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1.1 O nascimento do conceito de paisagem na geografia

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1 A PAISAGEM NA GEOGRAFIA

Neste capítulo pretendemos realizar uma fundamentação teórica do conceito geográfico escolhido para análise da APA de Sapiatiba e da Lagoa de Araruama em São Pedro da Aldeia, para assim propor o estudo da paisagem à luz da História Ambiental.

1.1 O nascimento do conceito de paisagem na geografia

A paisagem surge inicialmente como representação através das pinturas nos vasos gregos do século VI A.C. e de outros povos no século II A.C. Posteriormente, ela está presente nos memoriais descritivos e religiosos, e em ricos desenhos na cartografia do mundo (GOMES, 2001).

Acerca das origens etimológicas1 do vocábulo paisagem destacamos que:

A origem do termo landscape associa duas partículas da língua inglesa: land com o significado que por ir para além da concepção de localidade, mas também com a compreensão similar nas línguas latinas, ou seja, como terra agrícola – Jackson (1989) chama a atenção para o momento da introdução do termo na Grã Bretanha, no século V, o seu desígnio correlato, como o aquele associado ao uso da terra, scape, conforme o que se vê a seguir (FERNANDES, 2009, p.42, apud JACKSON, 1989) ( grifo do autor).

Já o vocábulo latino pagus significa determinada porção de terra, na idade media, e tornar-se-á a base para o italiano paesaggio e seu corresponde no francês, paysage. Assim:

o vocábulo francês paysan (ou paysanne) traduz-se por camponês, por exemplo.

Há elementos tanto nas línguas de origem latina quanto nas de origem anglo- saxônica, capazes de referendar a idéia de paisagem enquanto fruto da ação humana dos que vivem na terra e sobre a terra, sempre agrícola (FERNANDES, 2009, p.43).

Desde a institucionalização da Geografia como disciplina acadêmica, a paisagem é considerada um conceito fundamental para o estudo das relações entre o homem e a natureza. Na verdade, paisagem não é um conceito único e próprio da

1 Outros autores como Claval (2004), Cosgrove (1984), Holzer (1999), entre outros também buscam as origens etimológicas desta palavra.

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geografia. De acordo com Rosendahl e Corrêa (2001, p.15) “até o século XVIII a paisagem era sinônimo de pintura. Assim, foi na mediação com a arte que o sítio (o lugar) adquiriu estatuto de paisagem”.

Assim, para Besse a paisagem nasce de uma postura: “um olhar intencional é lançado sobre um lugar e destaca do conjunto vivo os elementos significativos que devem compor a cena, a imagem ou o quadro”. Portanto, através do artista a

“natureza se revela numa imagem” (BESSE, p.46).

Cosgrove (1984) compreende que a relação entre a arte2 e a ciência contribuiu para a evolução da ideia de paisagem e consequentemente para sua utilização pela geografia. Assim, o aparecimento da geografia como uma disciplina distinta coincide com o declínio da paisagem na arte (quando pintores abandonaram a técnica da perspectiva e passaram a explorar novas formas de representação como, por exemplo, o uso das propriedades da luz) (MOURA, 2009).

Se a paisagem está sendo deixada de lado pelos artistas, é na descrição das partes do globo dos viajantes naturalistas que a ideia de paisagem começa a ganhar um caráter científico, conforme nos relata Cosgrove (1984), Claval (2004) e Freitas (1996).

Para Besse (2006, p.77, grifo do autor) “o dispositivo visual que se desdobra na frequentação das paisagens possui um caráter fundador para o saber geográfico clássico”.

Besse acrescenta que na esteira das grandes navegações e da descoberta de novos mundos “[...] a paisagem evidencia aquilo de que trata a geografia, ou seja, a experiência sensível da Terra como espaço aberto, espaço a ser percorrido e descoberto” (BESSE, 2006, p.40).

Neste contexto histórico, para o filósofo Besse (2006, p. 23), a paisagem extravasou “os limites da região particular” ou os limites do quadro, tendo colocado, assim, “a questão da abertura do espaço terrestre e da relação entre o que está além e aquém do horizonte”. Neste sentido, “a paisagem traduz visual e imaginariamente a promoção da geografia como discurso específico”.

Ou seja, da mesma forma que a natureza foi objeto de beleza para pintores renascentistas, a geografia feita pelos viajantes naturalistas tratava daquilo que

2 Paisagem surge como retrato da natureza mediante a técnica da perspectiva onde, para Claval (2004) o termo paisagem surge para definir a proposta estética surgida nos Países Baixos (Flandes, atualmente norte da Bélgica) no início do Século XV.

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movia os pensamentos da época: compreender as leis da natureza (finalismo e causalismo3), Assim, é da natureza alçada à ideia de paisagem nas artes e incorporada pelos estudos dos naturalistas que a geografia ganha seu objeto de estudo (MOURA, 2009).

A paisagem causaria no observador uma impressão, a qual combinada com a observação sistemática dos seus elementos componentes, e filtrada pelo raciocínio lógico, levaria à explicação: a causalidade das conexões contidas na paisagem observada (MORAES, 1999, p.48).

A impressão à qual se refere Moraes (1999) nos remete à relação estética contida na observação da paisagem, conforme foi bem demonstrado nas obras de arte e pinturas da paisagem. Assim, desta impressão, o racionalismo contido no espírito dos viajantes naturalistas4 os movia ao entendimento da natureza.

No contexto das grandes navegações, tem-se ainda a Revolução Científica que ocorreu nos séculos XVI e XVII e se tornou a mola propulsora para o desenvolvimento da ciência moderna. A partir de Copérnico, Kepler, Galileu, Bacon, Descartes e Newton, surge o modo de interpretar o mundo através de um conhecimento exato, objetivo, com método rigoroso que se afirma como modelo universal, substitutivo da religião e capaz de promover o progresso através do domínio da natureza.

Desta forma, quando a geografia se institucionaliza5 no contexto da ciência moderna, ela carrega para si o método positivista e o conceito de paisagem. Este é

3 A crença em um desígnio para a terra, o meio ambiente influência o caráter e a cultura humana e uma terra feita para o homem; onde todos os seres têm uma causa. Tais temas, apoiando-se nos princípios da Bíblia, conduziam a interpretação da natureza que dominava no século das luzes.

4 Moura (2009) trabalha a importância de Humbold, considerado o pai da geografia, enquanto viajante naturalista ao criar um método para a geografia a partir da estética da paisagem.

5 Considera-se que a geografia como disciplina acadêmica se constituiu a partir do resultado dos estudos e da publicação das obras de Alexandre Von Humboldt e de Karl Ritter. Assim, Humboldt tratou de investigar toda a complexa e rica problemática das relações entre os diferentes fenômenos de nosso planeta, fixando as bases da "Física do Globo" como resultado do encadeamento das observações empíricas realizadas no campo, realizando, portanto, uma ciência de síntese, pois trabalhou com relações entre fenômenos diversificados, com vistas, porém, ao estabelecimento de leis. Já Ritter, que não viajou pelo mundo como Humboldt, deu sua contribuição fundamentalmente, através da ordenação do material existente e da análise e compilação dos levantamentos dentro de uma sequência lógica, com conceitos estabelecidos e padronizados, aferindo os dados e

confrontando-os com as teorias sistemáticas. Ou seja, o conhecimento geográfico é formado de diferentes abordagens, que se unificam e se individualizam pelo parâmetro terrestre. Nessas diferentes abordagens, a análise oscila entre a escala local e a global, onde o elemento de diversificação reside no grau de complexidade do objeto tratado, na finalidade do estudo e na necessidade de generalização (MORAES, 1999).

