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Aparente conflito entre CF/88 e o Pacto de San José da Costa Rica

2.2 Pacto de San José da Costa Rica

2.2.3 Aparente conflito entre CF/88 e o Pacto de San José da Costa Rica

Em primeiro lugar é imprescindível compreender o significado de conflito de normas constitucionais para, posteriormente, verificar a hierarquia existente ente aquelas e as normas oriundas de tratados.

Cumpre ressaltar que a ideia de supremacia da Constituição Federal é o alicerce da ordem jurídica vigente, ou seja, às leis infraconstitucionais e aos tratados e convenções anteriores à EC 45/2004.

Neste sentido, Marcio Augusto Vasconcelos Diniz (2002, p. 100) leciona que “a ideia de supremacia constitucional e a correlata distinção entre Constituição e leis ordinárias colocou uma questão essencial para a teoria constitucional moderna: a necessidade de garantia da Constituição.” Em outras palavras, destacam-se nessa garantia a rigidez constitucional e o controle de constitucionalidade como meios previstos ou técnicas garantidoras.

A supremacia constitucional, no entanto, só se realiza eficazmente se o próprio ordenamento jurídico consagrar, na prática, a sua hierarquia, coibindo infrações à Constituição. Dessa forma, entende Diniz (2002, p. 104) que:

Não basta, portanto, a proclamação meramente política do princípio da supremacia constitucional por meio da diferenciação e da subordinação formal e material entre normas constitucionais e normas infraconstitucionais, sem que sejam estabelecidos mecanismos e técnicas adequados para coibir ou sancionar a violação daquela primeira.

Efetivamente, a superioridade das normas constitucionais significa no contexto dos tratados e convenções internacionais que estes devem se submeter obrigatoriamente aos procedimentos exigíveis à sua incorporação no ordenamento jurídico vigente.

Verifica-se que os tratados e convenções internacionais de outra natureza, ou seja, aqueles que não abordam o tema referente aos direitos humanos, têm força de lei ordinária, obedecendo a um procedimento legislativo ordinário, no qual o quórum para sua aprovação corresponde à maioria simples, enquanto os tratados e convenções de direitos humanos têm status de EC aprovado pela maioria qualificada2. Aparentemente, denota-se aí um conflito entre as normas constitucionais e a supralegalidade dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos e os tratados e convenções internacionais que não tratam do referido tema.

Neste cenário é imprescindível destacar, segundo Lenza (2014, p. 612-613), que o Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 466.343, por 5x4 votos, decidiu no dia 03/12/2008 que

[...] os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, se não incorporados na forma do art. 5º, § 3º (quando teriam natureza de norma constitucional), têm natureza de normas supralegais, paralisando, assim a eficácia de todo o ordenamento infraconstitucional em sentido contrário. Embora sedutora a tese e, sem dúvida, fortalecedora do principio da dignidade da pessoa humana, o grande problema parece-nos justificar (especialmente diante da nova redação conferida ao § 3º do art. 5º pela EC n. 45/2004) a possibilidade de “paralisar” a eficácia das leis contrárias aos tratados ou convenções sobre direitos humanos, mas que encontrariam suporte de validade na própria constituição, que continua estabelecendo ao lado da prisão do devedor de alimentos a do depositário infiel.

Ressalta-se que o guardião da Constituição Federal, no caso brasileiro o STF, ao concretizar a norma constitucional, está garantindo a força normativa da Lei Maior, dando, portanto, a máxima efetividade às referidas normas.

Pode-se, assim, afirmar que a solução dos problemas jurídico-constitucionais, quando há conflito entre normas constitucionais e infraconstitucionais, devem conferir a máxima efetividade às primeiras.

2 Maioria simples: a maioria simples é calculada em função do número de parlamentares que tomam parte efetiva

na votação, e por isso também é denominada maioria eventual, relativa ou ocasional; Maioria qualificada: a maioria qualificada pode ser geralmente de dois terços ou de três quintos (CF, art. 60, § 2º), ou seja, a que atingir ou ultrapassar o limite aritmético superior à maioria absoluta, estabelecida em relação à totalidade dos membros da Casa Legislativa ou do colegiado. (PINTO FERREIRA, 1990, v. 2).

O aparente conflito entre o Pacto de San José da Costa Rica, tratado anterior à Reforma do Judiciário, conforme a Emenda nº 45/2004, segundo o STF, mesmo não seguindo as formalidades previstas no art. 5º, § 3º, tem natureza supralegal. A diferença entre os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos encontra-se no procedimento da

denúncia (ato de retirada do tratado), enquanto aqueles poderão ser denunciados normalmente

pelo Executivo, sem prévia autorização do Congresso Nacional.

