SEMIOLOGIA CIRÚRGICA
CIRURGIA - Deriva do grego kheirourgikos (trabalho com as mãos) Parte da ciência médica que estuda os procedimentos manuais e instrumentais mediante os quais os tecidos vivos são incididos e reconstruídos mediante um plano pré-concebido com fins económicos, estéticos e de preparação para a terapia cirúrgica (Alexander, A., 1974).
Objectivo:
Estudo das técnicas e métodos de diagnóstico e de exploração clínica que exigem a aplicação de meios cirúrgicos.
Os 5 princípios fundamentais da cirurgia
BREVE NOTA HISTÓRICA
• 1ª REFERÊNCIA ESCRITA: PAPIRO DE KAHUN – escrito durante a XII dinastia do Antigo Egipto (2000 - 1800 AC).
• Até Hipócrates (séc. IV A.C.) - elevado nível técnico, apesar de ser considerada um ramo inferior da Medicina.
• Hipócrates foi considerado o sistematizador do corpo cirúrgico.
• De Hipócrates até Ambrósio Pareu (Séc. XVI) - Idade Média – a cirurgia sofre um declínio, sendo praticada sobretudo por barbeiros e "cirurgiões ambulantes".
- Limitada às civilizações da Europa Oriental (Grécia), da África do Norte (Egipto) e da Ásia (Mesopotâmia, Índia, China, Japão).
• No Egipto - práticas de embalsar os cadáveres permitiam conhecimentos de Anatomia.
• Realizavam-se castrações, circuncisões, abertura de abcessos, extirpação de tumores, redução de fracturas e luxações, tratamento de feridas.
• De Pareu até Pasteur e Lister (Séc. XIX):
- A introdução da assépsia em cirurgia, o aperfeiçoamen-to da anestesia e o progresso tecnológico permitiram progressos marcados, com aperfeiçoamento das técnicas operatórias e de exploração semiótica.
• De Pasteur e Lister até aos nossos dias:
- Séc. XIX e XX: Introdução do éter e clorofórmio.
TERMINOLOGIA USADA EM CIRURGIA
Denominação correcta – indispensável para programar as intervenções.
Nomes das operações: radical = nome órgão em que se intervém + sufixo = tipo de operação.
Quanto à finalidade (segundo Celsus, Roma, 25-50 A.D.)
• Diérese ou diaeresis - divisão ou separação dos tecidos ou estruturas anatómicas que normalmente se encontram juntas.
• Síntese - aproximação ou reunião dos tecidos ou estruturas anatómicas que se encontram artificialmente separadas.
Anestesia do paciente
Hemostase Incisão e manipulação de
tecidos
Assépsia
Reunião dos tecidos - suturas
• Exérese ou exeresis - remoção ou ablação total ou parcial de tecidos ou órgãos.
• Prótese - substituição de um órgão ou parte dele por dispositivo artificial.
• Evisceração - saída de vísceras da cavidade abdominal através de ferida cirúrgica.
• Eventração – saída do conteúdo da cavidade abdominal através de ferida cirúrgica, mas com integridade do peritoneu.
• Transplantação ou enxerto - prótese que utiliza materiais orgânicos.
- Do mesmo indivíduo auto-enxerto.
- De outro indivíduo da mesma espécie homo-enxerto.
- De um indivíduo de espécie diferente hetero-enxerto.
• Transposição - auto-enxerto em que o tecido ou órgão em causa mantém uma ou mais das suas relações anatómicas anteriores.
DESIGNAÇÃO DAS INTERVENÇÕES CIRÚRGICAS
SUFIXO SIGNIFICADO EXEMPLO
-tomia incisão ruminotomia, miotomia
-ectomia remoção, ablação, extirpação orquiectomia, nefrectomia, enterectomia
-stomia abertura de orifício, fístula, ósculo cirúrgico
traqueostomia, colostomia, enterostomia
-pexia fixação ligamentopexia, cistopexia, colopexia
-rafia união, sutura perineorafia
-centese punção, perfuração toracocentese, ruminocentese
TERMINOLOGIA CIRÚRGICA
DENOMINAÇÃO SIGNIFICADO
Ablação exerése, eliminação
Abdução movimento para fora
Adução movimento para dentro
Aneurisma dilatação arterial
Avulsão separação pela força
+ centese punção (paracentese)
cisto + relativo a bexiga (cistotomia)
Desmo + relativo a ligamento (desmorrafia) + ectasia dilatação, separação (angiectasia) + ectomia ablação, exerése (nefrectomia)
Epulis hiperplasia gengival
Esfacelo porção de tecido morto
Espasmo contracção muscular involuntária
DENOMINAÇÃO SIGNIFICADO
+ estesia sensibilidade (hiperestesia)
Estenose estreitamento
Fenestrar abrir uma janela
Fístula abertura anormal de conduto
Flebo + relativo a veias (flebotomia)
Hemangio + relativo a vasos sanguíneos (hemangiografia) Hister + relativo a útero (histerectomia)
Laceração ferida superficial
Laparo + relativo a abdómen (laparotomia…)
+ litíase pedras ou cálculos (urolitíase) Metro + relativo a útero (ex. metrorragia) Nistagmus movimento rítmico do globo ocular Odonto + relativo a dentes (odontologia) Onfalo + relativo a umbigo (ex. onfaloflebite) Orqui + relativo a testículo (orquiectomia…)
