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Um olhar geográfico sobre as cupações irregulares na cidade brasileira

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO RIO GRANDE DO SUL DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADE E EDUCAÇÃO

CURSO DE LICENCIATURA EM GEOGRAFIA

Vanderlei Portela Cardoso

UM OLHAR GEOGRÁFICO SOBRE AS OCUPAÇÕES IRREGULARES NA CIDADE BRASILEIRA

IJUÍ 2012

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Vanderlei Portela Cardoso

UM OLHAR GEOGRÁFICO SOBRE AS CUPAÇÕES IRREGULARES NA CIDADE BRASILEIRA

Monografia apresentada ao Curso de Geografia da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul – UNIJUI - como requisito parcial para obtenção do título de Licenciado em Geografia.

Orientadora: Profa. Mª Bernadete Maria de Azambuja

Ijuí 2012

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Aos meus pais pelo carinho demonstrado através de atitudes e pequenos gestos que tiveram grande significado em minha vida!

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AGRADECIMENTOS

Meus sinceros agradecimentos a Deus soberano e único senhor de minha vida!

A todos os funcionários da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, a ex-funcionária Avani Brizzi, pessoa querida e amiga por sua especial atenção conseguindo inclusive material bibliográfico. Aos demais professores e tutores. Um especial agradecimento a orientadora do projeto, Profa. Célia Clarice Atkinson e a orientadora do trabalho Profa. Bernadete Maria de Azambuja. Todos foram muito importantes nesta etapa de minha vida e por isso foi possível a concretização de mais este sonho.

A todos que acreditaram em minha capacidade e vontade de vencer, principalmente aqueles que disseram que este sonho era utopia e que não deveria prosseguir, seus argumentos me impulsionaram a não desistir e acreditar que a educação ainda é o melhor caminho para transformação do mundo!

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“Finis origine pendet”

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RESUMO

O trabalho analisa o espaço urbano brasileiro para entender o processo de formação e crescimento das cidades. Procura estudar a origem das cidades, os problemas decorrentes do processo de urbanização, do uso e ocupação do espaço urbano e o papel da gestão pública municipal para compreender o surgimento e avanço das cidades ilegais dentro da cidade formal ou legal. Verificar como o poder público municipal intervém no desenvolvimento urbano das cidades. A pesquisa bibliográfica tem por meta compreender os problemas decorrentes do crescimento populacional, a ausência de políticas públicas destinadas a atender as necessidades oriundas da falta de moradias adequadas à população e que provocam sérios problemas habitacionais. Analisa o papel do profissional da geografia diante dessa dualidade e a partir disso verifica a importância do tema “ocupações irregulares nas cidades brasileiras” para a Geografia e de que forma esta ciência se ocupa de tais assuntos. Finalmente a pesquisa busca estudar sucintamente a importância do Estatuto das Cidades e do plano diretor como meios possíveis de garantir o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e o bem-estar de seus habitantes.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Art. - Artigo

CF/88 - Constituição Federal de 1988

CIAM - Congresso Internacional de Arquitetura Moderna

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPTU - Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana

MCMV – Programa Habitacional Minha Casa, Minha Vida

PNH – Política Nacional de Habitação

PAC – Programa de Aceleração do Crescimento

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1. URBANIZAÇÃO BRASILEIRA E O CRESCIMENTO DAS OCUPAÇÕES IRREGULARES ... 12

1.1 A cidade na história ... 12

1.2 A urbanização brasileira... 16

1.3 A cidade informal ... 21

2 O ESTATUTO DA CIDADE E A ATUAÇÃO PROFISSIONAL EM BUSCA DE UMA CIDADE INCLUSIVA ... 33

2.1 O planejamento urbano e as politicas de desenvolvimento urbano ... 33

2.2 O papel do geógrafo e sua atuação no enfrentamento dos problemas urbanos decorrentes das ocupações irregulares ... 46

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 55

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INTRODUÇÃO

É do ambiente chamado cidade, com suas mutações e transformações históricas de que se ocupará o presente trabalho. Entendendo as diferentes transformações ocorridas nas cidades brasileiras nos últimos anos, em especial, as que resultam na segregação espacial e conseqüentemente no surgimento e crescente dualismo nas cidades: cidade legal e ilegal, e no constante aumento das ocupações irregulares.

Ambas as cidades são interessantes de serem estudadas, mas o foco deste trabalho é a cidade esquecida e com poucos ou raros investimentos públicos. Para alguns, é defendida como nova forma de urbanismo pelo modo como evoluíram algumas das cidades informais. No entanto, busca-se com o presente estudo a realidade que se apresenta mais cruel e gritante, onde de fato o ser humano vive sem as mínimas condições de habitação, a mercê de todo tipo de discriminação e exposto aos mais diversos tipos de crueldade e violência e excluído de seus direitos. É desta cidade marginalizada que se ocupa o presente estudo.

É preciso destacar que o foco do presente trabalho não é discutir a origem, mas lançar um olhar geográfico sobre os problemas urbanos decorrentes da falta de planejamento ou de políticas públicas nas cidades. No entanto, é importante considerar a origem das cidades para que se possa compreender melhor como se chegou a realidade atual.

A segregação social demonstra a importância do desenvolvimento do presente trabalho de pesquisa. O mesmo tem como foco o olhar geográfico sobre a cidade, mas fez-se um breve estudo sobre a origem e definição da mesma para melhor compreender o porquê dos problemas decorrentes da urbanização sem planejamento ou com planejamentos ineficientes, falta de organização do espaço e o que resulta no aumento vertiginoso da segregação social e das ocupações irregulares.

No primeiro capítulo a abordagem tem como foco a Urbanização Brasileira e o Crescimento das Ocupações Irregulares. O estudo inicia estabelecendo as origens da urbanização, resgatando, a partir de diferentes autores como e onde surgiram as

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primeiras cidades na história. O item seguinte versa sobre a Urbanização Brasileira, recuperando as origens do processo no Brasil. Por fim, recupera no último item o surgimento da cidade informal, estabelecendo o conceito e os fatores que propiciaram o crescimento vertiginoso de áreas urbanas com pouca infraestrutura e qualidade de vida.

O capítulo dois trata sobre o Estatuto da Cidade e a Atuação Profissional na Busca de uma Cidade Inclusiva. Busca-se apresentar as políticas de desenvolvimento urbano atualmente existente para compreender a importância do Estatuto da Cidade como um dos principais instrumentos a ser utilizado pelos gestores públicos no planejamento urbano, em especial aqueles que podem ser fixados por meio de planos diretores. Por fim estudar o papel do geógrafo e a sua atuação no enfrentamento dos problemas urbanos decorrentes das ocupações irregulares, destacando competências desse profissional, dedicado ao estudo do espaço geográfico na busca de uma cidade com menor desigualdade e divida social.

Procura-se verificar e entender o papel do gestor público, em especial o que se ocupa da administração e cuidado das cidades. Isto para compreender as possíveis falhas no encaminhamento de políticas públicas voltadas para atender as necessidades da população residente em áreas irregulares, apontadas como aglomerados subnormais, conforme o conceito utilizado pelo IBGE para identificar a cidade informal ou ilegal.

Busca-se apresentar como o poder público faz uso ou não dos instrumentos legais como a Constituição Federal e o Estatuto da Cidade. Estes são como ferramentas indispensáveis para os gestores na realização dos planejamentos e na elaboração e execução dos planos diretores. Tais planejamentos nem sempre tem aplicabilidade, ficando esquecidos ou não são aproveitados pela ausência de interesse ou de profissionais capacitados para compreendê-los e exigir seu cumprimento.

