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Audiência de custódia: um resgate à dignidade da vida no cárcere

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DAGMARA FERREIRA PERES

AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA:

UM RESGATE À DIGNIDADE DA VIDA NO CÁRCERE

Ijuí (RS) 2018

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DAGMARA FERREIRA PERES

AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA:

UM RESGATE À DIGNIDADE DA VIDA NO CÁRCERE

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Patrícia Borges Moura

Ijuí (RS) 2018

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Dedico este trabalho a meu esposo e minha família, pelo amor e apoio, durante todos esses anos da minha caminhada acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, acima de tudo, pela vida, força e coragem, por estar sempre ao meu lado, guardando e protegendo o meu caminho.

A minha Família, pai, mãe e meus irmãos, que estiveram sempre ao meu lado, me incentivando e me dando forças para continuar.

Ao meu esposo, que abriu mão de muitas coisas para que eu pudesse realizar esse sonho, por seu amor, e por sempre me incentivar em tudo que faço.

Ao meu sogro e minha sogra que se tornaram meus segundos pais, e me ajudaram de todas as formas nesses anos de estudo.

A minha orientadora Patrícia Borges Moura pela sua dedicação, conhecimento e disponibilidade em me orientar.

A todos, amigos, professores, e familiares, que colaboraram de uma maneira ou outra durante a trajetória de construção deste trabalho, e na minha caminhada acadêmica minha muito obrigada!

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“Toda a sociedade que pretende assegurar a liberdade aos homens deve começar por garantir-lhes a existência.”

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RESUMO

A pesquisa se propôs a estudar o instituto da audiência de custódia, recentemente implantado no Brasil. Ainda carecendo de uma regulamentação na lei processual penal que possa garantir sua efetivação, é indispensável para auxiliar no controle da banalização das prisões provisórias e garantir efetividade aos tratados internacionais de direitos humanos de que o Brasil é signatário. Trata-se, portanto, de um instituto hábil a humanizar o processo penal pátrio e, por via de consequência, a vida no cárcere. Assim, o presente estudo, realizado por meio do método de abordagem hipotético-dedutivo, utilizando no seu delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores permitiu verificar o quão é notório que o sistema carcerário no Brasil enfrenta incalculáveis problemas, dentre os quais e mais gravosos se encontra a superlotação, que acarreta outros males à vida no cárcere, tais como os casos de violência, de maus-tratos, em suma, de desrespeito à dignidade da pessoa humana. Diante disso, é importante conhecer, implantar e implementar cada vez mais mecanismos que possibilitem a redução de tais problemas. Pretendendo verificar o papel da audiência de custódia para as políticas criminais brasileiras voltadas para a minimização das mazelas da vida no cárcere.

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ABSTRACT

The research aimed to study the institute of custody hearing, recently implemented in Brazil. Still lacking a regulation in the criminal procedural law that can guarantee its effectiveness, it is indispensable to assist in the control of the banalization of the provisional prisons and to guarantee effectiveness to the international human rights treaties to which Brazil is a signatory. It is, therefore, an institute capable of humanizing the criminal proceedings of the country and, consequently, of life in prison. Thus, the present study, using the hypothetical-deductive approach, using in its outline the collection of data from bibliographic sources available in physical media and in the computer network, allowed us to verify how well the prison system in Brazil faces incalculable problems, among which the most burdensome is the overcrowding, which causes other ills to life in prison, such as cases of violence, ill-treatment, in short, disrespect for the dignity of the human person. Given this, it is important to know, implement and implement more and more mechanisms that allow the reduction of such problems. Seeking to verify the role of the custody audience for Brazilian criminal policies aimed at minimizing the ills of life in prison.

Keywords: Custody Hearing. Prison System. Human Rights.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...08 1 A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA COMO INSTITUTO JURÍDICO PROCESSUAL CONCEITO E OBJETIVO...10 1.1 Audiência de custódia: contextualizando sua origem...13 1.2 Audiência de custódia: do controle de convencionalidade ao Projeto de Lei

470/2015...18 2 AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA: UM RESGATE À DIGNIDADE DA VIDA NO

CÁRCERE CONSIDERAÇÕES A PARTIR DOS RELATÓRIOS OFICIAIS A

RESPEITO DOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS NO BRASIL... ...25 2.1 Da implantação à implementação: dados estatísticos sobre a realização das

audiências de custódia ... ...34 2.2 A violação dos direitos humanos daqueles que vivem no cárcere e o papel da

audiência de custódia para as políticas criminais do sistema penitenciário

brasileiro...42 CONCLUSÃO ... ...49 REFERÊNCIAS ... ...51

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INTRODUÇÃO

O presente Trabalho de Conclusão de Curso tem como objeto examinar o instrumento jurídico “audiência de custódia”, o qual visa à análise da prisão sob o aspecto da legalidade, da necessidade e da adequação da continuidade da prisão ou da eventual concessão de liberdade ao preso.

O juiz poderá avaliar, também, eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos no curso da prisão em flagrante, entre outras irregularidades. E mais, a audiência de custódia pode evitar uma banalização ainda maior da prisão preventiva no Brasil, o que pode acarretar uma possível diminuição da superlotação carcerária no Brasil.

No meio jurídico, o tema a ser abordado, sem sombra de dúvidas é de suma importância para que sejam cumpridas as normas de proteção aos direitos humanos e para que se dê maior valor às garantias constitucionais, em relação à pessoa presa, visando sempre à justiça, que é o que se espera através da aplicação do Direito.

Nesse contexto é que foi implantada a audiência de custódia, a qual está prevista em pactos e tratados internacionais assinados pelo Brasil, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966) e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica (1969).

Assim, em fevereiro de 2015, o CNJ, em parceria com o Ministério da Justiça e o TJSP, lançou o projeto audiência de custódia, que consiste na garantia da rápida apresentação do preso a um juiz nos casos de prisões em flagrante. A ideia é de que o acusado seja

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apresentado e entrevistado pelo juiz, em uma audiência em que serão ouvidas também as manifestações do Ministério Público, da Defensoria Pública ou do advogado do preso.

Em seu primeiro capítulo, trata da audiência de custódia, em que ela consiste, sua previsão normativa, e como deve ser utilizada para garantir direitos fundamentais para os presos. Além de analisar os benéficos de sua realização, tanto para contribuir para a diminuição de prisões ilegais, e ainda servir como meio de denunciar maus tratos sofridos por policias no ato da prisão.

Em um segundo momento busca estudar o sistema penitenciário brasileiro com foco em identificar as falhas existentes em nosso país no que diz respeito ao modo de se fazer a execução penal. São evidentes os episódios que demostram o desinteresse em relação às políticas públicas para a vida no cárcere.

O excesso de encarceramento é um dos exemplos desse desinteresse, e contribui sobremaneira para as péssimas condições do sistema penitenciário brasileiro nos dias atuais. Com enfoque na realização da audiência de custódia, e qual seu papel na diminuição das mazelas que a vida no cárcere venha propiciar. Além de realizar uma análise sobre os dados de implantação e implementação da audiência de custódia no Brasil.

Para realização da monografia foi utilizado método de abordagem hipotético-dedutivo, por meio de seleção de bibliográfica e jurisprudencial, além de documentos afins acerca da temática, tanto em meios físicos, quanto da Internet.

