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O credor e o princípio da dignidade da pessoa humana no processo civil e o Pacto De San José Da Costa Rica

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

FRANCIELE KRONBAUER BARCELOS

O CREDOR E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO PROCESSO CIVIL E O PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA

Ijuí (RS) 2015

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FRANCIELE KRONBAUER BARCELOS

O CREDOR E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NO PROCESSO CÍVIL E O PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA

Monografia final apresentada ao curso de graduação em Direito, objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Eloísa Nair de Andrade Argerich

Ijuí (RS) 2015

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Dedico este estudo aos meus pais, à minha irmã, ao meu esposo, aos meus filhos e à minha avó, que de muitas formas me incentivaram e ajudaram para que fosse possível a concretização deste sonho.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço а Deus, pela vida, força, coragem e saúde em todos os momentos da minha vida e, em especial, por me permitir cumprir com êxito esta jornada acadêmica.

À Eloísa Argerich, minha orientadora, por sua dedicação, esforço e empenho, e apesar de sua atribulada agenda e dos contratempos enfrentados, soube conduzir com maestria a finalização deste estudo.

Aos meus pais, meu esposo, meus filhos e à minha avó, que me apoiaram para que eu enfrentasse todas as dificuldades do caminho, o que me fortaleceu para a conclusão deste estudo monográfico.

Aos meus colegas de curso, amigos e demais professores que me proporcionaram conhecimento e aprendizagem, os quais fizeram parte da minha formação е vão continuar presentes em minha vida.

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RESUMO

O presente estudo monográfico analisa o credor e o princípio da Dignidade da Pessoa Humana no Processo Civil brasileiro e no Pacto de San José da Costa Rica. Destarte, conceitua, caracteriza e aborda os fundamentos e as dimensões do princípio da Dignidade da Pessoa Humana até chegar ao conceito e características de credor e devedor e a dificuldade daquele (credor) em receber seus créditos deste (devedor) com a impossibilidade da prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro. Em seguida, o estudo aborda o processo de formação, os aspectos materiais e formais dos Tratados Internacionais e o aparente conflito entre a Constituição Federal de 1988 e o Pacto de San José da Costa Rica e, por fim, faz uma análise jurisprudencial para demonstrar a violação do princípio da Dignidade da Pessoa Humana em face do credor.

Palavras-chave: Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Credor e devedor. Depositário infiel. Pacto de San José da Costa Rica.

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ABSTRACT

This monographic study analyzes the principle of Human Dignity in the face of the lender in the Brazilian Civil Procedure and the Pact of San José, Costa Rica. Thus, defines, characterizes and discusses the fundamentals and the dimensions of the principle of Human Dignity until you get the concept and lender characteristics and debtor and the difficulty that (creditor) to receive their credits this (debtor) with the inability of the civil prison of an unfaithful trustee in the Brazilian legal system. Then, the study addresses the training process, the material and formal aspects of international treaties and the apparent conflict between the Federal Constitution of 1988 and the Pact of San José, Costa Rica and finally makes a jurisprudential analysis to demonstrate violation of the principle of Human Dignity in the face of the lender.

Key words: Principle of Human Dignity. Lender and borrower. Unfaithful trustee. Pact of San José, Costa Rica.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 7

1 CONCEITO E CARACTERÍSTICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ... 9

1.1 Fundamentos do princípio da Dignidade da Pessoa Humana ... 15

1.2 As dimensões do princípio da Dignidade da Pessoa Humana ... 16

1.2 1 Dimensão ontológica da dignidade ... 17

1.2.2 Dimensão comunicativa e relacional da dignidade da pessoa humana ... 18

1.2.3 Dimensão negativa e prestacional da dignidade ... 19

1.3 As dimensões da dignidade da pessoa humana e sua compreensão constitucional e do pacto de San José da Costa Rica ... 19

2 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA EM FACE DO CREDOR NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E NO PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA ... 22

2.1 Conceito e características do credor e devedor na legislação brasileira ... 22

2.1.1 A dificuldade do credor de receber seus créditos do devedor com a impossibilidade da prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro .... 24

2.2 Pacto de San José da Costa Rica ... 28

2.2.1 Processo de formação dos tratados internacionais ... 31

2.2.2 Aspectos material e formal dos tratados e convenções internacionais ... 33

2.2.3 Aparente conflito entre CF/88 e o Pacto de San José da Costa Rica ... 35

3 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DE CASOS QUE DEMONSTRAM A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA EM FACE DO CREDOR ... 39

3.1 Caso 1 – Apelação Cível nº 70052487386, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS (julgado em 27/08/2015) ... 39

3.2 Caso 2 – Apelação Cível AC 70043443860/Tribunal de Justiça do RS (julgado em 18/06/2015) ... 40

3.3 Caso 3 – Recurso Especial nº 979.505/PB, STJ, Segunda Turma (julgado em 26/08/2008 e publicado em 20/10/2015) ... 41

3.4 Argumentos interpretativos da generalização das decisões judiciais baseado na derrotabilidade do credor ... 42

CONCLUSÃO ... 45

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INTRODUÇÃO

Este trabalho de conclusão de curso apresenta um estudo sobre a utilização do princípio da Dignidade da Pessoa Humana no Processo Civil brasileiro e no Tratado Internacional – Pacto de San José da Costa Rica, que impossibilita a prisão civil do depositário infiel no Ordenamento Jurídico brasileiro, acarretando, portanto, dificuldades para o credor receber seus créditos diante do devedor.

Para a realização do estudo foram efetuadas pesquisas bibliográficas e em meio eletrônico, a fim de enriquecer a coleta de informações e permitir um aprofundamento no estudo do princípio da Dignidade da Pessoa Humana em face do credor, quando se trata do inadimplemento da obrigação pelo devedor.

No primeiro capítulo faz-se uma abordagem conceituando e caracterizando o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, abordando os fundamentos, as dimensões ontológica, comunicativa e relacional, negativa e prestacional da dignidade e sua compreensão constitucional e do Pacto de San José da Costa Rica.

O Pacto de San José da Costa Rica foi recepcionado anterior à edição da Emenda Constitucional n. 45/2004, portanto, possui o status de Norma Supralegal. Justifica-se, assim, a realização desta pesquisa, cujo objetivo é analisar o referido documento e verificar se não há conflito com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88).

No segundo capítulo aborda-se com maior ênfase o conceito e as características de credor e devedor e a dificuldade que o credor tem de receber seus créditos do devedor com a impossibilidade da prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro.

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Em seguida estuda-se o processo de formação, os aspectos materiais e formais dos Tratados Internacionais e o aparente conflito entre a Constituição Federal de 1988 e o Pacto de San José da Costa Rica.

No terceiro e último capítulo apresenta-se uma análise jurisprudencial que demonstra a violação do princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a utilização de argumentos interpretativos da generalização das decisões judiciais, baseado na teoria da derrotabilidade do credor.

Por fim, cabe esclarecer que é com o intuito de verificar a garantia que o credor possui frente ao inadimplemento do devedor que se realizou este estudo, sendo que para este a legislação é bem mais benéfica. A utilização do princípio da Dignidade da Pessoa Humana para a proteção do devedor, portanto, causa certo desequilíbrio em face do credor.

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1 CONCEITO E CARACTERÍSTICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Não é tarefa fácil definir o significado da dignidade da pessoa humana, pois são muitas as dimensões utilizadas para explicá-lo, sendo um conceito subjetivo e indeterminado, que pode ser utilizado de acordo com cada caso concreto.