Em todos os momentos há um destaque para o olhar geográfico e como o profissional, seja ele bacharel ou licenciado, pode fazer a diferença atuando em diferentes frentes. Junto à administração pública, orientando projetos municipais com foco na ocupação e uso dos diferentes espaços urbanos. Nas escolas é imprescindível a função de educador ou professor de geografia devido à visão de

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mundo que tem ou que deve ter e pode orientar, conduzir os educandos à autonomia e capacidade para ler criticamente a realidade onde estão inseridos e propor mudanças.

Neste sentido busca-se verificar também o papel da universidade na construção dos saberes do aluno do curso de geografia. Entender como são transmitidos certos conceitos e de que forma o futuro profissional deve se apropriar e fazer uso destes no seu dia a dia, seja como professor ou como bacharel, aliás, uma divisão que se entende não adequada ou necessária já que tanto um como o outro precisam ter conhecimentos técnicos e realizar constantes estudos e pesquisas. Ambos, técnico e professor, precisam ser capazes de identificar os problemas decorrentes do mau uso do solo, provenientes das ocupações irregulares em áreas que não poderiam ser habitadas e sim utilizadas para outros fins ou preservadas devido sua importância ambiental. Além de fazer a identificação dessas áreas devem ter a capacidade de propor soluções, auxiliando desta forma no combate à cidade ilegal.

A estratégia metodológica utilizada neste trabalho foi análise documental através do levantamento de obras publicadas sobre o tema. Foi feito o estudo de livros, revistas, artigos e trabalhos científicos publicados e disponíveis em bibliotecas ou na internet, além da busca de informações contidas em dados estatísticos divulgados na mídia eletrônica ou em outros meios de comunicação que tratam sobre as ocupações irregulares nas cidades brasileiras.

Houve ainda a coleta de dados através da pesquisa e análise de leis e estatutos referentes ao tema, disponíveis tanto na internet, bibliotecas e acervo pessoal, com a finalidade de buscar o embasamento legal referente ao tema pesquisado. Todos os dados foram analisados a partir do referencial teórico, com a análise de dados secundários coletados pelo IBGE, buscando a partir desses estudos atender aos objetivos da pesquisa e com isso trazer respostas para o problema da presente pesquisa.

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1 URBANIZAÇÃO BRASILEIRA E O CRESCIMENTO DAS OCUPAÇÕES IRREGULARES

1.1 A cidade na história

A cidade como espaço construído, transformada, organizada ou não, planejada ou não, rica ou pobre, industrial ou comercial, grande ou pequena, sustentável ou insustentável, é o lugar onde habita e interage grande parcela da população.

Para entender as mudanças ocorridas nas cidades é preciso percorrer a história, voltar no tempo e no espaço e verificar a origem do que denominamos hoje de cidade. É importante compreender o processo de transformação que se deu com a saída do homem das cavernas, seu domínio sobre a natureza, as mudanças de hábitos e costumes, até chegar às primeiras construções, primeiras comunidades, vilas e surgimento então das cidades.

O homem ao longo da história sempre buscou maneiras de abrigar-se e estar mais próximo aos recursos necessários à sua sobrevivência. Aos poucos foi deixando o nomadismo, característica marcante do período paleolítico e buscando cada vez mais alcançar o domínio sobre a natureza e com isso buscando se fixar em um ambiente e construir sua própria moradia. Com um local de referência, pôde percorrer cada vez maiores distâncias na busca por alimentos e também desbravando o espaço a sua volta na garantia de retornar ao seu local de origem. Com isto ele passa a se identificar e se relacionar com o local, surgindo então, no dizer de Sposito (1988, p. 12), “a primeira “semente” para o surgimento das cidades”.

É no período seguinte, denominado mesolítico, que de fato surgem às primeiras condições para origem das cidades. O homem passou a se identificar com o local de moradia, começou a estocar alimentos, domesticar animais e cultivar plantas através de mudas. Tudo isto ocorreu de maneira muito lenta, aproximadamente 15 mil anos, sendo que, três ou quatro mil anos depois o homem

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passou a controlar o plantio através de sementes e criar animais em rebanhos (SPOSITO, 1988, p. 12).

No período da pré-história, conhecido como neolítico, os homens já estavam mais acostumados a viver em pequenos grupos ou aldeias. Com a fixação do homem à Terra, com seu domínio sobre a agricultura e criação de animais, torna-se cada vez mais evidente, que foi neste período que surgiu e se fortaleceu as condições para surgimento das cidades, mesmo que ainda faltasse a segunda condição, que é uma organização social mais complexa (SPOSITO, 1988, p.13).

O surgimento das primeiras cidades é algo controverso na literatura. Alguns autores como Mumford (1998), destacam até que, os primeiros a ter uma moradia permanente foram os mortos, e, segundo ele, esta teria sido a primeira cidade. Embora com uma destinação diferenciada, a necrópole, cemitério, ou cidade dos mortos, servia como referência para os vivos que tinham pelos mortos um grande respeito visitando de tempos em tempos estes locais considerados sagrados.

Pode-se ainda destacar sobre a origem das cidades os escritos de Monte-Mor (2006), segundo o qual as cidades tem origem grega - polis ou do latim civitas ou simplesmente cidade ou para os romanos que tem uma simplificação semântica de onde originam as palavras urbe e urbs sendo esta última expressão ligada a Roma ou cidade império.

Ainda segundo Monte-Mór (2006, p. 6):

De fato, alguns dos conceitos centrais da vida contemporânea derivam da cidade, tanto em sua forma espacial quanto em sua organização social. Da idéia grega de polis vem o conceito de política, enquanto do latim civis e civitas vêm cidadão, cidadania, cidade e mesmo, civilização. Também do latim veio o sentido de urbano, com dupla conotação: de urbanum (arado) veio o sentido de povoação, a forma física da ocupação do espaço de vida delimitado pelo sulco do arado dos bois sagrados que marcava o território da produção e de vida dos romanos; da sua simplificação semântica vieram urbe e urbs, este último termo referindo-se a Roma, cidade-império, centro do mundo e assim, desaparecido até as grandes cidades da era moderna. Da mesma forma na definição de Bobbio (1998, p. 949), o conceito de cidade tem origem na polis, mas ele a descreve de um modo diferenciado, mais político ou, administrativo. Segundo ele “por polis se entende uma cidade autônoma e soberana, cujo quadro institucional é caracterizado por uma ou várias magistraturas, por um conselho e por uma assembléia de cidadãos (politai)”.

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Sobre a data em que surgiram as primeiras cidades, Sposito preleciona:

Contudo, os autores são unânimes em apontar que terá sido provavelmente perto de 3500 a.C., seu aparecimento na Mesopotâmia (área compreendida pelos rios Tigre e Eufrates), tendo surgido posteriormente no vale do rio Nilo (3100 a.C.), no vale do rio Indo (2500 a.C.) e no rio Amarelo (1550 a.C.) (SPOSITO, 1998, p. 18).

Para chegar à configuração atual das cidades algumas transformações foram essenciais. Já na pré-história segundo historiadores essas mudanças começaram a ocorrer. No período paleolítico o homem era nômade e, portanto, não tinha um local fixo para sua moradia. A caverna era o lugar mais parecido com moradia já que era onde ele se abrigava das intempéries do tempo e mantinha relações sexuais, se alimentava e realizava sua arte (SPOSITO, 1998, p. 12).