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o momento, na história do pensamento geográfico, da chamada geografia tradicional.

Deste período, destaca-se a escola francesa fundada por Vidal de La Blache, cuja obra foi responsável por deslocar para a França o eixo da discussão geográfica, até então sediado na Alemanha, sobretudo, com a Antropogeografia de Ratzel.

(MORAES, 1999)

Nesta escola, o conceito de paisagem também ganha destaque, pois Vidal de la Blache definiu o objeto da Geografia como a relação homem-natureza, na perspectiva da paisagem. Colocou o homem como um ser ativo, que sofre a influência do meio, porém, que atua sobre este, transformando-o (possibilismo).

Em termos de método6, La Blache propôs o seguinte encaminhamento para a análise geográfica: observação de campo, indução a partir da paisagem, particularização da área enfocada (em seus traços históricos e naturais), comparação das áreas estudadas e classificação das áreas e dos gêneros de vida - conjunto de técnicas e hábitos através dos quais se buscava a adaptação ao meio natural, capaz de formar um tipo humano e uma certa região (MORAES, 1999).

Do outro lado do oceano Atlântico, a geografia clássica feita por Carl Sauer, americano, da escola de Berkeley, acrescenta aos estudos geográficos um enfoque mais cultural7.

Influenciado pela escola francesa, Sauer acredita que área, região e paisagem são palavras equivalentes, mas prefere utilizar está última em seus estudos. O método de se estudar a paisagem geográfica é por meio de sua morfologia, onde se buscaria sua gênese, estrutura, função e forma. Considerou, portanto os aspectos materiais no estudo de áreas culturais. Desta forma, observar a forma da paisagem trata-se de um aspecto essencial para uma ciência positivista, baseada no olhar e na observação (CORRÊA, 1997).

Para Sauer (1998, p.23) o termo “paisagem” é apresentado para definir o conceito de unidade da geografia, para caracterizar a associação peculiarmente geográfica de fatos, podendo ser definida como uma área composta por uma

6 Vale destacar que La Blache absorve o conceito de fisionomia de Humboldt, que, segundo Besse (2006), funda a chamada geografia botânica, sendo Vidal e Brunhes os responsáveis por estender a aplicação desse conceito dando à geografia um caráter de ciência que estuda a diferenciação dos lugares.

7 Embora a cultura estivesse presente na obra vidalina através da técnica e da força do hábito, la Blache nunca falou de cultura, mas a idéia de cultura tinha um lugar central no seu pensamento ao considerar o papel da „força do hábito‟ que lhe aparecia como a causa mais importante da rigidez dos gêneros de vida (CLAVAL, 2001).

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associação distinta de formas, ao mesmo tempo física e culturais. Desta forma, a geografia baseia-se, na realidade, na união dos elementos físicos e culturais da paisagem. O conteúdo das paisagens é encontrado, portanto, nas qualidades físicas da área que são importantes para o homem e nas formas do seu uso da área, em fatos de base física e fatos da cultura humana.

Sob a perspectiva tradicional tanto de Sauer quanto de La blache dividia-se a paisagem em natural e cultural, uma vez que a paisagem natural estaria sendo submetida a uma transformação nas mãos do homem, assim, a paisagem cultural seria modelada a partir de uma paisagem natural.

Em outras palavras, a geografia clássica deu grande importância para o uso do conceito de paisagem nos estudos da época. Ao longo da história do pensamento geográfico esse conceito passou por diversas acepções de acordo com a matriz epistemológica8 no qual se inseria a geografia.

Desta forma, da síntese regional da geografia clássica ou tradicional, a interpretação da paisagem passou a ser vista como articulação de forças materiais diversas e ainda como resultado da produção social durante a geografia marxista (o que fez com que esse conceito fosse tido como menos importante, sendo o enfoque maior para a análise do espaço geográfico), até chegar a na concepção dada pela nova geografia cultural que veremos a seguir.

1.1.1 A transformação do conceito da paisagem

Na primeira parte deste capítulo analisamos como o conceito de paisagem advém da contemplação da natureza e da sua expressão artística através da pintura até o conceito de paisagem ser incorporado pela geografia por meio do estudo das relações homem-natureza da escola tradicional.

Contudo, ao longo da história do pensamento geográfico, o conceito de paisagem sofreu alterações e da mesma forma se faz necessário pensar sobre o papel da natureza na vida do homem. Sendo assim, a paisagem terá um novo

8 Seguindo a classificação de Uniwin (1995) três grandes correntes do pensamento contemporâneo estiveram presentes nos séculos XIX e XX: a corrente empírico-analítica (positivismo e positivismo lógico), a corrente histórico-hermenêutica (fenomenologia, hermenêutica e existencialismo) e a corrente critica (materialismo histórico e dialético).

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enfoque a partir da chamada geografia cultural9 renovada da segunda metade do século XX, num contexto da história da ciência em que se passou a criticar veementemente as ciências empírico-analíticas.

Nas palavras de Corrêa (1999, p.51):

O ressurgimento da geografia cultural se faz num contexto pós-positivista e vem da consciência de que a cultura reflete e condiciona a diversidade da organização espacial e sua dinâmica. A dimensão cultural torna-se necessária para a compreensão do mundo.

Assim, conforme McDowell (1996, p.159):

A geografia cultural é atualmente uma das mais excitantes áreas de trabalho geográfico. Abrangendo desde as análises de objetos do cotidiano, representação da natureza na arte e em filmes até estudos do significado das paisagens e a construção social de identidades baseadas em lugares, ela cobre numerosas questões. Seu foco inclui a investigação da cultura material, costumes sociais e significados simbólicos, abordados a partir de uma série de perspectivas teóricas.

De acordo com Melo (2005), a Nova Geografia Cultural tem como principal temática a paisagem, sendo analisada a sua permanente elaboração por aqueles que as habitam, como a gênese dos traços da organização do espaço. Sua abordagem é interpretativa, baseando-se nos modos de representação hermenêuticos10 o que permite estudos voltados para desvendar os significados de lagoas; praças; festas; cidades; monumentos; campos de futebol; festas religiosas, entre outros.

Influenciados pela abordagem hermenêutica e fenomenológica, esses estudos adotam uma posição mais subjetiva na análise da cultura e da paisagem. A concepção hermenêutica foi trazida por Dilthey (1958) para a ciência com o objetivo principal de demonstrar que as ciências culturais têm bases diferentes das ciências naturais (UNWIN, 1995).

9 Considera-se que a geografia tradicional de La Blache e Carl Sauer também tratou de alguma forma da cultural, sendo assim, pode ser chamada de geografia cultural tradicional. Além disso, Claval (apud Corrêa 2003, p. 147): “para a maioria dos geógrafos culturais, a geografia cultural aparece como um subcampo da geografia humana. Para eles, a sua natureza é semelhante à da geografia econômica ou da geografia política. Para uma minoria todos os fatos geográficos são de natureza cultural. Esses geógrafos preferem falar de abordagem cultural na geografia e não de geografia cultural”.

10 A hermenêutica entendida como a arte de interpretação na modernidade, constituiu-se em um método baseado na compreensão dos fatos na sua totalidade e na interpretação do significado de textos, compreendidos como a cultura, e de ações em particular. (Dilthey, 1958)

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Assim, para a geografia, a hermenêutica explora o papel do corpo e dos sentidos na relação com o meio-ambiente e analisa a representação humana sobre os espaços, categoria mental que explica as idéias sobre os lugares, bem como as formas de organização espacial.

