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Vista do HATE SPEECH DIGITAL: EM BUSCA DE RESPOSTAS | Acta Científica. Ciências Humanas

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Academic year: 2021

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André Farah1

Resumo: O presente artigo trata do hate speech cibernético e as várias formas de resposta a ele. Pontua acontecimentos prévios à formatação da Internet como hoje conhecida, para evidenciar que a questão não é nova. Após expor o pro-blema de ordem democrática ligado ao hate speech, são demonstradas a impor-tância dos seus elementos caracterizadores e a dificuldade em defini-lo, o que tem repercussão na liberdade de expressão. Inserta a questão no mundo digital, o trabalho analisa, com olhos na referida liberdade, as várias reações ao hate speech na Internet. O estudo constitui-se de uma pesquisa do tipo qualitativa, com objetivos descritivo-explicativos, utilizando para tal do procedimento de pesquisa bibliográfico.

Palavras-chave: Hate speech; Internet; Respostas.

DIGITAL HATE SPEECH: LOOKING FOR RESPONSE

Abstract: This article deals with the online hate speech and the many forms

of response to it. It points to prior events to the formatting of the Internet as it is known, to show that the question is not new. After exposing the problem of democratic order related to hate speech, the importance of its elements and the difficulty in defining it are demonstrated, which has repercussion in the free-dom of expression. Inserting the issue in the digital world, with focus on such 1 Mestre em Direito Público pela UERJ. Professor convidado da Pós-Graduação Lato Sensu, em Direito do Estado, da UERJ. Promotor de Justiça e coordenador do Núcleo de Estágio Forense do MPRJ. E-mail: andre_farah@terra.com.br

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freedom, the paper analyzes the various reactions to hate speech on the Internet. The study is a qualitative type research, with descriptive-explanatory objectives,

using for that the procedure of bibliographic research. Keywords: Hate speech; Internet; Response.

Introdução

A espécie humana, em regra, vive em sociedade. As comunidades, ao se formarem, precisaram chegar a um denominador comum do que desejavam. Mesmo adotando a ideia de um nível de consenso na formatação do hipotético contrato social, os homens que se sentaram para discuti-lo e resolvê-lo caracte-rizavam-se por uma certa homogeneidade, o que levou à não integração e não consideração de parcela relevante dessa mesma sociedade (NUSSBAUM, 2013).

Historicamente, a não incorporação à agenda política e social de uma mi-noria em uma sociedade é um fato indiscutível. Porém, o amadurecimento de uma consciência jurídico social, junto com a existência de cartas de direitos, vem trazendo à luz quem vivia às sombras, o que tem incomodado e gerado reações. Daí, surge a intolerância e o hate speech que ganhou novo fôlego com a Internet.

O assunto tem sido muito estudado pela doutrina de direito comparado. Isso é relevante porque ele se apresenta de formas diferentes ao redor do mun-do, em conformidade com as suas realidades regionais. Cada país possui sua história e as lutas das respectivas minorias por um espaço digno. Apesar disso, hoje, duas constatações são possíveis com o grande progresso da tecnologia da informação. A Internet é uma realidade, mas a opressão praticada por grupos mais fortes não deixou de fazer parte da história (COLIVER et al., 1992).

Com essas ideias em mente, o estudo constitui-se de uma pesquisa do tipo qualitativa, com objetivos descritivo-explicativos, utilizando para tal o proce-dimento de pesquisa bibliográfico. O tema do presente trabalho é o discurso de ódio na Internet. O problema aqui proposto é estudar as reações online de com-bate a tal discurso. Sua hipótese a ser testada é que invariavelmente as definições sobre hate speech são muito vagas e amplas e, por isso, geram questionamento diante da doutrina da liberdade de expressão. Isso faz com que nem todas as reações contra tal fenômeno estejam corretas diante de tal direito de liberdade.

Assim, o objetivo geral é apresentar um espaço no qual reação contra o hate speech e doutrina da liberdade de expressão se encontrem. Para operacionalizar essa ideia, o trabalho apresenta um breve passado do hate speech, os problemas

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119 democráticos do assunto e a dificuldade em sua definição. Após isso, mergulha--se no mundo digital, para então avaliar as diversas reações apresentadas.