No período seguinte, mesolítico, segundo a mesma autora, a primeira condição necessária para surgir à cidade eclode com as práticas da agricultura com a produção de mudas, criação e domesticação de animais. A partir daí, a relação do homem com o lugar foi totalmente mudada, já que ele precisou permanecer mais tempo no mesmo lugar para cuidar das plantações e animais. Surgiam então as primeiras aldeias, mais precisamente no período neolítico. No entanto a forma de organização das aldeias não é complexa como a da cidade, principalmente por não existir praticamente divisão de trabalho. Faltava para a aldeia, portanto, uma característica essencial para ela adquirir condições e transformar-se em cidade, que seria uma organização social mais complexa. (SPOSITO, 1998, p. 13)

No entanto, apesar de todas essas transformações ocorridas na pré-história, para que as cidades assim como são conhecidas na atualidade surgissem de fato, foi então necessário haver uma organização social complexa que só foi possível com a divisão do trabalho. E isto ocorreu com o excedente alimentar. Apesar de não ser a única condição, foi a partir desta sobra de alimentos que o homem precisou se organizar de modo diferente: alguns precisavam cuidar das atividades primárias e outros puderam se dedicar a outras atividades (SPOSITO, 1998, p. 14).

Desta forma, é possível dizer que as cidades são resultados da ligação do homem com o lugar, do domínio de técnicas agrícolas e domesticação de animais, dos excedentes de alimentos e com isso o surgimento das novas relações sociais e do trabalho. A partir destas novas relações, abre-se uma gama de outras formas de

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relacionar-se com o local e com as pessoas. As funções de cada um dentro desta nova sociedade são alteradas. Uns precisavam cuidar das plantações, outros da colheita, outros da manutenção, da proteção da aldeia e outros precisavam chefiar. Surgiam também novas classes sociais conforme o perfil de cada individuo e de suas habilidades.

Assim, surgiam as primeiras cidades e sucessivamente outras cidades como expressão do espaço construído pelo homem e que refletiu o modo como se deu a produção humana e as condições de reprodução social. Como apontado acima, a cidade acompanha a divisão da sociedade em classes sociais e a produção de excedentes econômicos que dão sustentação a essa divisão.

Outra reflexão importante sobre a origem e evolução das cidades, é que a preocupação com a qualidade de vida dos moradores é algo que sempre teve presente nos escritos dos mais renomados escritores sobre o tema. Um exemplo disto está na descrição feita pelo grande filósofo Aristóteles (1985) que afirma ser a cidade o mais importante de todos os bens:

Vemos que toda cidade é uma espécie de comunidade, e toda comunidade se forma com vistas a algum bem, pois todas as ações de todos os homens são praticadas com vistas ao que lhes parece um bem; se todas as comunidades visam a algum bem, é evidente que a mais importante de todas elas e que inclui todas as outras tem mais que todas este objetivo e visa ao mais importante de todos os bens; ela se chama cidade e é a comunidade política. (ARISTÓTELES, 1985, p. 13).

A partir da concepção filosófica de Aristóteles é possível perceber que ele pensava a cidade como um bem essencial a todos. Algo que deveria ser a busca de todos os homens, um bem essencial para todas as comunidades, mais do que isso, o mais importante e grandioso bem.

Seguindo na discussão sobre a cidade, mas a partir de um olhar geográfico, é importante destacar a reflexão feita por Carlos:

Portanto, deixando de lado postulados e afirmações dogmáticas, podemos tomar como ponto de partida para o desenvolvimento do raciocínio capaz de produzir uma “leitura geográfica sobre a cidade” a idéia de cidade como construção humana, produto histórico-social, contexto no qual a cidade aparece como trabalho materializado, acumulado ao longo de uma série de gerações, a partir da relação da sociedade com a natureza. Expressão e significação da vida humana, a cidade a revela ao longo da história, como obra e produto que se efetiva como realidade espacial concreta em um movimento cumulativo, incorporando ações passadas ao mesmo tempo em que aponta as possibilidades futuras que se tecem no presente da vida

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cotidiana. Assim, o sentido e a finalidade da cidade (enquanto construção histórica) diz respeito à produção do homem e à realização da vida humana, de modo que, se a construção da problemática urbana se realiza no plano teórico, a produção da cidade e do urbano se coloca no plano da prática sócio-espacial, evidenciando a vida na cidade. Isto porque a sociedade constrói um mundo objetivo através da prática sócio-espacial, demonstrando em suas contradições um movimento que aponta um processo em curso, o qual tem sua base no processo de reprodução das relações sociais — realizando-se enquanto relação espaço-temporal. (CARLOS, 2007, p. 20).

O que se pode ver é que a cidade é fruto da construção humana. Ela é resultado do trabalho feito ao longo da história. Sua finalidade e sentido esta na realização do homem que constrói e reconstrói seus espaços visando satisfazer suas necessidades presentes e futuras.

Ao interagir com a natureza na busca da realização de seus objetivos o homem transforma os lugares, molda as paisagens. Aos poucos surgem novos espaços que vão sendo também modificados: urbano, rural, industrial, de preservação ambiental etc.

1.2 A urbanização brasileira

O surgimento das primeiras cidades brasileiras, assim como das cidades em geral, é algo que gera grandes embates e discussões. Alguns autores como Antônio Risério, com várias obras sobre a urbanização brasileira, chega até mesmo afirmar a existência no país, mais especificamente na Amazônia pré-colonial, de aglomerações com milhares de pessoas e organizadas de tal forma que se pode dizer que foram estas as primeiras cidades do Brasil.

Risério (2012) no livro “Cidade no Brasil” faz uma crítica sobre o conceito de cidade adotado na maioria dos estudos sobre o tema, ele afirma que se adota um conceito ocidental. No entanto, não foi, segundo ele, no Ocidente que surgiram as primeiras cidades, e mais, para esse autor, as aglomerações que existiam na Amazônia pré-colonial deveriam ser consideradas cidades:

Se deixo de lado especificações da burocracia européia para funcionamento de uma simples vila e, antropologicamente, aceito a diversidade histórica e cultural dos modos passíveis de manifestação objetiva dos fenômenos

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urbanos, só me resta uma categoria para definir o que se desenhou na Amazônia pré-colonial. É o conceito latu sensu de cidade. E por que o conceito de cidade deveria ser rigorosamente “ocidental”, se nem mesmo foi no Ocidente que as cidades nasceram? A Europa não teve a mínima importância para o período matinal da história urbana do planeta, que se passou entre Jericó, Chatal Huyuk e os zigurates de Uruk, reino de Gilgamesh, na Mesopotâmia (RISÉRIO, 2012, p. 15).

Mais adiante ele faz referência aos conceitos de Marx e Weber sobre cidade, e conclui que as cidades da Amazônia pré-colonial correspondem a tais conceitos:

Mas o conceito ocidental-moderno, em Marx e Weber, é antropologicamente comprometido. Ainda assim, as antigas cidades amazônicas parecem responder a requisitos weberianos fundamentais, bem como à maioria dos critérios distintivos de cidade proposto por Gordon Childe, em “The Urban Revolution”. Tinham seu comércio, sua produção artesanal, sua divisão social, sua organização político-administrativa... As cidades dos cacicados da Amazônia eram assentamentos densos e permanentes de indivíduos socialmente heterogêneos, com sua hierarquia e seus monumentos tecnológicos (RISÉRIO, 2012, p. 16-17).

O que chama atenção na obra de Risério são os questionamentos sobre os motivos de não ser considerado cidade os aglomerados ou assentamentos indígenas que existiam no Brasil antes dos europeus. No livro são citados diversos estudos de outros autores internacionais sobre os indígenas do Brasil e a forma como viviam antes da ocupação européia. Para eles, as populações indígenas já constituíam povoados organizados que preencheriam os pré requisitos e poderiam ser considerados verdadeiras cidades com milhares de indivíduos, organização social, divisão de classes, de trabalhos, crenças, e principalmente político administrativa, com mais destaque do que as encontradas na Europa medieval:

Mais sofisticado, inclusive, do que se podia encontrar na Europa medieval, excetuando-se a Península Ibérica, onde as cidades conheceram um desenvolvimento distinto... Vivendo nas áreas alagadas, aqueles milhares de índios do Alto Xingu construíram povoações cercadas por muros, cavaram valas defensivas, abriram estradas, fizeram pontes e elevações de terreno, canais para canoas, extensas roças e pomares (de sorte que o que hoje parece floresta virgem é, na verdade, mata secundária) tanques para criação de tartarugas, etc., num território de cerca de 20 mil quilômetros quadrados. E aí parecem ter permanecido entre os séculos XIII e XVII (RISÉRIO, 2012, p. 18).

