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A Política Externa Brasileira e o programa nuclear iraniano Uma análise do Tratado de Não- Proliferação Nuclear e da Estratégia Nacional de Defesa

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NASCIMENTO PLUM, Mariana Oliveira do. A Política Externa Brasileira e o programa nuclear iraniano – Uma análise do Tratado de Não- Proliferação Nuclear e da Estratégia Nacional de Defesa. In: ARIAS NETO, José; ALVES, Vágner;

MOREIRA, William. A Defesa e a Segurança na América do Sul. Campinas: Mercado das Letras, 2011.

ISBN: 978-85-7591-187-7

A Política Externa Brasileira e o programa nuclear iraniano – Uma análise do Tratado de Não- Proliferação Nuclear e da Estratégia Nacional de Defesa

Mariana Oliveira do Nascimento Plum1

Resumo

A motivação para este trabalho veio da percepção de que há uma diferença de abordagem entre os Estados no que tange à questão nuclear. A aplicação das salvaguardas da AIEA e o cumprimento das especificações do Tratado de Não- Proliferação Nuclear deveriam ser os fatores determinantes para que um Estado pudesse prosseguir, ou não, com seu programa nuclear civil. No entanto, alguns Estados recebem tratamento diferenciado, sendo cerceados no direito de desenvolver atividades nucleares para fins pacíficos, mesmo quando estão em concordância com as prescrições da Agência. A mediação feita pelo governo brasileiro para as negociações sobre programa de enriquecimento de urânio no Irã vem ganhando as capas de jornais e revistas nacionais e internacionais. O objetivo deste artigo é analisar as motivações brasileiras para impedir a aplicação de sanções ao Irã, demonstrando que a política externa de nosso país é pragmática– permanece com o mesmo ideal desde a criação do TNP: evitar o cerceamento tecnológico e o tratamento desigual em relação ao assunto nuclear.

Palavras-Chave: Não-Proliferação Nuclear, Segurança Internacional, Política Externa Brasileira, Estratégia Nacional de Defesa.

1 Mariana Oliveira do Nascimento – Graduada e Mestre em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

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I - Introdução

Os bombardeios nucleares contra Hiroshima e Nagazaki alteraram profundamente o conceito de guerra entre os Estados nacionais. A partir do momento em que os dois cogumelos atômicos espalharam-se sobre as cidades japonesas, a inclusão da ameaça nuclear em conflitos interestatais passou a ser preocupação obrigatória das nações que disputariam áreas de influência durante a Guerra Fria.

Estimulada por essa preocupação, a comunidade internacional tomou diversas medidas durante os últimos 60 anos para restringir o uso dos armamentos nucleares. O Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), aberto para assinatura em 1968, foi uma das principais iniciativas para atingir esse fim. O TNP está baseado na distinção entre as cinco potências nucleares, que fabricaram ou acionaram uma arma nuclear antes de 1º de fevereiro de 1967, e os Estados não-nuclearmente armados. O Tratado contém um compromisso recíproco dos Estados não-nucleares de não desenvolver ou comprar estas armas e, em compensação, lhes garante o acesso ao uso pacífico da energia nuclear, condicionado ao controle da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

O TNP sempre foi alvo de críticas por colocar os Estados não-nucleares sob forte sistema de verificação e controle e não impor aos Estados nucleares nenhuma medida obrigatória em relação ao desarmamento nuclear. Além disso, a eficácia do Regime também ficou prejudicada quando Estados não-signatários do TNP – como Índia, Israel e Paquistão – conseguiram acesso à tecnologia nuclear sem precisar observar as restrições do Regime de Não-Proliferação. Esta desigualdade de tratamento foi o principal motivo para o Brasil recusar a assinatura do TNP durante 30 anos.