Já a fenomenologia11, esboçada por Kant e Hegel, foi inaugurada por Hussel.

Esse autor é apresentado por Unwin (1995) como aquele que realiza uma fenomenologia a partir da intuição pura, capaz de identificar a essência das coisas, sendo a experiência o objeto principal da investigação filosófica.

Segundo Melo (2005) é nesse momento, que os estudos geográficos passam a enfocar as relações dos homens com o espaço numa dimensão psicológica e sócio-psicológica. As relações que ocorrem entre o homem e o meio em que ele vive nascem, muitas vezes, das sensações que as pessoas experimentam e das percepções ligadas ao espaço.

Contudo, vale destacar que enfocar a percepção do espaço pela geografia cultural renovada de nada tem a ver com os estudos da chamada Geografia da Percepção e do Comportamento, pois esta se limitou a utilizar-se das percepções para apreender o que os objetos apresentam externamente e não o que eles representam sócio-historicamente. Ou seja, a Geografia da Percepção não trabalhou o sentido simbólico presente nos objetos.

Assim, os estudos geográficos que trabalham com percepções seguem a lógica da representatividade. Devem-se considerar as percepções como conhecimentos primeiros que podem revelar, juntamente com o cognitivo, a funcionalidade dos objetos, isto é, os seus simbolismos.

A geografia, assim, de acordo com Claval (2001, p.42):

Trata-se de interrogar os homens sobre a experiência que em daquilo que os envolve, sobre o sentido que são à sua própria vida e sobre a maneira pela qual modela os ambientes e desenham as paisagens para neles afirmar sua personalidade, suas convicções e suas esperanças.

A proposta de se fazer uma geografia que valorize a subjetividade ganhou corpo à medida que autores como Tuan (1983), Cosgrove (1984), Berque (1998), Claval (2001), Corrêa e Rosendhal (2001), Duncan (2004), passam a interpretar a

11 Há ainda como base de conhecimento para esse tipo de ciência o existencialismo. Ligado à fenomenologia de Husserl destacam-se autores como Sartre e Merleau-Ponty e Entrinkin.

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paisagem geográfica além de seus aspectos materiais da perspectiva descritiva e morfológica da geografia tradicional. Podemos resumir a importância desses autores na história do pensamento geográfico da seguinte maneira: segundo Henriques (1997), um dos nomes responsáveis pela reanimação dos estudos culturas na geografia francesa é Paul Claval. Foi responsável por um centro de investigação o Laboratoire Espace et Culture e ainda está ligado à criação, nos anos 90, de uma revista trimestral inteiramente dedicada à temática a Géographie et Cultures, sendo ainda autor de uma referência fundamental La Géographie Culturelle (1995) - traduzido para o português - de mais de 400 páginas.

A contribuição de Cosgrove está no estudo minucioso sobre a paisagem em Social Formation and Symbolic Lanscape (1984) e, principalmente na introdução da ideia de significado para os estudos geográficos. Em Mundo dos Significados – Geografia Cultural e Imaginação, Cosgrove (2000, p. 36), ao reconhecer o papel da imaginação nas obras humanas, argumenta que [...] ele reelabora, metaforicamente, aquilo que os sentidos capturam, atribuindo-lhes novos significados” .

Desta forma, de acordo Melo (2005), a contribuição do geógrafo inglês foi fundamental ao imprimir uma nova marca na geografia cultural, sob a influência de John Berger12. Este geógrafo parte do pressuposto de que as paisagens não são neutras, mas refletem as relações de poder e “as maneiras de ver o mundo”.

Assim, para Corrêa (1997, p. 290), este autor admite que a paisagem geográfica “contém um significado simbólico, porque é produto da apropriação e transformação da natureza”, na qual foi impressa, através de uma linguagem, os símbolos, os traços culturais do grupo, ao geográfico, permitindo decodificar a paisagem, aprendendo a ler o seu significado.

Moura (1996), nos lembra ainda que a fim de elucidar como é possível fazer uma pesquisa em geografia cultural, Cosgrove (1998) ainda identifica algumas das evidências, fontes que possam informar o significado contido na paisagem para os que a fizeram, a alteraram, a mantiveram, a visitaram, etc, a saber: fontes documentais, orais, cartográficas, e nos próprios produtos culturais, como nas pinturas, literaturas, músicas e filmes e etc. Daí, segundo Melo (2005) os novos trabalhos em geografia cultural apresentarem uma heterotopia e uma possibilidade de diálogo com outras áreas do conhecimento.

12 Em sua obra BERGER, J. (1974). Modos de ver. Barcelona, Editorial Gustavo Gili, S.A.

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Berque (1998), também no campo da simbologia contribui para os estudos geográficos. Segundo Melo (2005), sua concepção é de que a geografia cultural seria o estudo do sentido, tanto unitário como global, que a sociedade faz de sua relação com o espaço e a natureza, que concretamente é vista como paisagem.

Desta forma, cunha o conceito de que a paisagem possui uma dupla função:

ela é “Marca e Matriz da sociedade”. Marca, pois imprime o resultado da ação humana e matriz porque ao mesmo tempo é condição para a existência desta ação humana (BERQUE, 1998).

Duncan realiza a metáfora da paisagem como um texto, compreendendo um documento social e trazendo para seus estudos a análise da teoria da linguagem (semiologia).

A paisagem, eu afirmaria, é um dos elementos centrais num sistema cultural, pois, como um conjunto ordenado de objetos, um texto age como um sistema de criação de signos através do qual um sistema social é transmitido, reproduzido, experimentado e explorado (DUNCAN, 2004, p.106).

Segundo Duncan (2004), há três maneiras de se estudar a paisagem. A primeira consiste em avaliar a maneira como as pessoas consideram a natureza da paisagem, ou seja, qual o vínculo das pessoas com a paisagem e com suas leituras contribuem para a política de interpretação.

A segunda maneira seria avaliar os valores diferenciados que tem a paisagem para os intérpretes externos a ela e os interpretes locais, analisados por meio dos discursos. A justaposição dos escritos dos intérpretes externos e internos da paisagem pode ajudar no esclarecimento das ideologias dominantes, políticas e práticas sociais.

A terceira maneira é aquela que considera o sistema de significação implícita na paisagem. O que seria de extrema importância focalizar a atenção na maneira como a paisagem reproduz códigos de significação presente em outras áreas do sistema cultural.

O autor Yi-tuan tornou-se referência para a geografia humanística13 ao conseguir realizar com propriedade a junção entre geografia e fenomenologia ao

13 Segundo Holzer (1999), o surgimento da Geografia Humanística e da Geografia Cultural Renovada se deu de forma independente, a partir de pressupostos diferentes, havendo contatos mais estreitos entre essas abordagens somente a partir dos últimos anos da década de 1970.

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trabalhar conceitos como topofilia “elo efetivo entre a pessoa e o lugar” em seu livro

“Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente” (1980, p.5). Além disso, analisa os traços comuns em percepção: os sentidos e a capacidade humana de desenvolver um comportamento simbólico, construindo mundos mentais para se relacionarem entre si e com a realidade externa.

Ou, como acrescenta Tuan (1983, p.179) “[...] quando olhamos uma cena panorâmica, nossos olhos se detêm em pontos de interesse. Cada parada é tempo suficiente para criar uma imagem de lugar [...]”. Nesse sentido, a paisagem contribui para a história de um indivíduo e seu reconhecimento em um espaço, ou em um grupo.

