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OsProblemasdoSistemaùnicodeSaúde

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Academic year: 2021

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EDUARDO LEVCOVITZ (MS)

Não é uma tarefa nada fácil abrir a discussão sobre os problemas e as dificuldades dos SUS. São tantos, tão freqüentes, tão cotidianos e tão sofridos que obrigam a uma postura muito crítica, mas ao mesmo tempo muito positiva, principalmente porque este espaço das Conferências é a clara demonstração da forma de que todos envolvidos diretamente no SUS, enfrentam as dificuldades e problemas de sua construção. Considerando a composição da Mesa e a especialização de cada um dos palestrantes, tentarei selecionar alguns dos problemas críticos e não todos, porque seria uma tarefa impossível, mas tenho certeza que os demais participantes da Mesa e o conjunto do plenário poderão abordar a maioria. Por estar neste evento e na companhia dos senhores e senhoras, tentarei tratar os problemas e dificuldades como desafios na construção do SUS.

Em primeiro lugar gostaria de ressaltar que sob o nome de SUS convivem ainda hoje duas realidades totalmente opostas. Para os usuários, profissionais, gestores e os conselheiros, o SUS apresenta-se, por um lado, como a herança do velho sistema de saúde implantado no Brasil por mais de cinqüenta anos e através das manifestações das suas principais características: o centralismo e o autoritarismo na tomada de decisões, uma rede de serviços de saúde concentrada nas áreas mais ricas e orientada, pelo menos, em parte significativa, pelo objetivo do lucro, um perfil de formação de profissionais direcionados para a especialização e a dependência de equipamentos sofisticados, um modelo de financiamento dirigido pela doença e não para saúde, ou seja, tudo aquilo que a sociedade decidiu transformar na Constituição de 1988; e, ao mesmo tempo, sob o entendimento e a denominação geral do SUS, felizmente, existe o novo sistema de saúde, ainda em processo de construção, mas já apresentando resultados visíveis em vários estados e municípios, especialmente naqueles que assumem a responsabilidade pela saúde integral de seus cidadãos e que se submetem ao processo de discussão democrática das prioridades da política de saúde e ao controle e a participação social. Essa convivência simultânea entre a herança do velho sistema e a construção do novo sistema, caracteriza o que se chama de um processo de transição, que estabelece, lamentavelmente, uma imagem bastante danosa do SUS na imprensa, nas lideranças políticas e, de forma mais importante, entre os usuários do sistema.

Quando enfrentamos situações trágicas de abandono, maus tratos de pacientes, fraudes, excessos de internações, cobranças por fora diretamente aos pacientes, estamos frente manifestações claras do velho, da herança!

Existem, ao mesmo tempo, fatos e dados extremamente importantes que vem do novo sistema, do SUS estabelecido na Constituição, nas leis e perseguido por todos que estão nesta Conferência e por tantos outros que ficaram nos municípios, nas unidades de saúde e nos conselhos. Esses fatos e dados do novo sistema não viram notícia, certamente porque o controle da opinião publicada nos jornais, nas rádios e nas TVs, não está nas mãos daqueles que tem como objetivo ver o SUS implantado e funcionando. Mas para todos que querem ver, o SUS estar sendo concretamente construído em muitos lugares deste país. Sem desmerecer outros importantes municípios, basta ir a Camarajibe, Olinda ou a Recife em Pernambuco, a Curitiba ou Londrina no Paraná, a Campo Grande no Mato Grosso do Sul, a Quixadá no Ceará, a Brumadinho em Minas Gerais, a Santos em São Paulo, a Niterói no Rio de Janeiro, e tantos outros especialmente nos cento e vinte e quatro municípios que já assumiram a

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gestão semiplena, especialmente naqueles em que se dá uma real parceria e cooperação com as Secretarias Estaduais de Saúde. Julgo assim, que o principal desafio que temos de enfrentar na construção do SUS é o seu lento processo de transição. Como tudo no Brasil, o processo de transição no sistema de saúde tem sido longo. É certo que um dia os historiadores dirão que os nossos dez anos de transição constituem um período curto, se comparado com os mais de trinta anos de transição do sistema Inglês ou do Italiano ou dos quase quarenta anos do sistema Canadense. Para nós que vivemos no centro das dificuldades do sistema de saúde e para todos os usuários que não podem esperar o fim da transição para ter o seu problema de saúde resolvido, esses dez anos são um período desesperadamente longo e angustiante.

O primeiro desafio que proponho é como abreviar a transição, como radicalizar na eliminação da herança do velho e na construção do novo. O primeiro passo nesse caminho é uma avaliação nas diretrizes do SUS. Estariam superados os princípios de universalidade, equidade, integralidade, descentralização e participação social, como querem alguns? Seriam estas idéias apenas sonhos impossíveis de serem transformados em realidade? Os anos passados deste a promulgação da Constituição, a realidade das condições de vida da população brasileira e as experiências concretas já em construção provam que não. Definitiva e seguramente não! Não há o que reformar nos princípios e diretrizes do SUS. A proposta do SUS é o único projeto efetivo de Reforma do Estado e das políticas públicas em andamento no Brasil. Seus fundamentos de universalismo, de democracia e principalmente de solidariedade são a expressão mais bela e mais honesta da sociedade brasileira. Tristemente constatamos que esses valores parecem estar em contraposição as atuais idéias de modernidade, propagadas pelo individualismo das elites nacionais e pela enorme onda de egoísmo econômico e político que parece varrer todo o planeta. Não se trata de debater ideologias, mas de reafirmar valores, em especial aqueles valores de humanidade, de respeito, de afeto pelas pessoas. Mas essa é uma dificuldade real que não pode ser escamoteada e para qual precisamos estar fortemente e intimamente articulados com todas as forças políticas que se identificam com estes valores. O setor saúde no Brasil tem uma tarefa de Hércules: manter à disposição de luta para garantir a única política universalista e solidária em construção no Brasil e demostrar que esses valores são viáveis, insubstituíveis e essenciais a personalidade de um povo. Demostrar isso para os demais setores sociais do país, demostrar para os condutores das políticas econômicas do país e demostrar para outros povos e países, esse é o nosso segundo grande desafio.

Sonhar é uma das mais belas características do ser humano. Lutar para transformar os sonhos em realidade é a característica essencial daquelas pessoas que mudam o mundo. A mais bela lição que aprendi nestes vinte meses da atual gestão no Ministério da Saúde veio do Nordeste, do município de Olinda em Pernambuco. Ali, em uma avaliação de seu próprio trabalho disse uma enfermeira supervisora do programa de saúde da família, a Eliana Caminha: "a gente não pode mudar tudo, mas devemos fazer tudo para mudar!" Essa é a regra que orientou e orienta os esforços e compromissos de construção do SUS de radicalização do fim da transição. Nestes últimos anos foram dados muitos passos para realização do SUS e gostaria de registrar alguns extremamente marcantes: há menos de dez anos era preciso apresentar uma carteirinha do INPS para conseguir acesso a qualquer serviço de saúde mais complexo; há menos de dez anos a maioria dos moradores do interior do Nordeste do Brasil não tinham acesso sequer aos serviços mais básicos de saúde; há menos de dez anos tudo em saúde era decidido por uma única instituição do governo federal e pouquíssimos Municípios tinham qualquer

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responsabilidade pelas ações de saúde; há menos de dez anos não existiam Conselhos Municipais de Saúde e os poucos Estaduais existentes e o Nacional sequer tinham representação organizada dos usuários e profissionais; até 1986 as Conferências Nacionais eram fóruns exclusivamente técnicos sem representação popular. Felizmente, e como resultado das lutas de grupos expressivos da população brasileira, estas realidades estão mudando, e mudaram significativamente, mais os muitos avanços já são conquistas incorporadas a nossa imagem do SUS e, estes mesmos avanços, criam permanentemente novos desafios. Se o SUS avançou no aspecto jurídico e nossa legislação é hoje considerada como uma das melhores do mundo, se avançou no aspecto administrativo e o processo de municipalização já atinge de alguma forma mais de três mil municípios, dos quais cento vinte e quatro em gestão semiplena, avançou ainda pouco na mudança do que é essencial: a relação entre os serviços, os profissionais e os usuários desses serviços.