Para começar a entender o princípio da Dignidade da Pessoa Humana é necessário analisar, mesmo que de forma breve, os aspectos encontrados em outras culturas. A opção adotada, portanto, foi realizar uma análise acerca desse tema partindo de critérios que embasaram a concepção jurídica que atualmente prevalece no Estado brasileiro.

A positivação da noção de dignidade é uma conquista recente da civilização, mas não se pode deixar de mencionar que algumas contribuições são importantes para a compreensão desse assunto, as quais serão abordadas a seguir.

A filosofia grega trouxe como contribuição ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana o fato de que os seres humanos aspiram a felicidade, ajustiça, cujos valores dão sentido a vida e as ações do homem. Já segundo o pensamento cristão o homem é concebido à imagem e semelhança de Deus, portanto, todos os homens são radicalmente iguais.

Na realidade, o primeiro filósofo a se referir expressamente ao termo “dignidade humana” foi São Thomás de Aquino, que compreendeu que a mesma guarda uma intensa relação com sua concepção de pessoa. Trata-se da racionalidade, uma qualidade inerente a todo ser humano e que o distingue das demais criaturas (MARTINS, 2012).

Já na obra de Kant pode-se identificar que a concepção de dignidade humana é a que prevalece nos dias atuais, pois no seu entendimento, quando se refere ao homem,

[...] existe como um fim em si mesmo, não só como meio para uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirige a ele mesmo, como na que se dirigem a outros seres racionais, ele tem de ser considerado simultaneamente como fim Kant (apud MARTINS, 2012, p. 27).

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Esse pensamento é extremamente antropológico e “[...] todas as ações que levam o ser humano a ser considerado objeto, como instrumento da satisfação da vontade de outros [...] são proibidas por absoluta afronta à dignidade da pessoa humana.”

Por outro lado, ao analisar o pensamento de Sartre, um dos filósofos mais populares do século passado, mas pouco referido, pode-se perceber que a dignidade da pessoa humana também fazia parte de seus estudos. Segundo ele, “[...] o homem primeiro existe antes de sua essência” ou, em outras palavras, “a existência precede a essência.” Isso significa que “o homem não está sujeito a nenhum determinismo e é responsável por sua existência e nada mais é do que ele faz a sua própria vida, só existindo na medida em que se realiza.” (SARTRE apud MARTINS, 2012, p. 31, grifo do autor).

Sartre, contudo, contraria os filósofos precedentes quanto a ser a dignidade uma qualidade inerente ao ser humano, pois para ele a dignidade está em constante construção. Para ele, a preocupação está no sentido e no compromisso que o ser humano tem consigo próprio, já que essa ideia

[...] assume, portanto, relevo em sua concepção de dignidade a consciência que o homem tem de sua própria situação (condição) no mundo e de sua responsabilidade de construir um projeto de vida ao mesmo tempo pessoal e universal. (apud MARTINS, 2012, p. 31).

Segundo o existencialismo de Sartre (apud MARTINS, 2012), observa-se que o homem não está fechado em si mesmo, pois para ele o homem precisa interagir com sua realidade e realizar um projeto de vida que não interfira na dignidade do outro, mas que considere o outro como parte da construção da comunidade em que vive.

Analisar o pensamento de Hannah Arendt é extremamente importante para a compreensão da constitucionalização do princípio da Dignidade Humana, o qual inicialmente surgiu na Alemanha e só posteriormente foi inserido em diversas outras Constituições, inclusive a brasileira.

A autora (ARENDT apud MARTINS, 2012) demonstra que o surgimento dos Estados totalitários, com sua estrutura burocrática e dominadora, enfraqueceu as garantias e os direitos dos homens, fazendo com que fossem praticadas gritantes ofensas à dignidade da pessoa humana.

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Diante desse contexto surgiu a necessidade de afastar a perspectiva totalitária, o que para a autora só foi possível a partir da recuperação da pluralidade do espaço público, onde cada indivíduo seria livre para exercer sua criatividade .

Assim, assevera a autora que

[...] durante a Segunda Guerra Mundial, até mesmo as próprias vítimas acabavam por perder a noção do valor inerente à pessoa humana, como demonstrava a prática, até certo ponto comum, dos próprios líderes das comunidades judaicas negociarem a libertação de judeus “mais cultos” ou “importantes” em troca de judeus “comuns”. (ARENDT apud MARTINS, 2012, p. 32).

Foi nesse período que a dignidade humana foi violentamente atingida, quando ocorreram muitas barbáries nos campos de concentração nazistas, que exterminaram milhares de pessoas. Com a utilização de muita crueldade o mundo se transformou em um lugar intolerante, prevalecendo a ideia de que só os mais fortes sobrevivem, fazendo com que os indivíduos perdessem a consideração uns para com os outros.

Somente após as atrocidades cometidas pelos nazistas e comunistas que as nações buscaram nos valores ético-judaico-cristãos a reformulação da concepção jurídico-filosófica sobre o homem e a natureza humana(MORGADO, 2015).

Neste sentido, Gerson Marcos Morgado (2015) ressalta que:

No mundo contemporâneo, o conceito e positivação da dignidade é um traço marcante, sobretudo, das Constituições de nações democráticas, principalmente após a edição da Declaração Internacional dos Direitos do Homem em 1948, que instilou nos espíritos e na comunidade internacional a consciência universal da necessidade de reconhecimento da dignidade humana como valor absoluto e como pressuposto inclusive do Estado e da vida em sociedade.

A dignidade humana passou a ser reconhecida como um valor imensurável e imprescindível para a convivência sem conflitos dos grupos sociais em comunidade, respeitadas as diferenças culturais, sociais e políticas de cada um. Arendt (apud BRITO, 2006, p. 1) sustenta nesse sentido que “a dignidade humana, do mesmo modo que os direitos humanos, torna-se uma questão de política prática; isto é, torna-se a construção de uma

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comunidade que engloba a totalidade dos seres humanos e permite, com isso, a possibilidade de ação de cada um de seus componentes.”

Assevera Flademir Jerônimo Belinati Martins (2012, p. 22), portanto, “[...] que o ser humano passa a ser considerado, não obstante mútuas diferenças em sua igualdade essencial”, o que remete ao respeito à igualdade e dignidade entre os seres humanos.

O princípio da Dignidade da Pessoa Humana assume relevância e se consolida a partir da Segunda Guerra Mundial e, nesse cenário, surge um novo modelo ético-jurídico com a preocupação de tornar a sociedade mais justa e igualitária, respeitando a liberdade individual e o respeito à pessoa humana (BARROSO, 2010, p. 57).

No entendimento de Luís Roberto Barroso (2010, p. 4),

A inserção da dignidade da pessoa humana no plano jurídico se dá graças a dois movimentos. Primeiramente, pelo surgimento de uma cultura pós-ativista, que reaproximou o direito da filosofia moral e da filosofia política, e em outro plano, pela inclusão da pessoa humana em diferentes documentos internacionais e constituições de Estados democráticos.

Neste contexto, Ingo Wolfgang Sarlet (2009, p. 15-16) afirma “[...] o quão difícil se torna a busca de uma definição do conteúdo desta dignidade da pessoa e, portanto, de uma correspondente compreensão (ou definição) jurídica.”

Há a necessidade, contudo, de destacar o que significa o princípio da Dignidade da Pessoa Humana para compreender a sua positivação e constitucionalização no decorrer do século 20. De acordo com Deonísio da Silva (2004, p. 264),

A palavra dignidade, etimologicamente, vem do latim, digna, anunciando o que seria merecedor de consideração e respeito, logo, digno, respeitável, considerável etc. Significaria, também, cargo ou honraria. É adjetivo derivado da forma verbal decet, de decere, convir.