Em seu outro livro “Espaço e lugar” (1983), analisa as experiências intimas do lugar, desde a criança até o adulto, considerando as variações culturais existentes entre as sociedades. Realiza uma comparação entre os dois conceitos-chaves da geografia espaço e lugar e apresenta aspectos do tempo, da arquitetura do corpo e das relações pessoais na formação de valores espaciais.

No Brasil, Corrêa e Roshendhal são responsáveis por disseminar as reflexões em geografia cultural através do NEPEC - núcleo de pesquisa14 sobre Espaço e Cultura) do Departamento de Geografia da UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro -, que edita o periódico Espaço e Cultura, a publicação eletrônica Textos NEPEC e a coleção de livros Geografia Cultural. Suas inúmeras publicações sobre o tema contam com traduções de obras clássicas dos autores acima mencionados. Há ainda a realização bianual do Simpósio sobre Espaço e Cultura de caráter internacional que contribui para a fundamentação da geografia cultural no país.

Portanto, a nova perspectiva da geografia cultural traz para o conceito de paisagem o entendimento de que ela é muito mais do que aquilo que a visão abarca, ou seja, o real que está sendo observado.

Novaes (2003, p.161) ressalta que no mundo moderno a visão sempre foi definida como “o mais intelectual de todos os sentidos [...] o sentido do conhecimento e da razão. Basta lembrarmos do mito da Caverna, de Platão, para associarmos, de imediato, olhar, luz e conhecimento”.

Contudo, o mesmo autor acrescenta:

14 Depois do NEPEC em outras regiões do Brasil tem-se constituído novos núcleos de pesquisa, destes, pode-se destacar Núcleo de Estudos sobre Espaço e Representação (NEER) da UFPR.

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sabemos que a visão, o olhar e o ver não se esgotam no sensorium – a vista ou o olho -, não se limita àquilo que a vista apreende. Há uma relação de „promiscuidade‟, uma dinâmica concreta da visão e do que é visto (NOVAES, 2003, p.161, grifo do autor).

Desta forma, quando o homem olha para algo ele busca mais do que aquilo que é visível. Novaes cita Merleau-Ponty ao dizer que o invisível é constitutivo do visível, condição da sua existência. Para este autor a visão não é um certo modo de pensamento, mas um meio que nos é dado de sermos ausentes de nós mesmos.

Para Novaes (2003) a capacidade do olhar fenomenológico trazido por Merleau-Ponty tem um alcance filosófico enorme. Desta forma, “quando os fenomenológicos escrevem „eu sou meu corpo‟, com isso eles querem dizer que o corpo é o elemento central de toda reflexão filosófica, a trama de toda a experiência, o mediador de todas as relações sociais” (op.cit., p. 163).

A nova ontologia trazida pela fenomenologia diz que “o sentido do sensível, da carne: a comunicação com o outro, indissociável da percepção, enraíza-se no corpo próprio e na inerência ao mundo do qual é constitutivo” (op.cit, p.164).

Seguindo essa compreensão, “o olhar é menos a faculdade de reconhecer imagens e mais a faculdade de estabelecer relações” (STAROBINSKI, 1985, p.25 apud NOVAES, 2003, p.161).

A natureza, o mundo e as coisas também nos vêem. Elas não são apenas visíveis, mas também videntes-visíveis. Disto, podemos retomar a Humboldt, quando em seu trabalho apresenta a compreensão de que a natureza causaria uma impressão ao observador. Essa reflexão pode ser demonstrada pela frase do pintor Cézanne: “eu sou a consciência da paisagem que se pensa em mim” (op.cit., p.165).

Diante disto, a paisagem passa a ser considerada como uma construção subjetiva, pois sua criação se inicia a partir da posição do homem em um determinado ponto da superfície terrestre.

Homem este que ao usar o seu sentido da visão para definir a paisagem se relaciona com aquilo que está vendo e, nesta relação tem-se sentidos, valores, símbolos e elementos históricos como Relph (1979, p.14) defende “a ligação interna que une os elementos da paisagem é a presença do homem e o envolvimento nela”.

Ou, como complementa Moura (2009, p.28), “a dimensão subjetiva da paisagem também se manifesta ao considerarmos que ela só existe enquanto é percebida. É de fato, aparência e representação criadas pelo observador”. Ou ainda,

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Schama (1996, p.9), “é a nossa percepção transformadora que estabelece a diferença entre matéria bruta e paisagem”.

Retomando a divisão feita pela geografia tradicional em paisagem natural e paisagem cultural, a partir da nova perspectiva pode-se dizer que esta divisão não é mais necessária, pois toda paisagem é cultural, uma vez que, toda paisagem é compreendida enquanto tal pelo olhar e pela experiência humana na terra.

Assim, Besse (2006), define a paisagem como uma totalidade expressiva, ela é a imagem do mundo, sendo a geografia responsável por estar do lado da percepção, pois ela é a arte da percepção visual.

Em suma, já que, na história do pensamento geográfico, verifica-se uma constante mutação das concepções acerca do conceito de paisagem, concordamos com Corrêa e Rosendahl (1998, p.8) no momento em que declaram que a paisagem é na verdade multidimensional:

[...] apresenta simultaneamente várias dimensões que cada matriz epistemológica privilegia. Ela tem uma dimensão morfológica, ou seja, é um conjunto de formas criadas pela natureza e pela ação humana, e uma dimensão funcional, isto é, apresenta relações entre as suas diversas partes. Produto da ação humana ao longo do tempo, a paisagem apresenta uma dimensão histórica. Na medida em que uma mesma paisagem ocorre em certa área da superfície terrestre, apresenta uma dimensão espacial.

Mas a paisagem é portadora de significado, expressando valores, crenças, mitos e utopias: tem assim uma dimensão simbólica.

Nosso conceito de paisagem permeia pela dimensão simbólica e pertence a matriz interpretativa advinda da geografia cultural quando do momento de sua renovação, de acordo com Melo (2005), novos geógrafos culturais descobriram é que os homens, os grupos e as paisagens variam e que são construídos em um momento e de forma específica. Desta forma, a cultura não é uma realidade global ou supraorgânica, como vista por Sauer, sendo necessário de dedicar aos estudos dos detalhes para a compreensão geográfica.

1.1.2 Interpretações sobre natureza

Como vimos inicialmente, o conceito de paisagem surge da busca pelo domínio e entendimento da natureza. Natureza e homem não são antagônicos,

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estão interligados naquilo que se constitui o olhar e a paisagem e ainda o meio- ambiente.

Segundo Bretton (1993), quando se fala de natureza existem duas atitudes. A que corresponde a tratá-la como uma ordem que, por sua vez, pode ter diferentes dimensões, ou seja, a ordem pode refletir uma inteligência superior15, a ordem da natureza pode apresenta-se como um sistema de leis que teríamos de descobrir e a que teríamos de nos conformar (estoicismo) de acordo com uma certa sabedoria de vida, ou ainda uma ordem a explorar – humanização da natureza, a serviço das finalidades humanas.

A outra atitude refere-se à natureza enquanto matéria o que confere a ela um sentido maternal (matéria-mater) nascidos da terra, filhos da terra. Assim, a matéria que é a natureza faz com que o homem esteja na natureza e isto possui vários sentidos: estar na natureza como parte de um todo, estar como indivíduo na espécie ou até mesmo estar num local.

estar na natureza, sentir-se nela como a parte ou o modo no seu englobante;

como o individuo frágil na substancialidade em que se apóia; ou ainda, como o ser que, único com a sua vida, se confia à Providência e a à Bondade universal; ou ainda, finalmente, estar na natureza como no seu lugar abençoado [...]

