CORPO, GÊNERO E SEXUALIDADE: UMA EXPERIÊNCIA COM
ADOLESCENTES EM UM PROJETO DE EXTENSÃO¹
CHRISTO, Aline Estivalet de
2; KOSTULSKI, Camila Almeida
2;SERPA, Monise
Gomes
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Trabalho de Pesquisa _PROBEX
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Acadêmicas do Curso de Psicologia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil
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Decente do Curso de Psicologia do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil. Orientadora do trabalho.
E-mail: alinee_christo@hotmail.com ; monise.serpa@gmail.com
RESUMO
O presente trabalho refere-se aos resultados parciais de um projeto de extensão desenvolvido em um programa de fortalecimento familiar e comunitário, Santa Maria, RS. Este tem por objetivo apresentar, a partir de uma análise dos dados dos diários de campo, as concepções dos adolescentes dessa instituição, sobre corpo, gênero e sexualidade. Os resultados são referentes a primeira etapa do projeto que consiste no processo de favorecimento da coesão grupal. Participaram da atividade 18 adolescentes entre 10 e 15 anos. Os participantes são divididos em dois grupos, um do sexo feminino e outro masculino. Nos encontros realizados foi trabalhado a integração grupal, propondo atividades que proporcionaram reflexão e problematização sobre as concepções desses adolescentes sobre corpo, gênero e sexualidade. Percebeu-se que os grupos, conseguiram ampliar suas concepções sobre a temática em questão, porém observa-se uma necessidade de se aprofundar as concepções de corpo, gênero e sexualidade.
Palavras-chave: Adolescentes; Corpo; Gênero; Sexualidade.
1. INTRODUÇÃO
Este estudo tem por objetivo analisar as concepções sobre corpo, gênero e sexualidade dos adolescentes, que participam do programa de fortalecimento familiar e comunitário, em Santa Maria, RS. Para fundamentar esse trabalho utilizou-se conceitos sobre corpo, gênero e sexualidade de autores que se abordem dentro da perspectiva das pedagogias culturais. Tal perspectiva foi escolhida por pode-se pensar que o corpo produz continuamente um sentido, inserindo-se no espaço social, longe de ser apenas algo de
ordem biológica, terá sempre uma dimensão social e cultural (LOURO, 2010). Nesse sentido Louro (2000) acrescenta que, assim como o corpo, a sexualidade também é socialmente estabelecida e codificada. Ainda para a autora não existe natureza humana fora da cultura e falar de relações de gênero envolve características valores atribuídas ao feminino e masculino, implicadas socialmente.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
Na sociedade atual percebe-se uma mudança gradual na concepção de sujeito. Isso ocorre devido a uma maior diversidade de identidade, que aos poucos vai sendo aceita através da ruptura com padrões socialmente impostos (LOURO, 2010). Uma dessas concepções é o corpo, que para Goellner (2010), é composto por uma rede de significados, imagens, sentidos, ideologias, sentimentos, em constante transformação, tendo, portanto, um caráter passageiro, incerto, intempestivo, em constante devir. Além disso, o corpo é contruído pela linguagem, não só pelo que dele se diz, mas também, pelo que é, e pelo que reflete (LOURO, 2010).
Segundo Louro (2000), não há como negar a presença de sujeitos, nos espaços sociais, que divergem da norma institucionalizada e hegemônica relativa às questões de gênero e sexualidade. Isso porque, são construídos através de inúmeras aprendizagens e práticas, empreendidas por um conjunto inesgotável de instâncias sociais e culturais, de modo explícito ou implícito, em um processo sempre inacabado. Na contemporaneidade, essas instancias se reconstroem, como também, são modificados os significados que lhes são atribuídos. Além disso, a autora coloca que a sexualidade de homens e de mulheres está relacionada à sua afetividade e às diferentes expressões desta, seja entre homens, entre mulheres ou entre ambos. Nessa sexualidade, demonstram-se, também, as relações de gênero que são vivenciadas de modos distintos por ambos os sexos.