Na verdade, ao analisar a etimologia da palavra “dignidade”, pode-se afirmar que seu significado diz respeito a valores que o ser humano manifesta, o que faz com que as demais pessoas passam a se considerar como aptos a receber o respeito de todos.

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Ainda na direção da dignidade humana vão as palavras de Alexandre Moraes (2002, p. 50) quando afirma que se trata de

Um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

O princípio da Dignidade da Pessoa Humana, assim, não é utilizado apenas como um argumento discursivo, mas é considerado como aquele que sustenta toda ordem jurídica de um Estado, no qual todo ser humano deve ser respeitado e tratado com igualdade.

Não causa estranheza a compreensão de Mariana Filchtiner Figueiredo (2007, p. 52):

[...] a dignidade, como qualidade intrínseca de todo o ser humano, é irrenunciável e inalienável, qualificando-o como tal e dele não podendo ser destacada. Isso significa que a dignidade é uma qualidade e ao mesmo tempo um atributo específico do ser humano, independentemente da sua condição.

É inegável, portanto, que a dignidade da pessoa humana seja um dos elementos que diferencia o homem dos demais seres vivos, e não é à toa que o Estado brasileiro objetiva assegurar a sua eficácia ao caso concreto, ou seja, no momento da sua aplicação nas relações intersubjetivas.

Nesta mesma linha de entendimento Sarlet (2011, p. 43-44) observa que: “A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que leva consigo a pretensão ao respeito por parte dos demais.” É importante sublinhar que a ordem jurídico-constitucional consagra o princípio da Dignidade Humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.

A esse respeito complementa Sarlet (2009, p. 16) que:

[...] o reconhecimento e proteção da dignidade da pessoa humana pelo Direito resulta justamente de toda uma evolução do pensamento humano a respeito do que significa este ser humano e de que é a compreensão do que é

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ser pessoa e de quais os valores que lhe são inerentes que acaba por influenciar ou mesmo determinar o modo pelo qual o Direito reconhece e protege esta dignidade.

Neste cenário, verifica-se que o princípio da Dignidade da Pessoa Humana vem se moldando ao longo da evolução da sociedade, na qual o homem sente a necessidade de respeitar seu próximo como pessoa, a fim de tornar possível a convivência social de um determinado grupo.

Referindo-se ao tema do estudo no qual se pretende analisar o princípio da Dignidade da Pessoa Humana nas relações entre credor e devedor, constata-se que não pode haver distinção entre um e outro quando a situação econômica entre ambos é equilibrada. A dignidade da pessoa humana se liga fundamentalmente à proteção da pessoa sem distinção de qualquer natureza.

Fabio Konder Comparato (2010, p. 35) explica que a dignidade da pessoa

[...] não consiste apenas no fato do ser humano, ao contrário das coisas, ser considerado como um fim e não como um meio, mas também no fato de que pela sua vontade racional só a pessoa humana é autônoma o suficiente para guiar-se pelas próprias leis que elabora. O autor ressalta que para Kant não basta agir de modo a não prejudicar ninguém, o que seria uma máxima apenas negativa, pois temos o dever de favorecer, na medida do possível, o fim de outrem, ou seja, temos o dever de realizar nossa própria felicidade, mediante também a realização da felicidade do outro.

O que importa é que se tenha presente que a dignidade está acima de qualquer preço e não pode ser substituída, pois se constitui em um valor interno de cada ser humano. Essa concepção traz uma carga ética impregnada de subjetividade, o que faz com que no âmbito judicial as decisões devam ser inspiradas em valores que possam dispensar uma compreensão jurídica da dignidade da pessoa humana,

[...] já que desta – e à luz do caso examinado pelos órgãos judiciais – haverão de ser extraídas determinadas consequências jurídicas, muitas vezes decisivas para a proteção da dignidade das pessoas concretamente consideradas. (SARLET, 2009, p 19).

Efetuar uma análise da dignidade da pessoa humana sob a perspectiva constitucional exige que se compreenda a sua inserção como um dos fundamentos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88). Ademais, parafraseando Sarlet (2011) é

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necessário que se reconheça as dimensões que lhe dão sustentação, uma vez que possuem uma carga valorativa muito compactada, todavia, por ser muito vaga, aberta, admite uma elaboração interpretativa de acordo com o caso concreto, ou seja, uma construção jurídica passível de ser interpretada, a favor ou em desfavor do credor, o que dificulta a efetividade do processo nas relações entre as partes do litígio, no caso, credor e devedor.

1.1 Fundamentos do princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Ante a importante densidade jurídico-normativa que foi atribuída a partir da evolução do direito constitucional brasileiro à dignidade humana, é imprescindível que se faça uma análise sobre o que a doutrina e a jurisprudência apresentam quanto ao conceito, características e as dimensões da dignidade da pessoa humana, a fim de melhor compreender o tema.

Referente a esta temática, Geraldo da Silva Datas (2013, p. 13) assinala que “o constitucionalismo contemporâneo se comprometeu com a ideia de que a pessoa humana, em razão da sua exclusiva condição humana é titular de direitos que devem ser reconhecidos e protegidos pelo Estado e por terceiros.”

Sarlet (2012, p. 73) propõe a análise da dignidade humana a partir de um conceito multidimensional, aberto e inclusivo, ou seja, sustenta que seu conceito apresenta múltiplas dimensões, afirmando que:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida.

Pode-se afirmar, evidentemente, que a dignidade da pessoa humana é reconhecida como um direito constitucional e, diante disso, é incontestável que tanto o Estado, quanto a comunidade social devem assegurar as condições mínimas para o desenvolvimento pleno da cidadania.

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É necessário, igualmente, que o próprio detentor desse direito (o ser humano) faça com que sua existência no mundo seja dotada de respeito, solidariedade, justiça e igualdade.

É irrecusável, por conseguinte, encontrar um fundamento para a inserção do princípio da dignidade da pessoa humana além dos aspectos históricos, pois este , como é tratado atualmente teve seus primeiros contornos, [...] a partir do reconhecimento do homem como imagem e semelhança de Deus. Esse reconhecimento se dava mais no plano espiritual [...] porque sua origem encontra-se no Livro Sagrado. (LIBERALESSO et al., 2014, p. 194).

Explica-se, assim, a importância do princípio da Dignidade da Pessoa Humana como sustentáculo da estrutura normativa nacional, na qual os princípios são utilizados como instrumento para o preenchimento das lacunas, na qual a lei deixa obscuridades e, muitas vezes, o magistrado não se atém a essas minúcias.

De acordo com José Joaquim Gomes Canotilho (2003, p. 1255),

Princípios são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as suas possibilidades fácticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de “tudo ou nada”; impõem à optimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a “reserva do possível” fáctica ou jurídica.

Na realidade, pode-se afirmar que os princípios são normas mandamentais, obrigatórias, as vigas mestras de um sistema jurídico. Neste ponto, se faz importante verificar as dimensões do princípio da Dignidade da Pessoa Humana para melhor compreensão da sua aplicabilidade na relação jurídica entre credor e devedor levadas ao Judiciário, a fim de dirimir conflito existentes.

1.2 As dimensões do princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Não se pode desconsiderar e tampouco desconhecer a importância do papel efetivo que o Direito assume quando se trata de tutelar e promover a dignidade da pessoa humana em uma sociedade democrática.