Outro fato que aguça a curiosidade é a forma como desapareceram essas civilizações com mais de 10.000 índios e suas construções. Até hoje é um grande enigma que precisa ser elucidado já que é parte importante da história do país e parece estar esquecida até mesmo de forma voluntária já que os livros de historia e geografia pouco ou nada afirmam sobre isso.

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Afora as cidades históricas amazônicas, as primeiras cidades brasileiras sobre as quais se tem relato e registro na maioria dos livros, Lopes (2010, p. 9) escreve:

A origem das cidades brasileiras, de modo geral, e das baianas, em particular, é bastante diversificada. Algumas surgiram e se desenvolveram a partir de missões religiosas em aldeamentos indígenas, outras como entrepostos comerciais ou de abastecimento, bastante comuns na zona costeira, originando as cidades portuárias. Entrepostos comerciais ou de abastecimento também estiveram presentes no interior, a partir de cruzamentos de passagens de mercadores itinerantes, de comerciantes ou transportadores de gado.

O que se observa sobre a origem das cidades brasileiras é que assim como em outros países é difícil precisar com exatidão quando surgiram. O que se pode aferir é que no Brasil foram tomando formas diversas, na maioria das vezes sem qualquer tipo de organização ou planejamento adequado. Tiveram como base as primeiras vilas e aglomerações feitas pelos europeus e jesuítas, cujo objetivo principal sempre foi o de colonizar ou ocupar para não perder o território.

Com o crescimento das povoações e vilas e a intensa busca por matérias primas para abastecer a colônia portuguesa, surgia também a necessidade por “melhorias” nas infraestruturas das vilas e a criação de “cidades” para atender às necessidades dos europeus.

No entanto o que se observa é um crescimento ou desenvolvimento lento e tardio, permanecendo por muito tempo pequenos povoados, vilas e muito abandono ou no dizer de Risério (2012, p. 53-54): “A presença portuguesa nos trópicos brasílicos se resumia, às feitorias do pau-brasil e a focos de caramurus como o da Bahia e o da Ilha de são Vicente”. Mais tarde Martin Afonso de Sousa elege para vila o povoado de São Vicente e logo depois “duas outras vilas significativas são construídas, a de Olinda por Duarte Coelho, e a do Pereira ou Vila Velha, obra de Pereira Coutinho... (RISÉRIO, 2012. p. 57).

Observa-se a partir destas reflexões que o processo de urbanização do Brasil ocorreu paulatinamente sem grandes preocupações com a forma que tomaria e sem objetivos pré-estabelecidos ou planejados. Salvo algumas cidades como Salvador e Recife que tiveram um planejamento e seguiram uma determinada organização. Sobre a primeira Risério afirma ter sido totalmente planejada para seguir os moldes de cidades portuguesas: “Salvador foi inteiramente definida e desenhada em

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prancheta lisboeta, em “traços e amostra” cuja execução, confiada ao arquiteto Luís Dias, deveria ser rigorosamente cumprida.” (RISÉRIO, 2012, p. 67).

As primeiras cidades se formaram no litoral brasileiro cujo objetivo era a facilitação do escoamento dos produtos à metrópole. Nos séculos seguintes, após à “Independência” e com o surgimento da indústria, o país passou a se desenvolver e transformar-se, impulsionado por este novo setor que crescia no mundo todo provocando algumas transformações.

Nesse sentido afirma Sposito (1997) que no século XVI, no Brasil, foram fundadas apenas 18 cidades, tendo aumentado para 28 no século seguinte, sendo que estas cidades tinham “um caráter político-administrativo, militar-defensivo e de recepção e escoamento de mercadorias” (SPOSITO, 1997, p. 40).

Verifica-se, na urbanização brasileira, que o Brasil viveu longo período em função do exterior, ou seja, unicamente para abastecer a metrópole portuguesa. A vinda da família real portuguesa em 1808 trouxe mudanças significativas que influenciaram grandemente no processo de urbanização do país. Com a chegada da Coroa Portuguesa ocorreram várias mudanças a mando do Rei D. João VI como a permissão do estabelecimento de indústrias, criação de estradas, Banco do Brasil, e abertura dos portos aos países que tinham boas relações com Portugal.

Pode-se considerar o crescimento urbano pouco expressivo, no período que vai desde o início da ocupação (1500) até o século 19. Nesse século, houve um primeiro impulso da urbanização quando o país passa a receber mais população e as atividades econômicas do agrário, especialmente no Sudeste, permitia que os fazendeiros com suas famílias passassem maior parte do tempo nos centros urbanos indo apenas alguns dias do mês para fiscalizar suas propriedades rurais ou verificar o resultado da safra. No período seguinte, até os anos de 1920, pode-se contabilizar o grande aumento da população decorrente dos processos de colonização e a internalização da atividade industrial que propiciaram a difusão da urbanização. A partir daí os índices de urbanização tiveram um grande impulso e em vinte anos praticamente triplicaram como afirma Santos:

Se o índice de urbanização pouco se alterou entre o fim do período colonial até o final do século 19 e cresceu menos de quatro pontos nos trinta anos entre 1890 e 1920 (passando de 6,8% a 10,75), foram necessários apenas

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vinte anos, entre 1920 e 1940, para que essa taxa triplicasse passando a 31,24% (SANTOS, 1993, p. 22).

Nas décadas seguintes o Brasil teve grande impulso no crescimento populacional e deixava suas características de um país rural para em pouco tempo tornar-se essencialmente urbano. Segundo Santos (1993), de 1940 a 1980 a urbanização tem um crescimento nunca visto até então, alterando-se profundamente o lugar de residência da população:

Entre 1940 e 1980, dá-se verdadeira inversão quanto ao lugar de residência da população brasileira. Há meio século atrás (1940), a taxa de urbanização era de 26,35% em 1980 alcança 68,86%. Nesses quarenta anos, triplica a população total do Brasil, ao passo que a população urbana se multiplica por sete vezes e meia (SANTOS, 1993, p.29).

Na década seguinte verificou-se que o crescimento da população urbana, segundo o mesmo autor, foi maior do que o da população total e nos anos que seguiram a urbanização atinge um novo patamar passando a consolidar o que na atualidade conhecemos: Brasil um país urbano.

Vários motivos levaram a este crescimento, em especial a industrialização. Com o advento da primeira revolução industrial ocorrido em meados do século XVIII na Inglaterra dando destaque ao novo sistema capitalista industrial, que se espalhou rapidamente pelo mundo todo, fez com que a configuração das cidades tivesse grandes transformações. A população que vivia nas áreas rurais passou a buscar os centros urbanos atraída pela oferta de trabalho e em novas oportunidades de crescimento financeiro, consumo, cultura diversificada, tudo que o campo não oferecia. Surgiam então novas relações sociais, novos usos e costumes, tendo a cidade como o lugar “melhor para viver” ou pelo menos mais atraente e com novas possibilidades de trabalho e renda.

O desenvolvimento vertiginoso da indústria, atraindo milhares de pessoas para as cidades, foi um dos fatores preponderantes para o surgimento e formação das diferentes cidades dentro de uma mesma cidade. Verifica-se que as cidades não tinham infraestrutura nem condições de agregar todas as pessoas que vinham em busca de trabalho. Este público formado em sua maioria por ex-agricultores e seus descendentes, bem como trabalhadores rurais que foram expulsos do campo, teve que encontrar formas de sobrevivências próximas aos seus locais de trabalho o que certamente deu início ou fortaleceu o dualismo das cidades. Eram os cortiços,

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vilarejos, aglomerações de centenas de famílias que construíam seus casebres em áreas ou se amontoavam em prédios antigos, em áreas centrais das cidades.