Um breve passado do Hate Speech

O hate speech, como é de fácil constatação, não nasceu na ou com a Inter-net. Em que pese as maravilhas trazidas com o mundo digital, o mesmo possi-bilitou a prática de atitudes bastante violadoras de direitos. Com a intolerância que atualmente permeia a sociedade, o extravasamento do discurso de ódio encontrou campo fértil. O mundo paralelo digital apenas colocou combustível a uma chama que não estava apagada.

Ao final da Primeira Grande Guerra, tentou-se estabelecer o princípio da igualdade entre as raças. O episódio deu-se quando o Japão foi convidado a par-ticipar da Liga das Nações. No documento que se rascunhava, o país nipônico desejava a declaração expressa de igualdade. Apesar de a ideia contar com a concordância de muitas nações, os Estados Unidos, que presidiam o aconteci-mento e discordavam da mesma, firmaram o entendiaconteci-mento de que uma aprova-ção exigia a unanimidade. Apesar da vitória política americana nesse momento, os protestos contrários foram maciços. Tempos depois, a mesma tentativa foi feita ao final da Segunda Guerra Mundial, quando da criação das Nações Uni-das. A rejeição, desta vez, foi liderada pelos britânicos. Entretanto, os norte-a-mericanos pressionaram pela inclusão da pauta da não discriminação na Carta e foram acompanhados por diversos países (BOYLE, 2001, p. 492-493).

Durante a Guerra Fria, a então União Soviética e os países que a apoiavam não tinham um grande apreço pela liberdade de expressão. Quanto ao hate speech, a nação soviética preocupava-se em ser uma antagonista aos Estados Unidos. Não saía de seu raio de atenção o receio em relação às novas tecnologias – à época, o rádio – e a efetividade com que as propagandas de guerra e de ódio

foram usadas na Segunda Guerra Mundial (BOYLE, 2001, p. 488-489).

Em paralelo, o regime de Apartheid sul-africano, capitaneado pelo Partido Nacional, iniciou-se em 1948. Mas a ideia de supremacia branca não era nova já naquela época. Por séculos, a Europa e os Estados Unidos praticaram tal es-tilo de preconceito, sempre incutindo nas mentes tanto dos que compunham o grupo branco quanto dos outros (os inferiores), a mesma estratégia de diferen-ciação. São exemplos a escravidão, o colonialismo e o imperialismo. Os Estados Unidos, somente no século 19, emanciparam os escravos a cidadãos, apesar da igualdade só começar a ter alguma efetividade mais de cem anos depois. Apesar de a metade do século 19 em diante apresentar umas das maiores mudanças no que concerne à liberdade e autodeterminação das nações, é impensável que a

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alteração do status quo tenha se dado sem oposição firme daqueles que se con-sideravam superiores (BOYLE, 2001, p. 491-492).

O breve apanhado de fatos históricos evidencia, então, a discordância en-tre os diferentes. E isso teve repercussão no mundo digital. Em 1995, o número de membros de grupos que professavam o ódio aumentou, coincidentemente com a inserção, no mesmo ano, do primeiro site de hate speech na Internet. Em apenas cinco anos após a entrada no ar desse site, o número de provedores com o mesmo conteúdo aumentou para um total de 602 somente nos Estados Uni-dos (BRECKHEIMER, 2001, p. 1.496-1.497).

O Hate Speech e os valores democráticos

É de fácil constatação que o grupo que busca a propagação de um dis-curso de ódio, como regra, está incomodado em ver aquele que enxerga-va como inferior tentando alçar-se a uma indesejada igualdade. A ideia de superioridade de um lado somada à intolerância de ver no outro a mera possibilidade de se expressar e professar pensamento distinto, denota uma extrema violação à igualdade e à liberdade, tanto na acepção negativa, como positiva. O hate speech propala a superioridade em detrimento claro da igual dignidade humana para todos.