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1 A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA COMO INSTITUTO JURÍDICO PROCESSUAL CONCEITO E OBJETIVO

O encarceramento em massa no Brasil tem aumentado assustadoramente nos últimos anos. Apesar da implantação da Lei n.º 12.403/20111, em que um dos principais objetivos

seria tornar a prisão preventiva a ultima ratio2 no sistema das medidas cautelares de coerção

pessoal, até o momento, não produziu o efeito esperado.

Nas palavras de Aury Lopes Junior e Alexandres Moraes da Rosa (2015, [n.p.]): “A prisão cautelar é sempre processual, isto é, não serve para antecipar a pena, devendo-se fundamentar na excepcionalidade da contenção cautelar.” Daí a importância da audiência de custódia, um dispositivo que serve para análise da legalidade da prisão em flagrante, bem como da necessidade de manutenção do preso sob custódia cautelar e, ainda, para verificar a eventual ocorrência de maus tratos ou de outras formas de violência policial por ocasião da prisão.

A audiência de custódia, então, surgiu para permitir que a autoridade judiciária, ao tomar conhecimento da ocorrência de uma prisão em flagrante, possa se pronunciar sobre as condições em que a mesma ocorreu, bem como decidir qual será o destino do preso. Como referem Aury Lopes Jr e Caio Paiva (2014, [n.p.]): “nesse contexto, pode significar um passo decisivo rumo à evolução do sistema penal, resgatando-se um caráter humanitário e antropológico do processo penal e da própria jurisdição.”

O conceito denotativo da palavra “custódia” consiste em ato de guardar, proteger. A intenção da audiência de custódia é realmente essa, ou seja, de guarda o direito, e proteger o imputado de eventuais arbitrariedades cometidas no momento da prisão.

Segundo Caio Paiva (2015, [n.p.]):

Na prática penal, a audiência de custódia refere-se à condução do preso, sem demora, à presença de uma autoridade judicial que deverá, a partir do prévio

1 Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, relativos à

prisão processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas cautelares, e dá outras providências.

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contraditório estabelecido pelo Ministério Público e a Defesa, exercer um controle imediato da legalidade e da necessidade da prisão, assim como apreciar questões relativas à pessoa do cidadão conduzido, observando se há a indícios da prática de maus tratos ou tortura.

Referido instituto está previsto em pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário, em especial, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP) (1966)3 e a Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica (CADH) (1969)4. Com relação ao Pacto de São José da Costa Rica (1969), encontra-se prevista a audiência de custódia, conforme se extrai do teor do artigo 7.5, do Direito à liberdade pessoal:

Art. 7.5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

Ainda, em seu Artigo 5º, sob o título “Direito à integridade pessoal”, encontra-se a seguinte previsão:

Art. 5.1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. 2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.

Um dos principais propósitos do instituto em comento, qual seja, a audiência de custódia, é, portanto, o de assegurar a apresentação e entrevista do preso pelo magistrado em até 24h a contar da comunicação da prisão ao juiz, por meio de uma audiência que contará também com a oitiva do Ministério Público, da Defensoria Pública ou do advogado do preso. Dentro do espaço de tempo da audiência serão examinadas eventuais ocorrências de maus-tratos ou torturas, além de outras irregularidades, e será, ainda, analisada a prisão sob o aspecto da legalidade, da necessidade e adequação da continuidade da segregação cautelar ou da eventual concessão de liberdade provisória, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares (Resolução n.º 213/2015, CNJ).

3 O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos foi adotado pela XXI Sessão da Assembleia Geral das

Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966, entrou em vigor para o Brasil em 24 de abril de 1992, e foi promulgado pelo Decreto presidencial nº. 592, de 06 de julho de 1992.

4 A Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) foi celebrada em 22

de novembro de 1969, pela Organização dos Estados Americanos, e entrou em vigor internacional em 18 de julho de 1978. O Brasil aderiu ao pacto em 25 de setembro de 1992, tendo sido promulgado pelo Decreto presidencial nº. 678, de 06 de novembro de 1992.

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Pela realização da audiência de custódia, é possível verificar acerca da legalidade da prisão em flagrante, evitando-se, assim, prisões arbitrárias, e dando plena aplicabilidade ao disposto no Art. 310, do Código de Processo Penal (alterado pela Lei nº 12.403, de 2011), a saber:

Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: I - relaxar a prisão ilegal; II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes às medidas cautelares diversas da prisão; III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação.

Assim, como decorrência de uma prisão em flagrante, devidamente homologada pela autoridade judiciária, poderá inclusive ser decretada uma ou mais medidas cautelares de coerção pessoal, alternativas à prisão preventiva, que podem ser cumuladas, inclusive, com a concessão de liberdade provisória. São elas: o comparecimento periódico em juízo, a proibição de acesso ou frequência a determinados locais, a proibição de manter contato com determinada pessoa, a proibição de ausentar-se da comarca, o recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga, a suspensão do exercício de função pública ou atividade econômica, a internação provisória, a fiança ou a monitoração eletrônica. A aplicação das medidas cautelares deve observar requisitos de adequação e proporcionalidade. Ainda, sendo imprescindível que a decisão do juiz seja sempre devidamente fundamentada (CNJ, 2015).

Ou seja, os objetivos principais da Audiência de Custódia são os de avaliar com mais segurança a questão do status libertatis5 do preso, além de ser uma forma de prevenção, e

meio de punição para a prática de eventuais abusos físicos, que ocorram em desfavor do preso. No mais, o projeto prevê, ainda, além das audiências, a estruturação de centrais de alternativas penais, centrais de monitoramento eletrônico, centrais de serviços e assistência social e câmaras de mediação penal, responsáveis por representar ao juiz opções ao encarceramento provisório (CNJ, 2015).

O conceito atribuído à audiência de custódia tem relação direta com as finalidades a que a mesma se propõe, que são a de ajustar o processo penal brasileiro aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, a prevenção da tortura policial, visando a assegurar a

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efetivação do direito à integridade pessoal das pessoas privadas de liberdade e a de evitar prisões ilegais, arbitrárias ou, por algum motivo, desnecessárias (PAIVA, 2015).

Feitas as primeiras considerações acerca do tema, este primeiro capítulo apresenta ao leitor a Audiência de Custódia, mais especificamente, no que consiste o instituto, onde está normativamente previsto e como traria benefícios para garantir direitos fundamentais presentes no sistema processual brasileiro. Ou seja, é um instrumento importante e hábil a propiciar a adoção de medidas de proteção aos direitos do acusado, preso em flagrante.

1.1 Audiência de custódia: contextualizando sua origem

Com a transformação dos tempos, e, consequentemente, a evolução da sociedade, a estrutura prisional vem sofrendo uma decadência em seu sistema. Com o passar dos anos é cada vez maior o número da população carcerária brasileira. Culturalmente (e infelizmente) manter um suspeito preso é a melhor resposta à sociedade, para demonstrar que a lei está sendo cumprida.

Não raras vezes, essas prisões são realizadas mediante confissões forçadas, por meio de tortura e maus tratos, praticados por agentes do próprio Estado. Também, o aumento de prisões preventivas nos últimos anos no Brasil é assustador, muitas das vezes desnecessárias, e não há se quer substituição por medidas cautelares de coerção pessoal. E, assim, a situação dos estabelecimentos prisionais no Brasil permanece em extrema desordem:

É flagrante o desrespeito aos direitos fundamentais daqueles que vivem no cárcere, a ponto de ser reconhecido um verdadeiro “estado de coisas inconstitucional”. Até porque, as mazelas do cárcere no país não se restringem ao convívio intramuros, mas acaba por afetar o convívio em sociedade, o que impõe a necessidade de adoção de medidas que possam minimizar as consequências nefastas dessa situação (MOURA, 2016, p. 1).