1.3 A cidade informal

Há na literatura científica uma infinidade de nomes para descrever a mesma situação: ocupações irregulares. Entende-se que seria inconveniente utilizar apenas o termo cidade para caracterizar os diferentes tipos de aglomerados existentes dentro de um mesmo espaço geográfico. Sabe-se que apesar de parecer tratar de uma outra cidade, ambas as cidades – a legal, formal, sustentável – como a ilegal, informal e insustentável – são partes de um mesmo processo evolutivo da urbanização.

Poderia também ser analisada a questão da cidade ilegal, informal, mas que é fruto de pessoas mais favorecidas que se apossam de áreas que são públicas como praias, áreas de preservação ambiental e até mesmo fechando ruas e impedindo a passagem da população para construir suas mansões ou condomínios de luxo. O Estado diante deste quadro permanece de braços cruzados sem qualquer fiscalização ou política de combate a este tipo de crime. Risério (2012) ilustra muito bem esta questão:

Em algumas cidades brasileiras,condomínios fechados surgem como bloqueios antiurbanos e antissocietários, impedindo que a população possa degustar esteticamente a paisagem marinha ou desfrutar o sol litorâneo entre mergulhos no mar. Trechos da orla marítima da Bahia e do Rio estão atualmente privatizados.Os litorais têm donos. É uma interdição ao uso social da areia e do mar. Em São Paulo e outras cidades, é comum moradores fecharem ruas públicas.Elas se tornam particulares. O acesso franqueado somente a um grupelho de moradores e a pessoas que eles permitem passar por ali... Um escândalo anticonstitucional, barrando o ir e vir das pessoas. Bairros privativos querem substituir, de forma ainda mais esquizóide, o viver citadino (RISÉRIO, 2012, p. 306).

Ora, quando se fala em cidade ilegal é preciso deixar claro que não é privilégio dos pobres ou menos favorecidos. Como bem aponta o autor acima, existe também a cidade ilegal dos ricos. A diferença esta que a dos pobres é por falta de opção e a dos ricos é por escolha e desta forma um crime bárbaro e que deve ser impedido. Um tema importantíssimo, mas que serve apenas como ilustração para ser estudado e pesquisado em trabalhos futuros.

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Ambas as cidades são interessantes de serem estudadas, mas o foco deste trabalho é a cidade esquecida e com poucos ou raros investimentos públicos. Para alguns, é defendida como nova forma de urbanismo pelo modo como evoluiram algumas das cidades informais. No entanto, busca-se com o presente estudo a realidade que se apresenta mais cruel e gritante, onde de fato o ser humano vive sem as mínimas condições de habitação, a mercê de todo tipo de discriminação e exposto aos mais diversos tipos de crueldade e violência e tido muitas vezes como não detentor de direitos. É desta cidade marginalizada que se ocupa o presente estudo.

Na visão da urbanista Grostein (2001) usar genericamente cidade para ambas a situações não expressaria o verdadeiro sentido, já que existem grandes diferenças entre ambas as cidades:

O termo genérico “cidade” tornou-se pouco preciso para expressar o sentido do que se produziu socialmente como espaço urbano ou expansão de “cidade” a partir dos anos 40. Desde então, procura-se adjetivar o termo para designar a resultante espacial do processo que deu forma às periferias metropolitanas. A expressão Cidade Clandestina ou Cidade Irregular define a forma abusiva do crescimento urbano sem controle, próprio da cidade industrial metropolitana, compreendendo os bairros relegados pela ação pública, a cidade dos pobres e dos excluídos, a cidade sem infra-estrutura e serviços suficientes, a cidade ilegal, ainda que legítima [...]. (GROSTEIN, 2001, p. 14).

Risério chama a atenção que desde a implantação das primeiras cidades na América Espanhola, observa-se a “separação” ou divisão entre a legal e ilegal. Já estava implantada a segregação, principalmente em se tratando das cidades “planejadas” com requintes europeus:

Outra característica central dos estabelecimentos espanhóis nas Américas é que a cidade se organiza, horizontalmente, como um ícone, um diagrama da ordem social: o governo e a Igreja no centro, na plaza mayor, e o restante da sociedade distribuído hierarquicamente pelos quarteirões, com os grupos marginalizados enxotados para a periferia... Na periferia, fora da cidade propriamente dita, ou em sua orla sempre provisória, é que podiam ficar umas cabanas temporárias abrigando índios (e depois negros) que serviam aos espanhóis. Cidade espanhola, periferia indígena, portanto. E a distribuição da população, projeção física da hierarquia social do espaço urbano, era oficialmente determinada (RISÉRIO, 2012, p. 85).

Fica evidente a preocupação em criar desde os primórdios a segregação dentro da cidade. Era preciso deixar claro, marcado os espaços de cada classe se possível, separando-os por muros e mantendo os menos favorecidos bem distantes das áreas consideradas nobres ou centrais.

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O Brasil apesar de suas primeiras cidades terem inspirações lusitanas e desta forma não trazer na sua formação uma segregação explícita, com o decorrer dos anos a separação entre as classes sociais foi surgindo e se desenvolvendo, resultando no cenário de total separação entre zonas nobres, centrais e a periferia com aglomerados subnormais. Havia sim, desde o inicio, as classes bem distintas, o que não havia era o apartheid sociorracial inscrito no organismo urbano, seccionando-o ou expelindo oficialmente a gente de “sangue impuro” ou não branca para os bairros ou distritos isolados nas franjas pobres e sujas da cidade” (RISÉRIO, 2012, p. 97).

Sobre a miséria urbana, as dificuldades enfrentadas pela população menos favorecida e o surgimento das ocupações irregulares discorre Lacoste (1985) em sua obra “Geografia do subdesenvolvimento”:

Todavia, a favela, por mais impressionante que possa ser e apesar do sucesso desse termo, não é a única manifestação geográfica da miséria urbana. Há ainda outras, menos espetaculares, menos “chocantes”. Antes que aparecessem as favelas, no sentido preciso do termo, as cidades onde, antes da grande explosão urbana, existia um velho centro (tradicional ou colonial), conheceram um fenômeno de deterioração maciça, com o surgimento de cortiços e de um extremo superpovoamento dos bairros centrais, abandonados pelas classes dirigentes, à medida que estas se deslocavam em direção aos bairros mais modernos. Um dos casos mais célebres é o da “Kasba”, de Argel. As ricas casas turcas tornaram-se, pouco a pouco, o quadro arquitetônico onde se amontoaram os antigos camponeses. Cada família comprimindo-se em cada um dos múltiplos “casebres” montados dentro dos antigos e grandes cômodos, como pequenas caixas amontoadas dentro de uma gaveta (LACOSTE, 1985, p. 181)

Segundo Lacoste (1985), logo o centro da cidade ficou super povoado e então surgiram as primeiras favelas em 1945, nas imediações de Argel, mas, segundo ele, o termo favela foi inventado na cidade de Casablanca aproximadamente vinte anos antes, para designar a concentração de barracos feitos de lata e de outros materiais aproveitados pelos desabrigados para construir suas casas nos arredores de Casablanca:

O que se pode chamar de formas subintegradas de crescimento urbano (a expressão também é de origem marroquiana, e foi proposta pelo geógrafo Mohamed Naciri) permite agrupar em um mesmo conjunto não somente os diferentes tipos de “favelas” e de velhos centros transformados em cortiços superpovoados, mas também as “pseudo-aldeias” como as que se desenvolveram perto de numerosas cidades africanas. Elas são de aspectos rural, segundo o estilo das casas, construídas de acordo com as tradições tribais pelas populações vindas do campo, mas seu conteúdo é urbano, segundo as formas de atividades de consumo (LACOSTE, 1985, p. 182).