A democracia liberal exige que os representantes do povo respeitem e pro-tejam os direitos, não só daqueles que votaram nos mesmos, mas principalmen-te das minorias. O mandatário político principalmen-tem o dever de assegurar os direitos e o bem-estar, assim como habilitar as pessoas a realizarem todas suas potenciali-dades. E esse é um ponto interessante da democracia. Seu regime não impede a injustiça, mas ela possui meios de retificar seus erros (TSESIS, 2001, p. 854-855). Por ser a mesma aberta, é possível que pessoas mal-intencionadas se utilizem da liberdade para atacar uma minoria. Porém, esse atuar abusivo deve ser contido, seja através de um debate político legítimo, seja por meio da proteção judicial.

Em sociedades polarizadas ou em transição para a democracia, o cenário pode ser de fragilidade e conflito. Nesse ambiente, desigualdades econômi-co-sociais podem ser exploradas para trazer uma sensação de injustiça arrai-gada, dominação e perseguição, com a finalidade última de promover uma violência direcionada (GAGLIARDONE et al., 2014, p. 05). Em uma situação como essa, mostra-se ainda mais relevante um sentimento maior e universal de respeito à igualdade e à liberdade, de todos a todos. A dignidade que uma pessoa quer para si deve ser a mesma que ela está disposta a entregar para a pessoa ao seu lado.

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121 O ataque à diversidade cultural é, por si, antidemocrático (TSESIS, 2001, p. 856). A intolerância e a desigualdade, veiculadas por meio do discurso de ódio, devem contar com uma postura ativa e contrária dos poderes constituí-dos. Em uma democracia, é possível enxergar dois tipos de liberdade: a liber-dade de expressão, sem a qual não se controlam os governos; e a liberliber-dade da discriminação, pela qual se busca a concretização da igualdade política. Assim, mesmo pelo viés da liberdade, uma democracia deve proteger tanto a liberdade de expressão como a liberdade da discriminação, não admitindo qualquer ex-clusão ou discriminação, com negação da fruição de direitos, dentre os quais, o direito de participação política (BOYLE, 2001, p. 490). Ao fim e ao cabo, porque o discurso de ódio causa conflito e divisão na sociedade (COHEN-ALMAGOR, 2011, p. 20), tem-se que os ideais de democracia acabam sendo minados (TSE-SIS, 2001, p. 856).

A difícil concepção de Hate Speech

A presente seção tem por escopo alertar para a árdua missão de conceituar o hate speech considerando a doutrina da liberdade de expressão. Tal dificulda-de tem consequência se levada em conta a idificulda-deia dificulda-de restrição do discurso, já que, para tanto, exige-se uma definição estrita do fenômeno. Com esse propósito, abaixo seguirão os elementos constitutivos e algumas definições do hate speech. A apresentação dos elementos é relevante, para que, ao menos, as bases do que

se concebe por discurso de ódio fiquem assentadas. De igual modo, a apresen-tação dos conceitos evidencia a perigosa amplitude dos mesmos.

Os elementos do Hate Speech

A definição do hate speech é tarefa difícil que não se apresenta de modo uniforme nas leituras sobre o tema e que deve ser analisada sempre em um contexto social (GAGLIARDONE et al., 2014, p. 11). Significa isso um olhar específico para se bem avaliar quem são os grupos minoritários, o histórico de opressão, a política praticada no passado e no presente, a legislação vigente, dentre outros elementos.

O discurso de ódio é a expressão de alguém intolerante que aponta sua fala para um alvo minoritário. A intolerância é um sentimento interno de não admitir colocações, vivências ou características internas e externas de um certo grupo.

Dois componentes do discurso de ódio são a externalidade e a discrimina-ção. Se a intolerância se apresenta como um sentimento interno, a externalidade é a manifestação da superioridade de uns e inferioridade de outros (DA SILVA et al., 2011, p. 447-448). Percebe-se, então, a existência de um aspecto interno e

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outro externo ao ofensor. Essa propagação da ideia tem alguns escopos. Princi-palmente com o surgimento da Internet e suas comunidades sociais, o discurso de ódio não se dirige apenas à uma vítima. Tem também como destino atrair novos componentes para o grupo difusor do ódio. Nesse particular, o hate spee-ch é um insulto e uma instigação (DA SILVA et al., 2011, p. 460-461).