(BRETTON, 1993, p. 165).

O autor em tela ainda lembra que é possível perceber a natureza ou matéria como "mãe" no mundo oriental, sobretudo na Índia. No ocidente, dado o cristianismo o culto à "natureza mãe" é menos evidente. Ainda no ocidente, tem-se no movimento das ciências o culto à natureza aparecendo no romantismo alemão, doutrina filosófica que valorizou a imaginação, a intuição e os sentimentos da natureza, exaltando o subjetivo do homem, sendo a experiência humana a experiência do sensível.

15 Para os gregos, sobretudos os pré-socráticos, a natureza (physis) é vista como ordem inspiradora, e os deuses eram expressões naturais como Gaia (terra), Urano (Céu), etc. O mundo no início era um caos que aos poucos os deuses foram colocando em ordem (kósmos). Existiram diferentes escolas gregas onde a problemática da natureza foi abordada de várias maneiras. De Tales de Mileto, passando por Pitágoras, até chegar a Platão e Aristóteles.

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O marco das relações homem-natureza é o século XVIII, onde esta relação é mediada pela técnica que, via racionalismo produtivista, tornou-se sinônimo de desenvolvimento.

Assim, natureza, antes mistificada, é dessacralizada, sobretudo com a teoria da gravidade, uma vez que a natureza deixa de ser morada de Deus e passa a ser expressão da lógica física e matemática, na concepção mecanicista da natureza.

Na verdade, percebe-se uma dualidade na visão de natureza, pois, embora não mais mistificada, a teologia natural permeou as ideias na Europa até final do século XIX e permitia a explicação do universo pelo religioso. Desta forma, até mesmo Darwin, responsável por indicar novos rumos à ciência através do evolucionismo (contexto biocêntrico) estava também imbuído de concepções teológicas. Ele presumia não só a existência de uma fina escala ou gradação da natureza, evoluindo até os seres humanos, mas também a imutabilidade das especies, todas criadas original e separadamente por Deus, o que ele se referia como a “Grande Cadeia do Ser”.

Todavia, a natureza entendida como um recurso insere-se na lógica utilitarista desenvolvida com a revolução técnico-científica e com o surgimento da ciência moderna. Assim, a “ciência moderna constitui a forma contemporânea de intervenção humana na natureza, sendo possível conceber que o conceito de natureza é determinado por essa intervenção” (VIDEIRA, 1990, p.120).

Desta forma, a razão é erigida à supremacia no processo de explicação e apreensão do mundo. Desenvolve-se assim um projeto de libertação do homem em relação à natureza e em relação aos outros homens.

Este projeto de autonomia que separa o homem da natureza surge na Europa Ocidental com a burguesia capitalista que se consolidava. Cria-se o imaginário do progresso e do crescimento técnico-material como condições essenciais para a felicidade e emancipação humanas onde a natureza estaria, portanto, a serviço das necessidades humanas (ACOT, 1992).

O mundo natural é regido por leis naturais, é, por conseguinte a representação da natureza como máquina, baseada no paradigma da ciência newtoniana se constitui neste momento, onde:

a intervenção humana na natureza assumiu tal dimensão que parece ser impossível refutar a tese de que a ciência moderna traduz uma vontade do homem de se transformar em senhor e mestre daquela (VIDEIRA, 1990, p.132).

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Na verdade, esta ideia de que a natureza está a serviço da humanidade, não é própria do século das luzes, embora seja intensificada neste período pela revolução técnico-científica. Ela está presente há seis mil anos antes, no livro do gênesis, na Torá dos Judeus e na Bíblia dos cristãos (SINGER, 1993).

No livro da criação, Deus criou o mundo e deu a sua criação suprema – o homem – a responsabilidade de dominá-lo, dando nome às plantas e animais. O ato de batizar as coisas e os lugares está diretamente ligado à apropriação que o homem faz destes.

Então Deus disse: „Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre os répteis que se arrastam sobre a terra (Gen 1, 26a).

Para Bretton (1993, p. 151):

A concepção criacionista, judaica ou cristã, exprime o egoísmo, necessariamente monoteísta, de um Deus que se dedica, tal como o homem de quem é a imagem, unicamente à produção do útil e a exaltação do desejo, desejo este que determina, em última instância, o ser enquanto ser da realidade, ou seja “a natureza” ou a matéria.

Temos na leitura do Gêneses o princípio de um Deus mecânico ou um Deus artesão que criou do nada (ex nihilo) o mundo e deixou toda essa criação nas mãos do homem. Na concepção cristã, a natureza (a criação, no sentido de criatura) é inseparável do homem. O mundo, então, só existe por causa do homem.

Desta forma, pela doutrina da criação, a criação surge onde o homem, praticamente, submete a natureza à sua vontade e às suas necessidades, pois o homem, à imagem e semelhança de Deus, participa do poder criador de Deus.

Segundo Bretton (1993, p.161), “a técnica renova o parentesco da alma humana com o acto criador”. Em outras palavras, o domínio da técnica (cultura) permite ao homem dominar a natureza, portanto temos uma relação de posse e a separação do homem da natureza, ou melhor, cultura e natureza.

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Assim, com o advento da modernidade, o ideário de progresso ressalta a capacidade e a necessidade humana em dominar indiscriminadamente a natureza, resultando numa mobilização dos fatores de produção traduzida no uso predatório dos recursos naturais. O imperialismo do século XIX e início do século XX na África e Ásia é alimentado por isto. As novas “colônias” são exploradas, expropriadas em prol do desenvolvimento e progressos das potências européias. O mau uso da natureza intensifica-se com a partilha do mundo.

O desenvolvimento técnico-científico realizado nestes moldes começou a trazer questões16 de ordem ambiental a partir da segunda metade do século XX, de acordo com Singer (1993). Assim, aquecimento global, escassez de água potável, extinção de espécies, contaminação por lixo radioativo, entre outros problemas, dão a tônica das discussões sobre o meio ambiente em nível mundial, apresentando uma crise no modelo civilizatório atual.

A Conferência de Estocolmo em 1972 foi o marco para discussões sob essa ótica. Posteriormente, houve Rio-92 e mais recente a Rio + 10 na África como um complemento da Rio-92. Disto resulta duas grandes idéias sobre a natureza:

preservacionista e conservacionista.

Segundo Diegues (2001) O preservacionismo consiste em reverenciar a natureza no sentido da apreciação estética e espiritual da vida selvagem, sendo a base para a criação do de unidades de conservação ou uso restrito de áreas ambientais; enquanto que o conservacionismo compreende uso racional da natureza, a prevenção de desperdício e o uso dos recursos para a maioria da população. Gifford Pinchot criou o movimento de conservação dos recursos e manejo, tornando a natureza mais eficiente. Suas idéias foram precursoras do chamado desenvolvimento sustentável ou ecodesenvolvimento.

A proposta de um Desenvolvimento sustentável que, segundo Relatório Brundtland 1987, documento das Nações Unidas “desenvolvimento que atende as necessidades do presente sem prejudicar a capacidade das futuras gerações de atender as suas próprias necessidades”. O Protocolo de Kyoto e Agenda 21, entre outras conferências, têm aumentado a influência desse conceito.

16 A palavra Ecologia somente foi utilizada em 1873, pelo alemão Ernest Haeckel, indicando que apenas no final do século XIX começam a surgir às primeiras preocupações com o ambiente (DIEGUES, 1996).