Apesar de ter assinado o Tratado em 1998, o Brasil continuou a defender o direito expresso no artigo IV “direito inalienável de todas as Partes do Tratado de desenvolverem a pesquisa, a produção e a utilização da energia nuclear para fins pacíficos, sem discriminação” 2 cumprimento do artigo VI “a cessação em data próxima da corrida armamentista nuclear e o desarmamento nuclear, e sobre um Tratado de desarmamento geral e completo, sob estrito e eficaz controle internacional”.3

2 Artigo 4º do Tratado de Não-Proliferação Nuclear - nuclear disponível em:

http://www.onubrasil.org.br/doc_armas_nucleares.php, acesso em 26 de março de 2009

3 Artigo 6º do Tratado de Não-Proliferação Nuclear - nuclear disponível em:

http://www.onubrasil.org.br/doc_armas_nucleares.php, acesso em 26 de março de 2009

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Entretanto, passados mais de quarenta anos da criação do TNP, nenhum desses artigos é cumprido em sua totalidade. Em relação ao artigo VI, apesar do recente acordo firmado entre Rússia e Estados Unidos para redução dos arsenais nucleares, estamos longe de alcançar um desarmamento geral e completo.

Sobre o cumprimento do artigo IV, ao analisar casos de Estados que tentaram implementar a tecnologia de enriquecimento de urânio, a exemplo de Brasil e Irã, observa-se que o direito de desenvolver tecnologia nuclear para fins pacíficos exposto no Tratado não é algo tão simples de ser adquirido.

O que este artigo pretende demonstrar é que o posicionamento brasileiro em relação ao programa nuclear do Irã reflete à política externa brasileira em relação ao tema da Não-Proliferação Nuclear: defender o direito ao acesso à tecnologia nuclear para fins pacíficos e o desarmamento nuclear das potências nucleares. Na primeira parte do artigo será apresentada uma síntese do Regime de Não-Proliferação Nuclear e da Política Nuclear Brasileira e, na segunda, será discutido como a defesa do programa nuclear iraniano está relacionada à defesa dos próprios interesses nucleares brasileiros, entre eles, a implantação de um dos principais objetivos da Estratégia Nacional de Defesa: o desenvolvimento da tecnologia nuclear.

II – Brasil e o Tratado de Não-Proliferação Nuclear

a. O Tratado de Não-Proliferação Nuclear e suas tensões

A elaboração do texto sobre o Tratado de Não- Proliferação Nuclear foi marcada por duas visões: a dos Estados nuclearmente armados, que desejavam frear a proliferação nuclear; a dos Estados não-nuclearmente armados, que concordavam em não ter armas nucleares desde que lhes fosse garantido o acesso aos benefícios da energia nuclear e que os Estados Nucleares assumissem o compromisso com o desarmamento nuclear.

Assim, o texto do TNP resultou de uma barganha entre nucleares e não- nucleares, em que os Estados nuclearmente armados assumem o compromisso de reduzir seus arsenais nucleares (artigo VI), enquanto os não-nucleares renunciam às armas nucleares (artigo II), mas possuem direito de acesso a todos os benefícios da energia nuclear para fins pacíficos (artigo IV).

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Dessa forma, o artigo IV foi inserido no texto do tratado determinando que:4 1. Nenhuma disposição deste Tratado será interpretada como afetando o direito

inalienável de todas as Partes do Tratado de desenvolverem a pesquisa, a produção e a utilização da energia nuclear para fins pacíficos, sem discriminação, e de conformidade com os Artigos I e II deste Tratado.

2. Todas as Partes deste Tratado comprometem-se a facilitar o mais amplo intercâmbio possível de equipamento, materiais e informação científica e tecnológica sobre a utilização pacífica da energia nuclear e dele têm o direito de participar. As Partes do Tratado em condições de o fazerem deverão também cooperar – isoladamente ou juntamente com outros Estados ou Organizações Internacionais – com vistas a contribuir para o desenvolvimento crescente das aplicações da energia nuclear para fins pacíficos, especialmente nos territórios dos Estados não nuclearmente armados, Partes do Tratado, com a devida consideração pelas necessidades das regiões do mundo em desenvolvimento.