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No Brasil a questão sobre o surgimento das primeiras ocupações irregulares tem como cenário as favelas do Rio de Janeiro. Segundo Valladares (2005, apud NASCIMENTO, p. 52-53), este tipo de ocupação surgiu após conflito de Canudos. Com o fim da guerra, em torno de dez mil soldados, de diferentes regiões do país ficaram sem receber seus pagamentos e resolveram cobrar diretamente do governo na capital Rio de Janeiro. Como não tiveram êxito, sem o soldo a que tinham direito, seus destinos foi o Morro da Providência, cujo nome posteriormente tornou-se: Morro da Favella. Ali permaneceram totalmente esquecidos e abandonados, mais tarde outros se agruparam no local que passou a ser caracterizado pela ocupação ilegal e por outros tantos problemas relatados em jornais da época como: foco de ladrões, bandidos, onde a policia não tinha acesso.

Não é objetivo deste trabalho a discussão sobre a etimologia do termo favela, mas mostrar seu surgimento e os diferentes pontos de vista dos diversos pesquisadores sobre o tema. Percebe-se que para alguns autores a origem deu-se em outro país como na visão do já citado Lacoste (1985), mas para outros pesquisadores a origem do termo é própria do Brasil ou latina. Deixando de lado tais discussões, o que se quer é entender a origem e evolução não só das favelas como das demais ocupações irregulares que surgem e evoluem dentro ou nos arredores das cidades brasileiras, transformando cenários naturais em paisagens degradantes e sem o mínimo de infraestrutura e cuidados sanitários ou ambientais.

A cidade ilegal é marcada pela discriminação, vista como não cidade por não ter nem de longe a aparência da cidade formal. Excluída pelo poder público que desde a formação das primeiras cidades ocupou-se em centralizar o poder e privilegiar uma elite dominante. Uma cidade que se desenvolve na clandestinidade mas que amedronta e causa pavor. Uma cidade separada, afastada, cercada de violência, medos e preconceitos:

São ocupações desordenadas sobre morros, local onde surgiram as primeiras cidades como forma de se protegerem dos malfeitores. São verdadeiras cidades sem virtudes, onde a força selvagem exerce o poder paralelo, cuja ética e valores têm como fundamentos o tráfico de drogas, a prostituição e a criminalidade organizada... com o tempo, o poder que nasceu das cidades foi transferido para as Cidades-Capital. As normas urbanísticas emanadas desse poder central sempre privilegiaram as elites dominantes, ignoraram as realidades locais e excluíram as populações que foram ocupando os entornos e as periferias das novas cidades (RECH, 2007, p. 19).

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O que se observa é que a questão habitacional é um problema que se perpetuou ao longo dos anos. Nas cidades brasileiras, assim como em praticamente todas as cidades do mundo, o solo urbano com o crescimento das cidades passou a ser um mercado específico, derivado da condição da terra urbana constituir-se propriedade privada, e determinadas áreas tornaram-se alvo de cobiça, principalmente as áreas centrais das cidades que se tornaram um bem nobre e disputado. A população pobre que aí se amontoava, precisou ser retirada, banida para outros lugares distantes e fora da cidade formal. Só tinha direito a permanecer na cidade quem conseguia pagar por isso. A terra urbana, incorporada a lógica de mercado, tornou-se muito cara provocando cada vez mais o distanciamento entre o lugar de residência da distintas classes sociais e resultando em segregação social, alimentando a especulação imobiliária.

A terra passou a servir apenas como moeda de troca, perdendo cada vez mais sua função social. Deixou de ser um bem de todos, mas exclusividade de alguns. Os moradores foram aos poucos perdendo seus espaços e tendo que se dirigir para outras zonas da cidade denominadas de “periferias”, de favelas ou na atualidade: comunidades.

Tendo como pano de fundo a segregação social e espacial existente nas cidades, que alimenta o mercado imobiliário, passou a ocorrer, nas áreas centrais das cidades, um processo de renovação urbana. Na visão de Carlos (2007) isto é resultado de uma “revitalização”, ou seja, uma nova maneira de ver o solo urbano, baseado estritamente no valor pecuniário, ou como moeda de troca no sistema capitalista excludente:

Assim, a revitalização é, antes de mais nada, um processo de revalorização do solo urbano que muda o uso do espaço pela imposição do valor de troca, expulsando aquele que não está apto a pagar por ele, como pode ser visto, por exemplo, em São Paulo, Salvador ou mesmo em Paris. A revitalização, por sua vez, também produz a assepsia dos lugares, pois o “degradado” é sempre o que aparece na paisagem como o pobre, o sujo, o feio, exigindo sua substituição pelo rico, limpo, bonito; características que não condizem com a pobreza (CARLOS, 2007, p. 89).

Esta situação de exclusão ou expulsão dos menos favorecidos não é exclusividade de grandes centros, mas já avança para as cidades de menor porte. Busca-se criar ou recriar um modelo de cidade livre das mazelas ou que pelo menos mantenha uma aparência de limpeza ou um ambiente asséptico. Neste ambiente

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não têm lugar os sem tetos, estes são empurrados para lugares cada vez mais distantes. O modelo da cidade atual ou da urbanização focado em modernos planejamentos é excludente, não deixando espaço dentro das novas cidades ao povo com menor poder aquisitivo:

Portanto, se de um lado essa transformação é de ordem formal e se refere a possibilidade das possíveis reestruturações das formas espaciais urbanas, por outro, o processo é fundamentalmente de ordem social – excludente e segregador - e, nesse caso, podemos atentar para novos sentidos de apropriação do espaço pela sociedade (CARLOS, 2007, p. 90).

Desde as primeiras formações estas áreas já surgiram cercadas de todo tipo de pré-conceito e discriminação. A sociedade elitizada da época via estes locais como mero amontoado de pessoas, lugar sujo que gerava à marginalidade e os criminosos. Já o poder público, por sua vez, se omitia ou não investia, limitando se na maioria dos casos, a apenas “permitir” tais ocupações já que não oferecia outros locais para que esta parcela da população se instalasse. Eram insignificantes os recursos destinados a melhoria destes locais, tendo os moradores das favelas e ocupações irregulares, que conviver com todo tipo de situação, como por exemplo, esgoto a céu aberto, falta de unidades de saúde, creches, hospitais, escolas, ruas asfaltadas, parque e praças, entre tantos outros problemas que se perpetuam até os dias atuais, fazendo deste tema, habitação, um dos maiores entraves ao desenvolvimento do país.

Estas áreas ou locais sem infraestrutura e atenção política são palcos de inúmeros problemas como deslizamento de encostas, soterramento, inundações e proliferação de doenças. Tais lugares são cenários de pobreza, miséria fomentando todo tipo de violência e drogadição.

Geograficamente são locais sem grande valor de mercado, abandonados ou esquecidos pelo poder público. E quando são áreas valorizadas no mercado, são alvos de disputas judiciais que geralmente resultam em tragédias ou ficam nas mãos de empresários, aguardando a valorização do local geralmente com investimentos do poder público.

Um fato marcante, ocorrido em 2010, no Rio de Janeiro, na localidade de nome Morro do Bumba, expressa nitidamente o resultado do descaso do poder público com a questão das ocupações irregulares. Neste episódio cerca de 267

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pessoas morreram soterradas (BARRETO, 2011). Era uma tragédia anunciada já que a área era de um antigo aterro sanitário e a qualquer momento poderia ocorrer alguma explosão resultante dos gases ou mesmo um deslizamento de encosta como de fato ocorreu.