A identificação das diferenças de gênero ou de sexualidade são percebidas como marcas que preexistem nos corpos dos sujeitos e que servem para classificá-los. Esse identificação permite compreender que toda e qualquer diferença é sempre atribuída no interior de uma dada cultura e que determinadas características podem ser valorizadas como distintivas e fundamentais numa determinada sociedade e não terem o mesmo significado em outra. A nomeação da diferença é a demarcação de uma fronteira entre o sujeito e essa cultura (LOURO, 2010).
Essa demarcação de fronteiras pode gerar conflitos entre os sujeitos, pois segundo Louro (2010), na constituição de diferenças na imagem corporal e nas identidades de
gêneros, os sujeitos e as práticas culturais que não ocupam o lugar de estabilidade e universalidade acabam recebendo as marcas da particularidade, diversidade e instabilidade.
3. METODOLOGIA
Esse trabalho foi realizado a partir da análise dos dados dos diários de campo a respeito das atividades desenvolvidas por um projeto de extensão, em um programa de fortalecimento familiar e comunitário. Participaram da atividade 18 adolescentes entre 10 e 15 anos, sendo 10 meninos e oito meninas. Os participantes foram divididos em dois grupos, um do sexo feminino e outro masculino. Cada grupo teve encontros semanais com duração de uma hora e meia. Nos encontros realizados até o presente momento foi trabalhado a coesão grupal, propondo atividades que proporcionaram reflexão e problematização sobre as concepções desses adolescentes sobre corpo, gênero e sexualidade.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Corpo: a construção da imagem corporal
Para Andrade (2010), o corpo está constantemente aprendendo na relação, na interação com o outro (a família, o grupo de amigos, o par amoroso). Este outro pode materializar-se ainda através da mídia em geral e dos modelos idealizados que ela apresenta. Pode-se exemplificar essa idéia da autora no grupo feminino, pois a maioria das participantes está apresentando características disso, como usar sapatos de salto alto que são das mães ou irmãs mais velhas. Além disso, estão constantemente comparando suas medidas de busto, quadris e coxas, bem como relatam descontentamento por sua aparência em relação à outra participante ou a alguma personalidade famosa. Dessa forma,segundo Louro (2000), a mídia está exercendo o papel de pedagogia cultural, para algumas participantes do grupo.
A imagem corporal deve ser compreendida como resultante da influência que o ambiente exerce sobre o sujeito, pois envolve o outro, e muitas vezes, ajuda a construir essa própria imagem (GOELLNER, 2010). Isso pode ser exemplificado em ambos os grupos, pois tanto as meninas quanto os meninos se identificam através das roupas e acessórios semelhantes, bem como corte e penteado de cabelo igual. Percebe-se que esses adolescentes influenciam uns aos outros, quando se trata da construção de sua imagem corporal.
Na nossa cultura, observamos imagens de corpos que nos são apresentadas e ditas constantemente. Nas passarelas, no teatro, na dança, nos esportes, nas revistas, e pela publicidade, na televisão, o corpo, ao mesmo tempo em que se exibe e é exibido, tornando-se também objeto de diferentes antornando-seios e detornando-sejos de cada sujeito (FIGUEIRA, 2010). Isso pode ser observado no grupo feminino, durante uma atividade que elas tiveram que fazer pose para fotos, pois sem combinações e espontaneamente todas as participantes fizeram a mesma pose. Elas reproduziram o modo como as modelos geralmente posam para fotos, colocando a mão na cintura, arrumando o cabelo sobre o ombro e apresentando uma expressão facial séria e ao mesmo tempo sensual. O acontecimento descrito a cima, pode ser explicado por Neckel (2010), quando aponta a crescente erotização, que está ocorrendo através da mídia, como sendo uma possibilidade de vivenciar novas formas de exploração dos corpos e da sexualidade.