As cláusulas preambulares do TNP também abordam a questão do acesso à tecnologia nuclear, afirmando que:

1. O princípio de que os benefícios das aplicações pacíficas da tecnologia nuclear – inclusive quaisquer derivados tecnológicos que obtenham as potências nuclearmente armadas mediante o desenvolvimento de artefatos nucleares explosivos – devem ser postos, para fins pacíficos, à disposição de todas as Partes do Tratado, sejam elas Estados nuclearmente armados ou não;

2. Na promoção deste princípio, todas as Partes têm o direito de participar no intercâmbio mais amplo possível de informações científicas e de contribuir, isoladamente ou em cooperação com outros Estados, para o desenvolvimento crescente das aplicações da energia nuclear para fins pacíficos.

É importante ressaltar que o TNP foi escrito em um contexto político e estratégico específico, que difere da situação vivida atualmente. No período de negociação do Tratado, não se pensava que as tecnologias nucleares para obtenção do ciclo completo do combustível nuclear pudessem ser adquiridas por países em desenvolvimento. Tampouco havia a preocupação de que os materiais nucleares pudessem ser desviados para as mãos de terroristas. O consenso naquele momento era de que a aquisição, a produção ou a exportação de armas nucleares não eram permitidas aos Estados não-nucleares, que deveriam ainda cumprir com as salvaguardas da AIEA.

4 Tratado de Não-Proliferação nuclear disponível em:

http://www.onubrasil.org.br/doc_armas_nucleares.php, acesso em 26 de março de 2009

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Assim, a ausência de especificações sobre quais materiais e tecnologias poderiam ficar em posse, ser fabricado ou exportado pelos Estados não-nucleares, juntamente com a falta de uma data limite para os Estados nucleares completarem o desarmamento e a facilidade de retirada do TNP criaram grandes tensões para o Regime de Não- Proliferação Nuclear.

Ao analisar o Tratado como um todo se percebe que existem brechas que possibilitam que um Estado produza material nuclear para fins pacíficos para posteriormente produzir para fins militares. O artigo X do TNP permite que um Estado retire-se do Tratado após um aviso de noventa dias e justificativas de que

“acontecimentos extraordinários, relacionados com o assunto deste Tratado, põem em risco os interesses supremos do país”.5

Isso significa que um Estado não-nuclear signatário do TNP pode utilizar os benefícios garantidos pelo artigo IV do Tratado e desenvolver tecnologia nuclear para fins pacíficos, mas tornando-se nuclearmente capaz ao adquirir o desenvolvimento do ciclo completo do combustível nuclear e, assim, ao retirar-se do TNP em concordância com o artigo X, produzir materiais nucleares que possam ser utilizados em bombas nucleares, como o urânio altamente enriquecido.

Essas considerações seriam suficientes para que houvesse uma “reinterpretação”

do artigo IV e, consequentemente, do direito inalienável dos Estados não-nucleares de desenvolver qualquer tecnologia nuclear para fins pacíficos. No entanto, as propostas para a mudança desse artigo e para a criação de uma autoridade internacional reguladora de materiais físseis são rejeitadas pelos Estados não-nucleares sob as seguintes justificativas:

1. Os Estados nucleares até hoje não cumpriram com o compromisso de desarmamento nuclear e redução dos arsenais. Como podem exigir dos Estados não- nucleares, que já cumprem com diversas normas, que desistam do direito de desenvolver o ciclo completo do combustível?

2. Colocar os materiais físseis sob tutela internacional pode gerar dependências desses materiais e redução de soberania.6

5 Artigo X do TNP, disponível em http://www.onubrasil.org.br/doc_armas_nucleares.php, acesso em 26 de março de 2009.

6 Na promoção deste princípio, todas as Partes têm o direito de participar no intercâmbio mais amplo possível de informações científicas e de contribuir, isoladamente ou em cooperação com outros Estados, para o desenvolvimento crescente das aplicações da energia nuclear para fins pacíficos

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A aceitação da “reinterpretação” do artigo IV do TNP está condicionada à aplicação do artigo VI. Para que a barganha entre Estados nucleares e Estados não- nucleares possa ser mantida, os Estados não-nucleares só aceitam novas restrições e redução ainda maior dos seus direitos soberanos caso os Estados nucleares cumpram com as medidas efetivas para o desarmamento (Scheiman 2009). Contudo, essa proposta nunca saiu do papel.