A Constituição Federal (BRASIL, 1988) elenca, em seu art. 5º, os “Direitos Fundamentais” que devem ser respeitados, para garantir a dignidade das pessoas, mesmo que se encontrem privadas de sua liberdade. Podem ser citados alguns incisos:

III - ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante; LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Ainda no art. 5º, § 2º Os direitos e garantias expressos

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nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Percebe-se que, mesmo com previsão legal na Constituição Federal (BRASIL, 1988), devido à falta de estrutura do sistema carcerário brasileiro, ainda não é possível um modo eficaz de garantir os direitos fundamentais. Ou seja, o sistema processual brasileiro está completamente engessado e inadequado para atender as diretrizes da (CADH). Não dispõe de instrumentos necessários para efetivar a garantia do direito a um processo sem dilações indevidas. Sequer possui um prazo máximo de duração das prisões cautelares (LOPES, 2012, p. 228).

Nesse caminho que parece sem volta, em que o sistema não funciona ou pelo menos não como deveria funcionar, surge à audiência de custódia, não só como um meio de minorar o índice de superlotação, mas como uma solução para assegurar direitos constituídos na Constituição Federal (BRASIL, 1988).

O cenário acerca do precário sistema carcerário brasileiro reflete a dura realidade de milhares de pessoas que são privadas de sua liberdade. As rebeliões, a superlotação, a falta de higiene básica, a falta de alimentação adequada, e falta de saneamento nas penitenciárias, afronta cada vez mais a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais. Nesse sentido, verifica-se que:

Essa conhecida realidade levou o Supremo Tribunal Federal a deferir liminarmente, em setembro de 2015, em apreciação à Arguição de Descumprimento Preceito Fundamental - ADPF 347/DF6, o chamado Estado de Coisas Inconstitucional (ECI)

do sistema carcerário brasileiro. A ação foi ajuizada pelo PSOL7 – Partido

Socialismo e Liberdade, cujo pleito foi pelo reconhecimento do “estado de coisas inconstitucional” do sistema penitenciário brasileiro, e pela consequente adoção de providências estruturais em face de lesões a preceitos fundamentais dos presos que, na visão do partido arguidor, são decorrentes de ações e omissões dos Poderes Públicos da União, dos Estados e do Distrito Federal (MOURA, 2016, p. 6).

Dentre os fundamentos fáticos da ADPF 347/DF (BRASIL, 2015), foi alegado que:

6 ADPF nº347- Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, que trata da questão em relação ao

sistema penitenciário brasileiro e sua situação precária determinada, em grande medida às omissões praticadas pelos órgãos estatais responsáveis por sua manutenção.

7 (PSOL) O Partido Socialismo e Liberdade é um partido político brasileiro fundado em julho de 2004.

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A superlotação e as condições degradantes do sistema prisional configuram cenário fático incompatível com a Constituição Federal, presente a ofensa de diversos preceitos fundamentais consideradas a dignidade da pessoa humana, a vedação de tortura e de tratamento desumano, o direito de acesso à Justiça e os direitos sociais à saúde, educação, trabalho e segurança dos presos.

Além dos inúmeros problemas que são enfrentados, quando se tem privação provisória do direito à liberdade, o tempo de duração do processo no Brasil, no mais das vezes, um tanto moroso, faz com que a persecução criminal tenha um cunho ainda mais aflitivo, aproximando e confundindo os fins do processo com os fins da pena. A audiência de custódia, além de garantir um direito fundamental é um meio de diminuir esse processo, é uma forma de tornar o processo mais rápido, pois antes de ser direcionado ao sistema prisional pode ser encaminhado perante um juiz e assim, evitar que haja uma prisão injusta e que o processo seja lento.

Apesar de o Brasil ter aderido aos Tratados Internacionais, ainda não estava efetivamente implantada a audiência de custódia no sistema penal pátrio. Somente em 15 de dezembro de 2015 o Conselho Nacional de Justiça e o Tribunal de Justiça CNJ do Estado de São Paulo lançaram o “Projeto Audiência de Custódia”, o qual consiste na criação de uma estrutura multidisciplinar nos Tribunais de Justiça que receberá presos em flagrante para uma primeira análise sobre o cabimento e a necessidade de manutenção dessa prisão ou a imposição de medidas alternativas ao cárcere (CNJ, 2015).

E foi regulamentada por meio da Resolução nº 213, de 15 de dezembro de 2015, editada pelo CNJ, a qual dispõe acerca da necessidade de apresentação de toda pessoa presa perante a autoridade judicial no prazo de 24 horas, como referido, a contar da comunicação da prisão ao juiz. Eis o que dispõe o art. 1º, da Resolução nº 213/2015, CNJ:

Art. 1º: Determinar que toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão.

Ainda, nesse contexto, da implantação da Audiência de Custódia, e importante ressaltar seus principais objetivos, a saber:

Durante a audiência, o juiz analisará a prisão sob o aspecto da legalidade, da necessidade e da adequação da continuidade da prisão ou da eventual concessão de liberdade, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares. O juiz poderá

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avaliar também eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos, entre outras irregularidades (CNJ, 2015).

Quando se pensa em audiência de custódia, é preciso ressaltar a importância que tem o ato para a pessoa detida, pois é a oportunidade do preso de explicar os fatos, e a possibilidade de reverter à situação em que se encontra, a evitar seja mantido em segregação cautelar. Ou seja, “Para os operadores do direito já imunizados pela insensibilidade, isso pode não representar muito, mas com certeza, para quem está sofrendo a medida é um ato da maior relevância” (LOPES, 2012, p. 784).

Ainda, é extremamente importante ressaltar que:

Sempre que alguém fosse detido, desde logo deveria ser conduzido ao juiz que determinou a sua prisão, para que após ouvi-lo, decida fundamentadamente se mantém ou não a prisão cautelar. Através de um ato simples como esse, o contraditório realmente teria a sua eficácia “direito a audiência” e, provavelmente evitaria muitas prisões cautelares injustas. Ou ainda, mesmo que a prisão se efetivasse, haveria um mínimo de humanidade no tratamento dispensado ao detido, na medida em que, ao menos, teria sido ouvido pelo juiz (LOPES, 2012, p. 784).

O texto-base do Projeto de Lei n.º 554/20118, que foi aprovado pelo plenário do Senado Federal no dia 14 de julho de 2016, teve uma emenda apresentada pelo Senador Francisco Dornelles, a qual propõe a possibilidade de uso da videoconferência para a realização da audiência de custódia nos casos em que o deslocamento de presos ocasione transtornos para o Estado.

Nesse sentido, defende Eduardo Newton (2017, [n.p.]):

Na verdade, o emprego da videoconferência demonstra, e de maneira clara, o total acolhimento do “princípio” da eficiência no processo penal. A partir de uma lógica econômica – é mais barato efetivar a audiência de custódia dessa forma do que transportar presos – depara-se com um predador de direitos e garantias fundamentais, o que não deveria ser admitido pelo Poder Judiciário.

No entanto, é preciso ficar atento para essa substituição, ou seja, a apresentação pessoal é o procedimento mais adequado, contudo, não sendo possível, poderá ser realizada a audiência por videoconferência.

8 Altera o § 1º do art. 306 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), para

determinar o prazo de vinte e quatro horas para a apresentação do preso à autoridade judicial, após efetivada sua prisão em flagrante.