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Tal conceito não diz respeito apenas ao impacto da atividade econômica no meio ambiente. O desenvolvimento sustentável17 se refere principalmente às conseqüências dessa relação na qualidade de vida e no bem-estar da sociedade, tanto no presente quanto no futuro. Atividade econômica, meio ambiente e bem- estar da sociedade formam o tripé básico no qual se apóia a idéia de desenvolvimento e que permite evitar a separação entre homem e natureza.

Hoje, as escolas do pensamento ecológico perpassam pelas questões da proteção do mundo selvagem e do crescimento populacional. Estas são verdadeiros divisores de água nos movimentos. Podemos assim considerar movimentos como ecocêntricos e antropocêntricos. O primeiro trata da diminuição da população e de que as áreas naturais independem da utilidade. Defende assim o mundo natural em sua totalidade, incluindo o homem; enquanto que o segundo trata da distribuição da riqueza mantém homem X natureza (que não tem valor por si própria).

Destes movimentos, destaca-se como escolas recentes do pensamento ecológico, de acordo com Diegues (1999), a Ecologia Social cujo expoente máximo é Murray Bookchin. Nesta escola defende-se os seres humanos como seres humanos e não como espécie diferenciada. Os adeptos a esses pensamentos são considerados por muitos como anarquistas/utópicos, pois, além de tratar os problemas ambientais como também problemas sociais defendem o surgimento de uma nova sociedade, em que a tecnologia estaria sempre a serviço do homem.

Há ainda o Eco-Socialismo/Marxismo. Escola que trata a natureza como objeto de consumo, baseando-se no meio de produção, e na natureza transformada pelo trabalho.

Por fim, destaca-se a escola conhecida como Ecologia Profunda (Deep Ecology). Termo cunhado por Arne Naess, em 1972, em seu artigo sobre o pensamento ecológico superficial e profundo (SINGER, 1993). Há outros nomes importantes como Bill Devall, George Sessions, Warwick Fox nesta escola que busca a consciência ecológica, tendo, portanto, de acordo com Diegues (1999), um enfoque biocêntrico, de influência espiritualista – quase que adoração ao mundo natural onde a natureza deve ser preservada por ela própria, pois os princípios dos

17 Levanta questões acerca dos padrões de produção e consumo, particularmente nos países mais desenvolvidos que precisam ser modificadas, pois o crescimento econômico deve ser um meio e não um fim, sendo necessário proteger as oportunidades de vida das gerações atuais e futuras. É também eminentemente necessário no discurso do desenvolvimento sustentável analisar as distintas dimensões de sustentabilidade: ecológicas, ambiental, social, cultural e transformá-las em critérios objetivos de política pública.

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direitos são intrínsecos do mundo natural e princípios éticos que devem regir as relações homem-natureza (SINGER, 1993).

Na esteira dos movimentos ambientalistas, Pegoraro (2005), em sua obra Introdução à Ética Contemporânea discute o que é ética. Termo que, hoje alcançou uma abrangência de significados, pode ser entendido como o exercício da liberdade.

A ética nasce da relação entre duas pessoas “a reciprocidade interpessoal estabelece a eticidade de nossos comportamentos e ações” (PEGORARO, 2005, p.26).

Com efeito, a dilapidação da natureza promovida pelo modelo de desenvolvimento cunhado no século das luzes, e hoje, cada vez mais intensa com os avanços técnico-científicos, motivaram a “inclusão, no campo da ética, de todos os seres: a vida humana, animal e vegetal, bem como o ambiente onde ela se desenvolve. Todos os seres merecem tratamento ético” (PEGORARO, 2005, p.27).

Assim, a perspectiva ética (base dos movimentos de conservação da natureza) traz à tona um olhar o mundo que transpõe o individualismo, a tecnocracia e aponta para uma visão da pessoa planetária, permitindo uma visão holística da relação do homem com o ambiente.

Disto resulta também a Bioética – que pela primeira vez na história do pensamento traz preocupações morais com os animais. Tendo como princípio norteador a autonomia; ocupa-se ainda de temas como os avanços da biotecnologia, debate sobre a biogenética humana, sobre a biodiversidade, relações entre tecnociência e ética, etc (PEGORARO, 2005).

Considerando que a ecologia profunda atribui que a natureza possui valor intrínseco, este autor discute ainda que:

O fato de todos os organismos serem parte de um todo inter-relacionado não sugere que tenham todos um valor intrínseco, muito menos um valor intrínseco igual. Talvez só tenham valor por serem necessários à existência do todo e o todo só tenha valor porque sustenta a existência de seres conscientes (SINGER, 1993, p.297-298).

Qual o valor intrínseco das coisas? O homem é o único ser que sabe disso, pois é ele que atribui valor às coisas. Ele atribui esse valor à natureza a partir da sua relação com ela como visto anteriormente, através do olhar e na constituição da paisagem.

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Se com o advento da ciência moderna ocorreu a dissociação do homem à natureza, e isto de alguma forma ainda está presente no imaginário ocidental sobre a natureza, isto é o que justamente os novos pensamentos ecológicos visam combater, pois a proteção da natureza aparece hoje como necessidade imperiosa para a salvação da própria humanidade.

1.2 A História Ambiental: novas perspectivas para a natureza e a paisagem

Diante do que foi exposto, tratar de temas sobre ética, valores, mitos, representações da natureza é o que propõe a História Ambiental, disciplina recente, originada nos países de língua inglesa, formada18 especialmente por historiadores e biólogos oriundos de diferentes formações acadêmicas e científicas em várias especialidades.

No Brasil e em muitos países do mundo, a disciplina História Ambiental não é reconhecida e não possui tradição como outras disciplinas científicas. É pertinente ressaltar que a disciplina não possui uma abordagem explícita dentro das pesquisas acadêmicas e, ainda, não há nenhum curso universitário que tenha ênfase na História Ambiental. Entretanto, de acordo com Freitas (2005), há diversos trabalhos acadêmicos e de autores independentes que poderiam ser considerados como fontes pioneiras na difusão deste ramo do conhecimento no país.

O objetivo da história ambiental é fazer com que o conhecimento histórico una a história natural com a história social, criando uma disciplina que tem como objeto de estudo a natureza, procurando entender, portanto, como a natureza influência a história do homem e como o homem a modifica (WORSTER, 1991).

William Cronon é um dos fundadores desta nova disciplina, se preocupando especificamente em encontrar “a maneira com que as comunidades humanas modificam as paisagens em que vivem e como as pessoas ao redor são afetadas

18 Drummond, um dos autores que trabalham com História Ambiental, escreveu um trabalho no ano de 1997, informando e indicando a existência desta disciplina nos Estados Unidos da América, fornecendo outros nomes de autores que trabalham ou abordam esta nova disciplina naquele país, sendo eles: William Cronon, Donald Worster, Richard White, Stephen Pyne, Warren Dean, Alfred Crosby, entre outros (FREITAS, 2005).

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pelas mudanças ocorridas nas condições geológicas, climatológicas, epidemiológicas e ecológicas” (CRONON, 1995, p.158).

A partir disso, percebemos a grande aproximação entre história ambiental e geografia, uma vez que este ciência também se consolida como ciência moderna mediante o estudo das relações do homem com a natureza. Contudo, os estudos costumam enfocar as transformações do homem na natureza, ou seja, como a ação de determinado grupo altera a paisagem.

