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Cad. Saúde Pública vol.28 número6

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Academic year: 2018

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Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 28(6):1016-1017, jun, 2012

EDITORIAL

A despeito da sua desconhecida magnitude – a ser estabelecida em bases empíricas – o

trá-fico e consumo de crack se revestem de uma dimensão relevante no Brasil contemporâneo,

seja do ângulo da percepção que deles tem a sociedade, seja da resposta do poder público. Diferentemente da história norte-americana de temperança e proibição da manufatura, venda e consumo do álcool sob a forma da 18a emenda constitucional (de 1919), não há, na

história brasileira, paralelo à recente implementação de um plano abrangente de enfrenta-mento do crack. Parte desse ineditismo se deve ao fato de se tratar de uma droga com ação especialmente rápida, frequentemente associada ao consumo abusivo/dependente, que afeta particularmente segmentos jovens da população (incluindo crianças e adolescentes) e de uma visibilidade inédita enquanto cena pública de venda e consumo, ao extravasar o espaço das comunidades pobres e ganhar novos espaços urbanos, contíguos aos espaços de circulação das classes médias e dos meios de comunicação.

Mas emergência é não apenas urgência de resposta, como emergir, vir à tona, e, nesse sentido, um fenômeno emergente em saúde pública requer a proposição e utilização de novos conceitos e métodos de análise. Esses existem, mas são de aplicação recentíssima. A

título de exemplo, a excelente coletânea de 2001 subentitulada Métodos para Quantificar

e Compreender Processos Ocultos (Modelling Drug Use, EMCDDA Monograph Series 6) não contempla os métodos utilizados hoje (no Brasil e no mundo) para a estimação de popu-lações de difícil acesso: Respondent-driven Sampling, Time-location Sampling (e seus re-finamentos; PLoS One 2012; 7(4):e34104) e Network Scale-Up (NSU) (Am J Epidemiol 2011; 174:1190-6). Portanto, estamos às voltas com profundas mudanças de paradigma na epi-demiologia e etnografia das cenas de uso de drogas (recorde-se, a esse propósito, que os formuladores do NSU são antropólogos; http://nersp.osg.ufl.edu/~ufruss/scale-up.htm).

Para além dos desafios metodológicos postos à adequada compreensão e dimensiona-mento da questão, a análise das políticas públicas tem sido perigosamente simplificada pela não contextualização das políticas de drogas enquanto fenômeno global (ainda que com expressões locais contrastantes), regidas por tratados ratificados pelos membros da ONU, que, em boa medida, definem a estreita margem de manobra dos estados nacio-nais. Portanto, quando se discute o impacto desarmônico e contraproducente (quando, por exemplo, a atuação de agentes de saúde é bloqueada pelo confronto entre facções cri-minosas e forças policiais numa dada comunidade) das políticas brasileiras, deixa-se de lado a profunda contradição e os impasses experimentados pelas políticas de drogas no nível mundial e a crise na esfera da segurança pública e a violação dos direitos humanos em países como o México e a Guatemala. Finalmente, no debate sobre opções terapêuti-cas são mencionados ora o caráter imperscrutável das formações do inconsciente, ora as formulações de diferentes denominações religiosas, esquecendo-se dos marcos da repú-blica e da democracia, e que, portanto, o diálogo crítico com a razão não é um luxo, mas uma necessidade republicana. Sejam quais forem as determinações do consumo abusivo/ dependente de substâncias psicoativas, o estado e a sociedade têm o direito e o dever de submeter as políticas públicas e as opções terapêuticas ao escrutínio da pesquisa empírica e da reflexão crítica.

Francisco I. Bastos

Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. francisco.inacio.bastos@hotmail.com

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