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Da leitura imposta à leitura disposta: mediação pedagógica da leitura literária no ensino fundamental

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Academic year: 2022

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CARLA CARVALHO PEDROSO

DA LEITURA IMPOSTA À LEITURA DISPOSTA: MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA DA LEITURA LITERÁRIA NO ENSINO FUNDAMENTAL

RIO GRANDE 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

ÁREA: ESTUDOS DA LINGUAGEM

LINHA DE PESQUISA: AQUISIÇÃO, APRENDIZAGEM E ENSINO DE LÍNGUAS

DA LEITURA IMPOSTA À LEITURA DISPOSTA: MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA DA LEITURA LITERÁRIA NO ENSINO FUNDAMENTAL

CARLA CARVALHO PEDROSO

ORIENTADOR: Prof. Dr. Valter Henrique de Castro Fritsch

Dissertação de mestrado em Estudos da Linguagem submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Letras.

RIO GRANDE 2021

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Ficha Catalográfica

P372l Pedroso, Carla Carvalho.

Da leitura imposta à leitura disposta: mediação pedagógica da leitura literária no Ensino Fundamental / Carla Carvalho Pedroso. – 2021.

153 f.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande – FURG, Programa de Pós-Graduação em Letras, Rio Grande/RS, 2021.

Orientador: Dr. Valter Henrique de Castro Fritsch.

1. Letramento Literário 2. Leitura Literária 3. Mediação Pedagógica 4. Linguística Aplicada Crítica 5. Estudo de Crenças I. Fritsch, Valter Henrique de Castro II. Título.

CDU 028:37.046.12 Catalogação na Fonte: Bibliotecário José Paulo dos Santos CRB 10/2344

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CARLA CARVALHO PEDROSO

DA LEITURA IMPOSTA À LEITURA DISPOSTA: MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA DA LEITURA LITERÁRIA NO ENSINO FUNDAMENTAL

Dissertação de mestrado aprovada pela Comissão de Avaliação como requisito parcial e último para a obtenção do título de Mestre em Letras, área de concentração em Estudos da Linguagem, do Programa de Pós-Graduação em Letras, da Universidade Federal do Rio Grande.

Rio Grande, 07 de junho de 2021.

Banca Examinadora:

___________________________________

Prof. Dr. Valter Henrique de Castro Fritsch – FURG (Orientador e Presidente da Banca)

___________________________________

Profa. Dra. Kelli Machado da Rosa – FURG (Membro da Banca)

___________________________________

Profa. Dra. Luciane Moreira Oliveira – IFRS-Canoas (Membro da Banca)

___________________________________

Profa. Dra. Sandra Sirangelo Maggio – UFRGS (Membro da Banca)

(5)

AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha família por todo o apoio, por sempre me incentivar e acreditar em mim. Agradeço ao meu irmão por ser meu cúmplice na vida, por me fazer rir e por me ensinar tanto.

Agradeço ao meu companheiro por todo o incentivo, apoio, carinho e paciência nos dias difíceis.

Agradeço imensamente ao meu orientador, Prof. Dr. Valter Fritsch, por me acolher como orientanda desde o primeiro momento, por toda a ajuda, apoio, compreensão, por acreditar em mim e, especialmente, por me inspirar a evoluir: como acadêmica, como educadora e como ser humano. Sem ele, este trabalho não teria sido possível.

Agradeço aos demais professores do Mestrado em Letras – Estudos da Linguagem, com quem aprendi muito no percurso até aqui.

Agradeço à Isabel Mendes Faria, secretária do PPGLetras, por estar sempre disposta a ajudar os discentes com muito carinho.

Agradeço imensamente às professoras que, com boa vontade, disponibilizaram um momento do seu tempo e se dispuseram a participar da pesquisa. Sem elas, este trabalho não seria possível.

Agradeço aos colegas de curso, com quem compartilhei alegrias e desafios, pela parceria e incentivo mútuos que tornaram a caminhada menos solitária.

Agradeço a todos os amigos e familiares que torceram e torcem por mim.

Obrigada!

(6)

Os poemas são pássaros que chegam não se sabe de onde e pousam no livro que lês.

Quando fechas o livro, eles alçam voo como de um alçapão.

Eles não têm pouso nem porto;

alimentam-se um instante em cada par de mãos e partem.

E olhas, então, essas tuas mãos vazias,

no maravilhado espanto de saberes que o alimento deles já estava em ti.

Mario Quintana

(7)

RESUMO

A leitura de textos literários, no contexto escolar brasileiro, é historicamente vivenciada pelos alunos como uma tarefa imposta e, muitas vezes, desagradável, que tanto pode afastá-los quanto, em raras vezes, aproximá-los do contato com os livros. No entanto, por representar para muitas crianças e jovens a única oportunidade de acesso aos livros, a escola desempenha papel fundamental na formação de leitores. Motivado por esse conflito, o presente trabalho de pesquisa busca investigar as questões que perpassam o ensino de leitura literária na escola através da revisão bibliográfica da literatura pertinente ao letramento literário e investigação das crenças de oito professoras de língua portuguesa e literatura de duas escolas de ensino fundamental da rede pública de ensino do município de Rio Grande no estado do Rio Grande do Sul. A coleta de dados dá-se através de entrevista semiestruturada com as participantes. Verifica-se diversos fatores que contribuem para o insucesso das práticas de letramento literário no ensino fundamental, tanto na dimensão do ensino de literatura na escola, quanto na dimensão da formação de professores. Realiza-se o levantamento dos fatores encontrados e destaca-se a descontinuidade do processo de letramento literário no ensino fundamental.

Palavras-chave: Letramento literário – Leitura literária – Mediação pedagógica – Linguística aplicada crítica – Estudo de crenças

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ABSTRACT

The reading of literary texts, in the Brazilian school context, is historically experienced by students as an imposed and, often, unpleasant task, which can either alienate them or, on rare occasions, bring them closer to contact with books. However, as it represents for many children and young people the only opportunity to access books, the school plays a fundamental role in the training of readers. Motivated by this conflict, the present research work seeks to investigate the issues that permeate the teaching of literary reading in the school through the bibliographic review of the literature pertinent to literary literacy and investigation of the beliefs of eight teachers of Portuguese language and literature from two fundamental schools of the public school system in the city of Rio Grande in the state of Rio Grande do Sul. Data collection takes place through semi-structured interviews with the participants. There are several factors that contribute to the failure of literary literacy practices in elementary education, both in the dimension of teaching literature at school, and in the dimension of teacher training. A survey of the factors found is carried out and the discontinuity of the literary literacy process in elementary education is highlighted.

Keywords: Literary literacy - Literary reading - Pedagogical mediation - Critical applied linguistics - Study of beliefs

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 10

1 LEITOR, LEITURA E LETRAMENTO LITERÁRIO 16

1.1 Letramento 16

1.2 Novos Estudos de Letramento 18

1.3 Letramento literário 20

2 A LINGUÍSTICA APLICADA CRÍTICA E O ESTUDO DE CRENÇAS

31

2.1 Linguística aplicada 31

2.2 A Linguística Aplicada Crítica e o Ensino de Leitura Literária

32

2.3 Estudos sobre crenças 36

3 METODOLOGIA E ANÁLISE DAS ENTREVISTAS DE PESQUISA

41

3.1 Metodologia da pesquisa 41

3.2 Crenças sobre o interesse dos alunos pelas atividades de leitura

42 3.3 Crenças sobre a responsabilidade da escola na

formação de leitores literários

49 3.4 Crenças sobre o papel do professor na mediação da

leitura literária e formação de leitores

52 3.5 Crenças sobre as práticas que contribuem para a

formação de leitores na escola

53 3.6 Crenças sobre as práticas que desestimulam o gosto

pela leitura

56 3.7 Crenças sobre a disponibilidade de textos e os

critérios de seleção

58

CONCLUSÃO 63

REFERÊNCIAS 68

ANEXO 1 - ENTREVISTAS 71

ANEXO 2 - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

150

ANEXO 3 - GUIA PARA ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA

153

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SUMÁRIO DE IMAGENS

Imagem 1 Quadro 1 – Diferentes Termos e Definições para Crenças

sobre Aprendizagem de Línguas 37

Imagem 2 Quadro 2: Contexto da pesquisa e perfil dos participantes 41

(11)

10 INTRODUÇÃO

“Eu, por exemplo, gosto do cheiro dos livros. Gosto de interromper a leitura num trecho especialmente bonito e encostá-lo contra o peito, fechado, enquanto penso no que foi lido. Depois reabro e continuo a viagem. (…) Gosto do barulho das páginas sendo folheadas. Gosto das marcas de velhice que o livro vai ganhando: (…) a lombada descascando, o volume ficando meio ondulado com o manuseio. Tem gente que diz que uma casa sem cortinas é uma casa nua. Eu penso o mesmo de uma casa sem livros.”