Já, a historia ambiental privilegia a cultura como um agente modificador das forças da natureza, ao tratar do papel e do lugar da natureza na vida humana, ou seja, como as ideias, valores, memória, representações sobre a natureza são capazes de transformá-la e transformar a sociedade, sendo a natureza parte da nossa história (WORSTER, 1991).

Disto resulta a possibilidade de diálogo entre a geografia e a história ambiental. Tal aproximação começou a ser explorada recentemente19. Segundo Freitas (2005):

A História Ambiental é uma história que inclui a natureza como objeto, mas também como resultante de processos engendrados pelo homem e pela evolução natural de uma área, ou seja, a paisagem. No entanto, se a história ambiental procura produzir análises das relações entre comunidades humanas e os seus meios naturais, podemos dizer que estas não são as mesmas normalmente realizadas por historiadores, geógrafos, biólogos ou outros pesquisadores de diferentes áreas, quando atuam no interior de suas próprias disciplinas “de origem”.

Entretanto, embora claramente possua um caráter interdisciplinar, a história ambiental não se propõe a ser apenas uma ciência conciliadora das ciências naturais e físicas com as ciências humanas. Ela busca estudar a profundidade dos mitos, religiões, percepções e sentimentos que o homem acrescenta na história e no meio ambiente, estabelecendo assim uma “história espiritual” a partir de observações projetadas sobre a natureza. Sendo assim, é ainda Cronon quem nos dá algumas pistas importantes para a apreensão e compreensão dos objetos e objetivos da História Ambiental, como podemos ver no Humanist Environmentalism Manifesto (1995):

19 Na universidade do Estado do Rio de Janeiro, existe um núcleo de pesquisa (NUAGE), que tomou para si a responsabilidade de realizar estudos geográficos à luz da História Ambiental, do qual essa dissertação mestrado é um de seus frutos.

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A compreensão histórica de nossas próprias idéias sobre a natureza como um todo nos dá um conhecimento maior sobre nós mesmos, uma maior auto-crítica para reconhecermos o que estamos projetando sobre o mundo, isto é, o que vem mais de dentro de nós mesmos que do próprio mundo exterior, não se trata de negarmos a existência do mundo, mas reconhecer que conhecer o mundo é uma empresa muito mais difícil do que parece. (...) O não uso da natureza não é uma opção: viver na natureza é usá-la e transformá-la com nossa presença. A escolha que nós encaramos não é a de não deixar marcas, que é impossível, mas, sim, decidirmos que tipos de marcas desejamos deixar. (...) Embora possamos identificar os valores e as éticas que sejam menos antropocêntricas, não devemos nunca nos enganar que acreditamos ser qualquer coisa menos antropogênica: faz parte de nós, de nossos sonhos, medos e de nossa história.

No mesmo sentido, complementa Cronon (1995):

A natureza que carregamos dentro de nós é tão importante quanto a natureza que nos cerca, porque a natureza que está dentro de nós é com certeza o motor que dirige nossas interações com a natureza física, neste contínuo processo de transformação homem/natureza (CRONON, 1995, p.12).

Para Freitas (2005), podemos reconhecer algumas palavras-chave que melhor auxiliam na compreensão do que é História Ambiental: Wilderness, marcas, paisagens, valores, ética, antropocentrismo, sonhos, medos, mito, religião e história.

Torna-se importante destacar ainda, as principais características de uma história ambiental que relacionam essa disciplina à geografia, e, consequentemente, à história do pensamento geográfico, segundo o entendimento de Drummond (1997):

A primeira característica é a de que quase todas as análises realizadas em história ambiental, até agora, focalizam uma região geográfica com algum grau de homogeneidade natural. (...) Uma segunda característica dos estudos da história ambiental, também peculiar à Geografia, é o seu diálogo sistemático com quase todas as ciências naturais aplicáveis ao entendimento dos quadros físicos e ecológicos das regiões estudadas, ou seja, um trabalho interdisciplinar em geologia, geomorfologia, climatologia, meteorologia, biologia vegetal e animal e, principalmente, ecologia. Segundo Drummond, os historiadores ambientais não fazem apenas visitas protocolares às ciências naturais: dependem delas para saber como funcionam os ecossistemas sem interferência humana, para daí identificar com precisão os efeitos ecossistêmicos da ação humana. (...) A terceira característica da história ambiental é explorar as interações entre o quadro de recursos úteis e os diferentes estilos ou níveis civilizatórios das sociedades humanas. (...) Uma quarta característica é a grande variedade de fontes. Os historiadores ambientais usam fontes tradicionais da história social e econômica.

Aqui, os relatos de viajantes exploradores e cientistas europeus que se

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expandiram pelo globo, a partir do século XV, assim como autores do passado, são outra fonte fundamental. (...) A quinta e última característica da história ambiental seria o trabalho de campo, sendo este ponto fundamental da prática geográfica em todos os tempos.

Apesar da crítica à qual devem ser submetidas as características acima, pode-se perceber pontos em comum entre esses dois saberes mediante as concepções advindas da escola clássica ou tradicional da geografia; podemos, mais do que isto, aproveitar o caráter interdisciplinar presente tanto na geografia quanto na história ambiental, incorporando esta última como um método de estudo para a geografia.

Assim, como declara Freitas (2002a, p.165):

Trata-se, portanto, para nós, geógrafos, de um tema totalmente novo, para o qual parecemos ser chamados a participar deste grande projeto interdisciplinar.

Cremos que não podemos desprezar uma disciplina que tem a natureza como objeto, vendo-a como resultante dos processos naturais aliados aos processos engendrados pelo homem (como normalmente é visto pela geografia), mas também como resultante de uma „história espiritual‟ de uma comunidade – três elementos essencialmente criadores de uma paisagem, segundo os historiadores ambientais.

Um dos fundadores da história ambiental, Donald Worster, em seu artigo

“Para fazer história ambiental” (1991), procurou definir esta disciplina a partir de três níveis de análise.

O primeiro nível compreende as questões referentes ao estudo das paisagens do passado e seus fatores bióticos e abióticos. No diálogo com a geografia este nível se comunica com os estudos da geografia física e com as ciências da terra.

O segundo nível analisa as questões socioeconômicas e suas interações com o ambiente. Seria o nível que mais se aproxima da economia, da vida social, das decisões políticas e legais, bem como das relações de poder em diversas escalas de análise. Tais enfoques comungam com as perspectivas da geografia humana e suas subdivisões: geografia econômica, urbana, agrária, etc.

Por fim, o terceiro nível trata da ação da cultura sobre o meio físico. Nível de contato com a geografia cultural é para nós o nível escolhido para nosso estudo, pois compreende as idéias como agentes ecológicos, e, por essa razão, fala da necessidade de analisar os diversos significados da natureza, considerando-os como parte da história humana.

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É no cerne deste terceiro nível que podemos definir o conceito de paisagem que iremos utilizar neste trabalho. Como dito anteriormente, de matriz interpretativa, a paisagem abordada por nós é compreendida como signos que, por sua vez, remetem a significados que terão relação na construção da memória de um povo e, um rebatimento nas práticas socioespaciais da atualidade.

Tomamos como base Ferrara (1988) quando a autora nos coloca que a cidade (paisagem) é um texto não-verbal presente nas formas que transforma o próprio espaço em linguagem. Assim, signos são textos não-verbais, marcas referenciais que assinalam, ocupam espaço na lembrança que conservamos de nossas experiências, sensações, vivencias particulares ou coletivas.