Neste sentido, esclarece Sarlet (2009, p. 16) que, na prática, os argumentos utilizados pelos juristas e doutrinadores “[...] constitui o melhor meio de, pelo menos numa sociedade

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democrática, estabelecer os contornos nucleares da compreensão das diversas dimensões da dignidade e de sua possível realização prática para cada ser humano.”

Destaca-se, assim, que as dimensões da dignidade estão intrinsecamente ligadas à complexidade do próprio ser humano, então, pretende-se analisá-las para melhor compreensão do seu significado e verificar a sua importância para a ordem jurídica.

1.2 1 Dimensão ontológica da dignidade

Não se pode negar que é imprescindível pautar e discutir alguns aspectos ligados à compreensão dos conteúdos e significados da dignidade da pessoa humana, e, portanto, daquilo que se poderia designar de dimensões da dignidade da pessoa humana, com o enfoque voltado à ordem jurídica.

Inicialmente aborda-se a dimensão ontológica da dignidade que, de acordo com Sarlet (2009, p. 20-21):

[...] retomando a ideia nuclear que já se fazia presente até mesmo no pensamento clássico – que a dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade... Assim, vale lembrar – nesta linha de entendimento – que a dignidade evidentemente não existe apenas onde é reconhecida pelo Direito e na medida que este a reconhece, já que – pelo menos em certo sentido – constitui dado prévio, no sentido de preexistente e anterior a toda experiência especulativa.

Diante disso, fica complicado entender a utilização do princípio da Dignidade da Pessoa Humana como fundamento de sentenças judiciais, uma vez que uma das partes que está disputando a lide fica com seu direito prejudicado, o qual deve ser equivalente para ambas as partes, já que as relações jurídicas no Estado brasileiro estão sob o manto do princípio da igualdade e da legalidade.

Nesta seara, impõe-se fazer uma breve referência ao princípio da igualdade considerado com frequência como complementar, fazendo parte do arcabouço jurídico brasileiro e utilizado como fundamento das sentenças judiciais.

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A igualdade entre os seres humanos, únicos seres vivos dotados de razão e consciência, se expressa por intermédio da autodeterminação e liberdade. Isso, contudo, não pode ir contra à dignidade do outro, pois ambos, no caso em estudo, credor e devedor, são considerados iguais em direitos e garantias.

Desta forma, em uma leitura do art. 7º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948 tem-se que: “Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, à igual proteção da lei. [...].” O artigo em questão se volta justamente para o reconhecimento de que todos devem ser considerados iguais em dignidade e direitos.

Por esta razão, segundo Sarlet (2007, p. 367),

[...] é que se impõe o seu reconhecimento e proteção pela ordem jurídica, que deve zelar para que todos recebam igual (já que todos são iguais em dignidade) consideração e respeito por parte do Estado e da comunidade, o que, de resto, aponta para a dimensão política da dignidade.

Assim, o ordenamento jurídico nacional também reconhece e consagra a dignidade humana, ao mesmo tempo em que se refere ao princípio da igualdade como sustentáculo das relações intersubjetivas, respeitando os direitos de cada indivíduo ou parte no processo, como é o caso em estudo.

1.2.2 Dimensão comunicativa e relacional da dignidade da pessoa humana

Na sequência é possível verificar a dimensão comunicativa e relacional da dignidade humana que, para Sarlet (2009, p. 24-25),

[...] assume relevo a lição de Pérez Luño, que, na esteira de Werner Maihofer e, de certa forma, também retomando a noção Kantiana, sustenta uma dimensão intersubjetiva da dignidade, partindo da situação básica do ser humano em sua relação com os demais (do ser com os outros), em vez de fazê-lo em função do homem singular, limitando a sua esfera individual, sem que com isso – importa frisá-lo desde logo – se esteja a advogar a justificação de sacrifícios da dignidade pessoal em prol da comunidade, no sentido de uma funcionalização da dignidade.

Percebe-se, assim, que o princípio da Dignidade Humana, em seu âmbito subjetivo, implica no respeito individual de cada pessoa, tanto pela comunidade como pelo Estado.

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1.2.3 Dimensão negativa e prestacional da dignidade

Levando em consideração as dimensões apresentadas anteriormente, pode-se deduzir que a dignidade humana é um princípio norteador do ordenamento jurídico, atuando não apenas como mero princípio, mas também como um postulado normativo, uma vez que é utilizado como parâmetro na interpretação e julgamento de casos concretos, quando tem sua aplicação no âmbito judicial.

Logo, é importante salientar a dimensão negativa e prestacional da dignidade que, de acordo com Sarlet (2009, p. 30),

[...] Sustenta-se que a dignidade possui uma dimensão dúplice, que se manifesta enquanto simultaneamente expressão da autonomia da pessoa humana (vinculada à ideia de autodeterminação no que diz com as decisões essenciais a respeito da própria existência), bem como da necessidade de sua proteção (assistência) por parte da comunidade e do Estado, especialmente quando fragilizada ou até mesmo – e principalmente – quando ausente a capacidade de autodeterminação.

Nesse contexto pode-se perceber que a dignidade da pessoa humana possui limites, os quais servem para que o indivíduo não se reduza a mero objeto por ação própria ou até mesmo por ação de outras pessoas da comunidade em que vive.

Sob esse aspecto é inegável que a dignidade da pessoa humana possa ser relativizada frente ao caso concreto, haja vista que se fosse conferido à dignidade humana um caráter absoluto, seria impossível efetivar esse princípio a todos os cidadãos, sejam esses tanto credores ou devedores.

A partir do exposto faz-se necessário o entendimento sobre a compreensão constitucional das dimensões da dignidade da pessoa humana no momento da aplicação do princípio ao caso concreto, evitando-se, assim, que o aplicador do direito o utilize apenas como argumento retórico, delimitando-o a partir de um conteúdo mínimo (CALDAS, 2011).

1.3 As dimensões da dignidade da pessoa humana e sua compreensão constitucional e do pacto de San José da Costa Rica

Não há como desconsiderar o papel que desempenha o Direito na tutela e na promoção da dignidade da pessoa humana, tanto que a CF/88, em seu art. 1º, inc. III, estabelece que a

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dignidade da pessoa humana é um princípio nuclear de observância obrigatória e seu conteúdo jurídico é fundamental para a concretização dos direitos fundamentais, sendo, portanto, irrenunciável.

Nesse sentido, quando a CF/88 consagra em seu art. 1º, inc. III, ser este um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, torna-se incontroverso o liame existente entre a dignidade da pessoa e os direitos fundamentais. Quando, porém, analisados casos concretos no âmbito jurídico, verifica-se um conflito entre os pedidos formulados pelas partes, levando-se em conta, por exemplo, o interesse do devedor, sem, no entanto, cogitar a preocupação de que a dignidade é uma qualidade intrínseca e indissociável de todo e qualquer ser humano e que o desrespeito ao outro ensejaria a violação de uma meta permanente da humanidade, do Estado e do Direito (SARLET, 2006).

Feitas essas considerações, é possível constatar que a legislação brasileira não aplica o princípio da Dignidade da Pessoa Humana com equidade nas relações jurídicas entre credor e devedor. Em verdade, pode-se sustentar como alternativa para a dimensão intersubjetiva

[...], a noção da dignidade como produto do reconhecimento da essencial unicidade de cada pessoa e do fato de esta ser credora de um dever de igual respeito e proteção no âmbito da comunidade humana [...], ou seja, deve-se afirmar, mais uma vez que a dignidade é a qualidade reconhecida inerente à pessoa humana. (SARLET, 2009, p. 27).