Nesse sentido Figueira (2010) acrescenta que os corpos se tornaram mais visíveis e foram, também, objetos de investigação. Sobre eles se criam imagens, discursos, formas de admirá-los, de negá-los, de representá-los. Pode-se exemplificar a idéia da autora no grupo masculino, quando observou-se em alguns participantes uma certa preocupação com a forma física. Um dos comportamentos foi ficar medindo e comparando, entre si, o tamanho do músculo dos braços.
Gênero: uma exigência social
As concepções de gênero sublinham o significado dos papéis que cada indivíduo executará socialmente, como a maneira de pensar, agir, vestir-se e de se relacionar com o seu próprio corpo e com o do outro. A constituição dos gêneros nos corpos femininos e masculinos será realizada sempre no contexto de uma cultura, sendo, portanto, formada com as marcas dessa cultura (LOURO, 2000). Percebe-se na maioria das discussões, em ambos os grupos, que as atitudes e concepções dos participantes a respeito de gênero são muito influenciadas e regradas por uma construção social. Isso pode ser identificado na fala de uma das participantes do grupo feminino: “ Aí! Que nojo fica se tocando com mulher,
perece um bando de lésbicas”(sic).
Em relação aos corpos masculinos, em espaços de socialização, os meninos aprendem que o ser homem está calcado numa masculinidade forte, construída nas práticas esportivas, na competição e numa violência permitida (LOURO, 2000). Isso pode ser visto no grupo masculino, quando eles conseguem realizar atividades que exijam o contato físico e demonstração de afetividade, na maioria das vezes, somente através de
brigas, chutes, socos e empurrões. Ou seja, a concepção aprendida do que é ser homem, nesse gurpo tem dificultado a demonstração dos sentimentos dos participantes, em relação a afetividade e intimidade, entre eles.
Segundo Louro (2009), o padrão heterossexual é imposto mais visivelmente sobre os sujeitos masculinos e frequentemente é associado à homofobia. Nessa lógica é preciso afastar ou negar qualquer desejo que não esteja de acordo com a norma, ou seja, é cultivado o medo e aversão a homossexualidade. Pode-se observar que esse padrão heterossexual está fortemente presente no grupo masculino, pois os próprios participantes relatam terem dificuldades em realizar algumas atividades que exijam afetividade e contato
físico, devido ao fato de se considerarem “machistas”, portanto não podem se sentir
confortáveis com tais atitutes. Os participantes relatam sentir vergonha ao realizar alguma tarefa que não estão acostumados a fazer, pois é entendida como sendo pertencente ao gênero oposto. Como pode-se ver na fala de um dos participantes do grupo masculino, a seguir: “Isso é coisa de guria, a gente não pode se abraçar porque somos muito machistas”
(sic).
4.3 Sexualidade: uma nova descoberta
A sexualidade, atualmente, pode ser entendida como uma forma de linguagem, rituais, fantasias, representações, símbolos, convenções sociais, entre outros. Sendo assim, um processo cultural e social, atribuídos a conduta do sujeito (LOURO, 2000). Percebe-se que, inicialmente, os grupos entendiam sexualidade apenas como equivalente ao ato sexual. Ao decorrer dos encontros os participantes, aos poucos, estão demonstrando outras concepções, observando a existência da sexualidade também na afetividade de um toque ou um carinho. Percebeu-se tal fato no grupo masculino, quando surgiu uma discussão
sobre assistir filmes pornográficos e um dos participantes relatou: “Pode assistir filme pornô,
sim! Faz parte da nossa sexualidade né?” (sic).