O dilema do Tratado continua sendo a aplicação dos seus artigos e o cumprimento dos seus princípios. As inconsistências existentes no texto do TNP permitem que seja interpretado de diferentes maneiras, deixando o Tratado sujeito às disputas políticas de suas partes, que o utilizam da forma que melhor atende aos seus interesses.

Assim, conforme Robert Ayson destaca:

O Tratado de Não-Proliferação Nuclear e o cumprimento das normas da AIEA estão sendo invocados de acordo com uma abordagem seletiva para a não-proliferação nuclear, que varia caso a caso e utiliza instrumentos diversos de acordo com o“proliferador” ou “proliferador em potencial.(Ayson 2005, p.432).

b. O posicionamento brasileiro em relação ao TNP

A posição adotada pela diplomacia brasileira é de defesa da autonomia do Brasil na condução de sua política nuclear. O TNP é considerado um acordo discriminatório, que estabelece dois tipos de Estados: os responsáveis e maduros, capazes de possuir armamentos nucleares; os irresponsáveis e erráticos, que devem ficar sob rígido controle da AIEA e da Comunidade Internacional.(Rocha, 2006).

Nas palavras do embaixador Araújo Castro, o Tratado de Não-Proliferação Nuclear estabelece o congelamento do poder mundial, pois preserva o direito das potências nucleares de conservar os seus arsenais, enquanto mantém os Estados não- nucleares sob um forte regime de verificação e monitoramento, cerceando o desenvolvimento tecnológico. (Castro,1974).

Foram necessários 30 anos para o Brasil concordar com a assinatura do Tratado.

A causa para tomada desta decisão não é a aceitação das disposições do TNP, mas sim uma questão política do jogo internacional. Houve uma mudança na condução da Política Externa Brasileira. Acreditava-se na necessidade de adotar uma posição mais participativa no cenário internacional.

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A chamada “autonomia pela integração” ou “autonomia pela participação”7 visava buscar a ampliação da capacidade de atuar no meio internacional com “margem de escolha e manobra suficiente – não completa, evidentemente – para seguir os caminhos delineados pela vontade nacional, pelas opções e condições do país”.

(Lampreia 1998, p.104). Os custos de permanecer fora do Tratado estavam maiores do que os custos de aderir a ele.

No entanto, não se pode confundir esse momento de nossa política externa com um desvio dos ideais defendidos desde a década de 60. Os ideais de não-proliferação de armas nucleares, de manutenção da paz e prevenção da guerra sempre estiveram presentes em nossa história. O Brasil já havia assinado um acordo de cooperação nuclear com a Argentina com o objetivo de reduzir as desconfianças e aumentar a transparência entre os dois países, já havia promulgado em sua constituição a proibição de armas nucleares em seu território, mas jamais renunciou o seu direito de desenvolver tecnologia nuclear para fins pacíficos.

Apesar de discordar da ausência de medidas mais imperativas para o desarmamento nuclear, o Brasil agarrou-se ao direito expresso no artigo IV do TNP para garantir o seu acesso à tecnologia. Georges Lamazière afirma que a diplomacia brasileira passou a praticar uma adaptação criativa, aceitando as imperfeições dos regimes de não-proliferação existentes, mas enfatizando a necessidade de buscar o desarmamento das potências nucleares e da garantia aos benefícios que a tecnologia nuclear para fins pacíficos pode promover (Lamaziére,1999).

Dizer se foi o melhor caminho para isso não é o objetivo deste artigo, mas sim demonstrar que a coerência com relação às questões nucleares esteve presente mesmo quando o Brasil decidiu assinar o TNP após anos de recusas e acusações ao caráter discriminatório do Tratado. Impedir o cerceamento tecnológico sempre foi o objetivo da diplomacia brasileira.

III – O Programa Nuclear Iraniano e os Interesses Brasileiros

a. Os programas de enriquecimento de urânio de Brasil e Irã e a problemática da tecnologia dual.