Paralisia incapacidade motora
Paraplegia paralisia dos membros posteriores Parésia paralisia incompleta ou transitória
+ péxia fixação (ruminopexia)
Pielo + relativo a pélvis renal (pielonefrite)
Pio + relativo a pús (piómetra)
+ plasia desenvolvimento, formação (hiperplasia) + plastia reformação, reconstituição (condroplastia) Prolapso saída de víscera através de orifício
+ tomia Incisão (tenotomia)
Volvo torsão axial dum órgão
Prótese material de substituição
+ rafia sutura (ex. herniorrafia)
+ ragia descarga excessiva (ex. metrorragia)
+ reia fluxo (ex. gonorreia)
Salpingo + relativo a oviducto (salpingografia) Sialo + relativo a saliva (sialorreia)
+ stomia execução de abertura (gastrostomia)
+ taxia movimento em resposta a estímulo
DENOMINAÇÃO SIGNIFICADO
Teno + relativo a tendões (tenorrafia)
CLASSIFICAÇÃO DAS INTERVENÇÕES CIRÚRGICAS Quanto à gravidade:
• Leve – quando não representa perigo de vida para o paciente (anestesia local) – extirpação de dedos suplementares, pequenos tumores cutâneos, descorna).
• Grave – quando as funções vitais (respiração, circulação) estão comprometidas ou podem ser comprometidas pela própria intervenção (cirurgias cardio-torácicas, neuro-cirurgias).
Quanto à complexidade:
• Elementar ou simples – quando se realiza a secção duma porção mínima de tecido e se usa um reduzido número de instrumentos cirúrgicos.
• Complicada ou complexa – quando são interessadas várias estruturas anatómicas e se requer muito tempo de execução.
Quanto ao derramamento de sangue:
• Incruentas – quando a hemorragia é mínima, quer através da hemostase local, quer porque a zona de intervenção é pouco irrigada (amputação de orelhas e cauda).
• Cruentas – quando é necessário seccionar grande quantidade de vasos e incidir tecidos com abundante irrigação capilar (ressecção de tumores malignos, amputação de membros/dedos).
Quanto ao método:
• Clássico – quando se utiliza uma técnica já descrita e se conhecem devidamente todos os tempos (ruminotomia, nefrectomia, esplenectomia).
• De génio – intervenção cirúrgica em que, devido às características das lesões, não se pode prever a invasão real dos tecidos envolvidos e, além disso, surgem problemas de ressecção de órgãos, síntese dos mesmos e hemorragias não previstas, pelo que o cirurgião deve resolver as situações segundo o seu critério (tumores malignos cerebrais, cirurgias torácicas).
Quanto à oportunidade:
• Urgente – quando está em perigo a vida do paciente se não se intervém rapidamente (obstrução das vias respiratórias, roturas de vasos, perfurações gástricas).
• Não urgente ou programada – não está em perigo a vida do paciente e pode marcar-se uma data para execução (ovariectomias, orquidectomias).
• Necessárias – quando têm como finalidade tratar uma patologia.
• Úteis – quando se realizam para dar mais valor aos animais operados (castrações em animais produtores de carne).
Quanto ao efeito:
• Radical – quando permite a cura total do paciente (extracções dentárias, resolução de hérnias, extirpação de tumores benignos).
• Paliativa – quando permite melhorar a saúde do paciente ou a função comprometida, sem resolver de vez o problema (tumores malignos).
Quanto ao objectivo:
• Estética – quando têm como finalidade melhorar a aparência do paciente.
• Correctivas – quando se realizam para melhorar a função dum órgão (ligamentopexia, teorrafias, perinorrafias).
CONDUTA DO PESSOAL DENTRO DO BLOCO CIRÚRGICO ou OPERATÓRIO Equipa cirúrgica:
• Responsabilidade colectiva.
• Ambiente de compreensão e espírito de colaboração entre os elementos da equipa.
FUNÇÕES DOS ELEMENTOS DA EQUIPA CIRÚRGICA
• Cirurgião: dirige todo o acto e assume a responsabilidade do êxito ou fracasso da intervenção.
• Anestesista: tem como função manter os pacientes insensíveis à dor sem alteração das funções vitais; reparte a responsabilidade com o cirurgião.
• Ajudante(s): colaboradores imediatos do cirurgião, deve conhecer a técnica a seguir, para facilitar todas as manobras e proporcionar ajuda efectiva em qualquer situação
• Instrumentista: tem como função facilitar o trabalho do cirurgião e do(s) ajudante(s); chegar-lhe os instrumentos, material de sutura, compressas e tudo o que a técnica requerer; retirar do campo operatório os instrumentos que já não são necessários; manter a mesa de instrumentos em rigorosa ordem, com tudo limpo e pronto para voltar a ser usado. Deve conhecer a técnica, para ajudar na cirurgia se necessário.