Por outro lado, tal discurso possui uma malícia tamanha que, por vezes, cria-se uma atmosfera de dupla vitimização. O orador coloca-se na posição pri-mária de vítima, como se fosse alvo de ataque. A partir dessa posição, ele aponta para o grupo que realmente deseja atacar, solucionando seu problema com a vitimização desse grupo (COHEN-ALMAGOR, 2011, p. 02). Assim, não é difícil perceber que, no discurso de ódio, há dois grupos, o interno, marcado por pes-soas que praticam o hate speech, e o grupo externo, os outros, os ditos inferiores, os ofendidos, os que sofrem a opressão (GAGLIARDONE et al, 2014, p. 14).

Digna de nota, ainda, é a fala desse discurso. A estratégia é invariavelmente persuasiva, sempre atacando seus alvos e pensando em angariar novos adeptos. Com a criação de estereótipos, a seleção de fatos positivos ao seu pensamento, a constituição de um inimigo, o uso da emoção e a ausência de rivalização de argumentos por parte do grupo ofendido, somado à repetição multiplicada das mesmas ideias, o hate speech cresceu (DA SILVA et al., 2011, p. 448).

O efeito negativo nas vítimas é traumático e ramifica-se para comporta-mentos e estados psicológicos, gerando redução da autoestima (BRINK, 2016, p. 66-67). Claramente, o direito a igual respeito, tratamento e dignidade é ignora-do (UBANGHA, 2016, p. 5). Nessa lógica, viola-se a dignidade humana (DA SIL-VA et al., 2011, p. 448), nos seus componentes do valor intrínseco, da autonomia e do valor comunitário (social) (BARROSO, 2010, p. 22-29). Isso porque, com relação ao valor intrínseco, busca-se desumanizar a pessoa e seu grupo. Quanto à autonomia privada, a liberdade transmuda-se em autorreclusão. Da mesma forma, no tocante à autonomia pública, a participação no processo democrático deliberativo fica subtraído da presença ativa desse grupo. E, por último, é possí-vel dizer que o ódio e a intolerância não são valores sociais compartilhados, não se permitindo uma constrição externa em relação à liberdade da vítima.

A definição de Hate Speech

Apesar disso tudo que foi trazido, existem ainda enormes dificuldades na conceituação do discurso de ódio. Muitos escritores, quando da tentativa de de-limitá-lo, pontuam que o mundo jurídico diverge em concepções mais amplas e mais restritas (BANKS, 2011, p. 2), variando em conformidade com uma dada sociedade (UBANGHA, 2016, p. 3) e seu ethos moral (MODH, 2015, p. 2).

O hate speech, então, seria caracterizado por “manifestações de ódio, des-prezo ou intolerância contra determinados grupos, motivadas por preconceitos

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123 ligados à etnia, religião, gênero, deficiência física ou mental e orientação sexual, dentre outros fatores” (SARMENTO, 2010, p. 208) ou “por incitar a discrimi-nação contra pessoas que partilham de uma característica identitária comum, como a cor da pele, o gênero, a opção sexual, a nacionalidade, a religião, entre outros atributos” (DA SILVA et al., 2011, p. 446).

Tatiana Stroppa e Walter Claudius Rothenburg (2015, p. 456) afirmam que o hate speech busca, com base na intolerância, estimular “o ódio racial, a xe-nofobia, a homofobia e outras formas de ataques”, confrontando-se “os limites éticos de convivência”, a fim de promover “a privação de direitos, a exclusão social e até a eliminação física daqueles que são discriminados”. Por sua vez, Winfried Brugger (2007, p. 180) salienta que o discurso de ódio se presta a

“in-sultar, intimidar e incomodar” pessoa ou grupo, chamar “à violência, ao ódio ou à discriminação” e que este agir baseia-se na distinção de “raça, religião, gênero ou orientação sexual”.