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Acerca desta possibilidade, Aury Lopes Jr. (2015, [n.p.]) enfatiza que:

A audiência de custódia por videoconferência deve ser exceção e justificada, nos mesmos moldes do artigo 185, parágrafo 2º, do CPP. É que o impacto humano do contato pessoal pode modificar a compreensão. Não podemos é banalizar o uso da videoconferência sob pena de matar um dos principais fundamentos da audiência de custódia: o caráter humanitário do ato, a oportunidade do contato pessoal do preso com o seu juiz.

Ou seja, contato entre o preso e o magistrado é limitado quando o recurso tecnológico é empregado para qualquer ato processual. Conforme acrescenta Daniyelle Silva Galvão (2016, [n.p.]): “Ademais, o contato virtual, por meio de uma tela de computador ou de televisão, não é suficiente ou adequado porque impossibilita a percepção do caso e do acusado pelo julgador.”

A Audiência de custódia, além de possibilitar que o preso tenha um contato direto e imediato com o juiz, permite, como referido, que se possam averiguar eventuais agressões ou torturas que tenham decorrido da prisão. É o momento em que o preso pode comunicar se houve agressões por parte dos agentes policiais.

Ademais, a audiência de custódia torna mais perceptível ao juiz visualizar tais agressões no momento da audiência, logo após a prisão, ou seja, as agressões serão aparentes, pois, na maioria das vezes são físicas.

Diante de eventuais agressões ou tortura sofridas pelo preso, Aury Lopes Jr, e Rosa (2015) salientam:

Se o conduzido estiver machucado ou reclamar de tortura, por mais que as lesões possam ser decorrentes do próprio ato de prisão, a leniência do Poder Público resta mitigada e será possível, ao menos, apurar a sua existência. Aliás, como temos insistido, a utilização de aparato de câmeras por parte dos agentes públicos nas suas operações evitaria tanto a alegação de autolesões praticadas pelos conduzidos, bem assim as perpetradas por agentes estatais. E a tecnologia está plenamente disponível. Existem diversos vídeos na internet que demonstram ser a filmagem uma garantia de todos, policiais e conduzidos, mas há gente que não gosta de controle, e se passa. O que se busca é transparência da ação.

O receio de represália por parte dos agentes policiais é um dos motivos que levam os presos que sofrem agressão a ficarem em silêncio, e não ocorrendo a audiência, as marcas de agressão desaparecem com o tempo, e vai ficando mais difícil comprová-las. Essa é uma das razões pela qual é de extrema importância à realização da audiência no prazo de até 24hs a

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contar da comunicação do ato à autoridade judiciária, pois as lesões ainda serão visíveis, o que deixa mais clara eventual brutalidade ou violência:

Uma vez apresentado o preso ao juiz, ele será informado do direito de silêncio e assegurada a entrevista prévia com defensor (particular ou público). Nesta ‘entrevista’ (não é um interrogatório, portanto), o artigo 6º, § 1º determina expressamente que “não serão feitas ou admitidas perguntas que antecipem instrução própria de eventual processo de conhecimento.” Eis um ponto crucial da audiência de custódia: o contato pessoal do juiz com o detido. Uma medida fundamental em que, ao mesmo tempo, humaniza-se o ritual judiciário e criam-se as condições de possibilidade de uma análise acerca do periculum libertatis, bem como da suficiência e adequação das medidas cautelares diversas do artigo 319 do CPP (LOPES JR; ROSA, 2015).

É importante deixar claro que a audiência de custódia não é o momento para colheita de provas, nem de oitiva de testemunhas, e nem para análise das questões de mérito. Ou seja, “O ato da audiência de custódia não deve servir como antecipação do interrogatório ou da instrução processual.” (PAIVA, 2015, [n.p.]).

No que se refere a essa questão, explica Toscano Jr.(2015, [n.p.]):

Na audiência de custódia não se aborda questão de mérito, senão a instrumentalidade da prisão e a incolumidade e a segurança pessoal do flagranteado, quando pairam indícios de maus-tratos ou riscos de vida sobre a pessoa presa. Não é o contato pessoal do juiz com o preso que o contamina. O distanciamento que é contamina de preconceitos, no sentido de conceitos prévios, sem maiores fundamentos. A presença do preso permite avaliar muito melhor o cabimento ou não da prisão.

A grande “massa” da sociedade acredita que a prisão e os maus tratos contra o acusado representam a eficácia da justiça. Nesse sentido, a audiência de custódia antes de qualquer hipótese, se trata de não mais avaliar o preso como “criminoso”, que precisa ser punido, mas sim, de um momento de enxergar que, para além de rótulos instituídos pela grande parte da sociedade, existe uma pessoa de carne e osso. É o momento de enxergar o ser humano, de tomar as decisões de forma justa e coerente com as necessidades da persecução penal, ouvindo todas as versões da situação, principalmente as do preso, a possibilitar um efetivo contraditório.

1.2 Audiência de custódia: do controle de convencionalidade ao Projeto de Lei n.º 470/2015.

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No Brasil, o Projeto de Lei do Senado, de n.º 554/2011, que determina a realização da audiência de custódia, foi aprovado em 14 de julho do ano de 2016. Representa uma mudança esperançosa para o sistema penal pátrio.

No que diz respeito à finalidade de ajustar o processo penal aos tratados internacionais, trata-se de um requisito não efetivamente obedecido pela legislação brasileira, pois, como mencionado, a audiência de custódia tem previsão normativa na Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos (1969) e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), tratados dos quais o Brasil é signatário. Contudo, é recente a efetiva implantação de tal instituto no Brasil, e começou a ser discutida e posta em prática pelo sistema penal pátrio.

Aos tratados internacionais de direitos humanos é atribuído o caráter de supralegalidade9 no controle judicial de convencionalidade. Sendo o Código de Processo

Penal uma lei ordinária, e a CADH de caráter supralegal, deveria ter prevalência, uma vez que está acima da lei e deve ser aplicada imediatamente. Assim, a previsão da audiência de custódia não é uma inovação do nosso ordenamento, trata-se de descumprimento de algo que estava previsto há muito tempo.

Explana Victor Augusto Estevam Valente (2016, [n.p.]):

Entende-se, assim, que o controle de convencionalidade é uma realidade sob a ótica dos direitos humanos, de modo que sua necessidade é inquestionável e fundamental para a promoção e proteção desses direitos, máxime dos direitos sociais e dos grupos de vulneráveis. Contudo, esse controle deve ser objeto de uma leitura mais acurada na perspectiva do ordenamento pátrio.

A Constituição Federal (BRASIL, 1988) elenca em seu art. 5º:

§2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. §3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

9 Os tratados internacionais têm caráter supralegal, ou seja, possuem supralegalidade, estão acima da lei

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Os tratados de direitos humanos com status supralegal se evidenciam por normas que estão acima das leis brasileiras em geral, mas inferiores à Constituição Federal (BRASIL, 1988). É o caso, por exemplo, do Pacto de São José da Costa Rica (1969), do qual o Brasil é signatário. Então, toda e qualquer norma interna brasileira que venha a contrariar, ou ferir as disposições de qualquer tratado internacional de Direitos Humanos, com status supralegal, deverá ser considerada formalmente ilegal, como refere Golnago (2012, [n.p.]):

A ilegalidade pode ser reconhecida pelos magistrados no bojo de processos judiciais concretos, independentemente de provocação das partes, haja vista que a ele cabe, em suas decisões, aplicar o Ordenamento Jurídico, independentemente de alegação formulada por uma das partes do processo.