• Circulante: tem como função proporcionar a roupa e instrumentos esterilizados à equipa; deve permanecer atento durante toda a cirurgia a fim de dar instrumentos ou suturas que possam fazer falta; ajuda o anestesista em manobras de urgência e em todas as manobras não- assépticas.
BOAS PRÁTICAS PARA O PESSOAL DA EQUIPA CIRÚRGICA 1) Comportamento na sala de operações.
a) Roupa adequada – gorro, máscara, pijama cirúrgico, bata, protectores de calçado e luvas.
b) Silêncio – requisito indispensável para o bom desenrolar da cirurgia.
c) Pontualidade – se algum membro da equipa se atrasa, deve ser substituído e não permitir a sua entrada.
d) Disciplina – todos os membros da equipa devem permanecer na sala durante toda a
operação, devem conhecer perfeitamente os seus deveres e funções e executá-los de acordo com o programado.
e) Trabalho em equipa – o cirurgião é o chefe da equipa e o responsável pela operação, pelo que é o único que dita ordens e vigia o funcionamento da equipa.
f) Erros e dúvidas técnicas – se se comete algum erro ou se tem uma dúvida na técnica, devem consultar imediatamente o professor.
g) Anestesia – deve vigiar-se constantemente para evitar surpresas e acidentes.
h) Limpeza – no final da cirurgia, todo o instrumental deve ser lavado e entregue ao encarregado.
2) Técnica de preparação pessoal a) Colocar o gorro e a máscara.
b) Lavagem das mãos:
i) Pegar na escova e colocar sobre ela o detergente/antisséptico.
ii) Humedecer as mãos e antebraços.
iii) Esfregar vigorosamente na seguinte ordem: unhas, palma da mão, dorso da mão, face palmar do antebraço, face dorsal do antebraço até ao cotovelo.
iv) Repetir 5 a 6 vezes a lavagem e enxaguamento.
v) Fazer um enxaguamento com álcool a 70% para desidratação (opcional).
c) Vestuário
i) Vestir a bata.
ii) Calçar as luvas.
3) Funcionamento da equipa cirúrgica a) Deveres do cirurgião:
i) Organizar a equipa.
ii) Rever os detalhes da intervenção com o professor e ajudantes.
iii) Preparar-se pessoalmente (vestuário, lavagem, assépsia).
iv) Preparar o campo operatório e colocar os panos de campo.
v) Operar.
vi) Fazer a informação da operação.
b) Deveres do ajudante:
i) Preparar-se pessoalmente (vestuário, lavagem, assépsia).
ii) Ajudar o cirurgião a preparar o campo operatório.
iii) Ajudar o cirurgião na operação.
iv) No final, ajudar o instrumentista a lavar os instrumentos.
c) Deveres do instrumentista:
i) Preparar-se pessoalmente (vestuário, lavagem, assépsia).
ii) Arrumar os instrumentos na mesa de instrumentos ou mesa de Mayo.
iii) Preparar o material de sutura e as compressas.
iv) Dar os instrumentos ao cirurgião e ajudante.
v) Lavar os instrumentos depois da cirurgia.
d) Deveres do anestesista:
i) Avaliar o paciente antes da anestesia (registar a FC e FR).
ii) Colocar o catéter de venóclise e conectar o frasco de fluidoterapia.
iii) Induzir a anestesia e colocar a sonda endotraqueal.
iv) Manter a anestesia no plano cirúrgico adequado durante toda a intervenção.
v) Registar todos os dados do transoperatório referentes ao pulso (FC), respiração (FR) e reflexos pupilar e palpebral.
e) Deveres do circulante:
i) Dar apoio a todos os membros da equipa cirúrgica.
ii) Levar o paciente para a sala de cirurgia e, no final da operação, para a sala de recuperação.
iii) Vigiar o paciente após a cirurgia, juntamente com o anestesista, até que recupere completamente da anestesia.
Fichas de anestesia/cirurgia:
• Todo o paciente que vai ser submetido a uma cirurgia deverá ter uma ficha onde são anotados todos os dados da anestesia e da cirurgia.
• Para o internamento deverá utilizar-se outra ficha onde se anotarão as constantes fisiológicas, tratamentos e observações necessárias durante todo o período de internamento.
BIBLIOGRAFIA
ALEXANDER, Alfonso (1974). Tecnica quirurgica en animals. Interamericana.
KNECHT, C.D., ALLEN, A.R., WILLIAMS, D.J., JOHNSON, J. – Fundamental Techniques in Veterinary Surgery. (1987)
SLATER, D.H. – Textbook of Small Animal Surgery. Philadelphia. W.B. Saunders (2002). Cap. 15 e 16.
FOSSUM, T.W. – Small Animal Surgery. Mosby-Year Book Inc., Missouri.
BOJRAB, M.J. – Current Techniques in Small Animal Surgery (1997)