O problema, porém, dessas definições é a vagueza e consequente ampli-tude. Com o uso de cláusulas abertas que permitem a colmatação pelo intér-prete da vez, dá-se margem à manipulação do que, na prática, entende-se por hate speech. Isso, por sua vez, pode ocasionar o abafamento da liberdade de expressão, na medida em que o orador pode não desejar expor seu discurso, com medo de ser entendido como impulsionador de ódio, ou pode ser ca-racterizado como tal, por aqueles que desejam seu silêncio. A preocupação, portanto, com definições como essas, tem olhos no exercício legítimo da li-berdade de expressão. Um discurso legítimo pode ser enquadrado como hate speech especialmente para viabilizar perseguições políticas, violência e silen-ciamento (MCKAY, 1959, p. 1.219-1.220).

O Hate Speech e a internet

A Internet revolucionou a forma de se comunicar em escala mundial. O livre fluxo de comunicação, porém, deu espaço também para a prática de con-dutas maldosas. É nesse cenário que o hate speech encontrou-se com a Internet, sendo o produto disso um discurso ainda mais nocivo (DA SILVA et al., 2011, p. 449-450). A Internet, por si, não separa as pessoas, mas certamente as une, espe-cialmente quando pensam de forma igual. Nesse aspecto, isso cria um mundo de “nós” e “eles”, o que no quadro do discurso de ódio é muito ruim.

Embora o espaço cibernético seja virtual, é na realidade do dia a dia que a vida ocorre. O ódio transmitido na Internet tem efetiva repercussão no cotidia-no das pessoas e isso se reflete em situações agudas de segurança dos envolvidos (COHEN-ALMAGOR, 2010, p. 127-130). Evidencia disso, é o lançamento, em

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1995, do primeiro site extremista, por um antigo membro da Ku Klux Klan. Atualmente tal tipo de conteúdo online existe em milhares de provedores.

As-sim, se antes as pessoas tinham alguma dificuldade de difundir o ódio e fica-vam isoladas e atomizadas, hoje encontram-se com muita facilidade e fazem crescer o discurso, seja no conteúdo, na gravidade, ou na atração por novos integrantes (BANKS, 2010, p. 234).

Dentro do quadro acima, a realidade parece contrariar a assertiva de que termos de serviço servem para que os provedores removam conteúdo da Inter-net, em caso de violação às cláusulas proibitivas de discurso de ódio (BANKS, 2011, p. 9). Se esse fosse o cotidiano, inexistiria de fato discurso de ódio online. Muito diferente disso e cada vez mais, tal discurso atinge diversas pessoas. E sem ser cessado, recebe até impulsionamentos e incentivos.

Diante da complexa realidade encontrada na relação entre hate speech e In-ternet, a próxima seção será reservada para estudar algumas reações ao discur-so de ódio. Esta análise será feita, como antes ressaltado, com olhos na liberdade de expressão e a problemática conceituação ampla do fenômeno.

Reação contra o Hate Speech

É chegado o momento do trabalho em que serão apresentadas algumas ideias de como reagir contra o hate speech virtual. O elenco de propostas será analisado com olhos na liberdade de expressão e na rejeição a uma definição vaga e ampla da concepção de discurso de ódio.

De início, é importante dizer que a resposta que se caracterize como um discurso de volta, por parte do alvo ofendido, tem como problema a vítima não desejar mais se expor, ante o sofrimento por que passa e a dificuldade de, por vezes, o agressor estar escondido no anonimato da rede. Nesse cenário, a postu-ra daqueles que defendem que a melhor resposta é o discurso perde sentido. In-variavelmente, a pessoa não conseguirá exercitar sua liberdade de se expressar. Semelhante crítica tem vez em um ambiente onde só há pessoas com a mesma ideologia. Neste caso, mais discurso de nada adiantará, posto que o preconceito já é tão arraigado que a fala em resposta não ecoará e não será considerada um discurso valoroso (DELGADO; STEFANCIC, 2014, p. 8).