Sob o ponto de vista prático, os Tribunais não estarão limitados pelas chamadas “cláusulas de reserva de plenário” previstas no artigo 97, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), podendo reconhecer a ilegalidade mesmo que não se atinja o quórum de maioria absoluta de seus membros.

Ainda, conforme salienta Golnago (2012, [n.p.]):

Pelo mesmo fundamento, se um Tribunal considerar que determinada lei interna não viola o conteúdo de um tratado com caráter supralegal, será cabível o Recurso Especial ao Superior Tribunal de Justiça, visto que a situação se equipara à violação de lei federal.

Por sua vez, os Tratados de Direitos Humanos com status constitucional se caracterizam por veicularem normas que se sobrepõem à legislação ordinária brasileira em razão da Supremacia da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Em outras palavras, as normas dos tratados são equiparadas às normas constitucionais. Assim, toda e qualquer norma interna brasileira que venha a contrariar as disposições de qualquer tratado internacional de Direitos Humanos com status constitucional será considerada como violadora da Constituição Federal (BRASIL, 1988) e, logo, inconstitucional (GOLNAGO, 2012).

Depois desta breve explanação, pode-se verificar que o controle de convencionalidade é muito parecido com o controle de constitucionalidade, ou com o controle de legalidade dos atos contrários a Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Tudo dependerá da forma de internalização do Tratado.

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Em que pese ainda não existir lei ordinária regulamentando a audiência de custódia, o Projeto de Lei do Senado nº 554, de 2011, de autoria do Senador Antônio Carlos Valadares, foi aprovado pelo Plenário do Senado Federal, em 14 de julho de 2016, e regulamenta a audiência de custódia. O Referido projeto altera a redação do parágrafo 1º, do artigo 306 do Código de Processo Penal, estabelecendo que, no prazo máximo de 24 horas a contar da prisão em flagrante deverá o preso ser conduzido à presença do juiz (CNJ, 2016).

Cabe ressaltar que, de modo diverso ao anteriormente delineado, o art. 1º, caput, da Resolução 213, do CNJ, o qual indica que a partir da comunicação da prisão começa a contagem de novo prazo de 24 (vinte e quatro) horas, dentro do qual o preso deverá ser levado à presença do juiz para participar da audiência. Diante da colisão de comandos evidenciada, é necessário que prevaleça a contagem do prazo conforme fixado na decisão proferida pela Suprema Corte.

A proposta também prevê que, após apresentado o auto de prisão, caso seja alegada violação a direitos fundamentais, cabe à autoridade policial providenciar as medidas necessárias para preservar a integridade do preso, bem como solicitar a apuração dos fatos e instaurar inquérito. (CNJ, 2015):

Outo projeto que também se encontra em tramitação é o Projeto de Lei n.º 470/2015, apresentado pelo Deputado Laerte Rodrigues de Bessa, em 25 de fevereiro de 2015, o qual altera o Decreto Lei n.º 3.689/1941 (Código de Processo Penal), para estabelecer a audiência de Custódia e dar outras providencias. Referido projeto prevê alteração dos artigos. 304, 306, 310 e 322, do Código de Processo Penal, os quais passariam a vigorar com as seguintes alterações:

Art. 304- § 1 o Resultando das respostas fundada a suspeita contra o conduzido, a autoridade mandará recolhê-lo à prisão, exceto no caso de livrar-se solto, de aplicação de medida cautelar diversa da prisão ou de manifesta causa excludente de ilicitude prevista no art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e prosseguirá nos atos do inquérito ou processo, se para isso for competente; se não o for, enviará os autos à autoridade que o seja. § 4º O preso tem o direito de ser assistido por advogado, público ou contratado, durante o seu interrogatório policial, podendo ser nomeado defensor dativo pelo delegado de polícia, com a concordância do interrogando, se este não o dispensar expressamente ou permanecer em silêncio, no exercício da autodefesa. § 5º Todo preso será submetido a exame de corpo de delito cautelar, realizado por perito-médico oficial, onde houver, ou médico nomeado pelo delegado de polícia, preferencialmente entre os integrantes da rede pública de saúde.” “Art. 306- § 3º A comunicação da prisão será acompanhada do laudo preliminar do exame de corpo de delito cautelar do

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preso. § 4º O preso não poderá permanecer em delegacia ou unidade da polícia judiciária por prazo superior a 72 horas, devendo ser transferido para setor específico de custódia, triagem e transição de presos ou para estabelecimento penitenciário, à disposição do juiz. “Art. 310 No prazo de 24 horas, após o recebimento do auto de prisão em flagrante, o juiz poderá designar audiência de custódia, que será realizada com a participação da defesa e do Ministério Público, caso o indiciado tenha sido interrogado sem defensor ou não tenha sido posto liberdade pelo delegado de polícia, mediante fiança ou outra medida cautelar diversa da prisão. § 3º A audiência de custódia terá por objetivo as providências elencadas no caput e poderá ser realizada por videoconferência”. “Art. 322 No caso de prisão em flagrante, o delegado de polícia poderá colocar o indiciado em liberdade aplicando, em decisão fundamentada, isolada ou cumulativamente, as medidas cautelares diversas da prisão previstas nos incisos I, II, III, IV, V, VIII e IX do art. 319, nas seguintes hipóteses: I – crimes culposos; II – crimes dolosos punidos com pena de detenção; III – crimes dolosos punidos com pena de reclusão não superior a quatro anos; IV – quanto não estiverem presentes os requisitos da prisão preventiva. Parágrafo único. O delegado de polícia comunicará o juiz competente nos termos do art. 306, que decidirá, na forma do art. 310, sobre o auto de prisão em flagrante e as medidas cautelares eventualmente aplicadas.

Até o presente momento, o projeto encontra-se apensado ao PL 7871/201410, o qual também determina o prazo de vinte e quatro horas para apresentação do preso à autoridade judicial, após efetivada a prisão.

A audiência de custódia está, portanto, regulamentada em Tratados Internacionais, mas o que se tem é uma dificuldade de consentimento por parte do Judiciário, em começar efetivamente a realizar as audiências.

Segundo Carlo Velho Masi (2017, p. 03):

Com a implantação da prática, haverá um potencial auxílio na redução do alto índice de presos provisórios no país (42% da população carcerária, segundo recentes dados do CNJ), amenizando a superpopulação carcerária e o déficit de vagas, de modo a propiciar melhorias nas condições de cumprimento de pena nos estabelecimentos prisionais, aliadas à redução de custos.

Com a realização da audiência de custódia, assegura-se uma maior legitimidade ao processo decisório inicial, ou seja, “deixando de ser um ato meramente burocrático, onde o magistrado simplesmente recebe a comunicação e as peças do flagrante escritas e decide apenas com base no que foi relatado pela autoridade policial” (MASI, 2016, p. 03).

10 Projeto de Lei apresentado pelo Deputado Jorginho dos Santos Mello em 06/08/2014. Altera o Decreto-Lei nº

3689, de outubro de 1941, Código de Processo Penal. Determina o prazo de vinte e quatro horas para apresentação do preso à autoridade judicial, após efetivada a prisão.

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Ademais, não se trata apenas de um projeto de lei, e sim, de uma decisão com efeito vinculante da medida cautelar na ADPF nº 347 (BRASIL, 2015), e de uma Resolução do CNJ, que obrigam o Tribunal de Justiça a realizar, no prazo de 24 horas, em todas as comarcas a audiência de custódia, que simplesmente são ignoradas por magistrados (NEWTON, 2017).