Episódio semelhante ocorreu no inicio deste ano, mais precisamente no dia 13 de janeiro quando houve um grande conflito entre policias e moradores do “Pinheirinho” em São José dos Campos. O resultado foi estarrecedor e noticiado pela imprensa com requintes de filme de ação. Cerca de 1,6 mil famílias que moravam nesta localidade desde 2004, tentaram, sem sucesso na justiça, obter a propriedade da área. Sem ter para onde ir, resolveram num ato de desespero enfrentar os mais de 2 mil homens da PM (Policia Militar) e da Guarda Municipal de São José dos Campos. Os moradores fizeram barricadas e munidos de pedaços de madeira, escudos, capacetes improvisados e até cães enfrentaram sem sucesso os policiais. O resultado foi desastroso com dezenas de feridos, barracos destruídos, ônibus incendiados e estabelecimentos comerciais apedrejados, segundo matéria do site Terra notícias (SP..., 2012).

Distante na maioria das vezes da parte central das cidades, mas com grande valor ambiental já que a maior parte dessas populações ocupa áreas de preservação ambiental, matas, beira de córregos e provocam sérios danos ao meio ambiente, destruindo nascentes, poluindo rios, desmatando florestas ou mesmo retirando a proteção do solo e acelerando processos de deslizamentos de encostas.

No Censo de 2010, realizado pelo IBGE, pode se perceber uma nova maneira de designar a mesma situação: aglomerados subnormais. Uma nova forma de tratar a cidade ilegal, mas na prática o foco é o mesmo:

É um conjunto constituído de, no mínimo, 51 unidades habitacionais (barracos, casas...) carentes, em sua maioria de serviços públicos essenciais, ocupando ou tendo ocupado, até período recente, terreno de propriedade alheia (pública ou particular) e estando dispostas, em geral, de forma desordenada e densa. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2011b, não paginado).

Também na visão do Instituto, os aglomerados subnormais são “[...] assentamentos irregulares conhecidos como favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, mocambos, palafitas, entre outros [...]” (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2011a, não paginado).

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Acredita-se que a definição utilizada pelo Instituto para aglomerados subnormais é bastante ampla e serve para tipificar claramente as ocupações irregulares. No decorrer do trabalho o termo será utilizado como sinônimo para referir-se a todo tipo de assentamentos fora dos padrões urbanos tidos como legais.

Na visão de alguns autores como Ferreira (2007) a cidade ilegal ou informal é uma não-cidade já que não apresenta qualquer semelhança com a cidade formal, ou seja, está muito distante do conceito e aparência da cidade formal ou legal. Segundo ele, são apenas áreas, ou pequenas parcelas de cidade, sem infraestrutura, excluídas, esquecidas pelo poder público ou lembrada apenas para divulgação de tragédias ou presença de policiamentos, ocupações militares, em uma busca repentina de realizar a pacificação ou revitalizar estes ambientes marginalizados através de medidas questionáveis.

O que se vê, quando comparadas às duas cidades, é que existe entre elas uma separação tão grande que as tornam muito distantes, passando a ideia de pertencerem a espaços geográficos distintos quando na realidade ambas pertencem ao mesmo espaço: a cidade.

Se na formação das cidades brasileiras a segregação não estava descrita nos planejamentos, o que se observa na atualidade é algo de dificil compreensão tamanha é a separação entre a cidade legal e a ilegal, ou como afirma Risério:

Uma realidade algo difícil de apreender hoje em dia, quando a segregação socioespacial é verificável nas maiores cidades do país e mesmo em cidades menores como Natal, dividida entre os que moram na vizinhança do centro e do Parque das Dunas e os que moram na Redinha, em Pajuçara ou na Lagoa Azul. Existem favelas, hoje, em toda a extensão do território brasileiro. E a realidade é a mesma, com quadrilhas profissionais, tráfico de drogas, repressão policial em descontrole, pedofilia e prostituição de menores – nos antros das igrejas e nos altares das gangues (RISÉRIO, 2012, p. 98).

Esta segregação sociespacial como se vê não esteve presente de forma tão acentuada no Brasil colonial. É resultado ou característica das cidades modernas que privilegiam espaços para determinadas classes ou grupos sociais em detrimento de outros que ficam marginalizados. Os ricos ou mais favorecidos acabam criando verdadeiras trincheiras com guardas e sistemas de monitoramento para se refugiar em suas mansões ou condomínios de luxo. Restando aos pobres recantos esquecidos na beira de córregos, riachos ou encostas de morros ou mesmo a

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ocupação de áreas de proteção ambiental ou de propriedades particulares abandonadas:

Conhecemos, como nunca antes a segregação espacial em base econômica. Espaços urbanos compráveis pelos ricos, quase sempre encerrados no âmbito de prédios e condomínios entrincheirados com redes elétricas de proteção e guaritas de segurança, e espaços forçosamente determinados para os pobres. A massa proletária e subproletária não só não teve acesso aos serviços públicos mais elementares, como assistiu à segmentação implacável do sítio urbano. Mas esta não foi sempre a regra. A segregação espacial, montada na estratificação social não existiu desde sempre, de forma tão aguda, no Brasil. É uma característica de nossa cidade moderna. Mas não era assim que as pessoas viviam nos núcleos urbanos coloniais. E mesmo, durante boa parte do período imperial (RISÉRIO, 2012, p. 98).

O que se observa é o aumento gradativo da segregação ou separação entre as duas cidades. Um grave problema socioespacial a ser enfrentado não só pelas comunidades menos favorecidas, mas por toda a população, especialmente pelos gestores públicos, administradores, juristas, políticos, geógrafos, educadores, sociólogos enfim, por todos que de alguma forma podem e devem contribuir para sanar ou diminuir tais diferenças sociais, proporcionando uma vida mais digna e igualitária aos moradores destas áreas subnormais.

Na visão de Lacoste (1985) os habitantes das áreas subintegradas são constituídos de elementos urbanos embora estejam inseridos dentro da cidade, são colocados a margem desta, de lado ou à parte. Pior ainda se forem grandes populações, já que quanto mais numerosa, segundo ele, mais excluídas e consideradas anormais tanto pelos moradores de outros bairros como pelos seus próprios habitantes que se consideram diferentes e inferiores aos da cidade formal ou legal.

Mesmo diante do crescimento acelerado destas ocupações irregulares pouco se vê de medidas destinadas a minimizar ou combater tais situações. Segundo dados apresentado pelo Censo/2010 o número de favelas, habitações irregulares aumentou consideravelmente. O IBGE desde o ano de 1991 usou o termo aglomerados subnormais como se pode verificar a partir da tabela a seguir.

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Figura 1 – Dados referentes ao número de aglomerados subnormais em municípios brasileiros segundo CENSO – 2010.

Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2011a

A partir dos dados apresentados pelo Censo de 2010 é possível verificar a presença de 6.329 aglomerados subnormais em 323 municípios. Em cada estado da federação a concentração deste tipo de moradia ocorre de forma diferenciada, com características bem distintas. A maior incidência acontece nas regiões ribeirinhas dos estados do Amazonas, Pará e Amapá, locais estes atingidos freqüentemente por alagamentos e inundações. O Nordeste possui 70 municípios com aglomerados subnormais e a maior concentração acontece em regiões metropolitanas. Já no Sudeste está a maior parte dos municípios com aglomerados subnormais, ou seja 145 o que corresponde a 8,7% do total de 1.668 municípios da região. Deste total, 75 municípios, está nas regiões metropolitanas. A Região Sul possui 51 municípios com este tipo de habitação, sendo que a maioria delas também se localiza em

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regiões metropolitanas. O Centro-Oeste é a região com menor quantidade, perfazendo um total de 9 municípios com aglomerados subnormais (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2011a).