- Martha Medeiros, Liberdade Crônica

Desde a infância tenho com os livros uma relação estreita, com alguns (os preferidos), diria que é uma relação de afetividade. Vejo esses livros como amigos com quem converso, ou um refúgio onde encontro abrigo. Lembro com carinho do Sapo amarelo de Mário Quintana, o primeiro livro que ganhei em uma feira do livro, e a “quem” eu recorria sempre que precisava de palavras de conforto. As bibliotecas, por sua vez, sempre foram lugares especiais para mim, onde eu geralmente perco a noção do tempo caminhando entre as estantes e lendo os títulos, escolhendo as próximas leituras.

O livro é, talvez, o símbolo mais completo, ou é, pelo menos, o artefato mais lembrado quando pensamos em estudos na área de Letras. Como poeticamente sugere Martha Medeiros na epígrafe que abre esta introdução, ele pode ser o romântico objeto de desejo e fascínio para todos aqueles que descobriram o prazer do hábito da leitura, mas pode também causar estranhamento e repulsa através das diversas domesticações pelas quais tem passado, especialmente nos bancos escolares. O presente trabalho é uma jornada pessoal de uma leitora e professora em busca de (re)significações do ato da leitura literária, especialmente àqueles tangenciados pela escola.

A importância da leitura é um consenso dentro e fora do âmbito escolar, mesmo que muitas pessoas desconheçam a sua razão. A leitura, especialmente a literária, pode contribuir em diversos aspectos para a formação daquele que lê, como o exercício da intersubjetividade, da imaginação, a construção da identidade, o contato com múltiplas culturas e a extensão do horizonte de referência, conforme defende a estudiosa Michèle Petit, em seu famoso livro Os Jovens e a Leitura (2009).

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11 Recordo-me ainda de assistir em uma entrevista à Globonews1, a professora Marisa Lajolo (2015), afirmando que a escola é o ponto de partida para desenvolver o prazer da leitura, e que ensinar esse prazer à leitura é um trabalho árduo, pois ele não é inato. Em consonância com Lajolo, consideramos que a escola desempenha um papel essencial na formação de leitores e no incentivo à leitura literária, visto que é, para muitos, a única oportunidade de acesso aos livros.

No entanto, a leitura, no contexto escolar brasileiro, é historicamente vivenciada pelos alunos como uma tarefa imposta, domesticada e muitas vezes vista como desagradável, que tanto pode os afastar quanto, em raras vezes, os aproximar, conforme também comenta Lajolo. A pesquisadora aponta para a importância do professor, mais até do que da obra a ser trabalhada, para que a atividade de leitura seja significativa e afirma que o professor precisa ser um bom leitor para que seja possível ensinar leitura. (LAJOLO, 1991).

Michèle Petit (2009) também discorre sobre a importância do papel do mediador de leitura, seja ele o professor, bibliotecário, amigo ou familiar. Segundo a autora, o mediador é tão importante na iniciação à leitura, quanto na manutenção do hábito de ler, ajudando o leitor a transpor as barreiras que surgirão.

Apesar das políticas de incentivo à leitura promovidas pelo governo nas últimas décadas e do discurso consensual da sociedade, pouco se percebe efetivamente como mudanças no cenário. Jovens concluintes do ensino básico, em sua maioria, não são leitores literários e, o que é ainda mais grave, muitos apresentam dificuldades de compreensão de textos, mesmo os mais simples.

Além do prazer proporcionado pela leitura literária, ela também é importante por contribuir em vários aspectos para a formação do indivíduo que lê, seja adulto ou criança. No entanto, para que possa haver o interesse em ler e a possível formação do hábito da leitura é preciso incentivo, estímulo e acesso aos livros - que nem todos têm – e, mesmo assim, não podemos assegurar que tendo acesso a tais estímulos, o indivíduo desperte para o prazer da leitura literária. Aqui é importante ressaltar que não vejo a palavra prazer unicamente associada a sentimentos agradáveis e sim ao intercâmbio de fruição que pode acontecer quando lemos uma obra literária e que pode atuar na promoção de diferentes sentimentos, pensamentos e memórias que podem ser evocadas quando do ato da leitura.

1 https://www.youtube.com/watch?v=jIuXWzX0dNQ&t=374s

(13)

12 Acredito que a escola é, para muitos, a única oportunidade de contato com a leitura literária e, através da biblioteca escolar, é possível ter acesso a uma variedade de títulos que não seria possível fora dali. Nesse contexto, destaca-se o papel fundamental do professor como promotor da leitura literária e como mediador entre o aluno-leitor e os livros.

O ensino de literatura é um campo ainda pouco explorado em pesquisas e publicações. Amorim (2017) chega a mencionar a inexistência de revistas acadêmicas que tenham como objetivo principal a publicação de artigos sobre o ensino de literaturas. A área de Estudos Literários tem dado ênfase nas últimas décadas aos estudos em Literatura Comparada, Historiografia Literária e Teorias Críticas, tais como o feminismo e o decolonialismo, aplicadas a textos literários, deixando pouco ou nenhum espaço para as reflexões sobre o ensino. Encontrando essa lacuna na área de Estudos Literários, o ensino de literatura vem, recentemente, sendo incorporado à área dos Estudos da Linguagem, que tem buscado refletir sobre os fazeres que tangenciam o ensino e a aprendizagem da literatura no espaço escolar.

A Linguística Aplicada Crítica (LAC), que tem ampliado o seu escopo de pesquisa, é uma das abordagens que agregou o ensino de literatura aos seus objetos de interesse, graças aos estudos de letramento literário. Ultrapassando o conceito de interdisciplinaridade, a LAC caracteriza-se, de acordo com Moita Lopes (2006), como uma disciplina mestiça, ideológica e indisciplinar. Pensar em modos diferentes de teorizar a linguagem e as relações por ela atravessadas tem sido uma constante nos estudos de Linguística Aplicada, tal como são vistos nos dias de hoje. A relação interdisciplinar tem extrapolado fronteiras de saberes criando um caráter de mestiçagem, na busca de um campo do saber que se proponha a entender os fenômenos da linguagem sem excluir os sujeitos que dela fazem uso. E os ganhos não poderiam ser maiores - com uma linguística que se propõe a baixar a guarda de suas fronteiras e que não deseja criar redutos do saber, a LAC tem apostado em um diálogo frutífero com as teorias críticas e diferentes correntes ideológicas na tentativa de dar conta dos fenômenos da linguagem em seus diferentes contextos.

Nas últimas décadas, o Brasil tem voltado a atenção para a formação de leitores e o incentivo à leitura, tarefas nas quais a escola desempenha papel fundamental, sendo muitas vezes o único elo entre a criança e os livros. No entanto, apesar do intento, a maioria dos jovens que completa o ensino básico não apresenta o hábito

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13 ou o interesse em ler. Segundo Zilberman (2012, p.14), “enquanto o público leitor, em especial o infantil, eleva-se quantitativamente, constata-se sua evasão, isto é, o decréscimo de seu interesse por livros.”. Quer dizer, essas crianças estão formando- se leitoras, mas não permanecem leitoras.