Nesse diapasão complementa Sarlet (2009, p. 25) que:

[...] sem prejuízo de sua dimensão ontológica e, de certa forma, justamente em razão de se tratar do valor próprio de cada uma e de todas as pessoas, apenas faz sentido no âmbito da intersubjetividade e da pluralidade. Alias, também por esta razão é que se impõem o seu reconhecimento e proteção pela ordem jurídica, que deve zelar para que todos recebam igual (já que todos são iguais em dignidade) consideração e respeito por parte do Estado e da comunidade [...].

Ao analisar as duas dimensões observa-se que a dignidade não pode ser limitada apenas a uma das partes, como já salientado. Esse princípio é uma garantia fundamental e deve ser observado tanto para o titular da ação quanto para aquele que sofre ação, pois caso contrário haverá afronta à Lei Maior.

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Deve-se ter em mente, contudo, que as dimensões ontológica, comunicativa relacional, negativa e prestacional da dignidade da pessoa humana, todas estudadas anteriormente, devem estar vinculadas à simetria das relações humanas, resultado das relações interpessoais marcadas pela recíproca consideração e respeito, de tal sorte que o credor e devedor devem ter equidade nas relações jurídicas (JURGEN apud SARLET, 2007, p. 371).

É imprescindível afirmar que “a dignidade da pessoa humana se manifesta diante da autonomia do indivíduo de decidir o que fazer da própria vida.” Isso porque a dignidade humana é inerente ao indivíduo, sendo que nos casos específicos nos quais credor e devedor se confrontam, o poder estatal deve considerar os direitos fundamentais de ambos e protegê-los de acordo com o previsto na Carta Magna.

Com relação ao Pacto de San José de Costa Rica, do qual o Brasil é um dos signatários do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, elaborado em 1966, aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 226/91, ratificado em 24 de janeiro de 1992, e adotado na legislação interna pelo Decreto Presidencial nº 592/92, que será abordado no próximo capítulo, apresenta limitação aos direitos do credor ao impossibilitar a prisão civil do devedor inadimplente. Percebe-se, nitidamente, a ocorrência de tratamento desigual entre ambos.

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2 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA EM FACE DO CREDOR NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E NO PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA

Neste capítulo pretende-se verificar a importância que assumem os tratados e convenções internacionais de direitos humanos, demonstrando que o fenômeno da internacionalização das normas de proteção aos seres humanos já está consolidado no ordenamento jurídico brasileiro.

Destaca-se, portanto, em primeiro lugar, o conceito e características do credor e devedor na legislação brasileira para, posteriormente, realizar uma análise de forma sucinta do documento mais importante do sistema internacional de direitos humanos – a Declaração Internacional de Direitos Humanos, cuja promulgação consolidou um sistema de proteção dos direitos humanos a nível internacional.

2.1 Conceito e características do credor e devedor na legislação brasileira

A fim de compreender a distinção entre credor e devedor é imprescindível que se tenha clareza que a existência de uma relação jurídica obrigacional vai depender de, no mínimo, dois pólos, ou seja, dois sujeitos, que podem ser pessoas jurídicas ou entes despersonalizados e pessoas físicas. Na verdade, a existência de um desses sujeitos, determinados ou indetermináveis, é que sustenta a relação obrigacional, bem como a prestação de cunho patrimonial.

Neste sentido, segundo Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 39):

O elemento subjetivo da obrigação ostenta a peculiaridade de ser duplo: um sujeito ativo ou credor, e um sujeito passivo ou devedor. O sujeito ativo é o credor da obrigação, aquele em favor de quem o devedor prometeu determinada prestação.

Tanto o sujeito ativo quanto o passivo da obrigação podem ser pessoa natural ou jurídica de qualquer natureza, assim como as sociedades de fato. Além disso, devem ser determinados ou determináveis, não podendo em nenhuma hipótese ser absolutamente indetermináveis (GONÇALVES, 2012).

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Algumas vezes o sujeito ativo e passivo da obrigação pode não ser determinado desde o início da operação e, nesse caso, o fato jurídico que origina a obrigação deve deixar claros os dados necessários para a sua determinação no momento do seu cumprimento. Um exemplo clássico é o contrato de doação, em que o donatário pode não ser desde logo determinável mas terá de ser no momento do seu cumprimento (GONÇALVES, 2012).

Cumpre ressaltar, ademais, que qualquer pessoa, maior ou menor, capaz ou incapaz, casada ou solteira, tem qualidade para ser credor ou devedor de uma relação jurídica. Para isso, porém, é necessário cumprir com alguns requisitos, como o caso do incapaz que deverá ser representado ou assistido por seu representante legal, ou até mesmo em certos casos ter autorização judicial (GONÇALVES, 2012).

Além das pessoas naturais também podem figurar como partes da relação jurídica as pessoas jurídicas de qualquer natureza, tanto de direito público ou privado, de fins econômicos ou não, de existência legal ou de fato (GONÇALVES, 2012).

O credor (sujeito ativo) pode ser individual ou coletivo, conforme a obrigação seja simples, solidária ou conjunta. Além disso, a obrigação pode existir em face de pessoas ou entidades futuras, ou não existentes como, por exemplo, o nascituro e a pessoa jurídica em formação. Também é necessário ressaltar que pode haver substituição de credor na cessão de crédito, sub-rogação, novação, etc. (GONÇALVES, 2012).

O Código Civil, em seu art. 308, também conceitua o credor mesmo que de maneira não aprofundada, como sendo “aquele que recebe o pagamento”, estabelecendo que “O pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito o represente, sob pena de só valer depois de por ele ratificado, ou tanto quanto reverter em seu proveito.”

Acerca desse assunto acentua Felipe Guimarães de Oliveira (2010) que

o credor (accipiens) é na sua essência a parte legítima para receber o pagamento e também dar quitação à dívida. A regra é devidamente esta na composição da relação jurídica. O nascimento do credor ocorre em consonância com o crédito, e em ambos com o fato jurídico.

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Ressaltam-se, dessa forma, as possibilidades conferidas pela legislação brasileira quanto às pessoas que podem receber o pagamento, ou seja: a) ao credor, que é regra; b) ao representante do credor; e c) ao terceiro (OLIVEIRA, 2010).

Evidencia-se que a regra é o pagamento realizado ao credor, mas em alguns casos, poderão ocorrer outras hipóteses de pagamento, como a transferência intervivos, mediante o mecanismo da cessão de crédito. Nesse caso pode o cessionário exigir a dívida ou post

mortem do direito, em decorrência da morte do credor originário, estando os herdeiros ou o

legatário entre aqueles que podem exigir o seu pagamento (OLIVEIRA, 2010).

Assevera Oliveira (2010) que “Pode aqui, também, o devedor se dirigir a um representante legal ou representante convencional do credor. Pode este devedor se locomover ao representante judicial, investido de poder para tal através da decisão de um juiz.”

Por outro lado, deve-se esclarecer a posição que assume o devedor na relação jurídica obrigacional, possuidor da obrigação de satisfazer os interesses de um terceiro ou seu representante legal, denominado credor. Pode-se afirmar, então, que o devedor é o sujeito passivo da relação obrigacional, ou seja, aquele que possui o ônus de cumprir a prestação avençada. É deste que o credor tem o poder de exigir o adimplemento da obrigação, destinada a satisfazer o seu interesse.

A impossibilidade da prisão civil do depositário infiel, decorrente do Pacto de San José da Costa Rica, mesmo que essa possibilidade conste no art. 5º, inc. LXVII da CF/88, além de ser um obstáculo para o credor ver o seu crédito satisfeito, também gera insegurança jurídica, haja vista que do ponto de vista da administração da Justiça são muitas as dificuldades encontradas para finalizar, de livre e espontânea vontade, uma execução civil por dívida contraída pelo devedor.