Destaca-se que ambos os tratados internacionais dispõem sobre direitos humanos, ampliando os direitos e garantias individuais. A interpretação ampliada do STF, no entanto, proibindo a prisão civil do depositário infiel para o depositário judicial, leva ao entendimento que pode existir conflito entre o Pacto e a Constituição Federal de 1988.

As atuais disposições do ordenamento jurídico brasileiro (CF/88 e Decreto nº 7030/2009), em consonância com a Convenção de Viena, de 1969, estabelecem os seguintes requisitos de validade jurídica dos tratados internacionais no Brasil, quais sejam: i) celebração (negociação e assinatura) pelo Presidente da República (CF/88, art. 84, VIII); ii) aprovação pelo Congresso Nacional, com o quorum qualificado de 3/5, em dois turnos, nas duas casas do Congresso, e edição de correspondente Decreto Legislativo (CF/88, art. 5º, § 3º, c/c art. 49, I); iii) ratificação; iv) promulgação; v) publicação mediante Decreto presidencial (MAGALHÃES apud VIEIRA, 2007).

Sarlet (2006, p. 136) expressa a esse repeito que:

O problema essencial, no entanto, diz respeito aos limites da eficácia técnico-jurídica dos tratados vigentes no Brasil, ante um conflito entre eles e a Constituição ou entre eles e a legislação infraconstitucional. Isso porque [...] não basta verificar a constitucionalidade de um tratado, pois há também que se ter em conta a compatibilidade da própria Constituição com as normas cogentes de Direito Internacional, de aplicação geral e obediência compulsória por todos os Estados, por expressarem valores permanentes da comunidade internacional. Dentre estes estão os tratados que dizem respeito aos Direitos Humanos que prevalecem sobre eventuais valores de comunidades nacionais com eles contrastantes.

Sem embargo, pode-se afirmar que na interpretação dos magistrados, bem como do Supremo Tribunal Federal, prevalece o princípio que expressa como valor a dignidade do devedor e não têm observado em suas decisões que tanto credor quanto devedor são possuidores de valores idênticos no que diz respeito à dignidade individual.

Percebe-se, neste contexto, que Sarlet (2006, p. 125) apresenta a dignidade da pessoa humana em seu aspecto intersubjetivo, salientando que

[...] sendo todas as pessoas iguais em dignidade (embora não se portem de modo igualmente digno) e extinto, portanto, um dever de respeito recíproco (de cada pessoa) da dignidade alheia (para além do dever de respeito e proteção do poder público e da sociedade), poder-se-á imaginar a hipótese de um conflito direto entre as dignidades de pessoas diversas, propondo-se – também nestes casos – o estabelecimento de uma concordância prática (ou de harmonização), que necessariamente implica a hierarquização (como sustenta Juarez Freitas) ou a ponderação (conforme prefere Alexy) dos bens em rota conflitiva, neste caso, do mesmo bem (dignidade) concretamente atribuído a dois ou mais titulares. Na mesma linha – muito embora com implicações peculiares – situa-se a hipótese de acordo com a qual a dignidade pessoal poderia ceder em face de valores sociais mais relevantes, designadamente quando o intuito for o de salvaguardar a vida e a dignidade pessoal dos demais integrantes de determinada comunidade.

Constata-se, todavia, a existência de divergência nas decisões judiciais da Corte gaúcha, considerada uma das mais evoluídas e de vanguarda do Brasil. Isso pode ser detectado com os julgados a seguir expostos, os quais demonstram violação do princípio da Dignidade da Pessoa Humana em face do credor. As decisões judiciais, na sua grande maioria, não observam a premissa de que a dignidade é uma qualidade inerente à essência do homem e, ao inadmitirem absolutamente a prisão do depositário infiel, preservando a sua dignidade, desconsideram a dignidade inquestionável do credor. Este, muitas vezes, no momento da execução, quando busca a satisfação do seu crédito, não encontra mais bens nas mãos do devedor, seja por fraude à execução ou outro meio de ludibriar a justiça. .

Com efeito, reconhece Sarlet (2006, p. 130) que “[...] também nas tensões verificadas no relacionamento entre pessoas igualmente dignas não se poderá dispensar – até mesmo em face de solucionar o caso concreto – um juízo de ponderação [...].”

Resta, portanto, suficientemente frisado que a violação da dignidade de um não pode acarretar a perda da dignidade do outro, pois a obrigação entre credor e devedor realizou-se por livre manifestação de vontade. Deve-se, então, agir sob os preceitos da razoabilidade e da proporcionalidade, garantindo a dignidade não só do executado, mas, também, do exequente.

3 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DE CASOS QUE DEMONSTRAM A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA EM FACE DO CREDOR

3.1 Caso 1 – Apelação Cível nº 70052487386, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de

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