7 Para entender os paradigmas da Política Externa Brasileira e a Política Externa Brasileira no Pós-Guerra Fria ver: Letícia Pinheiro, Política Externa Brasileira 1889-2002, Ed.Jorge Zahar, 2004

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Os programas nucleares de Brasil e Irã são bons exemplos da dificuldade de aplicação do artigo IV do TNP. Enquanto o Brasil lidou em 2004 com as retaliações da comunidade internacional, quando a Indústria Nuclear Brasileira (INB) declarou que estava desenvolvendo tal tecnologia, o Irã é hoje alvo de críticas e ameaças, que partem principalmente dos Estados Unidos. No caso brasileiro, o impasse foi contornado, e no final de janeiro de 2005 foi inaugurada a fábrica de enriquecimento de urânio.

Entretanto, o caso iraniano foi levado à Organização das Nações Unidas (ONU), sendo exigido pelo Conselho de Segurança o fim do programa de enriquecimento de urânio no país e adotadas sanções contra o país.

Toda a situação enfrentada por Irã e Brasil ao longo dos últimos anos reflete a problemática de se lidar com a tecnologia nuclear, mais especificamente com os bens sensíveis, de uso dual. Alguns dos grandes desafios que o Regime de Não-Proliferação Nuclear precisa enfrentar giram em torno das seguintes questões:

1. Como lidar com tecnologias que podem ser letais, mas que ao mesmo tempo garantem desenvolvimento econômico e social para países que lidam com a fome, a pobreza e doenças de todo tipo?

2. Como lidar com a oposição entre proliferação e desenvolvimento, uma vez que no mundo atual, em que os recursos são escassos e a poluição afeta a qualidade de vida, a energia nuclear pode ser uma grande solução?

3. Como lidar com a dificuldade enfrentada pela AIEA e por toda a comunidade internacional em garantir transparência nos programas nucleares dos diferentes países e conseguir realizar verificações, monitoramento e aplicações de salvaguardas de forma eficaz?

Com a crise do petróleo em 1970, o interesse pela tecnologia nuclear cresceu e as preocupações com a difusão de tecnologia sensível pelo mundo aumentaram. Ao mesmo tempo em que se buscava um maior controle da não-proliferação dos materiais nucleares, os países em desenvolvimento defendiam o seu direito de acesso à tecnologia nuclear pacífica. A principal discussão sobre a não-proliferação nuclear centrava-se no entrave que a falta de acesso aos materiais nucleares poderia causar nos países em desenvolvimento.

Atualmente, as discussões sobre o acesso à tecnologia nuclear também estão focadas em desenvolvimento. Os países desenvolvidos não negam o direito de utilização de energia nuclear pelos países em desenvolvimento, mas afirmam que não é necessário que esses países possuam o conhecimento de todas as fases do ciclo do combustível e se oferecem como exportadores do urânio enriquecido para os reatores

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nucleares. O argumento é que aquele país que detém a tecnologia completa do ciclo do combustível nuclear poderá utilizá-la tanto para a produção de armas quanto para a utilização pacífica de energia nuclear.

Em contrapartida, os países em desenvolvimento defendem que não podem ficar dependentes das exportações dos países desenvolvidos. Ao invés de estarem sujeitos ao cartel do petróleo estariam sujeitos ao cartel do urânio. Além disso, países como o Brasil, que possuem enormes reservas de urânio, não querem ficar dependentes de outros países e sim aproveitar o potencial existente, garantindo maior autonomia no setor energético.

Considerando a necessidade de alternativas energéticas, uma vez que as reservas de óleo e gás vêm declinando a cada dia, a preocupação com o meio ambiente e o reduzido potencial hidrelétrico mundial, a energia nuclear passa a ser uma das melhores alternativas para o problema energético global. Enquanto a sua capacidade poluidora ainda é contestada, a sua alta capacidade de produção energética é realidade. É justamente a busca pela aquisição de usinas nucleares por parte de países em desenvolvimento que torna a energia nuclear um problema para a proliferação de armas nucleares.