Também digna de observação é a proposta de que os grupos alvos devem ficar simplesmente em silêncio. Defende a mesma, portanto, a negação à liber-dade e à expressão. Além disso, tal ideia sugere que o opressor extravase seu discurso de ódio na rede, sob o argumento de que o eventual impedimento ensejaria uma reação ainda mais drástica por parte dele. Tal, porém, é um ra-ciocínio que parece aplaudir a intolerância (DELGADO; STEFANCIC, 2014, p.

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125 8). Há aí, pelo menos, três problemas: um, a perpetuação do status quo, ou seja, a manutenção na cabeça de todos, ofensor, ofendido e sociedade, de que esse discurso é um padrão aceitável, com afronta à liberdade discursiva do ofendido; dois, a ingenuidade de se achar que com o discurso o ofensor não irá continuar ofendendo; e, três, o risco de a ira de um lado e a falta de reação contrária do outro atrair terceiras pessoas para discursar o ódio.

Um método de resposta importante é a educação plural, por ser impres-cindível que as pessoas saibam e tenham o discernimento do real significado do hate speech. A correta colocação do tema é necessária para se tentar diminuir o sofrimento de grupos minoritários com a discriminação. É pela troca de co-nhecimentos e culturas contra o preconceito que o discurso de ódio tende a ser esvaziado. Para tanto, entram em cena políticas públicas de interculturalidade (DA SILVA, 2011, p. 63), como instrumentos de inclusão de vozes historicamen-te excluídas (STROPPA; ROTHENBURG, 2015, p. 465) a mostrarem ao auditó-rio que não é dado privar alguém dos mesmos direitos que pessoas iguais pos-suem. A educação de que todos são iguais e diferentes ao mesmo tempo tende a gerar a tolerância na diversidade (BOYLE, 2001, p. 501-502).

Um aspecto da educação é o alerta da ligação entre o ódio e os eventos mais horríveis da humanidade (COHEN-ALMAGOR, 2014, p. 8), tornando as pessoas solidárias e próximas na busca do bem às vítimas (UBANGHA, 2016, p. 25-28). Por ser uma questão interna à pessoa que discursa o ódio, um instru-mento eficaz contrário é aquele que entra na mente da pessoa e a modifica. É nesse sentido que a educação cumpre seu papel.

Uma forma de resposta com serventia educativa é o processo judicial com respectiva divulgação de resultados (SARMENTO, 2010, p. 249). Com a publi-cidade adequada a esses casos, a população passa a ficar mais ciente de quão errado é professar o ódio e, ao mesmo tempo, os que comungam com a ideia, passam a ficar temerosos com as sanções existentes.

Ainda no contexto educacional, é possível citar a criação de uma coope-ração internacional junto com organizações não governamentais (COHEN--ALMAGOR, 2010, p. 130). Ela pode unir e empoderar as pessoas na luta contra o discurso de ódio, conscientizando e promovendo atitudes no que concerne à não discriminação. Com isso, reforça-se a ideia de direitos de todos.

Além disso, o controle parental ou familiar, por filtros, do discurso de ódio online é um instrumento de educação informal que pode ser customizado para a necessidade da família (BRECKHEIMER, 2001, p. 1.526-1.527). Com lógica semelhante, a adoção e cumprimento de políticas contra o discurso de ódio por escolas, universidades e locais de trabalho mostram-se interessante (COHEN--ALMAGOR, 2014, p. 9). Esse instrumento, específico para ambientes coletivos e de fácil acesso a computadores, aliado a outros de cunho educativo, pode ter

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consequências positivas. Há, apesar disso, um problema. A possível falta de plu-ralidade do método e o uso de uma concepção vaga e ampla de discurso de ódio podem viabilizar perseguições ilegítimas e silenciamento de minorias.