Segundo informações do Censo 2010 o tipo de ocupação denominada aglomerados subnormais geralmente localiza-se em áreas impróprias à urbanização, como em encostas de morro, vales profundos, grotas, locais de constantes alagamentos, manguezais e igarapés ou ainda em espaços vazios nas áreas centrais (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2011a).

No último censo realizado pelo IBGE, verifica-se que há um crescimento dos aglomerados subnormais apontando o número elevado deste tipo de ocupações irregulares no país. A pesquisa demonstra também que esta problemática tem aumentado principalmente nas regiões metropolitanas, mas não é privilégio delas, já que estão presentes também nas demais regiões:

Em 2010, o país possuía 6.329 aglomerados subnormais (assentamentos irregulares conhecidos como favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, mocambos, palafitas, entre outros) em 323 dos 5.565 municípios brasileiros. Eles concentravam 6,0% da população brasileira (11.425.644 pessoas), distribuídos em 3.224.529 domicílios particulares ocupados (5,6% do total). Vinte regiões metropolitanas concentravam 88,6% desses domicílios, e quase metade (49,8%) dos domicílios de aglomerados estavam na Região Sudeste. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA, 2011a, não paginado). São cenários degradantes e que dividem as cidades. Entender as principais razões ou motivos tanto do crescimento ou aumento destas ocupações é importante para compreender o problema do déficit habitacional do país em meio a tantos investimentos no setor de construções de moradias. Em praticamente todas as cidades do país o surgimento de novas moradias em condomínios ou bairros chama a atenção. Ao mesmo tempo percebe-se pelos dados do IBGE que a carência habitacional é preocupante e requer iniciativas novas na busca de soluções urgentes e para toda esta população que vive nessas áreas irregulares.

A segregação social e as ocupações irregulares são frutos destas transformações. Conforme ocorre o crescimento das cidades e com o aumento da população, na condição de sem teto ou sem moradia, os conflitos e problemas decorrentes da urbanização se tornam maiores. O resultado disto vai desde o surgimento de favelas, aglomerados em áreas de preservação ambiental, encostas

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de morros ou na beira de córregos ou riachos, até as ocupações de terrenos particulares, cujo final são os inúmeros embates judiciais ou mesmo a morte de pessoas por soterramentos ou deslizamentos de encostas.

É muito comum também, o surgimento de diversos problemas de saúde devido à falta de condições mínimas de moradia para as famílias alojadas nestes espaços. O que se vê de fato é a real dualidade, ou seja, uma cidade dentro de outra cidade. A formal com investimentos públicos, políticas e planejamentos e a outra abandonada e cercada de todos os tipos de problemas e ausência de infraestrutura.

Devido a esse dualismo, a cidade perde o sentido de bem comum e passa a ser privilégio de uma minoria. No intuito de resolver ou pelo menos amenizar o problema e diminuir as desigualdades, evitar a especulação imobiliária e permitir o acesso à cidade legal ou formal a todos os cidadãos foi regulamentada a Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, denominada Estatuto da Cidade, que será considerada no próximo capítulo.

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2 O ESTATUTO DA CIDADE E A ATUAÇÃO PROFISSIONAL EM BUSCA DA CIDADE INCLUSIVA

2.1 O planejamento urbano e as políticas de desenvolvimento urbano

Com o crescimento das cidades e o aumento significativo da população resultante da industrialização, foi preciso criar mecanismos, leis para tornar possível a convivência neste espaço geográfico. A convivência, os costumes as relações entre as pessoas sofriam modificações à medida que crescia o número de habitantes dentro de uma mesma cidade. Foi necessária a criação de códigos para regrar ou ordenar estas situações sob pena de surgir um caos urbano.

Na visão de Carlos (2007) faz se necessário uma nova política voltada para a habitação, ou seja, “é preciso pensar uma política urbana que se apóie sobre uma profunda e ampla reflexão sobre o sentido da cidade e o urbano, que não exclua, mas antes privilegie o conteúdo do habitar” (CARLOS, 2007, p. 91). Ou seja, é imprescindível ver a cidade como um bem de todos e para todos.

Rech (2007) chama atenção para relação cidade e Estado. Segundo ele, foi pela vontade do povo, através de um pacto em uma cidade, que surge a figura do Estado. No entanto para o autor hoje as cidades estão abandonadas pelo próprio Estado, e a imagem de cidade ideal construída por Aristóteles foi descaracterizada:

Finalmente percebe-se pelo percurso doutrinário realizado que o Estado nasceu de um pacto social, por consentimento do povo numa cidade... Há uma profusão de normas locais, longe de se constituir e definir um projeto de cidade. Esse fato descumpre o próprio pacto e tem deixado as cidades amargarem com a exclusão social e o caos, pela inexistência de um ordenamento jurídico adequado e definidor. A cidade, que segundo Aristóteles, deveria representar o auge da evolução da dignidade humana, significa para muitos o fim da própria dignidade humana (RECH, 2007, p. 12)

A própria função exercida pelo Estado que no passado estava restrita a segurança e defesa para evitar conflitos e se proteger nas guerras, com o decorrer dos anos modificou-se. Atualmente o ente público precisa garantir também o bem estar de seus cidadãos. Para que isso ocorra é que existem as políticas públicas voltadas para diferentes áreas como saúde, educação, saneamento básico, moradia, habitação dentre tantas outras.

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Estas políticas são ferramentas ou medidas a disposição dos gestores visando atender as necessidades dos cidadãos e trazer melhorias para as cidades. Nesse sentido afirma Teixeira (2002, p. 2):

“Políticas públicas” são diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado. São, nesse caso, políticas explicitadas, sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas, linhas de financiamentos) que orientam ações que normalmente envolvem aplicações de recursos públicos. Nem sempre, porém, há compatibilidade entre as intervenções e declarações de vontade e as ações desenvolvidas. Devem ser consideradas também as “não-ações”, as omissões, como formas de manifestação de políticas, pois representam opções e orientações dos que ocupam cargos.

Interessante perceber na afirmação acima, que até mesmo a “não ação” deve, ser reconhecida como uma forma de política pública. Isto fica evidente no “jogo” político e no direcionamento dos investimentos públicos. A omissão voluntária (com dolo, ou intencional) é uma maneira cruel que incentiva segregação social. Assim, pode se perceber que a omissão do Estado passa a ser no mínimo culposa, provocando conscientemente o surgimento e crescimento da cidade ilegal e da segregação social:

Longe de ser inofensiva, a omissão estatal e/ou a ação estatal tecnocrática têm servido para determinar o padrão excludente da urbanização no Brasil e no contexto mais amplo da América Latina, combinando especulação imobiliária, vazios urbanos, degradação ambiental, destruição do patrimônio cultural e proliferação de processos informais de produção de assentamentos humanos precários (FERNANDES, 2008a, p. 68).

São comuns áreas particulares dentro das cidades que estão há anos sem uso, não exercendo sua função social, serem supervalorizadas de um momento para o outro, graças a investimentos público nas proximidades. Outras, no entanto permanecem esquecidas e sem quaisquer investimentos. Geralmente são nestas regiões abandonadas que se reproduz ou se desenvolve a cidade ilegal, os assentamentos irregulares ou aglomerados subnormais.

Estas situações, na visão de Rolnick (2006) são fomentadas pelo próprio poder público que cruza os braços ou norteia suas decisões em uma única direção: a cidade legal. Isto é caracterizado como total exclusão, e muito mais que expressar desigualdades sociais, o Estado torna-se num agente de reprodução destas desigualdades. É um entrave criado ou alimentado pelo poder público que dificulta o acesso a cidade legal pela parcela da população desprovida de recursos financeiros.

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