O principal desafio da AIEA nos últimos tempos é conseguir realizar seu trabalho de monitoramento e de fiscalização para garantir que a tecnologia nuclear está sendo utilizada de forma pacífica pelos países não detentores de armas nucleares. As discussões em relação à posse de armas nucleares pelo Iraque, em 2003, e a posterior guerra dos Estados Unidos contra esse país são o melhor exemplo de que a monitoração e o controle não são tão fáceis de efetivar.

Passados 40 anos da realização do Tratado de Não-Proliferação Nuclear as discussões continuam girando em torno do mesmo problema: Por que alguns países podem ter acesso e outros não? Por que alguns países são confiáveis e outros não? Por que Irã, Iraque, entre outros recebem esse tipo de tratamento da comunidade internacional e outros países não?

b. Mediação Brasileira no caso Iraniano. O que está sendo defendido?

Considerando as questões apresentadas acima, podemos afirmar que a mediação brasileira no caso Iraniano defende as disposições do artigo IV do TNP. Não se tratam de semelhanças ideológicas com o regime iraniano, mas sim no compartilhamento de

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um direito garantido por um Tratado assinado pelas mesmas potências que querem impedi-lo.

O Brasil compartilha do mesmo desejo que os demais membros do Conselho de Segurança: a segurança de que as atividades nucleares desenvolvidas pelo Irã tenham finalidade unicamente pacífica. Contudo, diferente das outras potências, a diplomacia brasileira sustenta que a forma como isso deve ser garantido é através da negociação e não da intervenção.

Conforme defendido pela embaixadora do Brasil na ONU, Maria Luiza Viotti, as sanções aplicadas ao Irã anteriormente não foram suficientes para que o país cooperasse. Por que cooperaria agora?

Os proponentes da resolução afirmam que o objetivo não é punir o Irã, e sim trazê-lo à mesa de negociação, mas não explicam como é que se pretende obter cooperação pela via de novas sanções. Na verdade, pelo acordo feito por Brasil, pela Turquia e pelo Irã em maio, Teerã já voltou às negociações - e fez suas ofertas. As sanções podem, isso sim, dificultar a continuidade do diálogo. A penosa experiência no caso do Iraque serve para ilustrar o perigoso caminho a que pode levar uma espiral de sanções. (Viotti, 2010)

O governo brasileiro acredita que o direito de desenvolver tecnologia nuclear para fins pacíficos não deve ser concedido de forma seletiva. Considerando que todos os Estados signatários do TNP possuem as mesmas obrigações e os mesmo direitos, não é possível que a abordagem seja diferente de um país para o outro.

Nesta perspectiva, cabe destacar, ainda, que os países signatários do TNP deveriam receber um tratamento diferenciado em relação àqueles que não são signatários: Israel, Índia e Paquistão. No entanto, a Índia possui um acordo de cooperação nuclear com os Estados Unidos e Israel uma relação privilegiada. É possível aceitar a aplicação de sanções a países signatários do TNP enquanto os não-signatários parecem possuir vantagens? E, conforme mencionado anteriormente, o que fazer com as promessas de desarmamento não cumpridas?

Aceitar a aplicação de sanções ao Irã seria abrir um precedente para que, futuramente, outros países recebessem esse mesmo tratamento, inclusive o Brasil. É claro que não podemos comparar a forma como o Irã e o Brasil são percebidos no cenário internacional. No entanto, ao concordar com esse tipo de tratamento os tomadores de decisão brasileiros estariam corroborando com a tese de que a tecnologia de enriquecimento de urânio não pode ser desenvolvida e que só apenas o seleto grupo dos Estados “responsáveis” pode ter controle desse tipo de material.

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Nesse sentido, aceitaríamos a possibilidade de cerceamento tecnológico, enquanto as potências nucleares continuam com a promessa de desarmamento sem data definida. Alguém poderia dizer que, recentemente, Estados Unidos e Rússia fizeram um acordo de redução deseus arsenais. Contudo, esse acordo não tem grande significado prático, pois os dois países ainda possuem quantidades suficientes de armas nucleares para destruir o mundo.