Nesse sentido, evidencia Aury Lopes Jr. e Rosa (2015, [n.p.]):

O que devemos ter, gostemos ou não, é respeito pelas regras do jogo. E nelas, a audiência de custódia é condição de possibilidade à prisão cautelar. A magistratura precisa cumprir as leis. Concordem ou não, já que não há inconstitucionalidade. Evidentemente que a cultura encarceradora não se muda por mágica, nem pela audiência de custódia, mas podemos, ao menos, mitigar a ausência de impacto humano.

Diante do exposto, pode-se afirmar que a audiência de custódia representa um grande avanço na evolução civilizatória do processo penal brasileiro, porém, já chega com muito atraso, mas ainda assim confere os direitos fundamentais que são garantidos pela Constituição Federal (BRASIL, 1988).

A audiência de custódia vem para humanizar mais o processo penal, é um instrumento que beneficia tanto o imputado quanto o sistema penal, em especial no que se refere ao sistema penitenciário, que se encontra inadequado, e, consequentemente cada vez mais inapropriado para receber ainda mais presos.

Sendo assim, a audiência de custódia é momento de garantia dos princípios do contraditório, e ampla defesa, e respeitando assim, os direitos fundamentais, além do que, pode contribuir para a redução de um dos maiores problemas da vida no cárcere no Brasil, qual seja, o da superlotação dos estabelecimentos prisionais.

A não observância da supralegalidade da audiência de custódia, além de ferir a ordem constitucional, prejudica principalmente aquela pessoa que necessita desse instrumento, pois a sua liberdade está diretamente vinculada à realização da audiência de custódia. Ainda, no que tange à morosidade da persecução criminal no Brasil, em especial quando o acusado está preso provisoriamente, também pode a audiência de custódia ser um instrumento importante à redução de mais esse problemas. Ou seja, “A perpetuação do processo penal, além do tempo

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necessário para assegurar seus direitos fundamentais, se converte na principal violação de todas e de cada uma das diversas garantias que o réu possui” (LOPES, JR. 2012, p. 200).

Em termos práticos, a audiência de custódia se torna o caminho para a redução do encarceramento descontrolado, e garante o mínimo de dignidade de quem é preso, sendo assim, observados os princípios constitucionais, e os direitos fundamentais. No contexto jurídico atual, a autoridade judicial somente tem a comunicação com o suspeito apenas na audiência de instrução e julgamento, a qual, devido ao aumento cada vez maior de processos, acaba por serem marcadas meses após o encarceramento do indivíduo.

É exatamente sobre esse volume alarmante de prisões efetuadas, e o estado de caos em que se encontram os estabelecimentos prisionais no Brasil, que vamos tratar no próximo capitulo. Além de fazer uma análise da real implantação da audiência no sistema pátrio. E, ainda, verificar a violação dos direitos humanos daqueles que vivem no cárcere.

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2 AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA UM RESGATE À DIGNIDADE DA VIDA NO CÁRCERE: CONSIDERAÇÕES A PARTIR DOS RELATÓRIOS OFICIAIS A

RESPEITO DOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS NO BRASIL

Este capítulo busca estudar o sistema penitenciário brasileiro de forma genérica, especificadamente com foco em identificar as falhas existentes em nosso país. São evidentes os episódios que demostram o descaso estatal em relação às políticas públicas para a vida no cárcere. O excesso de encarceramento é um dos exemplos desse descaso, e contribui sobremaneira para as péssimas condições do sistema penitenciário brasileiro nos dias atuais. Nesse contexto, cumpre analisar os processos de implantação e de implementação da audiência de custódia no Brasil, a contribuir para a redução da população prisional, ainda que em relação ao número de prisões provisórias apenas.

A partir da análise de dados estatísticos apresentados por órgãos governamentais, é possível perceber que o grande número de indivíduos que se encontram nos sistema prisional na maioria das vezes está atrelado ao tempo de duração da prisão cautelar e não apenas da prisão pena.

É visível que há uma inversão de condutas, na qual, muitas vezes, a persecução penal no Brasil prima, primeiro, pela prisão dos acusados e, posteriormente, se preocupa com o suporte probatório, pra tornar legitima uma medida cautelar de coerção pessoal tão drástica como é a prisão preventiva, quando, na verdade o era esperado seria justamente o contrário. Diz-se isso porque o processo criminal deve ser antes um instrumento a serviço da máxima eficácia dos direitos fundamentais, em respeito ao princípio do estado de inocência (LOPES JR., 2012).

Com o surgimento da Lei n.º 12.403/1111, que alterou o Código de Processo Penal, se tentou buscar diminuir a decretação das prisões preventivas, criando várias medidas cautelares diversas da prisão. Sobre esse tema, destaca Lopes Jr. (2012, p.790):

Com a reforma operada pela lei 12.403 de 04 de maio de 2011, perdeu-se uma grande oportunidade de resolver o problema da falta de definição em lei da duração máxima da prisão cautelar e também da previsão de uma sanção processual e caso de excesso (imediata liberação do detido). Os limites aos excessos somente ocorrerá quando houver prazo com sanção. Do contrário, os abusos continuarão.

11 Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, relativos à

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Pode se dizer que a reforma do Código de Processo Penal pouco (ou quase nada) progrediu em relação aos Tratados Internacionais que dispõem sobre direitos humanos, ou seja, “o NCPP não avança, portanto, em nada da matéria, mantendo a legislação processual penal do Brasil refratária aos tratados internacionais de direitos humanos” (PAIVA, 2018, p. 79).

O Brasil é um dos países que mais ratifica Tratados Internacionais, principalmente voltados à proteção dos direitos humanos. Dentre os quais se podem citar: Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), de 1966 e a Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica (CADH), de 1969, e consequentemente se enquadra como um país preocupado com a proteção aos direitos fundamentais. Embora seja fundamental esclarecer que o quadro em que se encontra o Sistema Prisional Brasileiro, atualmente não condiz nada com os direitos expressos nos Tratados do qual é signatário.

Além dos Tradados mencionados, em 22 de maio de 2015, as Nações Unidas oficializaram novo quadro de normas, incorporando novas doutrinas de direitos humanos para tomá-las como parâmetros na reestruturação do atual modelo de sistema penal e percepção do papel do encarceramento para a sociedade. Editaram-se, pois, as chamadas Regras de Mandela12.

Das quais se destacam:

Regra 1 : Todos os presos devem ser tratados com respeito, devido a seu valor e dignidade inerentes ao ser humano. Nenhum preso deverá ser submetido à tortura ou tratamentos ou sanções cruéis, desumanos ou degradantes e deverá ser protegido de tais atos, não sendo estes justificáveis em qualquer circunstância. A segurança dos presos, dos servidores prisionais, dos prestadores de serviço e dos visitantes deve ser sempre assegurada. Regra 2 : Estas Regras devem ser aplicadas com imparcialidade. Não haverá discriminação baseada em raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social, propriedades, nascimento ou qualquer outra condição. As crenças religiosas e os preceitos morais dos presos serão respeitados. 2. Para que o princípio da não discriminação seja posto em prática, as administrações prisionais devem levar em conta as necessidades individuais dos presos, particularmente daqueles em situação de maior vulnerabilidade. Medidas para proteger e promover os direitos dos presos portadores de necessidades especiais são necessárias e não serão consideradas discriminatórias.