2.1.1 A dificuldade do credor de receber seus créditos do devedor com a impossibilidade da prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro

Neste tópico analisa-se a dificuldade que o credor possui de receber seus créditos do devedor sob o ponto de vista da administração da justiça e seus efeitos no mecanismo da execução civil.

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O atual entendimento do Supremo Tribunal Federal em afastar do ordenamento jurídico pátrio a possibilidade da prisão civil do depositário infiel devido à adesão do Brasil à Convenção Americana de Direitos Humanos e ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, dando ensejo à Súmula Vinculante nº 25, tornou o processo civil ineficaz devido à falta de possibilidade da entrega do bem da vida a quem lhe é de direito (o credor).

Ademais, a impossibilidade da prisão civil do depositário infiel, bem como do depositário judicial infiel, lhe proporciona manifesta vantagem, o que, muitas vezes, facilita as fraudes processuais, tornando a atividade jurisdicional ineficaz.

Assevera Alberto Álvaro de Oliveira (2008, p. 36) que se deve encontrar maneiras de acabar com a disputa entre a efetividade quantitativa e qualitativa, pois

[...], ambas devem juntas percorrer e encerrar a tutela requestada, sob pena de restar eliminada a segurança que vigora entre os jurisdicionados, pois nenhum efeito gerará uma sentença passada em julgado que dependa de posterior execução, quando desta fase processual não se possa alcançar os seus resultados ao titular do direito.

O

devedor que antes quitava suas dívidas com a penalização do corpo, com o decorrer da história passou a pagar as suas obrigações com seu patrimônio, o qual deve ser destinado ao adimplemento obrigacional no exato valor do título executivo.

Neste sentido, para possibilitar o adimplemento da obrigação, caso esta não seja feita espontaneamente pelo devedor, o credor deve executar judicialmente a quantia devida, indicando bens do patrimônio do devedor à penhora e, em seguida, adjudicá-los ou expropriá-los, seja por meio de hasta pública ou de alienação por iniciativa particular. Para perfectibilizar a penhora determina o Código de Processo Civil a necessidade de apreensão e depósito dos bens do devedor (BERNARDES; CELLA, 2013).

A esse respeito acentuam os mesmos autores que

Assim, tem-se que o depósito judicial é “espécie de depósito não voluntário, que é auxiliar do juiz (CPC 148), tem lugar todas as vezes em que é necessária a nomeação de responsável para a guarda e conservação de bens penhorados. (BERNARDES; CELLA, 2013, p. 29).

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Diante disso, a relação jurídica do devedor divide-se em duas partes, passando simultaneamente a desempenhar a função de sujeito da relação processual executiva e de depositário de bens sujeitos à expropriação, mediante técnica processual (ASSIS apud BERNARDES; CELLA, 2013).

Sendo assim, o depositário tem a responsabilidade de conservar seus bens, agindo com boa fé, como se sua fosse obrigação, pois este tem o dever de restituir ou apresentar o bem imediatamente ao requerimento do depositante. Diante disso, o seu descumprimento injustificado dá ensejo à prisão civil nos termos do art. 5º da CF/88; art. 652 do Código Civil; e art. 904, o Código de Processo Civil, conforme entendimento de Bernardes e Cella (2013).

Em paralelo, contudo, o Supremo Tribunal Federal (STF) retirou do ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade da prisão civil do depositário infiel em qualquer de suas espécies devido aos tratados de direitos humanos, em particular, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos. Este último atribui caráter hierárquico normativo especial, com status supralegal, o que tornou impossível a aplicabilidade da legislação infraconstitucional que com este seja conflitante (BERNARDES; CELLA, 2013).

Na sequência ao tema, Bernardes e Cella (2013, p. 33) afirmam ainda que

Todavia, o juízo ventilado extrapola as prerrogativas constitucionalmente asseguradas ao Poder Judiciário, ao passo que, se arvorando nas atribuições do Legislativo, quedou por se espraiar em atividade que não lhe incube, qual seja, a editar normas. Isto porque a vedação apresentada pelos atos internacionais, tidos como balizamento à questão, tão somente encerram a prisão civil por dívidas ou em decorrência de contratos.

Com isso, o STF considerou também a inclusão do depositário infiel nesta mesma seara, em cumprimento de múnus público, o que de nenhuma maneira pode ser confundido com alguma daquelas previsões. A esse respeito Bernardes e Cella (2013, p. 33) lecionam que

[...] o depósito pode ser classificado como contratual ou voluntário; necessário ou legal; ou judicial. Destes, o único desvinculado de qualquer relação contratual, assim como não atrelado a dívidas, é o deposito judicial, tanto que sua previsão não vem no Código Civil, mas sim insculpida no Código de Processo Civil.

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Muito interessante a manifestação dos referidos autores quando sustentam a tese de que não há nenhuma vinculação do depositário judicial com o bem objeto do depósito ou com a avença existente entre credor e devedor. Concorda-se, porém, com tal apenas em parte, pois muitas vezes o depositário judicial não cumpre com eficiência e boa-fé as atribuições que lhe foram conferidas. Ou seja, desconsidera a pessoa do exequente-credor, desatendendo os interesses patrimoniais que estão em jogo. Sendo assim, Manoel Jorge e Silva Neto (2010, p. 634), de acordo com a imprecisão conceitual dos recentes julgados do STF, dispõe que:

Com isso, pode-se concluir que o STF ampliou indevidamente [...], a proibição de depositário infiel, pois, ao dirigir a vedação igualmente para o depositário judicial, desnaturou, por completo, o espectro das normas internacionais que tencionavam verificar a proibição exclusivamente para as hipóteses de prisão civil por dívida e decorrente de depósito contratual ou legal, o que não é o caso de quem recebe o encargo processual de guardar bens penhorados, por exemplo.

Com isso percebe-se que o STF interpretou de forma excessiva o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos, no momento em que foi além de sua jurisdição, adentrando na esfera exclusiva do Poder Legislativo, o que acabou tornando ineficaz o Processo Civil.

Frente a essa questão, sustenta Assis (apud BERNARDES; CELLA, 2013, p. 36) que:

[...] todo e qualquer ato que vise a perturbar o procedimento executivo, e especificamente do depositário infiel nomeado no curso de processo executivo, muito mais do que simplesmente embaraçar a possibilidade de o credor vir a receber seu crédito, cria graves e perigosas consequências ao Estado enquanto administrador da justiça, por intermédio do Poder Judiciário; uma vez que entendimento oposto consagraria a negativa do Estado de prestar tutela jurídica ao credor.

Neste contexto, é possível verificar que se o Judiciário não possui meios de “coagir” o devedor, de nada adianta a fixação de multas e astreinte1, já que na maioria das vezes ele estará insolvente, não tendo mais condições de adimplir com suas obrigações, tornando-se inútil o sistema processual.

1 Astreinte, conforme art. 645, do CPC, é a penalidade imposta ao devedor, consistente em multa diária fixada na

sentença judicial ou no despacho de recebimento da inicial, relativa à obrigação de fazer ou de não fazer. A astreinte tem por finalidade o constrangimento do devedor para fazer cumprir o estipulado na decisão judicial ou no título, sendo que quanto mais tempo ele demorar para pagar a dívida, maior será seu débito.(MOREIRA, J.C, 2010).