A diplomacia brasileira defende a seguinte tese:

O desarmamento e a não-proliferação são processos interdependentes e que se reforçam mutuamente. Desarmamento e não-proliferação são as duas faces de uma mesma moeda. O país busca manter a prioridade do processo de desarmamento nuclear, frisando a necessidade de adoção de medidas concretas que traduzam o seu compromisso com a eliminação completa dessas armas, conforme as obrigações que as potências nucleares assumiram no âmbito do TNP (Ministério das Relações Exteriores, 2010).

Dessa forma, observamos que a mediação brasileira na questão nuclear iraniana segue à risca a diplomacia nuclear e a política externa brasileira. Continuamos defendendo as mesmas idéias de 40 anos atrás. Talvez a única diferença esteja na abordagem, muito mais incisiva no atual contexto, mas não contraditória.

c. Como a Estratégia Nacional de Defesa está inserida nesse contexto?

A Estratégia Nacional de Defesa (END) é um documento elaborado pelo governo brasileiro que determina ações estratégicas de médio e longo prazo com objetivo de modernizar a estrutura nacional de defesa. Uma das diretrizes da END é fortalecer três setores de importância estratégica para o Brasil: cibernético, espacial e nuclear.

Conforme descrito na END, a tecnologia nuclear é importante tanto para o setor de defesa quanto para o desenvolvimento do Brasil. Ao falar do setor de defesa, a Estratégia não está se referindo a armamentos nucleares, mas a submarinos de propulsão nuclear, mais velozes e com maior autonomia de submersão. Em relação a desenvolvimento, destaca-se o aproveitamento das jazidas de urânio e o aproveitamento do potencial energético advindos dessa tecnologia.

Assim, o domínio das etapas do ciclo do combustível nuclear e a autonomia nesse setor são vitais para garantir os objetivos estabelecidos na END. O Brasil deseja garantir o acesso à tecnologia nuclear com total concordância ao TNP, observando os direitos e obrigações acordados por todos os Estados-parte do Tratado.

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O Brasil zelará por manter abertas as vias de acesso ao desenvolvimento de suas tecnologias de energia nuclear. Não aderirá a acréscimos ao Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares destinados a ampliar as restrições do Tratado sem que as potências nucleares tenham avançado na premissa central do Tratado: seu próprio desarmamento nuclear”

(Estratégia Nacional de Defesa, 2007).

Sendo assim, defender uma solução pacífica para a problemática do Irã, sem sanções ou possíveis intervenções é defender que o mesmo tipo de situação não ocorra futuramente com o Brasil. Defender uma solução negociada, o diálogo e a cooperação é defender os preceitos do artigo IV do TNP, o tratamento igual a todos os Estados signatários, como também está definido na própria END.

IV – Conclusões

A mediação realizada pelo Brasil é coerente com dois objetivos:

1. Defesa das disposições do TNP, principalmente o cumprimento dos artigos IV e VI;

2. Defesa da END, que em suas diretrizes reforça os ideais brasileiros de não ter um acordo discriminatório, que defenda privilégios para alguns Estados, imponha obrigações ou sanções para outros, em detrimento dos interesses legítimos garantidos pelo próprio TNP, sendo equânimes para todos os partícipes.

O voto contrário às sanções impostas ao programa nuclear do Irã não é um voto favorável a este ou contrário aos EUA e União Européia. É um voto que prioriza a negociação, a solução pacífica de controvérsias.

A diplomacia brasileira não é favorável à produção de armas de destruição em massa, mas sim à cooperação, de modo a buscar o melhor resultado possível que respeite o direito soberano das Nações. Não poderíamos aceitar o cerceamento tecnológico e, por conseguinte, a dependência que as potências nucleares desejam impor.

Diante do exposto, percebemos que ao mediar a situação com o Irã estamos, na verdade, buscando garantir os direitos dos países em desenvolvimento, em especial do próprio Brasil. A posição do Brasil é congruente com a Política Externa Brasileira, com a estratégia Nacional de Defesa e com o Tratado de Não-Proliferação Nuclear.

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V – Referências Bibliográficas

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https://www.defesa.gov.br/eventos_temporarios/2009/estrategia/arquivos/estrategia_def esa_nacional_portugues.pdf

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Referências

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