Todos os estudiosos da política de saúde são capazes de enumerar os avanços políticos, todos os secretários estaduais e municipais de saúde são capazes de identificar os avanços na descentralização. Mas isso não servirá de nada, enquanto a população não perceber avanços na condução do cuidado a sua saúde. Não serei eu a desqualificar os avanços já registrados e gostaria de registrar alguns que considero simbólicos. Pode parecer pequeno o número de municípios em semiplena: cento e vinte e quatro, entre quase cinco mil existentes no país, mas é preciso ressaltar que entre estes estão nove capitais e diversos municípios de médio porte que, em seu conjunto, reúnem mais de quinze por cento da população brasileira. É, também necessário lembrar que a habilitação, não só a semiplena, mas a todas condições de gestão, não é imposta pelo Ministério ou pelas Secretarias Estaduais de Saúde, mas é um processo de decisão autônoma do município com amplas discussões em seu Conselho Municipal. Impor e decidir pelos outros é fácil e rápido, garantir democracia e autonomia na decisão é lento e complexo, mais é a única forma de realmente mudar a prática política e administrativa deste país. Também pode parecer lento o processo de mudança na forma de remuneração no relacionamento entre União, Estados e Municípios, porém, as transferências fundo a fundo só foram regulamentadas por Decreto em agosto de 94. Em dezembro deste mesmo ano seu montante era pouco mais de 6% dos recursos destinados a assistência, em dezembro de 95, as transferências fundo a fundo já representavam 12% do total dos recursos, e neste mês de setembro de 96, superam 20% do total dos recursos de assistência.

Ainda é limitada a inversão do modelo de atenção da prioridade aos hospitais em direção a prioridade das ações ambulatoriais, domiciliares e coletivas, mas são sensíveis as mudanças. Foram reduzidas de 94 para 95, dois milhões de internações. Também no ano de 1995 os recursos destinados à assistência ambulatorial superaram os recursos destinados a assistência hospitalar, pela primeira vez na história do sistema público de saúde do país. Neste ano de 1996, pela primeira vez em doze anos, os recursos destinados aos hospitais públicos e unidades públicas universitárias superaram o conjunto de entidades privadas e Santas Casas, e se somados públicos, universitários e filantrópicos o Ministério da Saúde destina hoje a esse grupo 71% do total dos recursos assistenciais. Estão em plena atuação mais de mil equipes de saúde da família e mais de quarenta e cinco mil agentes de saúde.

Retomando a questão central, nenhuma destas ações terá resultado enquanto as mudanças do SUS não atingirem seu objetivo principal, a nova relação entre unidades

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de saúde, profissionais de saúde, usuários de serviços, e território de moradia e trabalho destes usuários. Esse é o desafio central que quero propor na radicalização da plena implantação do SUS! Nos últimos doze meses o Ministério da Saúde, o conjunto dos secretários estaduais e municipais de saúde e um grande número de técnicos buscaram enfrentar esse desafio central numa proposta de aprimoramento do relacionamento técnico e financeiro entre os três níveis de governo, através da formulação da proposta da Norma Operacional Básica do SUS 96. Neste período, a proposta da NOB foi apresentada e debatida pelo Conselho Nacional de Saúde em cinco reuniões ordinárias e duas extraordinárias, concluída a discussão terça-feira passada, a proposta da Norma Operacional Básica de 1996 foi publicada no Diário Oficial da União pelo senhor Ministro da Saúde, na data da abertura desta Conferência, com prazo adicional de trinta dias para proposições que voltarão a ser submetidas ao Conselho Nacional de Saúde. Essa longa discussão é exigência do fato da NOB 96 buscar ser um instrumento de indução e estímulo às mudanças críticas para radicalização da transição. Apenas para pontuar os elementos centrais, a proposta da NOB 96 objetiva: ampliar a abrangência e o volume das transferências fundo a fundo a Estados e Municípios, podendo se prever com segurança que chegarão a mais de 60% do total dos recursos de assistência num prazo de um ano; generalizar e agilizar a adesão dos municípios a bem sucedida experiência da gestão semiplena, agora enriquecida pelo conjunto das ações das áreas de vigilância sanitária e epidemiólogica e controle de doenças; garantir o acesso da população aos serviços básicos de saúde no próprio município em que reside e a sistemas de encaminhamento programado e organizado para procedimentos especializados e internações; estabelecer e consolidar a responsabilidade plena do município pela saúde integral de seus cidadãos.

Mas uma NOB, por melhor e mais discutida do que seja, é apenas um instrumento indutor e estimulativo das mudanças. As exigências do fim da transição, os desafios críticos de mudança na relação unidade-profissional-população-território são muitos maiores. São desafios culturais, que rompam com a velha imagem do sistema de saúde ainda presente para a maioria dos usuários, são desafios profissionais para uma nova postura e uma nova prática das equipes de saúde, são desafios técnicos para que os gestores efetivamente organizem os sistemas de saúde municipais e estaduais. São desafios políticos para os responsáveis pela garantia dos recursos financeiros e pela decisão de promover a mudança, e finalmente e acima de tudo, são desafios éticos para todos e cada um de nós. Certamente seria um conjunto inatingível de desafios para qualquer outro grupo setorial no país, mais estou certo de não serem inatingíveis para o setor saúde. Já demostramos isso nos últimos anos. Ao enfrentar um conjunto de desafios ainda maior do que esse, na luta contra o nazismo e facismo na Europa há mais de cinqüenta anos atrás, disse certa vez o teatrólogo alemão Bertold Brecht: " há homens que lutam um dia e são bons, há homens que lutam muitos dias e são melhores, há homens que lutam toda vida, esses são os imprescindíveis". Nesse plenário, em cada unidade de saúde do país, em Secretaria Estadual ou Municipal, no Ministério da Saúde, em cada Conselho de Saúde estão os homens e mulheres que lutam por toda vida pelo SUS... Estes são os imprescindíveis!!

MÔNICA VALENTE (CUT Nacional)

Para falar das dificuldades e dos problemas do SUS, é preciso antes situar a constatação de que o SUS é a única experiência democrática de uma Reforma de Estado no campo das políticas públicas e sociais no Brasil. Essa experiência se iniciou em 1988, com a

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aprovação, na Constituição Federal, das linhas gerais da EMENDA POPULAR DA SAÚDE, apresentada pelos setores populares ao Congresso Constituinte. Uma reforma que garante os princípios da universalidade, equidade, solidariedade, transparência e democracia, indispensáveis para a cidadania do povo brasileiro, além da racionalidade e descentralização administrativa. Ressalto essa constatação, porque, em tempos neoliberais, é preciso ter cuidado ao falarmos de dificuldades e problemas do SUS. Prefiro localizar essa fala com uma reflexão acerca dos desafios para a implementação do SUS que nos estão colocados.

