, mas entender que no plano comercial onde havia maior simetria, o Brasil podia se beneficiar, em um contexto de restrição sistêmica, ao fazer comércio ao mesmo tempo – liberal e compensado – com as duas potências, sem precisar escolher. Convinha ao Brasil manter-se o máximo possível no ponto neutro, equidistante, onde teria canais de comunicação abertos com os dois lados. Isso maximizava a nossa possibilidade de ganhos. Não havia pendularidade ou oscilação. O Brasil optara conscientemente pelo meio. Com a eclosão da guerra em 1939 a equidistância comercial começa a ruir, sobretudo por razões logísticas.

Aos poucos a equidistância ia dando lugar à barganha, e o equilíbrio ia se tornando crescentemente mais difícil. Não é à toa que data de 1939 a Missão de Góes Monteiro a Washington e o início das negociações para o reaparelhamento das Forças Armadas nacionais que se consubstanciaria nos marcos do Lend and Lease Act. As Forças Armadas eram a instituição onde se encastelava mais fortemente as posições germanófilas (Eurico Gaspar Dutra e o próprio Góes Monteiro), embora não falte quem defenda que tal polarização no seio da burocracia brasileira dos anos 1930 e 1940 era calculadamente orquestrada por Vargas para assim extrair melhores

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dividendos. O lado americanista tinha como defensor prioritário o chanceler Oswaldo Aranha, embaixador em Washington que se demitira em 1937 em protesto contra o golpe de Estado, mas retornara ao Ministério como chefe em 1938.

Gerson Moura congrega as explicações da terceira imagem – o sistema internacional – incorporando em sua análise os agentes e a burocracia de Estado (primeira e, sobretudo, segunda imagem) que souberam habilmente se valer das brechas que o sistema internacional oferecia para angariar alguma autonomia mesmo em um contexto de fortes restrições estruturais. Conseguiram assim o apoio norte-americano para o financiamento da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), objetivo central para o projeto desenvolvimentista em curso, e o reaparelhamento das Forças Armadas.

No caso da CSN, são bem conhecidos os meios pelos quais se deu a barganha. Seduzido pela proposta de criação privada de uma grande siderúrgica norte-americana no Brasil – proposta originalmente pela US Steel do grupo Carnegie – o Estado ainda não dava os passos mais consistentes para longe do liberalismo que consistiria em assumir ele próprio o papel de empresário. O abandono da ideia por parte da US Steel incomoda o governo brasileiro que ensaia – sincera ou calculadamente – aproximação com a Alemanha nazista, cujo marco retórico foi o discurso do presidente à bordo do navio Minas Gerais, o mesmo comprado 30 anos antes pelo Barão do Rio Branco e palco da Revolta da Chibata o que não deixa de ser uma ironia.

No discurso, proferido em junho, logo depois da entrada de Hitler em Paris, era um elogio explícito ao regime alemão, “as nações fortes da Europa” e foi imediatamente reportado ao Departamento de Estado norte-americano e ao Presidente Roosevelt que interveio pessoalmente para viabilizar o financiamento do Eximbank que permitiu a construção da CSN.

O episódio, que não é singular, fortalece a interpretação que foca na percepção de Washington. Washington percebia ser possível uma aliança entre o Brasil e a Alemanha. Essa percepção era o cerne da estratégia brasileira ainda que se reconheça a assimetria de poder favorável aos Estados Unidos. Dentro da lógica da política da Boa Vizinhança, era mais simples e fazia mais sentido cortejar o Brasil do que ter que lidar no futuro, possivelmente militarmente, com as consequências de uma aliança brasileira com Berlim. Por mais improvável que fosse essa aliança, segundo análises posteriores, é fato relevante que ela parecia provável aos olhos dos tomadores de decisão estadunidenses graças às ações e discursos dos tomadores de decisão brasileiros, e é isso que importa.

Para o sucesso da Política da Boa Vizinhança, mesmo a neutralidade brasileira era vista como perigosa, como ficaria claro nas relações hemisféricas após a Conferência de Ministros, não por acaso ocorrida no Rio de Janeiro em 1942. A Argentina e também o Chile se recusaram a acatar a decisão coletiva de ruptura de relações diplomáticas com a Alemanha, criando uma dissonância perigosa na sinfonia pan-americana em contexto de Guerra. Para o maestro norte-americano era necessário que o Brasil permanecesse firmemente aliado sob pena de maiores dissidências, como a que ocorreria na Bolívia, sob o exemplo argentino no ano seguinte. O exemplo e a liderança brasileira eram fundamentais para garantir a anuência do resto da América Latina. À Argentina caberia o papel de ovelha negra. Isso criou uma percepção, não longe da realidade até 1945, de que o país era um “Aliado Especial” dos Estados Unidos, e, portanto, merecedor de um tratamento especial.