O público heterogêneo que forma hoje os corpos discentes das escolas brasileiras trazem em si as marcas desta heterogeneidade e, portanto, suas vivências, práticas sociais, sentimentos, ideologias e crenças devem ser levados em consideração quando pensamos em uma educação linguística e literária humanista.

Atentar para o fato de que os fatores sociohistóricos do Brasil geraram e geriram as vivências dos alunos que chegam até nós é o mínimo que podemos fazer para começarmos a pensar em uma educação que seja realmente libertadora.

Movida pela minha trajetória como leitora e o desejo de que todos os alunos tenham a oportunidade de contato com a leitura literária e, ao menos, a possibilidade de gostar de ler, dediquei-me à realização deste trabalho de pesquisa com o objetivo de contribuir para a realização de práticas significativas de formação de leitores nas escolas de educação básica. Sendo assim, para contribuir para uma efetiva formação de leitores na escola, investigo as crenças e práticas de docentes do ensino fundamental em relação a mediação pedagógica da leitura literária e os alunos- leitores. A pesquisa proposta é de natureza qualitativa e o estudo foi feito através de abordagem investigativa e descritiva – fazendo uma revisão da literatura que aborda a mediação pedagógica da leitura literária e caracterizando as crenças e práticas dos professores envolvidos com ensino de leitura literária no ensino fundamental. O alvo do estudo são os professores de língua portuguesa e ensino globalizado de duas escolas públicas do município de Rio Grande, no estado do Rio Grande do Sul. Trata- se de um estudo das crenças dos professores mediadores de leitura literária sobre o papel da literatura na formação de seus alunos, de suas práticas de leitura e práticas pedagógicas quando estão no papel de mediadores entre o livro e os alunos-leitores.

A presente dissertação apresenta-se como um subprojeto de pesquisa do projeto Fronteiras da Leitura: O Ensino de Literatura sob a Perspectiva da Linguística Aplicada Crítica, coordenado pelo Prof. Dr. Valter Henrique de Castro Fritsch do Instituto de Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande, que busca fomentar a pesquisa sobre as práticas, as crenças e os papéis desempenhados pela literatura nas discussões sobre políticas educacionais e educação linguística nos espaços acadêmicos e escolares. O projeto investiga questões que vêm sendo

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14 varridas há muito tempo para baixo do tapete educacional tais como: qual o papel da aula de literatura na escola hoje? É possível ensinar literatura? O que ensinamos quando ensinamos literatura? O que sabemos, queremos e podemos em relação as atuais práticas escolares que permeiam a mediação pedagógica do texto literário nas escolas? Existem possibilidades pedagógicas para além da historiografia e da crítica literária? É possível potencializar a formação humanista de crianças e jovens através da aula de Literatura? Como um leitor torna-se um leitor de textos literários? Quais são as narrativas que permeiam a história da leitura e da formação de leitores? Como pensar a relação do ensino de literatura com a educação linguística e com as alteridades sociais que permeiam o ambiente escolar? Enfim, as perguntas são muitas e os caminhos para encontrar as respostas são múltiplos. Trata-se de enxergar a literatura como um texto, objeto primevo de pesquisa na área de estudos da linguagem, e que, como tal, é atravessado pelas questões que permeiam a realidade linguística construída por diferentes discursos, alteridades e contextos sociais. O objetivo central da minha contribuição como pesquisadora no projeto Fronteiras da Leitura é investigar as crenças e práticas de professores de Língua Portuguesa acerca da mediação pedagógica da leitura literária e da formação de leitores em duas escolas de ensino fundamental de Rio Grande. Para desempenhar tal tarefa, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com docentes das escolas, que foram devidamente transcritas e que se encontram no Anexo 1 desta dissertação.

A dissertação está dividida em três capítulos organizados de forma a agrupar pontos importantes que tecem os saberes aqui constituídos. O primeiro capítulo faz uma contextualização dos estudos sobre leitura no Brasil e no mundo, fazendo uma revisão bibliográfica sobre a mediação de textos literários em sala de aula. O segundo capítulo traz as contribuições da Linguística Aplicada para a interpretação dos dados obtidos nas entrevistas, dando um enfoque especial aos estudos de crenças. O terceiro capítulo aborda a metodologia empregada para a pesquisa e faz a análise e interpretação dos dados obtidos através das entrevistas.

Assim sendo, espera-se que ao realizar um estudo das práticas e crenças de professores do ensino fundamental, no que diz respeito ao ensino de leitura literária, possamos contribuir para o fomento de pesquisas e de novas práticas de mediação pedagógica do texto literário nos espaços escolares do munícipio de Rio Grande, e mesmo da região Sul do Rio Grande do Sul, destacando desta forma as práticas

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15 linguísticas e literárias para formação de leitores como práticas que devem ser do interesse de políticas públicas que visem a formação de leitores proficientes em nosso munícipio, estado e país. Espera-se, a partir de tais resultados, colaborar para a reflexão acerca da mediação pedagógica da leitura literária (curto e médio prazo), visando contribuir para que o ensino de literatura proporcione experiências significativas de leitura literária e efetiva formação de leitores literários (longo prazo).

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16

1. LEITOR, LEITURA E LETRAMENTO LITERÁRIO

1.1 Letramento

Vivemos em uma sociedade grafocêntrica em que a escrita se faz presente a todo o momento e nos mais variados espaços e contextos. Seja no letreiro do ônibus, no rótulo de um produto, em uma bula de medicação ou em um texto acadêmico, precisamos interpretar e interagir adequadamente com cada texto escrito. Em razão da ampliação das demandas sociais de uso da leitura e da escrita que não estavam sendo atendidas devidamente por indivíduos alfabetizados, o termo letramento surge para designar a competência para interagir no mundo letrado em diferentes situações que exigem mais do que saber ler e escrever apenas. Conforme explica Soares,

Esse novo fenômeno só ganha visibilidade depois que é minimamente resolvido o problema do analfabetismo e que o desenvolvimento social, cultural, econômico e político traz novas, intensas e variadas práticas de leitura e de escrita, fazendo emergirem novas necessidades, além de novas alternativas de lazer. [...] para nomear esse novo fenômeno, surgiu a palavra letramento. (SOARES, 2006, p. 46, grifo da autora).2

No Brasil, o termo letramento começou a ser usado por pesquisadores dos campos da Linguística e da Educação e a surgir em publicações na segunda metade dos anos 1980. O termo aparece no livro No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística, publicado em 1986, de autoria da linguista Mary Kato e acredita-se3 que possa ter sido ela quem cunhou a palavra em português, certamente derivada do termo em inglês literacy.

A perspectiva do letramento popularizou-se nas décadas seguintes nos campos da Educação e da Linguística graças ao crescente número de publicações e expansão da pesquisa. Apesar disso, o letramento ainda é pouco conhecido e, muitas vezes, confundido com o processo de alfabetização. Alfabetização e letramento são conceitos distintos, mas interligados, como veremos em seguida.

Segundo Soares, simplificadamente pode-se dizer que:

2 A expressão “analfabetismo funcional” também surge nesse cenário e evidencia o problema da insuficiência da alfabetização. A expressão é amplamente utilizada pelas mídias e pela população em geral.

3 Conferir SOARES (1998) e KLEIMAN (1995).

(18)

17

[...] a inserção no mundo da escrita se dá por meio da aquisição de uma tecnologia – a isso, chama-se alfabetização - e por meio do desenvolvimento de competências (habilidades, conhecimentos, atitudes) de uso efetivo dessa tecnologia em práticas sociais que envolvem a língua escrita – a isso, chama-se letramento. (SOARES, 2004, p. 89-113).

Desse modo, e considerando-se o código escrito da língua como uma tecnologia, a alfabetização corresponde ao processo de aquisição da língua escrita, enquanto o letramento é o processo – permanente – de desenvolvimento da língua oral e escrita.