Como trabalhadora da Saúde, vou falar dos desafios para o SUS quanto aos seus RECURSOS HUMANOS. Nestes últimos anos, houve avanços significativos nos aspectos relativos ao FINANCIAMENTO do SUS, ao CONTROLE SOCIAL e ao MODELO ASSISTENCIAL, embora saibamos que muito temos de avançar nesses itens. No entanto, quanto à importante questão dos RECURSOS HUMANOS no SUS, pouquíssimo foi formulado ou implementado até agora. É verdadeiramente um contra-senso, nos dias de hoje, pensarmos em implementar uma proposta como o SUS sem desenvolver uma política de recursos humanos, um dos princípios e diretrizes do próprio SUS. Até mesmo as elites empresariais brasileiras descobriram, recentemente, que a força de trabalho, quando valorizada e participante do processo produtivo, produz mais e melhor. Evidentemente, não temos os mesmos objetivos dos empresários, que são os de aumentarem cada vez mais os seus lucros; no entanto, principalmente em se tratando do bem que produzimos no SUS, um produto social, torna-se ainda mais importante levarmos em conta o envolvimento do trabalhador da saúde no processo de produção desse bem social.

No campo das políticas de Recursos Humanos, assistimos a algumas iniciativas que são muito pontuais, tais como a luta de diversas categorias pelos pisos salariais nacionais, ou muito insuficientes, como a luta de diversas categorias pelos pisos salariais nacionais, ou muito insuficientes, como Comissões de Carreira com poucos resultados e pouca vontade política dos gestores do SUS, ou ainda que não são levadas em consideração pelos dirigentes do SUS, tais como a proposta da CUT de um Contrato Coletivo Nacional e Articulado para os trabalhadores do SUS. O resultado disso é que hoje um dos principais dilemas do SUS é a famosa questão dos Recursos Humanos; os problemas vem se agravando e as saídas encontradas às vezes vêm na contramão dos princípios da equidade, da democracia e da universalidade que caracterizam o SUS. Dentre as saídas que vêm sendo gestadas e até mesmo implementadas, há aquelas que se situam no campo das políticas neoliberais, que pregam a diminuição do estado e o reinado absoluto das leis do deus mercado, inclusive na área das políticas de cidadania, como é o caso da saúde. Neste campo, a idéia central é a de FLEXIBILIZAR, quebrando por exemplo a estabilidade no emprego do trabalhador público com o objetivo de resolver a crise fiscal do estado brasileiro, como se essa fosse a causa do problema fiscal e não a política de juros altos do Governo Federal como instrumento de estabilização econômica no País. Não vêem, ou não querem que a sociedade veja, melhor dizendo, que a estabilidade no emprego no setor público, para além de um direito do trabalhador público, é uma garantia de moralidade, impessoalidade e probidade no trato para com a coisa pública.

Contratam, por exemplo, empresas terceirizadas para executar serviços considerados de apoio como limpeza ou alimentação, ignorando que são atividades que devem estar

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absolutamente inseridas no processo global de produção de serviços de saúde, e portanto, os seus trabalhadores não podem estar apartados do conjunto dos outros trabalhadores do SUS, nem de uma política global de RH, de qualificação profissional, de reciclagens periódicas, etc. Ou seja, ao terceirizar essas atividades, transfere-se a outrem o controle da produção do serviço, e portanto, abre-se mão de garantir os princípios da universalidade, equidade, solidariedade e racionalidade administrativa que caracterizam o SUS.

A mais recente invenção desse campo de idéias é a da cooperativa, tendo como exemplo paradigmático o PAS de Maluf, em São Paulo. A partir de uma propaganda verdadeiramente enganosa, que seduz a população usuária com um mero serviço de pronto atendimento bonito e maquiado, quebra um dos conceitos fundamentais do SUS que é o do Controle social, ao terceirizar para entes privados a própria gestão do Sistema. Enfim, as propostas que dizem resolver a questão dos Recursos Humanos no SUS, na verdade, são propostas que têm por objetivo reduzir o papel do estado na área da saúde, o que significa o fim do SUS. E para isso, vale tudo: jogar população contra trabalhadores da saúde, trabalhadores contra trabalhadores, população contra população. Para enfrentar essa ameaça, aqueles que defendem o SUS não podemos ficar de braços cruzados: é preciso avançar em propostas, em especial na área de Recursos Humanos, buscando dar um salto de qualidade nessa área, disputando junto à sociedade nossas idéias e iniciativas.

Em primeiro lugar, devemos desenvolver uma POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS HUMANOS, criando parâmetros nacionais para o SUS assim como o fizemos na questão do financiamento, do controle social, do modelo assistencial, em consonância com os princípios mais gerais do SUS, aqueles citados no início deste debate. Esses parâmetros nacionais não devem ser encarados como uma camisa de força, mas quem defende um SUS nacional, que consiga dar conta das questões nacionais da saúde sem perder de vista as especificidades regionais e locais, não pode abrir mão de inscrever na política de recursos Humanos do SUS esses princípios e parâmetros. Sob pena de os outros, aqueles que NÃO defendem o SUS que vimos construindo nestes últimos anos com árduos esforços, elaborem e implantem as suas propostas e parâmetros de RH, como já até estão fazendo. Assistimos algumas boas iniciativas no sentido de construir uma política de RH para o SUS, tais como a idéia de uma NOB de RH, pensada pelo CONASEMS, ou uma Câmara de RH, sugerida pelo CONASS. Evidentemente, essas idéias precisam ser melhor debatidas, em especial com os próprios trabalhadores através de suas organizações.

No bojo da discussão da política nacional de RH do SUS, devem estar inseridas necessariamente a discussão da Carreira Multiprofissional, dos mecanismos e políticas de formação profissional, de evolução em carreira, da avaliação de desempenho segundo as metas do Plano de Saúde, etc.

E, segundo lugar, devemos dar passos concretos na modernização das relações de trabalho do serviço público brasileiro, que é a implantação de mecanismos de CONTRATAÇÃO COLETIVA, instalando MESAS DE NEGOCIAÇÃO articulada, de âmbito nacional, estadual, municipal e local, subordinadas aos Conselhos de saúde dos respectivos âmbitos.

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Esses espaços negociais, em se tratando de um serviço público, não devem incorporar apenas os aspectos tradicionais da relação de trabalho, como salário e condições de trabalho, mas também aspectos relacionados ao próprio funcionamento, qualidade, metas estabelecidas no plano diretor de saúde do respectivo âmbito, buscando com isso construir compromissos de melhoria do padrão de atenção à saúde entre os gestores e os trabalhadores, respeitando-se evidentemente o caráter e o papel diferenciado dos gestores e os trabalhadores e suas organizações sindicais.

A razão pela qual esses espaços negociais devem estar subordinados aos Conselhos de Saúde é inclusive para evitar que o famoso corporativismo não contamine o próprio processo de negociação, corporativismo esse que não é prerrogativa apenas dos trabalhadores. Sendo o corporativismo um Fenômeno que se caracteriza pela tentativa de universalizar a visão da parte como se fosse uma visão do todo, este fenômeno também acomete os gestores do SUS.

Pensamos que este conjunto de propostas para um dos maiores desafios do SUS que é as política de recursos humanos, pode contribuir para um grande salto de qualidade na luta pela construção e consolidação desse projeto que é o SUS. Caso não consigamos implementar uma política de RH consoante com os princípios do SUS, não tenhamos dúvidas de que os arautos do neoliberalismo implantarão uma política para o setor que vai na contramão da construção do SUS de boa qualidade, universal e solidário. Esse é o nosso desafio.