Quando se discute a construção de homens e mulheres, percebe-se que, há um investimento continuado e produtivo desses sujeitos quanto às determinações das suas formas de ser como, também, do modo como se vive a sexualidade (LOURO, 2000). Pode-se obPode-servar no grupo masculino os participantes Pode-se esforçam para asPode-segurar sua sexualidade, contando sobre suas experiências, parecendo, assim, reafirmarem a sua heterossexualidade. Prova disso, foi quando um dos participantes relatou: “Eu já peguei
Segundo Louro (2009), o padrão heterossexual é imposto mais visivelmente sobre os sujeitos masculinos e frequentemente é associado à homofobia. Porém, percebeu-se que esse padrão também está presente no grupo feminino. Isso pode ser exemplificado quando o grupo iniciou uma discussão sobre comportamento homossexual, após participarem de uma atividade que exigia o contato físico entre elas, tais como: beijo no rosto, toque de mãos e abraços. Questionaram tal ação como sendo uma prática homossexual e, que cotidianamente se elas tivessem esse comportamento seriam julgadas como lésbicas. Isso fica evidente na fala de uma das meninas, a seguir: “A gente fazer isso é estranho, vão
pensar que a gente é lésbica!” (sic).
5. CONCLUSÃO
Nessa primeira etapa do projeto, pode-se perceber que inicialmente os participantes tinham concepções muito restritas a respeito de corpo, gênero e sexualidade. Eles atribuíam a concepção de corpo apenas os aspectos biológicos. Quanto ao gênero relatavam apenas aspectos biológicos, na distinção entre os sexos. Já em relação a sexualidade era associada apenas ao ato sexual. Ao decorrer dos encontros observou-se uma mudança significativa nessas concepções, pois os participantes já conseguem problematizar e ampliar o seu entendimento sobre a temática.
Dessa forma, constatou-se que as concepções de gênero estão fortemente presente, tanto no grupo feminino quanto no masculino, isso parece estar relacionado com as normas e valores construídos socialmente. Essas construções sociais são muito difíceis de serem, problematizadas, sendo assim um dos desafios do projeto.
A partir da análise realizada nesse trabalho, percebe-se a necessidade de se aprofundar as atividades de reflexão e problematizarão sobre as concepções de corpo, gênero e sexualidade. Os participantes encontram-se na adolescência, uma fase do desenvolvimento, marcada por diversas mudanças que afetam diretamente na construção do sujeito, principalmente transformações no corpo e na construção da imagem corporal; identificação de gênero e descoberta da sexualidade. Como também, identificar quais dessas concepções podem estar favorecendo a violência entre os adolescentes e com isso trabalhar práticas de prevenção para o enfrentamento dessa realidade.
REFERÊNCIAS
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FIGUEIRA, M. L. M. A revista capricho e a produção de corpos de adolescentes femininos. In: LOURO, G. L.; FELIPE, J.; GOELLNER, S. V. Corpo, Gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na Educação. 5 ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2010. p. 124-135.
GOELLNER, S. V. A produção cultural do corpo. In: LOURO, G. L.; NECKEL, J. F.; GOELLNER, S. V. Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. 5 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. p. 28-40.
LOURO, G. L. Corpo Educado: pedagogias da sexualidade. 2 ed. Belo Horizonte, 2000.
LOURO, G. L. Heteronormatividade e homofobia. In: JUNQUEIRA R. D. Diversidade sexual na educação: problematizações sobre a homofobia nas escolas. Brasilia: Ministério da educação, Secretaria de educação continuada, Alfabetização e diversidade, UNESCO, 2009.
LOURO, Guacira Lopes, Pedagogias da sexualidade. In: LOURO, G.L (Org.), O Corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p.7-34.
LOURO, G. L. Currículo, gênero e sexualidade: o “normal”, o “diferente” e o “excêntrico”. In: LOURO, G. L.; NECKEL, J. F.; GOELLNER, S. V. Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. 5 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. p. 41-52.
LOURO, G. L. Gênero e sexualidade: pedagogias contemporâneas.
Pro-Posições vol.19 Campinas, 2008. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73072008000200003&lang=pt Acesso em: 06/08/2011.
NECKEL, J. F. Erotização dos corpos infantis. In: LOURO, G. L.; NECKEL, J. F.; GOELLNER, S. V. Corpo, gênero e sexualidade: um debate contemporâneo na educação. 5 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. p. 53-65.