Alfabetização designa a ação de alfabetizar, ou seja, de ensinar (ou aprender) a ler e a escrever. Assim, alfabetizado seria, por definição, aquele que aprendeu a ler e a escrever. No entanto, é importante ressaltar que os critérios para considerar um indivíduo alfabetizado ou não podem variar de acordo com fatores como a época e a cultura. De acordo com Soares (2006, p. 21), por exemplo, o critério utilizado durante muito tempo pelo Censo, para julgar se uma pessoa era alfabetizada, foi a capacidade de escrever o próprio nome. Anos depois, o critério passou a ser a capacidade de ler e escrever um bilhete simples, indicando a ampliação das exigências mínimas e a abrangência de uma prática social de uso da leitura e da escrita.

Letramento, por sua vez, é definido por Soares (2006, p. 18) como o “estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita”. Apropriar-se da escrita significa fazer uso da escrita (e da leitura) com propriedade e destreza, incorporá-la ao seu cotidiano, naturalizá-la.

Ainda conforme a autora, letramento diz respeito ao “desenvolvimento de comportamentos e habilidades de uso competente da leitura e da escrita em práticas sociais”. (SOARES, 2004, p. 97). Sendo assim, letramento corresponde ao uso eficiente da leitura e da escrita em contextos reais de interação na sociedade, por exemplo, ler e escrever e-mails, compreender um manual de instruções, escrever uma receita culinária, assistir ao noticiário na TV, apresentar um trabalho na escola etc.

Ser letrado, portanto, - no sentido empregado aqui – é, além de saber ler e escrever, usar socialmente a leitura e a escrita em seu cotidiano e responder adequadamente às demandas sociais de leitura e de escrita. (SOARES, 2006). É

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18 importante lembrar que o letramento é permanente, ou seja, acontece continuamente ao longo da vida. Isso ocorre porque estamos sempre em contato com diferentes práticas sociais, exigindo habilidades diferenciadas, e as próprias práticas sociais estão sujeitas a mudanças em relação ao tempo e à cultura.

A partir do conceito de letramento, compreendemos que uma pessoa pode ser alfabetizada sem que, no entanto, ela seja letrada. Porém, o contrário também é possível até certo ponto. Isso porque os processos de alfabetização e de letramento, embora interligados, são distintos. Para exemplificar, trazemos novamente Soares (2006, p. 24): segundo a autora, uma criança que ainda não foi alfabetizada, mas que costuma ouvir histórias, folhear livros, fazer de conta que lê e escreve, é de certa forma letrada, pois já “penetrou no mundo do letramento”. Da mesma forma, um adulto analfabeto que se envolve em práticas sociais de leitura e de escrita como ouvir a leitura de livros ou jornais feita por um alfabetizado, ditar cartas ou bilhetes para que um alfabetizado os escreva é, também, de certa forma letrado.

Nas palavras de Soares (2004, p. 97), “alfabetização e letramento são interdependentes e indissociáveis”. Segundo a autora:

A alfabetização só tem sentido quando desenvolvida no contexto de práticas sociais de leitura e de escrita e por meio dessas práticas, ou seja, em um contexto de letramento e por meio de atividades de letramento; este, por sua vez, só pode desenvolver-se na dependência da e por meio da aprendizagem do sistema de escrita. (SOARES, 2004, p. 97).

Desse modo, Soares defende que na etapa inicial da aprendizagem da língua o ideal é “alfabetizar letrando” ou “letrar alfabetizando”, isto é, os processos devem ser desenvolvidos simultaneamente para que o aprendizado seja efetivo.

1.2 Novos Estudos de Letramento

É importante salientar que há concepções diferentes de letramento, que subjazem as diferentes abordagens de estudos do campo. Soares (2006) relata dois enfoques do letramento: um deles volta-se para a dimensão individual do letramento, ocupando-se de questões como habilidades e competências individuais de leitura e de escrita; o outro prioriza a dimensão social do letramento, dando ênfase para as práticas sociais que envolvem as atividades de leitura e de escrita. Por sua vez, os

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19 estudiosos da dimensão social do letramento dividem-se em duas vertentes: com uma perspectiva “funcional” de letramento e com uma perspectiva “revolucionária” de letramento.

Na perspectiva funcional de letramento, as habilidades de leitura e escrita são vistas como fundamentais para o funcionamento adequado na sociedade, visando à participação dos sujeitos nas diversas atividades exigidas em seu contexto social.

Essa concepção de letramento está frequentemente atrelada à promoção do letramento como meio para atingir o progresso individual e coletivo, além de desenvolvimento cognitivo.

Como principal representante de uma perspectiva mais revolucionária de letramento, temos o antropólogo e pesquisador Brian Street. Ele amplia a concepção de letramento como prática social defendendo que, além do contexto social e cultural, as relações de poder também influenciam as práticas e, portanto, devem ser consideradas. Segundo essa percepção, não há imparcialidade no processo de letramento, visto que as práticas são permeadas pela concepção ideológica dos participantes. Desse modo, Street propõe um “modelo ideológico de letramento” para contrapor-se ao modelo dominante que ele denomina “modelo autônomo de letramento”. Essa perspectiva de letramento da qual Street é o principal expoente, consolidou-se como Novos Estudos de Letramento.

O modelo ideológico de letramento proposto por Brian Street é assim chamado pois busca reconhecer a natureza ideológica das práticas sociais de leitura e de escrita e suas implicações para os participantes. Segundo o autor, é preciso também admitir a multiplicidade de práticas letradas para que não se recorra a um letramento único aplicado indiferentemente aos mais variados contextos. Cada comunidade tem sua própria concepção de letramento, suas crenças e valores locais que devem ser levados em consideração e respeitados. Street propõe que as práticas de letramento devem ser adequadas ao contexto social local, de modo que sejam significativas para os participantes.

Por sua vez, o modelo autônomo é assim denominado por representar uma concepção do letramento como uma variável “independente”, desconsiderando sua relação com outros fatores. Segundo Street (2014), o modelo autônomo de letramento concentra-se muito em problemas “técnicos” ou pedagógicos da aquisição, deixando de lado questões sociais. O autor também critica fortemente as suposições, oriundas dessa concepção de letramento, de que a aquisição de

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20 letramento por si só seria responsável pelo desenvolvimento de habilidades cognitivas, sociais etc. De acordo com Street (2014), as consequências das práticas letradas variam conforme a situação e o contexto em que são vivenciadas e, portanto, não é possível garantir que tais desenvolvimentos aconteçam.

Ao trazer a dimensão ideológica para a discussão do letramento, Brian Street nos faz repensar o modo como nós aprendemos e como ensinamos. A reflexão proposta pelos Novos Estudos de Letramento não é tarefa fácil, pois nos faz revisar as práticas sociais de leitura e de escrita nas quais estamos imersos buscando perceber aquilo que sistematicamente negamos: a parcialidade, o viés ideológico que está sempre presente. Ignorá-lo, perpetuando práticas que não fazem sentido para os educandos, é negar-lhes a possibilidade de mudança.

1.3 Letramento literário

Enquanto o ensino de língua se renova nas escolas, ainda que lentamente, como resultado de muitas pesquisas, reflexão e discussões na área, o ensino de literatura permaneceu por muito tempo estagnado e, o que é pior, vem perdendo cada vez mais espaço no currículo escolar. Amorim (2017, p. 9) aponta para a discrepância entre o número de publicações entre as duas áreas de ensino, indicando que o ensino de literatura recebe pouca atenção por parte de especialistas e pesquisadores brasileiros, não encontrando muito espaço mesmo em programas de pós-graduação em Estudos Literários.

Nesse cenário, a área de Estudos da Linguagem passa a abranger pesquisas sobre o ensino de literatura, resultado de um movimento natural de expansão de seus objetos de estudo, visto que a literatura, enquanto realização ímpar da linguagem, constitui profícuo objeto para os olhares linguísticos. Assim, ao olhar para o texto literário sob a luz da abordagem do letramento, surge a concepção de letramento literário.