JOSÉ RAFAEL GUERRA PINTO COELHO (SES/MG)

Para falar dos problemas e dificuldades do SUS, diria os maiores problemas que o SUS vem enfrentando têm origens históricas. Temos um modelo implantado nos últimos anos de cima para baixo, um resquício ainda do período autoritário do nosso país. Implantado a partir da capital federal, onde se tomavam todas as decisões em relação ao país. Isso tanto na gestão do sistema quanto no financiamento. Ainda como resquício do regime autoritário, temos uma enorme centralização da receita a nível federal. Falamos sempre na descentralização e municipalização do SUS, mas os instrumentos fundamentais de financiamento do SUS estão no nível federal. Diria que a partir da Constituição de 1988, estamos todos aprendendo a trilhar um caminho do autoritarismo para democracia, da centralização para descentralização. Da centralização que começou, por exemplo, no Instituto Nacional da Assistência Social do INANPS, e que agora percorre a passos difíceis, o processo de descentralização para os Estados e Municípios. Temos hoje, é verdade, muitos avanços, como cento e vinte e quatro Municípios em gestão semiplena no país. Mas são oito anos de trabalho para chegarmos neste número. Diria, ainda, que temos outros resquícios desse modelo centralizador e vertical ainda dentro desse nosso sistema a centralização de diversos setores da administração federal da área da saúde, como a Fundação Nacional da Saúde, a Vigilância Sanitária, a Central de Medicamentos, o Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição, na sua maioria órgãos que têm a decisão política nos seus setores, absolutamente, centralizadas, quando a participação dos gestores Municipais e Estaduais, raramente são ouvidas, com o mínimo de delegação de ações e de decisões para os Estados e Municípios. Diria também, que muitos ainda são programas verticais existentes no sistema de saúde no nosso país, tais como, apenas para citar vários dessas programas, diria que tem méritos e qualidades, mas também, apresentam os defeitos e os vícios da verticalidade, tais como,

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as próprias coordenadorias na área de endomias, no programa de redução da mortalidade infantil, no programa de saúde da mulher e de prevenção do câncer da mulher, a coordenadoria de doenças sexualmente transmissíveis e AIDS. Seqüencialmente, as decisões são centrais, apenas repassadas para serem cumpridas à Estados e Municípios. Diria ainda, que um outro problema do SUS decorre do próprio modelo instalado no nosso país ao longo de décadas, é o modelo hospitalocêntrico. Fortemente pressionado pela indústria da tecnologia na área da saúde e pela indústria farmacêutica e, com isso, é um modelo que tem privilegiado o alto custo, os procedimentos de alto custo, e os procedimentos que consomem a alta tecnologia na área da saúde. Isso tem nos levado a dar menos atenção ao paciente hipertenso, diabético, por exemplo, na sua vida diária para que não chegue a hemodiálise e ao transplante renal. Oferecemos as possibilidades para hemodiálise e para o transplante renal, talvez, não da forma como gostaríamos, mas certamente, não estamos nesta área e em muitas outras privilegiando a promoção da saúde e a prevenção da doença. Esse modelo pressionado pela indústria de equipamentos e pela indústria farmacêutica, é um modelo que tem levado muito a área curativa e a especialização na área da saúde. Especialização precoce, diria até mesmo, a superespecialização, essas pressões não se exercem apenas sobre o Ministério da Saúde e sobre o Sistema Único de Saúde, mas, se exercem sobre a estrutura formadora de recursos humanos no nosso país. As nossas universidades, tradicionalmente, têm se dedicado muito mais a formação de especialista, a especialização precoce, desde o curso de graduação do que a formação de profissionais generalistas. Hoje temos por exemplo, falta de recursos humanos para o programa de saúde da família, temos dificuldade de encontrar os profissionais formados adequadamente para o programa de saúde da família, para os programas de saúde coletiva, de atenção básica a saúde a assim por diante. Essa pressão têm se exercido nas universidades através de décadas hoje já está mais que clara a necessidade de formação de recursos humanos para o SUS e o tipo de recursos humanos, o perfil de formação dos profissionais que o SUS necessita. E preciso que as universidades brasileiras venham a se adequar a essa necessidade da população e a realidade brasileira, esse modelo hospitalocêntrico acaba sendo comandado por todos aqueles setores que vivem e sobrevivem da doença e não da saúde, portanto, em contraposição a prevenção e a promoção da saúde. Essas pressões também, se exercem por outros setores mercantilistas da sociedade, que sobrevivem da doença, como todos planos de saúde, todos os seguros, que implantam na nossa sociedade, com uma ênfase à medicina curativa, porque sobrevivem da doença, senão houver essa pressão para que se realize os procedimentos curativos o lucro será menor.

Da mesma forma, todas essas pressões, sem dúvida, tem levado a remuneração sempre inferior para todas as atividades de promoção a saúde, de prevenção a doença e de atenção ambulatorial, isso naturalmente, como conseqüência, traz uma menor valorização do profissional generalista, portanto, todo e um processo em cadeia de pressões que se exercem sobre a saúde pública de setores que não têm interesse que a saúde pública funcione bem.

Outro ponto que vou abordar superficialmente, porque tenho certeza que o Dr. Elias irá falar, é a questão do financiamento. Temos ouvido cada vez mais, falarem nos diversos níveis de governos e nos gestores públicos, mas será verdadeira essa prioridade? A nossa Constituição não destinou recursos, não existem nos três níveis de governo no nosso país, nenhuma decisão clara a respeito dos recursos orçamentários de cada nível de governo, que devem ser destinados à saúde, embora seja reivindicação dos

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trabalhadores da saúde pública, desde a VI Conferência Nacional, de que os três níveis de governo destinem um mínimo de 10% para as ações de saúde, vejo, portanto como da maior importância que dessa Conferência saia uma decisão clara, uma proposta clara, em relação a Reforma Tributária em nosso país, que atenda ao Sistema Único de Saúde. Finalmente o último ponto que gostaria de abordar, entre problemas e dificuldades do Sistema Único de Saúde, me refiro as questões éticas.

Assistimos ao longo de décadas a desvalorização dos profissionais, levando-os a múltiplos empregos e veículos, com o conseqüente desgaste psíquico, emocional, físico, pagamento por produtividade a valores ridículos, isso sem dúvida, tem trazido a uma redução ao respeito e na atenção ao paciente, Dr. Eduardo Levcovitz já fez uma referência a dignidade do paciente, a necessidade de tratá-lo com afeto e com a atenção que merece, mas temos um modelo assistencial que força os profissionais de saúde a trabalharem, constantemente, sob pressão, por produtividade e mal remunerado, isso, evidentemente, recai sobre o paciente. A relação médico/paciente, desaparecem no nosso sistema de saúde, a grande maioria dos médicos e dos profissionais, não sabem o nome de seus pacientes, e pior ainda, a grande maioria dos pacientes, também não sabem nem o nome de seu médico. Essa é uma relação médico/paciente, fundamental em qualquer processo de atenção a saúde e é uma questão ética da maior importância e mais uma vez levo esse repto e essa crítica, a universidade brasileira que não tem feito essa discussão sobre a ética na saúde pública. Creio que depois dos palestrantes que me antecederam, esses eram os pontos fundamentais que gostaria de abordar, em relação às dificuldades do SUS, em termos filosóficos de implantação de modelo e de política de saúde.