De forma mais ampla e que carrega em si a mesma crítica, os filtros de conteúdo, mecanismo dos mais tratados contra o hate speech virtual, buscam impedir que chegue ao receptor o discurso indesejado. Um óbice agudo, como ocorre na China e no Vietnã, é como concretizar a filtragem de forma equili-brada e sem propósitos políticos (BRECKHEIMER, 2001, p. 1.524-1.525). Aqui também há duas preocupações. Uma é a dificuldade na falta de uniformidade nos conceitos de hate speech nas diversas sociedades, já que a navegação no mundo virtual não encontra as fronteiras físicas da geopolítica. A outra, é a vagueza e a amplitude na caracterização desse discurso que propiciam a ma-nipulação do que se compreende como discurso de ódio e o direcionamento proposital para conceber alguém como orador dessa fala.

Outra reação a tal discurso é o desmascaramento e a denúncia de grupos de ódio (DELGADO; STEFANCIC, 2014, p. 9). A ideia é gerar uma reação em massa exatamente contra o sujeito que passa despercebido no mundo virtual. A exposição dessas figuras serviria como uma pressão para que a conduta não

seja repetida e uma reprovação coletiva a provedores de serviço que difundam hate speech (DELGADO; STEFANCIC, 2014, p. 09-10). Existem dois exemplos interessantes das livrarias virtuais: Amazon e Barnes & Nobles, nos quais por demanda de seus usuários, ambas restringiram a venda online do livro Minha luta (BRECKHEIMER, 2001, p. 1.526). A presente resposta tem um viés educa-tivo e como tal, pode gerar boas consequências no ambiente digital, principal-mente se enfatizar a pluralidade e a tolerância entre as pessoas. O contratempo surge, por outro lado, se abandonado esse viés, houver uma manipulação desse instrumento, a favorecer a opressão de minorias, a partir da utilização de um conceito extensivo de discurso de ódio.

Semelhante medida é a vexatória e constituir-se-ia na publicação dos no-mes dos sites com conteúdo de ódio (COHEN-ALMAGOR, 2014, p. 17). Com-pilar e atualizar a lista com tais nomes, de tempos em tempos, com o fito de alertar as pessoas seria uma maneira de jogar luz no sombrio mundo do qual se aproveitam as pessoas que produzem esse discurso. Com tamanha publicização seria possível uma campanha para a retirada do ar desses sites (COHEN-AL-MAGOR, 2011, p. 10). O obstáculo, de novo, é a concepção vaga e ampla de hate speech, a viabilizar o silêncio de inimigos políticos. A derrubada de conteúdo que fique na zona limítrofe pode ser uma forma de atacar um orador político que não propague o ódio.

A rotulação, pelos motores de busca, de que determinado site professa o ódio, é vista também como resposta possível. Com isso, o apagamento torna-se

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127 a solução mais simples. Ainda aqui a dificuldade é que os provedores de bus-ca podem implementar isso secretamente (COHEN-ALMAGOR, 2011, p. 16) e utilizando-se, outra vez mais, de uma concepção abrangente demais de discur-so de ódio. O fato de atuarem de forma clandestina e com o udiscur-so de um conceito pouco limitado, traz insegurança e suspeita na atuação desses atores.

Paralelamente, a união entre provedores de serviço de Internet é apontada como uma resposta possível. Com isso, a um só tempo, poderiam ser fixados parâmetros uniformes de conceituação do hate speech e de atuação nessa ma-téria. Isso geraria políticas claras e transparentes em desfavor desse discurso (COHEN-ALMAGOR, 2014, p. 10). A crítica, todavia, a essa formatação é que a atuação apenas de atores privados, em uma modalidade de autorregulação, sem outros como o Estado e organizações da sociedade civil, pode ser falha na tutela da liberdade de expressão (ASWAD, 2016). Empiricamente, em que pese os esforços, é notória a existência do hate speech na Internet sem que medidas mais eficazes contrárias, por parte dos provedores, tivessem sucesso.

As sanções econômicas também são consideradas um tipo de reação (DEL-GADO; STEFANCIC, 2014, p. 10). Para aplicar essas sanções, entretanto, antes é preciso definir o significado de discurso de ódio. De novo, então, retorna-se às problemáticas características de um conceito extensivo de hate speech. Com isso, as sanções podem ser direcionadas para perseguições políticas e dissuasão de parcela da população.