O reaparelhamento das Forças Armadas se deu por meio da inclusão do Brasil no esquema do Lend and Lease Act que reservava nos Acordos de Washington US$ 200 milhões para este fim. Depois disso seriam varridas quaisquer resistências que ainda pudessem existir no seio da elite militar nacional contra os americanos. Encerrava-se o ciclo de influência europeia,

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sobretudo francesa pós-1919, no Exército brasileiro para se iniciar a fase de influência norte- americana. Esta seria estimulada pelo convívio dos oficiais dos dois países nas bases militares que os estadunidenses instalaram no Nordeste brasileiro e entre aqueles que participaram da Força Expedicionária Brasileira (FEB) nos anos finais da Guerra.

O envolvimento direto do Brasil na Guerra e o envio da Força Expedicionária Brasileira é, segundo Gerson Moura, uma outra conquista certamente a última relevante, que o governo Vargas conseguiu junto aos Estados Unidos. Não fazia parte do plano aliado aceitar contribuição direta, na forma de destacamentos humanos dos países latino-americanos, mas Vargas assim insistiu.

A logística era insana, o transporte custoso, a comunicação complexa – a língua portuguesa não era falada por nenhum dos países aliados, até a tradução tinha que ser providenciada. Churchill sugeria que fossem enviados enfermeiros, médicos, suporte, mas para Vargas tratava-se de prestígio internacional, essencial às negociações do pós-guerra da qual o Brasil não poderia ser alijado como aliado combatente.

O elemento mais relevante, contudo, que levava o governo brasileiro a querer participar diretamente do conflito, era, sem dúvida, o reaparelhamento das Forças Armadas. Como aliado não combatente, o país era crescentemente desconsiderado pelo Departamento de Estado como destino para o envio de material bélico, apesar da nossa inclusão no Lend and Lease. Tal desfavorecimento era compreensível dada a necessidade, inequivocamente maior, dos chineses, britânicos, gregos ou russos. O único modo de sair do fim da fila era enviar tropas para Europa, consideração que não escapou ao alto comando. A chave para convencer Roosevelt a apoiar o pleito brasileiro foi o golpe boliviano de 1943 que derrubou o governo que havia assinado o acordo do Rio de Janeiro no ano anterior. Nada mais eficaz que uma dissidência para dar relevo aos aliados fiéis. Era necessário favorecer o Brasil como a liderança latino-americana a ser seguida, e não os argentinos. Com isso, o governo consegue o envio da Força Expedicionária Brasileira, tornando-se o único país da América do Sul a fazê-lo.

A participação brasileira no teatro de operações não fortaleceu o Estado Novo, muito pelo contrário. Evidenciou cabalmente a contradição de um regime fechado e autoritário que sacrificava a vida de muitos brasileiros em defesa da democracia na Europa, sob a liderança da maior democracia do mundo, cujos oficiais influenciavam diretamente os oficiais brasileiros, crescentemente comprometidos com a democratização e pleiteando-a junto aos seus superiores.

A mobilização da sociedade polarizaria novamente o país entre 1944 e 1945, enquanto Vargas tentava ganhar tempo para permanecer no poder, ainda que dissesse o contrário publicamente.

Ao convocar eleições, não declarava apoio a nenhum dos candidatos, que durante a campanha eram assombrados com as palavras de ordem do Queremismo – “Queremos Vargas” ou

“Constituinte com Getúlio” – que mostravam um Getúlio muito mais popular que os dois candidatos.

Em Sucessos e Ilusões, Gerson Moura destaca um aspecto até então pouco estudado na queda do Estado Novo. Que os militares foram a principal força na democratização de 1945, desfechando o golpe que depôs o Presidente, isso todos sabemos. Que este golpe foi informado e concertado com o governo dos Estados Unidos, que assim, abandonava aquele que tinha sido seu

“aliado especial” dos últimos anos, é bem menos conhecido. Moura descreve detalhadamente o crescente temor por parte do departamento de Estado americano de que o Presidente desse uma virada nacionalista nos moldes peronistas, e se aliasse aos comunistas anistiados do PCB. A presença de Luís Carlos Prestes, recém-saído da cadeia, e de milhares de comunistas nos comícios do queremismo certamente não contribuíram para aplacar os temores de Adolf Berle Jr., o

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Embaixador americano, que tinha o mesmo nome de Hitler. Stanley Hilton descreve a complicada relação entre Vargas e o Embaixador que inicialmente era seu admirador mas vai dele se afastando ao ponto de estimular os conspiradores.

A insistência de Getúlio em nomear seu mal afamado irmão Benjamin Vargas para a chefia de polícia do Distrito Federal acelera a mobilização para o golpe militar. Perdido o apoio das Forças Armadas e do governo dos Estados Unidos, precisava de um homem de confiança na polícia da capital caso fosse necessária a mobilização popular para um novo golpe no estilo de novembro de 1937. Goés Monteiro se antecipa. Conhecia os meandros que antecediam um golpe de Estado. Coordenara militarmente os dois únicos bem-sucedidos da história republicana desde 1889 para colocar e manter Vargas no Poder. Em 29 de outubro de 1945 desfechava o terceiro, desta vez para depor Getúlio Vargas.

Autoria de João Daniela de Almeida

Fonte: Manual do Candidato – História do Brasil – Fundação Alexandre de Gusmão - 2013 Disponível em Site: www.funag.gov.br

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