NEIDE REGINA COUSIN BARIGUELLI (Representante dos Usuários)

Como usuária representando os portadores de patologias e deficiências, sou forçada a fazer uma análise mais imediatista, pois enfrentamos os problemas em nosso dia a dia, e além de sermos uma categoria maldita no SUS, pois a alta complexidade ninguém quer. Ninguém quer o alto custo, somos renegados no sistema de saúde, só somos aceitos pelos empresários de saúde que visam o lucro, apesar de ter sido bastante enfatizado nesta Conferência, não podemos deixar de fazer uma análise do SUS, considerando o conteúdo ideológico do mesmo. A constituição de 1988, no capítulo de saúde, foi uma vitória das forças progressistas do pensamento sanitário, éramos pessoas preocupadas com os direitos da cidadania e acreditávamos que os princípios por nós defendidos, seriam facilmente implementados, hoje no entanto, não podemos mais ter ilusões, existem no país forças retrógradas que defendem interesses econômicos que são contra a efetiva implantação do SUS, são por exemplo, parlamentares. Veja se o comportamento dos mesmos na votação da CPMF. O que dizer de representantes da população, que não querem mais verbas para tirar a saúde do caos. São também, alguns funcionários da máquina administrativa, colocados em postos chaves, que parecem ter a finalidade de impedir que o SUS avance. É claro que estão ali a defender interesses. São ainda os empresários de saúde, que querem o lucro em cima da doença do povo brasileiro, é raro o grupo empresarial médico, que não está vinculado por convênio ao SUS, sem contar os donos dos planos privados de saúde, que a margem de qualquer regulamentação, impõe exclusões e limitações de atendimento. Nós usuários, temos sido atendidos no decorrer dos anos e somos as maiores autoridades para apontar as deficiências do SUS, que vivemos na pele e que às vezes custa a nossa própria vida. A organização das associações e movimentos da saúde, tem levado uma participação mais efetiva nos

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conselhos de saúde, mas ainda é muito precário. Muitos conselhos ainda tem seus membros escolhidos por Prefeitos e autoridades locais de saúde, que nomeiam pessoas sem representação, que acabam servindo a interesses, às vezes até contrários a melhoria da qualidade da saúde e da vida da população. É necessário que a população organizada tome o seu lugar nos conselhos, para que o SUS funcione com a nossa efetiva participação. Este é um ponto onde a fragilidade do SUS, tem levado a conseqüências danosas, o controle social efetivo e necessário, mas precisa ainda ser conquistado. Outro ponto, é a falta da compreensão dos partidos políticos sobre o que é participação popular, partidarizando as representações, em prejuízo da participação do cidadão comum. Quero me voltar agora, para os problemas concretos que enfrentamos. Perdemos a nossa dignidade a procura de remédio, que nunca encontramos, esquecemos nossa cidadania nas filas, nas macas, nos corredores, a espera de uma internação, devemos lembrar também, que somos desrespeitados por maus profissionais de saúde, mau preparados, que se esquecem, que são funcionários do povo e que nos devem respeito. A capacitação mais humana desses funcionários, deve ser vista com melhor atenção pelos cidadãos encarregados pelos recursos humanos, lembro no entanto, que a melhoria das condições de remuneração e trabalho do pessoal de saúde, está presente em nossa luta. O SUS não deu certo, em alguns setores com uma situação dramática a que são submetidos contingentes enormes de pacientes que precisam de medicamentos. O envelhecimento da população acarreta um aumento de consumo de remédios de uso contínuo, além das patologias que envolvem medicamentos de alto custo, especialmente o caso dramático da AIDS, renais crônicos e outras patologias. Também não deu certo a parceria do SUS com setores privados ou conveniados. Não é atoa que, por trás de tragédias, de Caruaru e Santa Genoveva, estavam pessoas só interessadas no lucro, o dito setor complementar do SUS. O SUS paga, não fiscaliza e não exige qualidade, em conseqüência, dá margem para crítica e exploração da imagem negativa. Esses parceiros do SUS, não estão fazendo filantropia, praticam o lucro e morte, quando deveriam defender a saúde e a vida. Estamos falando do que não deu certo, mas já é possível falar, no que não vai dar certo no SUS. Muitas unidades do SUS, hospitais universitários e outras, especialmente em São Paulo, encontraram como falha alternativa para a sobrevivência, a criação de filas duplas, entregam parte da infra estrutura e recursos humanos para convênios e particulares, com o pretexto que isso vai ser revertido para o SUS. É uma falácia, estão criando cidadãos de primeira e segunda linha, contra o princípio da universalidade do SUS, e outros não mais além, entregam toda a rede pública para o privado, esfacelando o pouco que construímos, praticando uma exclusão, que denunciamos, que é igual aos planos de saúde, que é o PAS do Prefeito Maluf de São Paulo, que não tem dado o atendimento integral a população, e tem sido uma enganação. O nosso discurso de usuário pode parecer pessimista, mas não podemos deixar de acreditar na consolidação dos nossos ideais, esta Conferência é a prova de que a doença que ameaça a saúde, tem cura. A cura chama-se esperança e vontade da transformação. Queria dizer para finalizar, que temos todos unidos, que garantir a permanência do ministro Adib Jatene à frente do Ministério, porque sem ele, corremos o risco de não conseguirmos implantar o SUS.

ELIAS ANTÔNIO JORGE (CNS)

O que falarei a vocês está publicado no Jornal do CONASS. O colega da Bahia fez uma sinopse e algumas cópias para vocês. Depois da intervenção da Neide, começarei pelo final do meu texto. Vim dizer que aonde se construiu o SUS, deu certo. Onde, ainda não conseguimos construir o SUS é que não deu certo. É como se disséssemos que "o

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ministro é careca, João é careca", logo, concluo que João é Ministro. O serviço de saúde, que está por aí, é chamado de SUS; ele é caótico, então, dizem que o SUS é caótico. Isso, é de uma incorreção política total, precisamos colocar, claramente, que estamos nesse espaço na perspectiva da construção do SUS. Para mim, não existe a hipótese do SUS que deu certo e a que não deu certo.

Quem acha que a saúde deve ser pública e gratuita, levante o braço, só para vermos qual é a posição do auditório. Já esperava este tipo de manifestação, mas lamentavelmente, vou dizer a vocês, que vão continuar esperando por isso, porque o principal problema do SUS, o pré-problema de todos é compreender o que é público e o que é gratuito. Público é o que é do povo, mas a sociedade brasileira tem tratado o que é público, como se não fosse de ninguém, ou na pior das hipóteses, aquilo que é do Estado. Precisamos de uma evolução cultural enorme para podermos construir, na cabeça das pessoas, de que público é o que é de todos, e não aquilo que é de ninguém. Esse é o primeiro conceito básico que temos de trabalhar, senão não construímos a essência do SUS. O segundo, é esse equívoco, em que todos aqui levantaram a mão; não é preciso vaiar. A verdade é que não existe, absolutamente, nada que é gratuito. É um equívoco dizermos que a saúde, a educação, são gratuitas. Está inclusive na constituição que é gratuito, mas não é. Cada procedimento, custa caro e quem paga isso é o consumidor, em última instância, é o público. Por isso, ele tem o direito de fazer o mais rigoroso controle social sobre todos esses recursos. É um equívoco histórico, imaginarmos que existem coisas gratuitas, elas são caríssimas, e na saúde tendem a ficar cada vez mais caro. Precisamos de recursos para poder assegurar o atendimento à saúde.

Destaquei do conjunto de problemas do SUS, a questão do financiamento. O texto que trouxe chama-se: "Financiamento do SUS, a problemática". Estou usando a expressão do filósofo mineiro, famoso jogador de futebol, "Dadá, peito de aço", que estava cansado de problemática e disse que queria "solucionática".