O que nos traz à lembrança a tese presente na obra Paisagem e Memória, de Simon Schama (1996, p.8):

E, se a visão que uma criança tem da natureza já pode comporta lembranças, mitos e significados complexos, muito mais elaborada é a moldura através da qual nossos olhos adultos contemplam a paisagem. Pois, conquanto estejamos habituados a situar a natureza e a percepção humana em 2 grupos distintos, na verdade elas são inseparáveis. Antes de poder ser um repouso para os sentidos, a paisagem é obra da mente. Compõe-se tanto de camadas de lembranças quanto de estratos de rocha.

Schama, ao tratar a paisagem acima de tudo como cultura, identifica elementos da paisagem que transportam a carga da história. Até mesmo se pensarmos nas paisagens que “parecem mais livres de nossa cultura, a um exame mais atento, podem revelar-se como seu produto” (op.cit.p.19).

Portanto, na realidade que se apresenta enquanto natureza “existe uma profunda abstração pessoal de espírito e conceito que transforma esses fatos terrenos numa experiência emocional e espiritual transcendente (op.cit.p.19).

O autor em questão também aborda a paisagem como um texto e se refere em sua obra aos historiadores ambientais. E, embora lembre que ao longo dos séculos, se formam hábitos culturais que nos levaram a estabelecer com a natureza uma relação outra que não é de simplesmente esgotá-la até a morte, Schama busca demonstrar a possibilidade da formação de um espírito local onde as tradições paisagísticas do passado, podia-se lançar a luz sobre o presente e o futuro, sendo uma saída para a terrível degradação ambiental que vivemos.

Esse espírito local é perseguido pelos historiadores ambientais, e por que não? pode ser encontrado através do que Moura (2006) definiu com a paisagem

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espiritual, uma vez que a paisagem é a dimensão visível, do real e do imaginário.

Existe tanto no espírito das pessoas, quanto como nos objetos físicos. (CLAVAL, 2001 e COSGROVE, 1998). Schama (1998) em sua obra contribuiu com esta ideia através da "formação de um espírito local onde as tradições paisagísticas do passado, podia-se lançar luz sobre o presente e o futuro.

Desta forma, a geografia cultural da atualidade é a base teórica que fundamenta os estudo através dos signos contidos na paisagem onde pode-se descobrir os usos e significados de um povo, vendo-os como elementos formadores da “memória” social e espacial (da cidade). Mais do que isto, entendendo a paisagem como cultura é possível compreender as ideias nela contida e a partir disso analisar a dinâmica sócio-espacial.

Fica nítido aqui que ao se realizar um diálogo entre geografia e história ambiental, estamos lançando mão das novas concepções de paisagem advindas da geografia e das novas concepções de natureza advindas da história ambiental. São ambas as disciplinas assim que ao tratar das relações entre natureza e cultura se complementam de tal forma que ousamos dizer que a história ambiental é capaz de se constituir um método de análise para a geografia.

Por essa razão, o estudo de nosso objeto, a APA de Sapiatiba, enfocando o terceiro nível de análise da história ambiental tratará da construção dessa paisagem enquanto fator cultural e histórico para a população de São Pedro da Aldeia e de como seus significados ajudam a compreender a organização espacial do Município, bem como a construção de uma tradição voltada para preservação ambiental.

Vejamos nos capítulos seguintes.

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2 CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E DA PAISAGEM

Neste capítulo, realizamos uma reflexão sobre o nosso objeto de estudo, - a APA de Sapiatiba - considerando a origem das áreas de proteção ambiental e as políticas públicas no Brasil e no Estado do Rio de Janeiro.

2.1. Ideias sobre a Natureza no Brasil

Como vimos no capítulo anterior, o entendimento sobre a natureza se alterou ao longo do tempo. No Brasil, não foi diferente. Desta forma, algumas representações sobre a natureza em nosso país foram revistas para que assim pudéssemos chegar à concepção de preservação e de conservação ambiental de hoje.

Segundo Da Mata (1993), temos a representação luso-brasileira onde a natureza é um cenário de encantos. Nesse sentido:

basta ler o primeiro documento do Brasil recém-descoberto, a célebre carta de Pêro Vaz de Caminha, escrito da frota de Cabral, com a data de 1 de Maio de 1500, onde este faz o elogio da beleza dos indígenas e das potencialidades da natureza, simultaneamente. Esta carta constitui certamente o melhor exemplo da visão edênica da terra recentemente descoberta, que iria servir de motor à migração dos marginalizados e desfavorecidos (DA MATTA, 1993, p.133).

De maneira semelhante, encontramos, no clássico sobre o Brasil de Sérgio Buarque de Holanda, Visão do Paraíso (1977), a construção do mito de paraíso tropical representado na carta de Pero Vaz de Caminha. Holanda (1977) apresenta o misto de ciência com a existência de uma geografia fantástica ou de um conhecimento de mundo mágico. Ambos aspectos20 se associavam a filosófico- teologia, sendo a mola propulsora para os navegantes do século XV e XVI.

20 A fantasia e a magia presente nos viajantes naturalistas também pode ser vista pelo lado romântico que muitas vezes é abordado nas descrições das viagens.

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Desta forma, o Novo Mundo era a terra incógnita que provocava fascínio pela extrema diferença em comparação com a natureza de uma área temperada como a Europa e se definia como o paraíso perdido por Adão e Eva, cabendo a ciência descobri-lo. Tal é o argumento deste autor que ele demonstra textos de Cristóvão Colombo e obras de cosmógrafos e cartógrafos fazendo referência à busca pelo paraíso na terra (MOURA, 2009).

Assim, Pero Vaz de Caminha, neste contexto, refere-se, na carta ao rei, a uma natureza exuberante e perfeita como toda criação de Deus, sendo, portanto, o verdadeiro paraíso na Terra.

Disto resulta uma outra representação sobre a natureza brasileira, aquela de que tratamos no capítulo anterior e que compreende a utilidade da natureza, uma vez que Deus criou o paraíso para o homem. O que para Da Mata (1993, p.134) é:

“a obsessão pela extração gera uma lógica relacional ambígua que oscila entre uma concepção da natureza habitada pelo maravilhoso, local de poderes mágicos, e uma concepção do mundo natural à mercê do homem”.

Além disso, a marca da abundância na qual se refere Sprandel (2004 apud MOURA, 2009) registrada na carta de Caminha “aqui em se plantando tudo dá”, também reflete no pensamento brasileiro de hoje através do descaso com o meio ambiente, uma vez que aqui tudo é pródigo; não há necessidade de cuidar, pois não falta nada.

Juntamente com esse significado, Da Mata (1993) nos lembra que o Brasil não foi fundando e sim descoberto. Isso quer dizer que realizamos uma naturalização da história, pois na lógica das descobertas a ideia de “por acaso”

exerce na dinâmica social o impacto de que as instituições humanas não têm responsabilidade nos processos históricos de formação da sociedade.

Seguindo um pensamento semelhante Holanda (1995), em outra obra clássica, Raízes do Brasil, influenciado pela metodologia de Weber, realiza uma tipologia sobre as formas de vida coletiva e o tipo humano brasileiro através da comparação entre a ética do aventureiro e a ética do trabalhador. Assim, o aventureiro é o tipo humano que ignora as fronteiras onde:

No mundo tudo se apresenta a ele em generosa amplitude e, onde quer que se erija um obstáculo a seus propósitos ambiciosos, sabe transformar esse obstáculo em trampolim. Vive dos espaços ilimitados, dos projetos vastos, dos horizontes distantes (HOLANDA, 1995, p.44).

Referências

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