(29)

2.2 Pacto de San José da Costa Rica

Salienta-se que o documento mais importante do sistema internacional de direitos humanos é, sem sombra de dúvidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que foi proclamada e adotada pela Resolução nº 217-A, com a votação de 56 Estados pertencentes à Organização das Nações Unidas. Esta Declaração representa a internacionalização dos direitos humanos, correspondente à etapa inicial de definição e codificação das normas de direitos humanos (ALVES, 1997, p. 30).

É inegável que a Declaração Universal dos Direitos Humanos apresenta com destaque a dignidade da pessoa humana como suporte dos direitos humanos. Nessa linha são as lições de Flávia Piovesan (2002, p.187):

[...] a declaração universal de 1948 objetiva delinear uma ordem pública mundial, fundada no respeito à dignidade humana, ao consagrar valores básicos universais. Desde o seu preâmbulo é afirmada a dignidade inerente a toda pessoa humana, titular de direitos iguais e inalienáveis. Vale dizer, para a Declaração Universal a condição de pessoa é o requisito único e exclusivo para a titularidade de direitos. [...] A dignidade humana como fundamento dos direitos humanos é concepção que, posteriormente, vem a ser incorporada por todos os tratados e declarações de direitos humanos, que passa a integrar o chamado Direito Internacional dos Direitos Humanos.

A partir do momento em que há o reconhecimento da dignidade humana como um fundamento internacional dos direitos humanos, incorporado ao direito constitucional brasileiro, deve-se analisar as relações entre credor e devedor em face de dívidas e prisão civil do devedor. O tema é abordado com intuito de demonstrar que o Pacto de São José da Costa Rica protege apenas uma das partes dessa relação.

Cabe destacar que a adoção da Declaração Universal dos Direitos do Homem representa o ponto de partida que busca uma proteção cada vez mais ampla dos direitos humanos. Isso pode ser observado ante a numerosa quantidade de tratados, convenções e declarações dirigidas aos mais variáveis grupos sociais, adotados na segunda metade do século XX (PIOVESAN, 2002).

Deve-se observar, ainda, que a Declaração Universal dos Direitos do Homem é um documento que não está dotado de obrigatoriedade por parte dos Estados, tendo em vista que

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essa declaração foi adotada sob a forma de resolução e não como tratado internacional, não exigindo o cumprimento de seus postulados (PIOVESAN, 2002).

Outros documentos internacionais podem ser citados, entre eles o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966; o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1992; a Convenção contra Discriminação Racial, de 1965, entre outros. Tais instrumentos consolidam o sistema internacional de Proteção dos Direitos Humanos, uma vez que a Declaração Universal do Direito do Homem, de 1948, proclama apenas os princípios gerais dos direitos humanos (ALVES, 1997).

O Brasil aderiu ao Pacto de São José da Costa Rica em 25 de setembro de 1992, mas essa convenção somente foi incorporada no sistema jurídico brasileiro em 6 de novembro de 1992, por meio do Decreto nº 678 (PES, 2010).

Diante disso, João Hélio Ferreira Pes (2010, p. 68) assevera que:

[...] Constitui-se instrumento normativo destinado a desempenhar um papel importantíssimo no âmbito do sistema interamericano de proteção aos direitos da pessoa humana, qualificando-se, sob tal perspectiva, como peça complementar no processo de tutela das liberdades públicas fundamentais.

Desta forma, a abordagem a seguir diz respeito à instituição do Pacto de São José da Costa Rica, incorporado em 1992 pelo sistema constitucional de proteção de direitos humanos. A preocupação dessa pesquisa é preservar a dignidade da pessoa humana relativamente aos direitos humanos, portanto, a seguir destaca-se o documento como início dessa discussão.

Há que referir que já se abordou a posição jurídica do credor e devedor no que tange ao direito obrigacional, de forma que a partir deste ponto leva-se em consideração que ante a normatização internacional, as garantias que os princípios constitucionais instituem com maior benefício em face do devedor acabam gerando certo prejuízo ao direito do credor.

Analisando sob essa ótica tem-se a impressão que a proteção do direito da pessoa humana deve ser equitativa entre os interesses do credor e devedor. Isso, porém, não ocorre na realidade, pois o devedor, na maioria das vezes, sente-se amparado pelos princípios e direitos constitucionais a seu favor e acaba não cumprindo com suas obrigações frente ao credor.

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Após a instituição do Pacto de São José da Costa Rica somente se pode decretar a prisão civil de um devedor em caso de condenação ao pagamento de prestação alimentícia, conforme preconiza o art. 733, CPC:

Art. 733. Na execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. § 1º. Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.

§ 2º. O cumprimento da pena não exime o devedor do pagamento das prestações vencidas ou vincendas; mas o juiz não lhe imporá segunda pena, ainda que haja inadimplemento posterior.

§ 3º. O cumprimento da pena não exime o devedor do pagamento das prestações vencidas e vincendas (redação dada pela Lei nº 6.515, de 26.12.1977).

§ 4º. Paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão.

Na verdade, o Pacto de São José da Costa Rica deixa muito claro que o devedor da prestação alimentícia pode sofrer restrição em seu direito de liberdade enquanto o infiel depositário recebe proteção, eximindo-se de cumprir com suas obrigações, já que a legislação processual não apresenta outros mecanismos para exigir o cumprimento da obrigação, ferindo, salvo melhor juízo, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, pois a ambos são dados valores diferentes.

Explica João Hélio Ferreira Pes (2010), ao tratar da prisão alimentícia e a prisão do depositário infiel, que o tratamento dado deve ser diferenciado, pois a primeira trata-se de uma sanção, enquanto na segunda deve prevalecer a liberdade e não o patrimônio. O autor sustenta ainda que:

[...] O princípio da dignidade da pessoa humana poderia ser afetado se no embate entre os princípios da liberdade e da propriedade prevalecer axiologicamente o interesse patrimonial, com a definição de que a pessoa devedora deve ter sacrificada a sua liberdade como forma de coação que atenda aos interesses do credor (detentor da pretensão patrimonial). A definição da prisão do depositário por meio de regras jurídicas além de não ser condizente com as posturas próprias dos tempos em que vivemos, também contraria regras já adotadas nos ordenamentos dos países (como Brasil) que internalizaram tratados e convenções internacionais em que a dignidade humana é considerada norma jurídica de efeito vinculante supralegal ou constitucional, como o artigo 7º, § 7º do Pacto de San José da Costa Rica e o artigo 11 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. (PES, 2010, p. 119).

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Observa-se que no Brasil, o devedor está cercado de garantias, pois ao serem internacionalizadas regras de tutela de sua liberdade, impossibilitando a prisão civil por depositário infiel (um dos mecanismos que apresentava-se eficaz para compelir o devedor a efetuar o pagamento), os direitos e garantias do credor ficam em segundo plano, em respeito à dignidade da pessoa humana, sendo que em muitos casos a sua própria dignidade fica fragilizada.

Neste sentido, cabe ressaltar que o mecanismo da execução é quase perfeito, mas no decorrer das fases que norteiam esse processo ocorrem fatos que acabam por impedir a devida prestação jurisdicional ao credor. Um exemplo disso é a morosidade do Judiciário, que cria ao devedor condições favoráveis para esse se desfazer de seus bens (fraude a credores), e na hora de o credor satisfazer suas obrigações por meio da indicação de bens à penhora, estes não existem mais, acarretando-lhe prejuízos.

O que se extrai inicialmente com referência aos direitos do devedor e credor pode ser considerado um equívoco. Uma análise do processo de formação dos tratados internacionais, bem como dos aspectos material e formal podem, portanto, contribuir para esclarecer as dúvidas que ainda permanecem no decorrer desta pesquisa.