Tomei como referência, o relatório da Comissão de Acompanhamento Orçamentário e do Conselho Nacional de Saúde. Nesse último relatório, feito no início do mês de agosto, tinha as seguintes constatações: primeiro. a execução de 1996 está menor do que a de 1995. Se corrigirmos os valores de 1994, se continuar no mesmo ritmo, teremos uma execução este ano, pior do que a de 1994. Esse é problema atual, no que diz respeito ao financiamento. Constatamos nos estudos feitos no Conselho Nacional de Saúde, que nos seis primeiros meses do ano foram pagos de juros, encargos e amortização da dívida interna e externa, 14 bilhões de reais, o dobro do que foi gasto pelo Ministério da Saúde nos sete primeiros meses do ano, ou seja, de janeiro a 31 de julho, o Ministério gastou 7 bilhões; de 1º de janeiro a 31 de junho, gastamos com a dívida interna e externa, 11 bilhões de juros, e 3 bilhões de amortização. Se isso não fosse grave, apesar de ter pago os juros e a amortização da dívida, ela cresceu de 31 de janeiro a 30 de junho cresceu de 86 bilhões para 101 bilhões. Esses dados foram retirados dos documentos oficiais que o Tesouro Nacional nos fornece e é objeto de análise pelo Conselho. É obvio que não sobrará dinheiro para o reajuste do pessoal. Os funcionários federais, estão com os salários congelados desde 1º de janeiro de 1995 e o contra cheque deles é apelidado de "nada consta". Em um quadro desse, não é possível dizer que o problema é com a assistência. O per capta de uma criança na creche é de R$ 14,00 agora passará para R$ 17,00 mensais. O internamento asilar, na área de assistência é de R$ 50,00 mensais. Também não dá para culpar a Assistência Social 80% dos segurados da Previdência Social, dos 15 milhões de benefício, 12 milhões

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recebem a "vultosa" quantia de R$ 102,00 mensais, que é o salário mínimo. Obviamente, os problemas não estão no pessoal, na Previdência, na assistência e na saúde.

Observamos no relatório, que o horizonte 1996-1997, não é nada animador. Fizemos uma proposta de orçamento para o próximo ano, no Conselho Nacional de Saúde, e ela foi levada para o Conselho de Seguridade Social, que aprovou. A área técnica, econômica do governo, fez uma série de cortes encaminhou para o congresso, uma proposta de 20 bilhões que era a mesma para este ano, depois houve um corte de 6 bilhões, que era a previsão do CPMF. Estamos com 14 bilhões previstos, talvez cheguemos em 17 bilhões, até o final do ano. O que acontecerá, é que a chamada "herança maligna" que é uma marca dos orçamentos da saúde, que é o seguinte: o orçamento de 1996 foi contaminado pelas dívidas contraídas em 1995; O orçamento de 1997, certamente será contaminado pelas dividas que restarão de 1996. Mesmo com algum incremento, a perspectiva é nada animadora. Para concluir essa primeira abordagem da problemática, temos o seguinte fator agravante: um estoque de reservas cambiais lá fora. Cada um de nós, deve aproximadamente U$ 1.500,00 já que a dívida pública também é do povo. Calculo que devemos U$ 800,00 pelo pedaço de cidadão federal; U$ 400,00 pelo pedaço de cidadão estadual, e U$ 300,00 pelo pedaço de cidadão municipal. O setor público está, absolutamente endividado nas três esferas, mas se temos dívidas, temos também reservas lá fora. Temos U$ 60 bilhões de dólares de reserva cambial. Alguns acham isso bom, acho isso horroroso porque esses 60 bilhões são aplicados a 5% ao ano. Isso rende 3 bilhões por ano, mas para termos essa reserva, o governo é obrigado a emitir títulos e pegar dinheiro interno emprestado, pagando 30% ao ano. Então, para ter 60 bilhões de dólares, de reserva cambial, a diferença é de 15 bilhões por ano. É como um indivíduo, muito prestigiado, fosse ao Banco do Brasil, tirasse todo seu dinheiro da Conta Ouro, atravessasse a rua e abrisse uma poupança na Caixa Econômica e o gerente lhe desse um cheque azul. Daí ela volta ao Banco do Brasil, abre uma caderneta de poupança e diz para todo mundo, que tem caderneta de poupança na Caixa e no Banco do Brasil. Só que a poupança rede 1% ao mês e o cheque especial custa 8% ao mês. Qualquer pessoa que fizesse isso, seria internado e interditado. Todos enquanto nação, estamos sendo obrigados por razões de Estado, a ter esse tipo de procedimento. Levanto esta questão, porque temos que irmos às origens. As origens do problema de financiamento do SUS, não começaram agora. Esse livro que estou mostrando, traz a série histórica da dívida brasileira desde 1883. Começamos a ter problemas de financiamento do SUS em 1883.

Esse outro livro, mostra o gasto social federal e o investimento na infância. É um trabalho do Sérgio, Piola, Solón, Vinícius, publicado pela UNICEF em janeiro deste ano. Traz uma retrospectiva de 1986 até 1993. Na página 15, aonde tem: "Gastos com a previdência, com a assistência e com a saúde" que compõe o conceito de seguridade social e o identifiquei com o segundo problema. Temos três ordens de problemas. Primeiro, a dívida que começa em 1883 e irá causar esses tipos de problemas, hoje: o financiamento das várias políticas públicas. A previdência social brasileira, começou em 1923 e os recursos da previdência foram tratados de modo imprevidente o tempo todo, tanto que está no Congresso Nacional, sendo discutido, não é reforma da Previdência e sim, a reforma da imprevidência brasileira, ou seja, usar os recursos para múltiplas finalidades. O setor público não recolheu os recursos, e agora está muito deficitário.

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O problema mais grave e poder parecer que estou doido, é o descumprimento sistemático da legislação.

Terminarei a minha intervenção, propondo que montemos uma frente para conseguirmos novas leis.

Fiz uma conta rápida de 1990 em diante. Tínhamos determinação legal. A constituição previu que 30% do orçamento da seguridade social teria que ir para o setor saúde, e isso tinha que figurar na lei de diretrizes orçamentárias. Figurou de 1990 a 1993. Somando o dinheiro da Previdência, da Assistência e da Saúde, temos o orçamento da seguridade e 30% deveria ir para a saúde, mas não foi em 1990, 1991, 1992 e nem 1993. Isso estava bem quieto, na Lei. Chegou em 1992 começamos a exigir o cumprimento da lei. Sabe o que conseguimos? Que o Presidente da República vetasse esse dispositivo da LDO. Quando começamos a exigir, eles votaram no Congresso a proposta de dar 30% para o orçamento da Saúde, na LDO. Não cumpriram em 1991, 1992, 1993, 1994 e 1995. Parei em 1995, porque até 31 de dezembro deste ano, estávamos cobertos pelo plano Pluri Anual - PPA, que trato como "plano puramente abstrato" porque as coisas se figuram lá dentro, mas não são concretizadas. Para vocês terem uma idéia, isso não é qualquer plano, é uma lei que só pode ser alterada por uma lei especial. Nesse PPA, até 31 de dezembro de 1995, estava que 30% do dinheiro da seguridade tinha que ser destinado à Saúde, mas tinha mais; a quarta parte do que a previdência arrecada teria que ser destinada ao setor saúde. Apesar disso, não conseguirmos nem que os 15,5% de 1993 fossem repassados para o Ministério da Saúde. A partir disso, a saúde está financiando o déficit da previdência, porque se a Previdência tiver déficit, o tesouro é obrigado a cobrir. Está na Lei de Custeio, art. 16, parágrafo único. Mas se a saúde tiver déficit, o Tesouro não é obrigado a cobrir, então, é importante gerar déficit na saúde para cobrir o déficit da previdência com os recursos que seriam destinados à saúde, sei que tem muita gente jovem no auditório, vocês não devem se lembrar disso, mas antigamente o trabalhador descontava 6% para a Previdência Social, não tem ninguém aqui que foi descontado 6%, porque o auditório é todo jovem. Depois isso passou para 8%. Esse acréscimo de 2%, a justificativa dele era: para atender os dispêndios com assistência médica, ou seja, 2 dentro de 8, isso quer dizer, exatamente, a quarta parte de 8, ou seja, não é de graça que estava na Lei do Plano Plurianual, que 25% daquela arrecadação do INSS, devia ser destinada para a Saúde, não estou querendo que destine o dinheiro para a saúde e deixe a Previdência descoberta, não é isso. Estou tentando reafirmar aqui, é o princípio constitucional que está na capítulo da seguridade social, da diversidade de fontes de financiamento. Estou só tentando recuperar um pouco da história dos nossos problemas, porque se conseguirmos identificar com clareza os nossos problemas, podemos pensar em começar a construir as nossas soluções.