Paulino e Cosson (2009, p. 67) definem letramento literário como “o processo de apropriação da literatura enquanto construção literária de sentidos”. Apropriar-se da linguagem literária implica familiarizar-se com suas especificidades, com a maneira singular de produzir sentidos, interagir com o texto literário e construir uma história pessoal de leitor. E por ser um processo, o letramento literário se dá de modo contínuo, ao longo da trajetória pessoal de leitura.

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21 De acordo com Zilberman (2012, p. 130), ingressar no mundo da literatura depende e ultrapassa a alfabetização e o letramento. Segundo a autora:

“(...) o letramento literário se efetiva quando acontece o relacionamento entre um objeto material, o livro, e aquele universo ficcional, que se expressa por meio de gêneros específicos – a narrativa e a poesia, entre outros – a que o ser humano tem acesso graças à audição e à leitura.”. (ZILBERMAN, 2012, p. 130).

Sendo assim, o contato com o texto literário deve ser compreendido enquanto prática social de leitura e de escrita, que depende do domínio de habilidades de leitura, mas que vai além, pois envolve a existência de um “universo ficcional dominado pelo imaginário” e constituído pela linguagem.

O letramento literário acontece dentro e fora do contexto escolar e começa antes mesmo da alfabetização quando a criança (ou adulto) entra em contato com a literatura, através da escuta de histórias, de animações ou teatro, que despertem a imaginação a partir de universos ficcionais. No entanto, a escola ainda assume um papel de protagonismo na mediação da relação do aluno com a literatura. E para que o letramento literário aconteça de maneira efetiva no contexto escolar é preciso estabelecer objetivos e sistematizar o trabalho com a leitura.

Rildo Cosson, em seu livro Letramento literário: teoria e prática, apresenta duas propostas de sequências didáticas, uma básica e uma expandida, para a abordagem do texto literário no ensino básico, além dos pressupostos para o letramento literário na escola. As sequências didáticas, conforme sugere Cosson (2016), devem abranger as três etapas do processo de leitura: antecipação, decifração e interpretação, ou seja, envolvem atividades prévias à leitura, atividades de leitura propriamente dita e atividades após a leitura, assim como devem abordar o saber literário, que consiste especialmente em experienciar a literatura enquanto linguagem literária e conhecer suas especificidades.

Cosson (2016) enfatiza que a leitura efetiva de textos literários deve ser o centro do trabalho com o letramento literário na escola, possibilitando aos alunos a experiência da linguagem literária, a vivência do mundo através da palavra. No entanto, o autor alerta que a simples leitura dos textos não basta enquanto atividade escolar de leitura literária. A escola deve proporcionar uma leitura especializada, que possibilite explorar as potencialidades do texto literário. Sendo assim, a experiência

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22 de leitura “deverá ser ampliada com informações específicas do campo literário e até fora dele.”. (COSSON, 2016, p. 23).

“É justamente para ir além da simples leitura que o letramento literário é fundamental no processo educativo. Na escola, a leitura literária tem a função de nos ajudar a ler melhor, (...) sobretudo, porque nos fornece, como nenhum outro tipo de leitura faz, os instrumentos necessários para conhecer e articular com proficiência o mundo feito linguagem.”. (COSSON, 2016, p.

30).

Outra particularidade proporcionada pelo letramento literário na escola é a experiência compartilhada de leitura. Cosson (2016) aponta a construção de uma comunidade de leitores como princípio do letramento literário adotado na elaboração das sequências de ensino propostas. Segundo o autor:

“Ler implica troca de sentidos não só entre o escritor e o leitor, mas também com a sociedade onde ambos estão localizados, pois os sentidos são resultado de compartilhamentos de visões do mundo entre os homens no tempo e no espaço.”. (COSSON, 2016, p. 27).

A comunidade de leitores constituída pelos alunos favorece a troca de experiências sobre a leitura, o compartilhamento dos sentidos compreendidos a partir do texto literário e a contribuição de diferentes visões de mundo, o que enriquece o aprendizado dos leitores e torna a leitura mais significativa.

Quanto ao critério de seleção dos textos a serem trabalhados, Cosson (2016) ressalta a importância de as obras serem atuais, quer sejam contemporâneas ou não.

As obras atuais são aquelas que fazem sentido para o leitor atual, independentemente da data em que foram escritas ou publicadas. Segundo o autor,

“é essa atualidade que gera a facilidade e o interesse de leitura dos alunos.”.

(COSSON, 2016, p. 34). O autor diz ainda que o professor deve oferecer diversidade de textos aos alunos, não no sentido de quantidade, mas de distinção, partindo do que é conhecido para o desconhecido, do simples para o complexo, de modo a contribuir para ampliar os horizontes de leitura dos alunos.

Segundo Zilberman (2009), a escola, quando consegue, habilita o aluno a ler e a escrever, mas não o converte em leitor, necessariamente, visto que este se define pela assiduidade a uma entidade determinada que é a literatura. A tarefa da escola

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23 é, portanto, segundo a autora, ensinar a habilidade de ler, bem como o sentido da leitura, qual seja, um procedimento de apropriação da realidade.

Sendo compreendida como a mediadora entre cada ser humano e seu presente, a leitura é uma forma de interpretar a realidade e o mundo que nos cerca.

Por sua vez, a leitura de literatura é uma experiência ainda mais complexa e vívida de contato com o mundo, pois, de acordo com Zilberman (2009), a obra de ficção é fundada na noção de representação da realidade e exerce o papel de síntese do real de forma mais acabada,

(...) fazendo com que leitura e literatura constituam uma unidade que mimetiza os contatos materiais do ser humano com seu contorno físico, social e histórico, propondo-se mesmo a substituí-los. (ZILBERMAN, 2009, p. 32-33).

Dessa forma, “a obra de ficção avulta como o modelo por excelência da leitura.”. (ZILBERMAN, 2009, p. 33). O texto literário demanda o exercício cognitivo do leitor para, além da tarefa de decifração que qualquer leitura exige, exercer também o preenchimento dos vazios que marcam o gênero e reclamam a intervenção do leitor, que por sua vez os preenche com base em suas vivências e conhecimentos prévios.

É esta interação particular entre obra literária e leitor que torna cada leitura única e por isso também se dá a importância de compartilhar as experiências de leitura em uma comunidade de leitores, ampliando os horizontes de leitura do aluno em relação ao texto e ao mundo. Para Zilberman (2009), a escola deve preservar a relação entre leitura e literatura, dando sentido a ela e promovendo uma verdadeira prática social de leitura.

A autora chama a atenção para o uso do livro didático na sala de aula que acaba por configurá-lo como um arquétipo de livro para os alunos. Esta imagem é prejudicial pois as características do livro didático enquanto um manual, estático e autoritário, contradizem a pluralidade e o caráter democrático que a obra literária inspira. Além disso, o livro didático não costuma oportunizar o aprofundamento da interpretação do aluno, o que, segundo Zilberman (2009, p. 35), “exila o leitor”. Ao contrário, a prática de leitura que desejamos promover na sala de aula é aquela que abre espaço para a participação ativa do aluno.

A escola não pode restringir-se a função escolar da leitura, arriscando causar, assim, sua “esterilização” (ZILBERMAN, 2009, p. 36). O sentido da leitura precisa ser compreendido pelo aluno, o que se dará através do exercício da leitura literária. De

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24 acordo com Zilberman (2009), se cumprir sua tarefa integralmente, a escola formará um leitor, no entanto, se não o fizer, poderá atingir efeito inverso, afastando o aluno de qualquer experiência de leitura. É visando a preservação do sentido do texto e da leitura que muito critica-se, por exemplo, o uso do texto na sala de aula como pretexto para atividades outras que pouco ou nada tem a ver com a experiência de leitura vivida pelos alunos.