12 As Nações Unidas lançaram as Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros revisadas, apelidadas de

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Apesar de o Brasil ter participado intensamente das negociações para a elaboração das Regras Mínimas e sua aprovação na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2015, até o momento não está essa normativa repercutida em políticas públicas no país, sinalizando o quanto é necessário maior valorização das normas de direito internacionais em nosso país.

Explana sobre o tema Mariana Py Muniz Cappellari, (2016):

Tal atualização, por certo, cedeu e considerou a transformação então ocorrida no âmbito da execução da pena, haja vista que o documento original, conforme já se salientou, datava de 1955. Desde então, efetivamente logrou-se aferir um encarceramento mais do que crescente e com ele o agigantamento de precaríssimas condições carcerárias, quanto mais em solo brasileiro, diríamos. Contudo, o objetivo das referidas regras, conforme se retira do próprio documento, não é descrever um sistema penitenciário modelo, mas estabelecer princípios e regras de uma boa organização penitenciária e da prática relativa ao tratamento dos presos, razão pela qual se deixa claro que dadas às variações de condições jurídicas, sociais, econômicas e geográficas existentes no mundo, estas regras servem para o estímulo constante de superação das dificuldades práticas, sem, no entanto, se mostrarem impositivas de um todo.

O sistema carcerário brasileiro se encontra em uma situação preocupante. Conforme os dados levantados no mês de dezembro de 2017, através do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (DEPEN)13, divulgaram informações do levantamento Nacional de Informações Penitenciárias referentes a 2016. Até junho desse mesmo ano, haviam sido encarceradas 726.712 pessoas, sendo que 40% seguiam presas sem condenação. (DEPEN, 2016).

Com um novo levantamento, o Brasil é, atualmente, o terceiro país com a maior população carcerária do mundo, ultrapassando a Rússia (618.490 em 2017), seguido dos Estados Unidos (2,3 milhões) e China (1,7 milhões em 2015). No entanto, na contramão dos outros países, o Brasil só tem feito crescer a sua população carcerária, o que inclui também o número de pessoas presasainda sem condenação. (INFOPEN, 2017)14.

Cabe nesse sentido mencionar trecho do voto do Ministro Marco Aurélio (2015, p. 17-18) na ADPF 345/DF (BRASIL, 2015), o qual destaca:

[...] Considerando o número total, até mesmo com as prisões domiciliares, o Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, depois dos Estados Unidos e

13DEPEN, Departamento Penitenciário Nacional.

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da China. Tendo presentes apenas os presos em presídios e delegacias, o Brasil fica em quarto lugar, após a Rússia. A maior parte desses detentos está sujeita às seguintes condições: superlotação dos presídios, torturas, homicídios, violência sexual, celas imundas e insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida imprestável, falta de água potável, de produtos higiênicos básicos, de acesso à assistência judiciária, à educação, à saúde e ao trabalho, bem como amplo domínio dos cárceres por organizações criminosas, insuficiência do controle quanto ao cumprimento das penas, discriminação social, racial, de gênero e de orientação sexual [...].

Nesse viés, é possível perceber que a superlotação do sistema prisional é sim um problema grave e que deve sim, ser prioridade para sua resolução. Ainda, alerta Marco Aurélio (2015, p.18):

[...] Com o déficit prisional ultrapassando a casa das 206 mil vagas, salta aos olhos o problema da superlotação, que pode ser a origem de todos os males. No Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados, formalizado em 2009, concluiu-se que “a superlotação é talvez a mãe de todos os demais problemas do sistema carcerário” [...].

Outro ponto que chama atenção é o alto índice de mulheres presas. Com base em dados do Infopen Mulheres15, na segunda edição do relatório divulgado pelo Departamento Penitenciário Nacional voltado para o público feminino, entre 2000 e 2016, a taxa de aprisionamento de mulheres aumentou em 525% no Brasil, passando de 6,5 mulheres encarceradas para cada grupo de 100 mil mulheres em 2000 para 40,6 mulheres encarceradas em 100 mil. De acordo com o relatório, 45% das mulheres presas no Brasil em junho de 2016 não haviam sido ainda julgadas e condenadas (INFOPEN, 2018).

Percebe-se que as mulheres representam um número expressivo no sistema prisional brasileiro, sendo que em sua maioria são mulheres de raça negra.

A partir da análise da amostra de mulheres sobre as quais foi possível obter dados acerca da raça, cor ou etnia, podemos afirmar que 62% da população prisional feminina são compostas por mulheres negras. Podemos afirmar que, entre a população maior de 18 anos, existem aproximadamente 40 mulheres brancas privadas de liberdade para cada grupo de 100 mil mulheres brancas, e existem 62 mulheres negras na mesma situação para cada grupo de 100 mil mulheres negras, o que expressa a disparidade entre os padrões de encarceramento de mulheres negras e brancas no Brasil (INFOPEN, 2018).

15 Alinhando-se à primeira meta prevista na Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação

de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional – PNAMPE, o DEPEN lança em 2015 a primeira edição do INFOPEN Mulheres, que analisa os dados disponíveis a partir da perspectiva dos serviços penais voltados para garantia de direitos das mulheres em situação de prisão, abordando, entre outros temas, os marcadores de raça, cor, etnia, idade, deficiência, nacionalidade, situação de gestação e maternidade entre as mulheres encarceradas.

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Colaboram para essa análise os dados fornecidos nos artigo de Fernanda Cunha (2017, [n.p.]):

Se tomarmos por base o boletim da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realmente, não há mudança. De acordo com o levantamento, 65% dos presídios brasileiros, tanto masculinos quanto femininos, não têm camas para todos os detentos. Atualmente, o País tem 622 mil pessoas presas ocupando 370 mil vagas.

O Brasil ocupa o 4° lugar no ranking dos países com maior população prisional feminina, atrás dos Estados Unidos, China, Rússia e Tailândia. As mais de 42.355 mil mulheres presas no Brasil, de acordo com o Infopen. Desse contingente feminino, 62% das prisões está relacionada ao tráfico de drogas – quando levados em consideração somente os homens presos, essa taxa é de 26%. As presidiárias brasileiras parecem seguir um perfil: 67% são negras ou pardas; 68% têm entre 18 e 34 anos; 63% são condenadas as penas de até oito anos; e 99% não têm diploma universitário. (INFOPEN, 2016)16.

Com base nesses relatórios oficiais, os dados encontrados são preocupantes e demostram a real situação do sistema prisional no Brasil. Os reflexos dessa má gestão afetam principalmente os apenados.

A Constituição Federal (BRASIL, 1988), elenca em seu artigo 5.º, XLIX, que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. É visível que a superpopulação dos presídios demonstra totalmente o contrário, os direitos fundamentais desses detentos, simplesmente são ignorados.

Esse cenário de excessos de prisões longas, e da demora no tempo do processo decorre da falta de regulamentação e principalmente da duração das prisões provisórias. Conforme referem Aury Lopes Jr. e Alexandre de Morais da Rosa, (2015, [n.p.]):

Pensamos que o processo “demora demais” e ninguém quer esperar até a sentença, afinal, qualquer demora é uma dilação insuportável para uma sociedade hiperacelerada. Por isso, quando somos sedados pela avalanche de imagens de uma megaoperação policial e ninguém sai preso, temos a molesta e incômoda sensação de que haverá impunidade.