Do ponto de vista de construção de soluções, destaco como um dos eventos mais importantes, a oficina de financiamento, que foi realizada em Macéio, em maio do não passado. Considero todo mundo que está interessado em discutir financiamento da saúde, deve ter como leitura obrigatória, o relatório final dessa oficina, porque ninguém vai inventar nada muito mais novo do que está lá dentro.

Todas as coisas que vocês imaginarem sobre financiamento da saúde estão postas lá, solução emergencial, CPMF, solução estrutural, que é a vinculação constitucional, soluções alternativas várias, inclusive, uma que me é muito simpática a exigência de um selo seguridade sobre o cigarro e bebidas, se o cara é doido, quer fumar e envenenar o

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ambiente, tudo bem, faça isso, mas pague para a seguridade social, porque esse cara é cliente da saúde, da assistência e da Previdência. Tenho cinco minutos para encher os fumantes e quem gosta de beber. Bebida alcóolica e refrigerante que é uma desgraça para saúde bucal do indivíduo, ela acaba com o cálcio do organismo, então tem de colocar um selinho, antigamente tinha um selinho nas garrafinhas, então porque não cobrar o selo da seguridade, sobre cigarro e bebida, estou dando só, uma das múltiplas propostas que estão dentro do relatório da oficina de Macéio. Só essa fonte seria capaz de gerar dez bilhões de reais por ano, mas com uma outra vantagem, se o "cara" não quiser fumar, ótimo, melhor para a saúde, melhor para a saúde financeira, tanto da Previdência, tanto da Assistência, tanto da Saúde. Se diminuir o cigarro e a bebida, vai diminuir o cigarro e a bebida, vai diminuir a violência no lar, no trânsito, etc. Então, acho que temos alternativas claras, sobre as quis podemos operar. Na Câmara hoje, há três propostas principais: A proposta do Eduardo Jorge, que é 30% do orçamento da seguridade social e 10% de receita de Estados e Municípios, há a proposta do Carlos Mosconi, que é especializar as fontes, lucro e fonte CONFINS, do ponto de vista de dinheiro, as duas vão dar a mesma quantidade, do ponto de vista de princípio, acho que a proposta de diversidade de fontes é melhor do que a de especialização. Tem a proposta do Pinnoti, de 5% do PIB. O que estou trazendo para efeito de reflexão nesta Conferência. Acho que agora vai ser discutido no Senado a reforma da "imprevidência" e vai nos agredir, está agredindo a Assistência Social, porque está mexendo na essência da lei 8.742, que é a lei orgânica da Assistência Social, quando trato do repasse, vão redefinir os critérios de repasse, estão mexendo na lei 8.080, porque vão dizer que a nova lei vai definir a sistemática de repasse dos recursos para Estados e Municípios, ou seja, estão agredindo a essência do projeto de alteração do Estado concentrador, para o Estado que descentraliza e coloca o controle social perto do cidadão, na Assistência e na Saúde, isso com o nome de Reforma da Previdência. Então, acho que vamos ter de intervir nesse processo, sendo contra, não querendo que aconteça ou sendo a favor, temos de ir lá para dentro intervir politicamente. Ao discutir a Reforma da Previdência , o artigo 195 que é o que trata do financiamento da Seguridade Social está lá dentro, então é absolutamente, oportuno e adequado colocarmos a discussão sobre financiamento da seguridade social lá dentro e sobretudo, a discussão do financiamento do SUS e o da saúde é absolutamente pertinente, queria que vocês refletissem sobre isso. Não estou falando de nenhuma proposta específica. Reunimos todas as propostas que há na Câmara e no Senado e vamos nos articular politicamente para fazermos pressão em cima do Senado, para conseguirmos uma solução estável, vou dizer claramente, não existe possibilidade de financiamento estável para a saúde, se não houver financiamento estável para a Seguridade Social como um todo, para a Saúde, Assistência e Previdência Social, temos de colocar isso na nossa cabeça. O grande impedimento para conseguirmos neste momento, o financiamento estável para a Seguridade Social, é o fato de que no país, temos uma única política pública em vigor. Temos uma política só, que é a política da estabilização da moeda, é como se tivéssemos eleito uma imperatriz, que é a política de estabilização e todas as outras políticas públicas, passassem a ser damas de companhia, meras figuras decorativas, sem rosto, sem personalidade, sem nenhuma importância. É isso que explica, por exemplo: O Fundo Nacional de Emergência, é isso que explica o Fundo de Estabilização Fiscal. O que estes fundos fazem: eles têm o objetivo de desvincular receitas da seguridade social, para cobrir buracos do orçamento fiscal, ou seja, o contrário do que está previsto no terceiro livrinho, que todo mundo deveria ter, chamado Constituição Federal. No livrinho está dizendo que, o que você arrecada como fonte da seguridade social, só pode ser aplicado na seguridade social e além disso, fontes fiscais ou seja, tributos, impostos,

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vão ser agregados para cobrir os dispêndios da seguridade social, o que está acontecendo, na verdade, é uma mão invertida, ou seja, a seguridade social está financiando dispêndios que deveriam estar sendo cobertos por fontes fiscais. Qual é o exemplo mais acabado disso: o Fundo Social de Emergência e o Fundo de Estabilidade Fiscal. É como se tivéssemos suplementação alimentar, para a política imperatriz e inanição para as demais políticas públicas sociais. No quadro que estamos vivendo na saúde, não é muito diferente, na Educação também, na Assistência também não, bem como, nas demais políticas sociais. Para concluir, queria destacar o seguinte: Acho que a X Conferência é o espaço, absolutamente fundamental, não só para virmos aqui discutir e voltarmos para as bases e dizer: estivemos lá e discutimos, podem aprovar quinhentos itens, mas digo-lhes, quanto menor capacidade de mobilização tivermos maior será a capacidade de geração de resoluções. Se tiver mil resoluções será inversamente proporcional a nossa capacidade de mobilização e de articulação, tem sido isso historicamente. Estou muito preocupado que saiamos desta Conferência com saldo organizativo concreto. Em relação ao conjunto de problemas do SUS, o principal não é o de financiamento, no momento o principal é o de sobrevivência. O Leprovit disse bem: A proposta de SUS é a única proposta concreta de Reforma do Estado, que existe. Por isso, que ela não pode dar certo, está sendo sabotada, inicialmente, através do desfinanciamento. Por isso temos de insistir para que ela dê certo. Proponho que construamos, a partir da X Conferência, um fórum permanente amplo, em defesa do SUS, da Seguridade Social e do financiamento estável, para que o SUS vá para a Seguridade Social, como um todo. Se sairmos daqui, com esse tipo de articulação política, vamos poder potencializar nossas ações.

Concluo dizendo, que aonde tem SUS, deu certo, aonde não tem, ainda, não deu certo e financiamento não resolverá os problemas do SUS, que são muitos, mas um financiamento estável, é condição, absolutamente necessário, para que possamos de fato, implementar o SUS e não chamar essas imitações de SUS.

EDUARDO LUIZ ANDRADE MOTA (CONASEMS)

Cabe-me, nessa Mesa Redonda, finalizar a série de brilhantes exposições, tal como percebemos. Deve-se dizer que queremos muito mais do SUS do que apenas um sistema público de saúde eficiente e eficaz, embora isso pudesse ser suficiente se fosse realidade em todos lugares do país, mas, infelizmente, ainda não o é. Quando a população brasileira optou pelo SUS, afirmou, e reafirma, que saúde é parte do conjunto de direitos e deveres sociais; direito de todos e dever do Estado, que se desdobra em: educação; moradia; oportunidade de emprego e de trabalho na cidade e no campo; renda mínima digna; boas condições de trabalho; segurança; promoção do bem-estar; cultura e lazer para todos. O SUS, portanto, significa mais do que serviços de saúde para uma sociedade mais justa que desejamos. Um sistema de saúde existe e é aceitável na medida que contribui para a qualidade de vida de todos.