2.2.1 Processo de formação dos tratados internacionais

Importante esclarecer a forma como se aperfeiçoam os tratados internacionais e como esses passam a integrar o ordenamento jurídico brasileiro. Não se pretende abordar as mais variadas teorias de direito internacional sobre o tema, mas se apresenta apenas aquelas duas que são adotadas no Brasil. Ou seja, “pela aprovação do texto por uma instância de organização internacional, ou pela assinatura de um documento por sujeito de direito internacional público.” (LENZA, 2014, p. 604).

Interessante destacar que a Convenção de Viena, em seus arts. 11 a 17, conforme Piovesan (1997, p. 77), fixa em linhas gerais que “o consentimento do Estado em obrigar-se por um tratado pode ser expresso mediante a assinatura, troca de instrumentos constituintes do tratado, ratificação, aceitação, aprovação ou adesão ou mediante qualquer outro meio acordado.” Em relação às regras brasileiras, entretanto, o art. 84, inc. VIII, da CF/88, reitera

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que a competência é privativa do Presidente da República para “celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional.” (LENZA, 2014).

Não se pode esquecer, todavia, que a regra do artigo supracitado está associada ao estabelecido no art. 49, inc. I, da CF/88, o qual prevê que os tratados internacionais se materializam por meio de decreto legislativo.

Segundo Lenza (2014), as regras que devem ser observadas para a celebração do tratado, convenção ou ato internacional, constam na legislação interna do país. Assim, resumem-se os trâmites de integração da norma internacional no direito brasileiro, com as novidades trazidas pela EC n. 45/2004, em quatro fases distintas:

Primeiro ocorre a celebração do tratado, convenção ou ato internacional pelo Presidente da República (art. 84,VIII), para depois e internamente, o Parlamento decidir sobre a sua viabilidade, conveniência e oportunidade. Desta feita [...], elabora-se o decreto legislativo, que é o instrumento adequado para referendar e aprovar a decisão do Chefe do Executivo, dando-se a este “carta branca” para ratificar assinatura já depositada, ou ainda, aderir, se já não o tiver feito.[...] do aludido instrumento de ratificação asseguram a obrigatoriedade do Estado no âmbito internacional. (LENZA, 2014, p. 605-606, grifos do autor).

Resume-se assim, o trâmite de integração da norma internacional no direito interno, destacando-se que se o tratado ou convenção internacional versar sobre direitos humanos, a sua incorporação ocorrerá de acordo com o previsto no art. 5º, inc. III, da CF/88, buscando efetividade da prestação jurisdicional.

Percebe-se, dessa forma, que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos possuem natureza supraconstitucional. No caso do Pacto de San José da Costa Rica, no que se refere à prisão civil do depositário infiel, conforme seu art. 5º, inc. LXVII, esta questão deixou de ter aplicabilidade na relação jurídica entre credor e devedor. Constata-se, assim, que este Pacto não corresponde aos anseios do credor brasileiro quanto à prisão do depositário infiel, contrariando aos interesses patrimoniais do credor, mesmo que isso afronte à sua dignidade.

Não se pode deixar de destacar, também, a Súmula Vinculante n. 25/2009, do Supremo Tribunal Federal, que estabelece: “É ilícita a prisão civil do depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”, cancelando, desta forma, a Súmula 619/STF.

(34)

Cumpre ressaltar, doravante, os aspectos material e formal dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos.

2.2.2 Aspectos material e formal dos tratados e convenções internacionais

A introdução do § 3º no art. 5º da Carta Magna, pela EC nº 45, no final de 2004, fixou o procedimento a ser adotado para a recepção dos tratados internacionais de direitos humanos no sistema interno brasileiro. Cumpre ressaltar que tais tratados são equivalentes às Emendas Constitucionais, devendo ser aprovados por procedimentos semelhantes (PES, 2010).

Esse procedimento introduzido pela EC nº 45 possui relação formal (hierárquica) dos tratados internacionais de direitos humanos, ou seja, é necessária a manifestação do Congresso Nacional para que sejam considerados formais e materialmente constitucionais e, assim, equivalentes às emendas constitucionais (PES, 2010).

Os tratados internacionais de direitos humanos sujeitam-se à aprovação, por maioria qualificada, conforme estabelece o art. 49, I, CF, sendo a sua ratificação de competência exclusiva do Congresso Nacional, materializada como visto anteriormente, por meio de decretos legislativos, a fim de “resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.” (LENZA, 2014, p. 604).

De acordo com João Hélio Ferreira Pes (2010, p. 127),

[...] O § 3º do artigo 5º do texto constitucional, portanto, prevê a possibilidade de os tratados de direitos humanos serem considerados equivalentes formalmente às Emendas Constitucionais, se aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros. Trata-se apenas de previsão (possibilidade) e não de imposição (dever), eis que os tratados de direitos humanos após ratificados, tanto pela forma tradicional quanto pela definida pela Emenda Constitucional nº 45, poderão ser aplicados no sistema jurídico interno, tendo a garantia da materialidade constitucional.

Para ocorrer, portanto, o processo de constitucionalização formal, os tratados internacionais de direitos humanos, quando submetidos ao procedimento do § 3º do art. 5º da CF/88, devem tramitar pelo Poder Legislativo, observando certas regras fixadas no Regimento Interno do Parlamento brasileiro (PES, 2010).

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Observa-se que a inclusão do § 3º do art. 5º da CF/88, em 1994, ainda ocasionou problemas de interpretação frente à integração, eficácia e aplicabilidade desses tratados no Direito Interno. Para parte dos doutrinadores brasileiros a inserção do referido parágrafo no art. 5º da Carta Magna não responde de maneira significativa e satisfatória às questões necessárias para a garantia efetiva dos direitos humanos no ordenamento brasileiro interno. Essa matéria ainda suscita discussão entre os doutrinadores quanto à natureza supralegal e supraconstitucional dos tratados em razão de que alguns tiveram a sua inserção antes da Emenda Constitucional nº 45/2004.

Ademais, para essa corrente de doutrinadores a interpretação do parágrafo 3º do art. 5º da CF/88 não pode prejudicar o entendimento que vinha sendo seguido em relação ao parágrafo 2º do referido artigo, o qual confere nível constitucional aos tratados de direitos humanos (PES, 2010).

Segundo entendimento de Pes (2010, p. 133),

[...], a objeção de importante corrente doutrinária, que já defendia o status de norma constitucional aos tratados de direitos humanos por força do § 2º do artigo 5º da Constituição Federal, consiste em rejeitar a interpretação daqueles que não conseguem diferenciar a constitucionalização formal da material e interpretam que o novo § 3º foi fixado para pôr fim ao debate quanto ao status dos tratados internacionais de direitos humanos, fixando os procedimentos que deverão ser observados para que esses sejam considerados equivalentes (formal e materialmente) às Emendas Constitucionais.

Outra crítica que faz essa corrente de doutrinadores é quanto ao surgimento de categorias jurídicas entre os tratados de direitos humanos, as quais dão origem às categorias de tratados de direitos humanos materialmente constitucionais e tratados de direito humanos material e formalmente constitucionais. O legislador, por sua vez, deu tratamento diferenciado para as normas internacionais que possuem o mesmo fundamento de validade e que buscam um único objetivo (PES, 2010).

Com efeito, os tratados internacionais de direitos humanos submetidos ao procedimento do § 3º do art. 5º da CF/88, por serem equivalente às Emendas Constitucionais, passam a integrar o texto constitucional de modo formal, considerando-se uma reforma à Constituição.

Referências

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