Marisa Lajolo (1991), em seu famoso artigo “O texto não é pretexto”, critica o uso do texto literário em sala de aula como pretexto para promover modelos de comportamento (transmitir valores morais), ensinar gramática ou mesmo teoria literária e história da literatura, pois a presença do texto literário na sala de aula não deve se dar em função destes ou outros objetivos, já que a experiência da leitura deve constituir o objetivo principal. No entanto, estes e outros aspectos, como considerar a época de produção, usos linguísticos, diferentes abordagens críticas ao texto podem e devem ser abordados desde que sejam relevantes para ampliar a interpretação da obra literária. É o que a autora defende em texto posterior, publicado em 2009, em que reitera sua posição, mas enfatiza que o importante é valorizar o contexto do texto literário. Logo, toda a discussão, bem como a interpretação, sobre o texto é válida, desde que respeite o seu contexto.

Segundo Lajolo (1991, p. 62), “O importante é que haja um sentido crítico que norteie permanentemente a atitude com que o professor, juntamente com a classe, se entrega ao jogo do texto.”, sendo assim, se for necessário ensinar sobre as escolas literárias, por exemplo, é essencial contextualizar que a periodização literária é posterior a produção do texto, que as características identificadas em cada texto não são cristalinas e inconfundíveis, pois cada texto é formado por uma rede intrincada de referências. Desta forma, o professor contribuirá para a autonomia e criticidade dos alunos-leitores e, portanto, para que possam trilhar seu próprio caminho interpretativo.

É notória a importância do professor, enquanto mediador de leitura, no processo de formação de alunos leitores. E é necessário que o profissional esteja ciente da responsabilidade de seu papel, pois a sua atitude mediante o texto pode ocasionar tanto estímulo quanto desestímulo, comprometendo assim a trajetória dos alunos. Isso pode ser percebido ao analisar os relatos de leitores de diferentes épocas, em que vários deles descrevem a figura do professor com admiração ou aversão, o que, parece, implicou diretamente para que gostassem ou não da

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25 atividade de leitura proposta. Muitos relatam, por exemplo, encantarem-se com a leitura do professor, seja pela entonação, gestos e entusiasmo, e essa pode ser a

“propaganda” que os convida a adentrarem o mundo da leitura.

Para Lajolo (1991), o professor é tão ou mais importante do que o livro escolhido para leitura na tarefa de formar leitores. Isso porque um bom professor, mesmo com um texto mediano, pode fazer um trabalho significativo, que marque positivamente os alunos. Por sua vez, mesmo que escolha um excelente texto, um professor com uma atuação infeliz não será capaz de tornar alunos leitores e pode, ainda, fazer com que se afastem dos livros. Lajolo (1991) também defende a importância de que o professor seja um bom leitor, pois assim a abordagem do texto literário será otimizada e terá mais chances de cativar os alunos de modo que se tornem também leitores, visto que, alguém que não goste de ler ou que não pratique a leitura dificilmente conseguirá formar alunos que gostem de ler.

Confluindo com o que vimos em Cosson, Marisa Lajolo (1991) afirma a necessidade de apresentação de textos diversificados aos alunos, familiarizando-os com textos gradualmente mais complexos de modo que possibilite o amadurecimento progressivo do leitor. Assim como os livros didáticos e a escola passaram a lançar mão de textos contemporâneos e do cotidiano linguístico dos alunos, como notícias de jornal, letras de música etc., Lajolo defende que também os textos mais complexos e distantes do cotidiano dos alunos devam ser incluídos no trabalho em sala de aula, principalmente os textos literários que são os que mais se prestam “a uma leitura amadurecedora”. (LAJOLO, 1991, p. 58).

De acordo com Lajolo (1991), o bom texto não precisa ser incompreensível, mas é necessariamente complexo. A complexidade de que trata a autora não diz respeito a manifestação exterior do texto, mas está na relação que o texto permite instaurar entre ele e seu leitor. Segundo Lajolo (1991, p. 58), “Esta relação é tanto mais complexa quanto mais maduro for o leitor e melhor (literariamente falando) for o texto.” O progresso do leitor, por sua vez, tem a ver com os “níveis sucessivos e simultâneos de significados que o leitor (aluno) vai construindo para o texto”

(LAJOLO, 1991, p. 58). Como podemos perceber, há uma relação dialógica entre leitor e texto que se complementa mutuamente.

Michèle Petit (2009), além de apresentar os benefícios que a leitura, especialmente a literária, pode proporcionar aos leitores, também destaca a importância da figura do mediador, quer seja um professor, bibliotecário, amigo ou

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26 familiar, não só na iniciação do indivíduo à leitura, mas também incentivando-o a prosseguir e ultrapassar as barreiras que surgirem em seu percurso. Segundo a autora,

O gosto pela leitura não pode surgir da simples proximidade material com os livros. Um conhecimento, um patrimônio cultural, uma biblioteca, podem se tornar letra morta se ninguém lhes der vida. Se a pessoa se sente pouco à vontade em aventurar-se na cultura letrada devido à sua origem social, ao seu distanciamento dos lugares do saber, a dimensão do encontro com um mediador, das trocas, das palavras "verdadeiras", é essencial. (PETIT, 2009, p. 154).

Em seu livro, Petit cita os relatos dos jovens entrevistados para suas pesquisas e eles frequentemente mencionam a atenção especial de um mediador que os motivou, desse modo, Petit percebe a leitura como uma história de encontros.

A autora afirma que:

(...) o iniciador ao livro desempenha um papel-chave: quando um jovem vem de um meio em que predomina o medo do livro, um mediador pode autorizar, legitimar, um desejo inseguro de ler ou aprender, ou até mesmo revelar esse desejo. E outros mediadores poderão em seguida acompanhar o leitor, em diferentes momentos de seu percurso. (PETIT, 2009, p. 148).

O medo do livro referido pela autora trata-se de diferentes aspectos que podem afastar as pessoas da leitura, como a dificuldade de abandonar o espírito de grupo para dedicar-se a uma atividade individual e introspectiva ou até o medo de afastar-se de sua cultura familiar e do embate com suas crenças.

Na França, contexto da pesquisadora, existem muitas bibliotecas públicas de bairro e os jovens descrevem a biblioteca como um lugar de troca. Como nesse exemplo citado por Petit:

Podíamos levar o livro para casa e depois devorá-lo, olhá-lo. Foi ali que eu realmente li, devorei, recebi conselhos dos bibliotecários. Logo de início as trocas foram agradáveis. Ia à biblioteca para ler, para buscar meus livros, para escolhê-los, e também pelo contato com os bibliotecários, que era muito importante. (PETIT, 2009, p. 152).

Podemos compreender que a leitura se torna mais significativa quando está inserida em uma prática social, quando há troca, há interação a partir das leituras feitas.

De acordo com Petit, a relação do aluno com a leitura escolar é complexa.

Uma jovem chamada Bopha, por exemplo, relata que foi na escola que tomou gosto pela leitura, quando teve que apresentar um livro (escolheu “Ratos e homens” de John Steinbeck) aos colegas de classe. Ela tinha em torno de 11 anos e, segundo conta, esse livro a marcou muito e, a partir dele, passou a fazer outras leituras e a

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27 frequentar bibliotecas. Porém foi também na escola que sentiu desprazer em ler, já no ensino médio, por volta dos 15 anos de idade. A jovem relata:

Penso que no ensino médio criamos aversão pela leitura porque temos muitas coisas para fazer, nos sobrecarregam de trabalho — principalmente onde eu estudava, uma escola bastante rigorosa —, que não sobrava mais nenhuma vontade de ler. Não me lembro de nenhum livro que tenha me agradado. (...) Realmente, deixou de ser um prazer para mim quando me obrigaram a fazê-lo contra a minha vontade. (PETIT, 2009, p. 155, grifos nossos).

O caso da jovem Bopha é interessante pois ela relata dois momentos distintos de sua experiência de leitura escolar. Mesmo no primeiro momento tendo que apresentar o livro aos colegas, a jovem não se sentiu obrigada a ler, como menciona na segunda ocasião. Chama a atenção também que a jovem afirme que no ensino médio se crie aversão pela leitura.