As dificuldades para plena implementação do SUS têm determinação na própria história do desenvolvimento dos serviços públicos de saúde no Brasil. Têm, dessa forma, caráter político, que se traduz nos principais focos de atenção dessa X Conferência Nacional de Saúde, e que podem ser agregados no âmbito das políticas públicas, como vimos nas exposições que me antecederam. Podemos citar os problemas de formulação e implantação de modelos de atenção à saúde, que respondam adequadamente às demandas e que melhorem a qualidade de vida; as dificuldades do estabelecimento de

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um modelo de gestão, que possibilite a consolidação da atenção à saúde que desejamos; as dificuldades em fazer avançar a concretização dos princípios doutrinários do SUS definidos na Constituição de 1988.

O Dr. Elias Jorge falou, brilhantemente, sobre os problemas do financiamento, e citou o Encontro de Maceió, Alagoas, memorável, sem dúvida, quando lembrou as nossas tarefas para assegurar o financiamento pleno da saúde pública no nosso país, uma das principais dificuldades. Os problemas e dificuldades do SUS nasceram no momento que o Sistema tomou forma na Carta Constitucional. É um novo sistema de saúde que enfrenta velhas práticas de um velho sistema que ainda sobrevive, o que significa dizer que o conjunto de políticas de saúde, que deveria transformar em realidade esse novo sistema, ainda é frágil e inconsistente, e está por ser conquistado e apropriado plenamente por todos os segmentos sociais interessados em um sistema público universal, descentralizado, de atendimento integral e equânime. Sistematizar esse conjunto de problemas e dificuldades não é uma tarefa fácil, e não deve e não pode ser um exercício teórico. Deve ser a expressão da necessidade de encontrar soluções que promovam a consolidação do SUS. Faremos uma exposição do elenco de questões que consideramos mais relevantes para a gestão municipal em saúde, tomada aqui como um trabalho conjunto entre a administração local e representações sociais participantes do SUS.

A descentralização da gestão em saúde é o caminho para a plena implantação do SUS, e oferece as bases para montagem da organização de serviços coerente com a realidade local. A descentralização representa um dos maiores desafios desse processo porque se coloca no sentido inverso da história de centralismo da gestão pública brasileira e da ineficácia e ineficiência que caracterizam esse centralismo. A descentralização, representa, ainda, o desafio de reverter a prática habitual de gestão pública que ainda reserva aos municípios um papel subsidiário no conjunto das ações das três esferas de governo.

Estamos iniciando um novo momento para o poder local, e para o seu papel na definição e implementação das políticas públicas. Há ainda que institucionalizar por completo a descentralização. Esta se consolida com muita força onde quer que o movimento político tenha conquistado posições na apropriação coletiva dos mecanismos de definição de políticas, com resultados animadores, reafirmando que este é o caminho. Esse novo momento já apresenta resultados surpreendentes, como a passagem dos modelos de atenção individual, curativo, dependente das internações hospitalares, para os modelos centrados na prevenção e promoção da saúde, com a aplicação, cada vez mais intensa, dos métodos e práticas de vigilância à saúde, de educação e de comunicação em saúde. Esse novo momento que ainda se inicia, tem modificado os indicadores de saúde e de condições de vida. Há inúmeros exemplos positivos de gestão municipal com excelentes resultados. O processo de municipalização, entretanto, tem dificuldades especiais que devemos entender para buscar soluções o mais rápido possível. A partir de 1990, alguns municípios foram levados à condição de prestadores de serviços de saúde e, até esses municípios, enfrentam o desafio de mudar da condição de prestadores de serviços para a condição de gestores do sistema local. A partir da NOB 01/93 cresceu enormemente o número de municípios que se envolveram com o processo de montar o seu sistema local, embora persistam os mecanismos que impedem que os municípios se tornem gestores do SUS. Somente a modificação da lógica do pagamento por serviço prestado, para uma outra lógica que integre planos de saúde e

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seu financiamento, com repasse fundo a fundo de recursos, pode encerrar definitivamente a situação atual que ainda impede que se estabeleça a condição plena de gestão local.

A ampliação da rede de serviços com a cessão de unidades dos Estados para os Municípios, tem apresentado dificuldades e novos desafios. As administrações municipais recebem com essas unidades, todos os problemas inerentes às práticas de gestão que habitualmente os sistemas estaduais ainda executam. Enfrentam, portanto, o desafio de integrar essa rede ao seu conjunto de unidades municipais de serviços. Ademais, a formulação de planos de saúde, a programação integrada ao orçamento, coerente com as necessidades locais, problemas que ultrapassam fronteiras municipais e que exigem a formação de consórcios, representam dificuldades que precisam ser superadas.

Até há pouco, as gestões municipais eram coadjuvantes da execução dos programas verticais, a exemplo da vacinação, de alguns programas de combate às endemias e zoonoses, e só recentemente se começou a adotar a lógica da programação local de saúde, tendo a gestão e o Conselho Municipal de Saúde como principais responsáveis. Ressalta-se a dificuldade de inserir nos orçamentos municipais os investimentos necessários às ações e serviços. Os Municípios têm ampliado sua participação no financiamento do SUS, porém, a distribuição da receita fiscal brasileira deixa aos Municípios a menor parte, como já se ressaltou nessa Mesa Redonda. Infelizmente os recursos estaduais e federais, ainda não são suficientes.

Outro aspecto importante diz respeito a utilização da informação em saúde. A informação epidemiológica precisa ser utilizada para o planejamento e avaliação de serviços. A prática que ainda prevalece não privilegia o atendimento de necessidades para alocação de recursos e para os investimentos. É preciso disseminar informações em saúde, democratizar o acesso à informação em saúde e utilizar a informação para a avaliação da qualidade dos serviços.

Alguns aspectos especiais devem ser ressaltados. Foi exposta aqui a questão dos recursos humanos para o SUS, um conjunto de problemas e dificuldades que ainda não foi devidamente equacionado. A municipalização enfrenta desafios na área de administração de pessoal, tratando-se de diferentes inserções e relações de trabalho, e a fragilidade dos instrumentos legais e normativos que precisam ser modificados e modernizados. Exemplifica-se com o estabelecimento de plano de carreiras, cargos e salários, que ainda não existe na grande parte das administrações municipais. Essa área representa um dos principais desafios para a implantação do SUS.

Os mecanismos de participação popular e de controle social que temos experimentado devem ser constantemente aperfeiçoados. Os Conselhos Municipais nem sempre têm condições de exercer seu papel de deliberação e trabalhar em conjunto com os gestores municipais de saúde Entretanto, os resultados que se demonstram onde os Conselhos encontram condições para exercerem o seu papel, são animadores e excepcionais, principalmente quando os Conselhos são formados através da participação ampla e democrática de toda sociedade. Precisamos acelerar o processo de descentralização e municipalização. Os problemas do SUS podem ser superados com vontade política. Nos lugares onde a vontade política prevaleceu nesse sentido, essas dificuldades foram superadas e se consolidou o SUS, demonstrando ser este, o sistema que a população,

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sabiamente, optou e aprovou na Constituição. O Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde tem sido um parceiro nesse processo, tanto com o Ministério da Saúde quanto com o CONASS e com inúmeras Entidades e Organizações. Precisamos continuar com a descentralização e a municipalização das ações e serviços de saúde.

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