A ocorrência de prisões cautelares injustas e de processos que duram anos não é algo isolado no processo penal brasileiro. Além disso, a prisão está associada à ilusão de justiça instantânea que a atende aos anseios da opinião pública. Destaca ainda, Aury Lopes Jr. (2012,

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p. 786): “O desprezo pela provisionalidadeconduz a uma prisão cautelar ilegal, não apenas pela falta de fundamento que a legitime, mas também por indevida apropriação do tempo imputado.”

Corrobora para esse entendimento o que dispõe no art. 316 do Código de Processo Penal: “O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no correr do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.” Ou seja, a prisão preventiva pode ser revogada, se houver falta de justificativa para que a mesma se mantenha, devendo ser observando o princípio da provisionalidade. Entretanto, para muitos detentos, a prisão provisória se mostra mais gravosa que a própria condenação que lhe venha a ser imputada ao final do julgamento. Nesse contexto, explana Antônio Vieira (2006, [n.p.]):

Enfim, a prisão provisória é, pois, uma violência que só se justifica na medida em que não excede o mal que pode ser causado pela pena. Pensar diferente disso é o mesmo que conceber que se possa amputar uma perna para cessar a dor provocada por uma inflamação na unha, vale dizer, é compactuar com o inimaginável, com o absurdo! Isto, obviamente, porque ninguém aceitaria fazer uso de um remédio que cause mais sofrimento que a própria enfermidade.

A provisoriedade é outro dos princípios básicos das prisões cautelares, significa que as medidas cautelares têm caráter provisório (temporário) visto que possuem vigência limitada no tempo, durando um período determinado ou, no máximo, até o trânsito em julgado de uma sentença condenatória.

Pode-se fazer uma relação entre o princípio da provisoriedade e o princípio da provisionalidade, destacando-se que o tempo de coerção pessoal não pode ser taxado como definitivo, estando diretamente associada com os motivos que levaram ao seu decreto. Diante do exposto, depreende-se que o princípio da duração razoável da prisão cautelar complementa o princípio da provisoriedade e vice-versa. Pode-se, inclusive, afirmar que ambos os princípios, consubstanciados, perfazem o estudo acerca do limite temporal das prisões cautelares.

A Lei de Execuções Penais, em seu Art. 84, menciona, ainda, que: “O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado.” É interessante perceber que a lei é clara e enfática ao estabelecer que os presos provisórios devam ser colocados afastados dos condenados, entretanto não e isso que ocorre na maioria dos presídios

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brasileiros. Os presos provisórios são colocados junto com os presos já condenados, e exatamente por não ter lugar específico como determina a lei, e a consequência é que acaba superlotando as penitenciárias.

Ainda, o já mencionado Pacto dos Direitos Civis e Políticos (1992), do qual o Brasil também é signatário, deixa claro em seu art. 7º. “Ninguém poderá ser submetido a torturas, penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.” Também, as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Presos (Regras de Mandela), norteiam o tratamento dos presos, desde os princípios básicos de tratamento, as acomodações, o vestuário, a higiene, alimentação saúde, esporte, entre outras garantias, previstas. Dentre as quais cabe destacar:

Regra 4 1. Os objetivos de uma sentença de encarceramento ou de medida similar restritiva de liberdade são, prioritariamente, de proteger a sociedade contra a criminalidade e de reduzir a reincidência. Tais propósitos só podem ser alcançados se o período de encarceramento for utilizado para assegurar, na medida do possível, a reintegração de tais indivíduos à sociedade após sua soltura, para que possam levar uma vida autossuficiente, com respeito às leis. 2. Para esse fim, as administrações prisionais e demais autoridades competentes devem oferecer educação, formação profissional e trabalho, bem como outras formas de assistência apropriadas e disponíveis, inclusive aquelas de natureza reparadora, moral, espiritual, social, esportiva e de saúde. Tais programas, atividades e serviços devem ser oferecidos em consonância com as necessidades individuais de tratamento dos presos.

Embora, os referidos Tratados estejam claramente voltados à preocupação aos direitos humanos em relação aos presos, na prática as condições de vida nos cárceres brasileiros são totalmente o contrário. São constantes as notícias de rebeliões e revoltas que acontecem dentro das penitenciárias, inclusive a prática de tortura é muito constante. Nesse ponto, também menciona o Ministro Marco Aurélio (2015, p. 19):

[...] São constantes os massacres, homicídios, violências sexuais, decapitação, estripação e esquartejamento. Sofrem com a tortura policial, espancamentos, estrangulamentos, choques elétricos, tiros com bala de borracha. Quanto aos grupos vulneráveis, há relatos de travestis sendo forçados à prostituição. Esses casos revelam a ausência de critério de divisão de presos por celas, o que alcança também os relativos a idade, gravidade do delito e natureza temporária ou definitiva da penalidade[...].

Outra característica do sistema prisional brasileiro é a superlotação, e o que chama atenção é que, os indivíduos que geralmente são levados ao cárcere se enquadram num perfil

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seletivo. Em 2016 o relator especial sobre tortura da Organização das Nações Unidas (ONU)17 Juan E. Méndez, em sua visita ao Brasil denunciou em seu relatório:

A prática de tortura e maus tratos, e outros tratamentos ou penas cruéis desumanas e degradantes são frequentes no Brasil. Juan Méndez apresentou ao Conselho de Direitos Humanos relatório sobre sua visita ao Brasil. No documento, o especialista citou a prática de tortura e maus-tratos nos presídios e delegacias brasileiras, apontando ainda um “racismo institucional” do sistema carcerário do país, no qual quase 70% dos presos são negros.

É decepcionante ver que o Brasil é mencionado em um relatório para a Organização das Nações Unidas, como sendo um país que tem o hábito entranhado em sua sociedade a prática da tortura, dos maus tratos, no momento da prisão ou nos estabelecimentos prisionais, e ainda, feitos sobre uma parcela da sociedade classificada como “preta e pobre”.

Através de dados obtidos pelo INFOPEN, podem ser feitas algumas inferências sobre o perfil da população encarcerada no Brasil:

O Sistema Integrado de Informações Penitenciárias INFOPEN, divulgados no mês de dezembro de 2017, pelo Ministério da Justiça trazem uma estatística que embasa a constatação de que o Judiciário brasileiro exerce uma seletividade penal prejudicial à população negra. Enquanto no total da população brasileira com mais de 15 anos 53% das pessoas se declaram negras, 64% dos presos no sistema penitenciário nacional são negros (INFOPEN, 2017).

Ser negro é outro fator que eleva as chances de seguir detido. Pessoas brancas ficaram presas em 49,4% dos casos e receberam liberdade provisória em 41%. Já entre pretos e pardos a prisão foi mantida em 55,5% das vezes e relaxada em 35,2%:

O dado ressalta que pessoas em situação de rua são mais vulneráveis a serem detidas em flagrante, mas que as audiências de custódia são uma instância que não reproduz atitude discriminatória com essa população, talvez até corrigindo alguma filtragem da ação policial, aponta o estudo. (CNJ, 2018).

É claramente perceptível que o encarceramento no Brasil incide em sua maioria sobre homens, negros, jovens, pobres, e autores de crimes patrimoniais e que, de regra, não

17 A ONU (organização das Nações Unidas) é um órgão internacional criado em 24 de outubro de 1945, após a

Segunda Guerra Mundial. A finalidade do órgão é manter a paz e a segurança internacional, bem como desenvolver a cooperação entre os povos. Busca solucionar os problemas sociais, humanitários, culturais e econômicos, promovendo o respeito às liberdades fundamentais e aos direitos humanos.

Referências

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