Petit verifica que há uma diferenciação por parte de alguns jovens entre a instituição escolar e algum professor em particular. Para esses jovens, a escola representa a obrigação, a austeridade, mas por vezes há um professor que se faz perceber de modo particular, que cativa os alunos e ganha-lhes a confiança. As atividades propostas por esse professor deixam de ser vistas como as demais.

Segundo Petit:

(...) esses jovens tão críticos em relação à escola, entre uma frase e outra, lembravam às vezes de um professor que soube transmitir sua paixão, sua curiosidade, seu desejo de ler, de descobrir; que soube, inclusive, fazer com que gostassem de textos difíceis. Hoje, como em outras épocas, ainda que

"a escola" tenha todos os defeitos, sempre existe algum professor singular, capaz de iniciar os alunos em uma relação com os livros que não seja a do dever cultural, a da obrigação austera. (PETIT, 2009, p. 158).

Em suas entrevistas no meio rural, a autora afirma encontrar semelhante relação contraditória entre os efeitos da escola e o gosto pela leitura:

Em todas as gerações, as leituras impostas — principalmente as de autores clássicos — causaram uma repulsa. Mas para muitas pessoas do meio rural, em particular os mais velhos ou mais desprotegidos, a escola foi "a porta de entrada", o lugar onde se podia ter acesso aos livros que tanta falta lhes faziam. (PETIT, 2009, p. 159-160).

E, mais uma vez, a relação personalizada com algum professor se mostrou significativa nessa abertura para o mundo dos livros e da leitura. Petit cita o relato de uma mulher cuja professora lhe emprestava livros de sua biblioteca pessoal e a inspirava a ler. Se, por um lado, a experiência escolar de leitura tem o poder de

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28 marcar negativamente os alunos, o encontro e a troca com um professor tem o poder de influenciá-los e motivá-los a ler e a explorar o mundo das letras. Segundo Petit:

Com esses professores, a língua, o conhecimento, a literatura, que até então repeliam os alunos, tornam-se acolhedores, hospitaleiros. Aqueles textos absurdos, empoeirados, de repente ganham vida. Curiosa alquimia do carisma. Do carisma ou, uma vez mais, da transferência. Evidentemente, nem todos são capazes de provocar esses movimentos do coração. Mas, em contrapartida, acredito que cada um — professor, bibliotecário ou pesquisador — pode se interrogar mais sobre sua própria relação com a língua, com a literatura. (...) E a se deixar levar por um texto, em vez de tentar sempre dominá-lo. (PETIT, 2009, p. 160-161).

A afirmação de Petit corrobora o que defende Marisa Lajolo, de que para cativar os alunos e formar leitores é fundamental ser um leitor e ter essa relação íntima com os livros e com a leitura. Petit (2009, p. 161) afirma ainda que “Para transmitir o amor pela leitura, e acima de tudo pela leitura de obras literárias, é necessário que se tenha experimentado esse amor”.

Porém, tendo ocorrido o encontro com o livro e a iniciação à leitura, não significa que o leitor está formado. Esta é apenas a primeira etapa. Segundo Petit (2009), mesmo para aqueles que já leem e frequentam a biblioteca nem tudo está garantido, pois muitas vezes surgem obstáculos e os trajetos se interrompem. De acordo com a autora:

(...) podemos ter adorado as histórias que um bibliotecário nos lia quando éramos pequenos e depois nunca mais abrir um livro. Porque os trajetos dos leitores são descontínuos, marcados por períodos de interrupções breves ou longas. (PETIT, 2009, p. 166-167).

As interrupções são normais na vida do leitor, mas não queremos que sejam permanentes. Por isso, a presença do mediador será importante também para a manutenção do hábito da leitura, ajudando o leitor a transpor as barreiras que surgirem. Essas barreiras, segundo Petit (2009), podem ser até mesmo a passagem da seção de livros infantis ou juvenis para a seção de livros adultos, por exemplo, ou uma mudança de escola/biblioteca. Segundo a autora, o papel do mediador é, a todo momento, o de construir pontes. (PETIT, 2009, p. 174).

Dentro desse papel de construir pontes, outra tarefa do mediador é possibilitar que o leitor tenha contato com livros diversificados, para que este não fique preso sempre à mesma estante, ao mesmo gênero ou autor ao qual já está acostumado.

Essa pode ser uma das barreiras que o leitor precisará transpor com a ajuda do mediador. Segundo Petit, os jovens nem sempre percebem a variedade dos textos

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29 escritos e, consequentemente, as possibilidades diversas de leitura. Conforme a autora, “Ao ajustar a oferta somente em função do que imaginam ser as expectativas dos jovens, por medo de parecerem austeros ou acadêmicos, alguns bibliotecários correm o risco de contribuir para que se perpetue a segregação.” (PETIT, 2009, p.

175-176), ou seja, aos leitores pouco familiarizados com a cultura letrada não seria dada a oportunidade de progredir para textos cada vez mais complexos, enquanto os leitores privilegiados teriam acesso a toda a gama de leituras.

Enfatizando a importância da diversidade para que os leitores possam construir a sua própria história e identidade, Petit sugere que, na França, o estudo dos textos clássicos na escola parece reforçar uma ideia de uniformização, de que os textos literários são um universo monocromático. (PETIT, 2009, p. 177). Segundo a autora:

Enquanto nos mantivermos no registro de um panteão a ser visitado, como vimos, todo mundo bocejará de tédio. Mas quando possibilitarmos encontros singulares com esses mesmos textos — ou com outros —, a batalha estará ganha. A apropriação é um assunto individual: um texto nos apresenta notícias sobre nós mesmos, nos ensina mais sobre nós, nos dá as chaves, as armas para pensarmos sobre nossas vidas, pensarmos nossa relação com o que nos rodeia. Algumas vezes, esses jovens se apropriam de um texto estudado na escola. (PETIT, 2009, p. 177).

Sendo assim, a questão não é apresentar ou não textos clássicos, mas fazer com que essa leitura, bem como as outras, não seja “dolorosa”, fazer com que o aluno não se sinta diminuído se, eventualmente, não gostar de tais textos, pois ele saberá que existem outros tantos que ele poderá gostar. E, acima de tudo, criar possibilidades de trazer para a realidade do aluno, para o seu campo de crenças e valores simbólicos, o objeto literário que se deseja propor. Uma vez que essa aproximação ocorra, o aluno poderá criar, a partir desse encontro, um ponto de intersecção entre seu sistema de crenças, valores, sentimentos e pensamentos e aqueles expostos nas obras, para então criar possibilidades de expansão da sua forma de ver a leitura e o mundo que o cerca.

Conforme afirma Petit (2009, p. 179), “Quando se viveu sempre em um mesmo universo de horizontes estreitos, é difícil imaginar que exista outra coisa. Ou quando se sabe que existe outra coisa, imaginar que se tenha o direito de almejar isso.”, assim, a novidade pode ser vista como uma invasão e gerar resistência. Por isso é preciso cuidado para conduzi-la. Trata-se, então, de acordo com a autora, de ser receptivo, de propor e acompanhar os jovens leitores, oportunizando e facilitando as descobertas. E conforme relata um dos jovens entrevistados: “É muito importante que

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30 existam pessoas que acreditem na gente; que acreditem que podemos nos interessar pelas coisas e ser 'fisgados' por elas.” (PETIT, 2009, p. 164).

Constatamos a importância do professor enquanto mediador de leitura e a importância de promover encontros singulares entre os alunos e as obras de ficção, pois estas são as que mais “dialogam” com o leitor e permitem seu amadurecimento, enquanto leitor e enquanto indivíduo, visto que, sendo uma forma de apropriação da realidade, a leitura literária proporciona a ampliação dos horizontes de referência do leitor e a construção/afirmação de sua identidade. Compreendemos que, entre os alunos pouco familiarizados com a leitura literária, formar leitores poderá ser tão mais desafiador quanto necessário, pois é preciso dar-lhes acesso à cultura que lhes é direito. Também verificamos que para cativar alunos e formar leitores é preciso antes de tudo sermos leitores, motivar pelo exemplo, pela “transferência”. Em Lajolo (2005), a autora afirma que:

(...) o desencontro literatura-jovens que explode na escola parece mero sintoma de um desencontro maior, que nós – professores- também vivemos.