Por fim, uma última medida a ser avaliada seria a criação de um portal na Internet, onde as pessoas possam votar se determinado conteúdo é hate speech. Obtida determinada quantidade de votos a favor da derrubada, o conteúdo seria retirado. Caso o conteúdo esteja fora do país, seu acesso seria bloqueado aos nacionais do país onde se encontra o portal. O positivo do mecanismo, além da engrenagem participativa em si, é que o portal traria uma autoaprendizagem e sensibilidade às pessoas quanto ao tema, o que geraria uma autocontenção em seus próprios discursos (MODH, 2015, p. 6-9). Porém, a ideia é inefetiva e potencialmente equivocada. De um lado, para dar resultado, precisaria que efetivamente as pessoas estivessem sempre engajadas nos vários casos levados à votação, o que parece intuitivamente de difícil ocorrência. Por outro lado, se é uma maioria que está oprimindo uma minoria, certamente aquela se organi-zará para votar de acordo com seu pensamento, legitimando como correto o discurso em questão.

Do apanhado de respostas que se apresentam e através das várias críticas formuladas, é possível perceber que a educação tem um forte potencial. Por não trabalhar com um conceito de hate speech, mas com a ideia de tolerância, a edu-cação, que deve ser plural, ao contrário das demais, consegue escapar da preocu-pação rotineira de violação à liberdade de expressão e da ideia de manipulação

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dos instrumentos para perseguição de minorias. Diversa das demais respostas, a educação atua na formação do elemento interno do hate specch, ou seja, no sentimento interno, pressuposto para a externalidade e discriminação.

Considerações finais

O presente trabalho buscou estudar as reações ao discurso de ódio online. Para isso, um olhar do passado do hate speech foi exposto, principalmente para evidenciar que esse é um problema histórico e, portanto, anterior ao fenômeno da Internet. Paralelo a isso, forte nas ideias de igualdade e de liberdade, procu-rou-se colocar o afastamento do discurso de ódio aos valores democráticos.

Além disso, foi importante desenhar os elementos básicos que compõem o hate speech. A razão para tanto foi esmiuçar aquilo considerado imprescindível à formatação de tal tipo de manifestação. Por outro lado, como ficou claro, a conceituação do discurso de ódio apresentada por diversos estudiosos sobre o assunto, é bastante ampla e vaga. Essa dificuldade mostrou-se, por um aspecto, perigosa à liberdade de expressão, já que permite perseguições e silenciamento de minorias; mas, por outro, entregou ainda maior importância ao elenco de elementos caracterizadores do referido discurso.

Como o que se desejou foi analisar as reações ao discurso de ódio digital, antes era preciso mergulhar o assunto no universo online. A questão da sepa-ração e da aproximação entre pessoas diferentes e iguais foi realçada, assim como a constatação de que o que ocorre no mundo digital transborda para o real. Igualmente, a facilidade na difusão do discurso de ódio e a quantidade de provedores desse estilo existentes dão nota da gravidade da situação.

Diante disso tudo, diversas reações contra o hate speech foram vistas, pautando-se na importância da liberdade de expressão e na manipulação dos instrumentos de perseguição de minorias. Foram analisadas as ideias de mais discurso em reposta ao ódio, de silêncio, de promoção da educação, de filtro de conteúdo, de desmascaramento e reprovação coletiva, de rotulação e de publici-zação dos sites com conteúdo de ódio, de união entre os provedores, de sanções econômicas, e de votação para configuração do que é um discurso de ódio.

O trabalho, então, evidenciou que o mecanismo reativo contra o hate speech mais consentâneo com a liberdade de expressão é a educação plural e que traga em si uma consistente nota de tolerância. Os demais instrumentos pecam ou por permitirem o uso de uma concepção ampla e vaga de discurso de ódio, a viabilizar manipulações e perseguições, ou por permitirem a ma-nutenção do status quo. Além disso, somente a educação atua no elemento interno do hate specch.

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