Os alunos não leem, nem nós; os alunos escrevem mal e nós também. Mas, ao contrário de nós, os alunos não estão investidos de nada. (LAJOLO, 2005, p. 16).

A autora diz ainda que o bocejo oferecido pelos alunos às nossas explicações sobre esta ou aquela obra “é incômodo e subversivo, porque sinaliza os nossos impasses. Mas, sinalizando-os, ajuda a superá-los.” (LAJOLO, 2005, p. 16). Para superar nossos impasses é que desejamos contribuir com este trabalho.

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31 2. A LINGUÍSTICA APLICADA CRÍTICA E O ESTUDO DE CRENÇAS

2.1 Linguística aplicada

Os estudos em Linguística Aplicada (doravante LA) estão presentes no Brasil desde os anos 1960, mas a LA consolidou-se como disciplina nos cursos de Letras e, posteriormente, como linha de pesquisa nos programas de pós-graduação entre o final da década de 1990 e o início dos anos 2000. Nesse percurso, aumentou substancialmente o número de pesquisas e publicações na área, ao mesmo tempo em que a disciplina se desenvolveu, ampliando seus objetos de pesquisa e as teorias nas quais busca aporte. As pesquisas em LA “têm como objetivo fundamental a problematização da vida social, na intenção de compreender as práticas sociais nas quais a linguagem tem papel crucial.” (MOITA LOPES, 2006, p. 102), podendo, para isso, mesclar teorias de diferentes disciplinas, constituindo um campo de estudos potencialmente transdisciplinar. Neste trabalho de pesquisa, embasamo-nos na concepção de Linguística Aplicada Crítica (doravante LAC) de Moita Lopes (2006), que defende uma LA contemporânea responsiva às complexidades da vida social.

De acordo com Moita Lopes (2009), a Linguística Aplicada como área do conhecimento dá seus primeiros passos em 1940, com o desenvolvimento de materiais de ensino de língua estrangeira durante a II Guerra Mundial, e que se consolida quando, em 1964, ocorreu a fundação da AILA (Associação Internacional de Linguística Aplicada). Desde então, este campo tem passado por uma série de transformações que contribuíram muito para a forma como a disciplina tem se constituído nos dias de hoje. Podemos pensar a construção da LA em quatro momentos distintos – I) um primeiro momento em que ela é vista apenas como aplicação de linguística de uma forma mais embrionária; II) em um segundo momento, conhecido como a primeira virada na qual, através dos trabalhos de Widdowson, questionamentos são propostos e a LA passa a ser pensada em contextos educacionais e questões que perpassam a interdisciplinaridade passam a ser mencionadas; III) um terceiro momento, conhecido como a segunda virada, no qual a LA começa a ser utilizada para estabelecer reflexões que extrapolam os contextos escolares e, IV) no atual cenário, uma nova transformação da disciplina que assume um caráter mais híbrido, mestiço e, como Moita Lopes (2008) define,

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32 indisciplinar. É este último aspecto da disciplina que servirá de base para a argumentação desta dissertação.

Moita Lopes (2006) propõe a reinvenção das formas de produzir conhecimento no campo da LA que acompanhem as mudanças tecnológicas, culturais, econômicas, históricas e políticas da vida contemporânea, buscando compreender/renarrar a vida social e, ao mesmo tempo, contribuir com sua reinvenção no sentido da emancipação social. A LA concebida pelo autor advoga a integração das “vozes do Sul”, que correspondem às perspectivas dos grupos marginalizados, seja pela classe social, sexualidade, gênero, raça etc., que foram tradicionalmente negligenciadas pela ciência ocidentalista. Moita Lopes (2006, p. 100) aponta para a “inadequação de formular conhecimento que seja responsivo à vida social ignorando as vozes dos que a vivem” e acrescenta que a significância dos fenômenos está relacionada com a sua

“relevância para aqueles que enfrentam as contingências da vida social em suas ações situadas.” (MOITA LOPES, 2006, p. 101).

A LAC é política e ideológica, visto que não se pode construir conhecimento de maneira isenta. Da mesma forma, o sujeito da LAC deve ser o sujeito social, situado sóciohistoricamente, cuja natureza é “fragmentada, heterogênea, contraditória e fluida”, conforme afirma Moita Lopes (2006, p. 102), sendo inclusive aberto a revisões identitárias. De acordo com o autor:

No campo da LA na área de ensino/aprendizagem de línguas, tem havido uma tendência contínua a ignorar o fato de que professores e alunos têm corpos nos quais suas classes sociais, sexualidades, gênero, etnia etc. são inscritas em posicionamentos discursivos, contemplando somente o sujeito como racional e não como social e histórico, ou seja, focalizando somente sua racionalidade descorporificada. (MOITA LOPES, 2006, p. 102).

Portanto, o que Moita Lopes propõe para a agenda da LAC, é fazer pesquisa com foco no sujeito, sem ignorar seu contexto social, histórico e cultural; pesquisar o sujeito e para o sujeito, pois “Não há lugar fora da ideologia e não há conhecimento desinteressado”. (MOITA LOPES, 2006, p. 103).

2.2 A Linguística Aplicada Crítica e o Ensino de Leitura Literária

Amorim (2017) defende o lugar do ensino de literaturas/leitura literária como parte da política linguística nacional, considerando não apenas a função da literatura na educação linguística brasileira, mas também:

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33

(...) seu impacto na construção de práticas educacionais humanizantes, éticas e esteticamente responsáveis, além de seu papel na construção de universos culturais multifacetados nas escolas públicas e privadas do espaço social, cultural e geográfico a que chamamos de Brasil. (AMORIM, 2017, p. 9).

Ou seja, o ensino de literatura, quando exercido conforme a concepção de letramento literário, é capaz de promover a formação de alunos mais reflexivos, socialmente e culturalmente conscientes, com autonomia para construir suas trajetórias de leitores, estudantes e cidadãos. Esse potencial formativo da literatura constitui-se das características do texto literário que exploramos anteriormente.

No ensino básico, além da disciplina específica de Literatura, o ensino de leitura literária também está compreendido na disciplina de Língua Portuguesa, à qual foi incorporado, segundo Amorim (2017), a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais de 1997, permanecendo como conteúdo dessa disciplina até então.

Apesar disso, o ensino de literatura/leitura literária ainda não se consolidou como objeto de pesquisa, nem no campo dos Estudos Linguísticos, nem no campo dos Estudos Literários. Amorim (2017) aponta o baixo número de discussões e publicações sobre a literatura enquanto “artefato educacional”.

Conforme o autor, o ensino de línguas tem sido discutido institucionalmente por linguistas aplicados desde a década de 1970, quando da fundação do primeiro programa de pós-graduação na área, ao passo que o ensino de literatura tem sido relegado a agendas particulares de pesquisa de uma pequena parcela de acadêmicos brasileiros. A tradicional separação do conhecimento sobre linguagem entre estudos linguísticos e estudos literários contribuiu para que a LA, historicamente relacionada ao ensino de línguas, demorasse a explorar também as questões relativas ao ensino de literatura, o que vem acontecendo recentemente por parte de alguns pesquisadores, em um movimento que busca suprir a lacuna existente.

A LAC busca desconstruir a perspectiva etnocêntrica de conhecimento e abrir espaço para o reconhecimento da diversidade cultural, social e linguística, promovendo uma educação mais ética e democrática e respeitando os direitos linguísticos dos cidadãos. Nesse sentido, problematiza-se a escolha das obras literárias ofertadas aos alunos, especialmente quando o sistema privilegia o estudo do cânone literário em detrimento de uma diversidade de obras. Criticamos a hipervalorização das obras canônicas, que tem suas raízes na histórica sistematização dos saberes a partir da experiência das classes privilegiadas, no

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