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O sujeito usuário de drogas, para além das drogas

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - UNIJUÍ

DHE- DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA

ANA PAULA MOREIRA

O SUJEITO USUÁRIO DE DROGAS, PARA ALÉM DAS DROGAS

SANTA ROSA 2018

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ANA PAULA MOREIRA

O SUJEITO USUÁRIO DE DROGAS, PARA ALÉM DAS DROGAS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado a Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul-UNIJUÍ, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Psicologia.

Orientadora: Ms. Betina Beltrame

SANTA ROSA 2018

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DEDICATÓRIA

Este trabalho de pesquisa é dedicado a minha mãe, Marli Moreira, que me incentivou e me acompanhou ao longo de toda trajetória acadêmica, esteve ao meu lado nos momentos ruins e nos momentos bons e que se doou para a realização do meu sonho.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, a minha família e a todos que contribuíram de alguma forma para a realização deste sonho.

Agradeço a todos os professores do curso de Psicologia, que com seus ensinamentos contribuíram para que esta caminhada se realizasse, em especial a minha orientadora Betina Beltrame, que com seus esclarecimentos e contribuições possibilitou o êxito de minha pesquisa.

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“Na teoria da psicanálise não hesitamos em supor que o curso tomado pelos eventos mentais está automaticamente regulado pelo princípio de prazer, ou seja, acreditamos que o curso desses eventos é invariavelmente colocado em movimento

por uma tensão desagradável e que toma uma direção tal, que seu resultado final coincide com uma redução dessa tensão, isto é, com uma evitação de desprazer ou

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso versa sobre as implicações psíquicas que podem levar o sujeito a utilizar/procurar drogas. Devido ao constante crescimento de sujeitos usuários de drogas, se faz necessário ainda refletir sobre o tema, buscando compreender o porquê este sujeito se prende as drogas e o que o leva à dependência, além da questão organicista. Para tanto, realizou-se um estudo bibliográfico, seguindo como base autores como, Freud (1913-1930), Bauman (1998), Melman (1992), Santiago (2001), CEBRID (2003) e Ribeiro (2009;2011). O estudo está dividido em três capítulos. O primeiro apresenta o universo global das drogas e abrange uma classificação das drogas, uma retomada histórica sobre o consumo delas e uma reflexão sobre os conceitos de usuário e dependente de drogas. O segundo capítulo apresenta possíveis implicações psíquicas que influenciam o sujeito a procurar as drogas. E o terceiro capítulo versa sobre o cuidado com o sujeito usuário de drogas, enfatizando os cuidados oferecidos na rede pública de saúde. O estudo possibilita pensar o envolvimento do sujeito com as drogas, além da questão da satisfação advinda do seu uso. O sujeito que faz o uso de drogas às usa por diferentes motivos, sua relação é singular, porém é possível pensar algumas semelhanças do ponto de vista psíquico, a partir da constituição do sujeito. Desse modo, o estudo permitiu identificar que as questões psíquicas estão intrinsecamente ligadas à procura do sujeito pela droga, não sendo uma simples opção de escolha do sujeito, ser ou não um usuário de drogas.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 7

1. CLASSIFICAÇÃO DAS DROGAS ... 9

1.1. Uma breve retomada histórica sobre o consumo de drogas ... 12

1.2. Pensando os conceitos de usuário e de dependente de drogas ... 17

2. IMPLICAÇÕES ENVOLVIDAS NO CONSUMO DE DROGAS ... 22

3. O CUIDADO COM SUJEITOS USUÁRIOS DE DROGAS ... 33

3.1. O cuidado com o sujeito e as drogas a partir da Psicanálise ... 34

3.2. O cuidado com sujeitos usuários de drogas na Rede Pública de Saúde36 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 44

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INTRODUÇÃO

Considerando o aumento significativo do uso de drogas nos últimos anos, e considerando os dados da Organização das Nações Unidas (ONU), publicados em 2016 no relatório mundial, que apontam para o fato de que aproximadamente 5% da população adulta, ou seja, 250 milhões de pessoas, entre 15 a 64 anos, fizeram o uso de drogas ilícitas ao menos uma vez em 2014. Sendo assim, no atual cenário social, as drogas se tornam um problema de saúde pública em potencial crescimento. Partindo desse contexto, o presente trabalho pretende abordar a outra face sobre o uso das drogas, contribuir com reflexões sobre as implicações psíquicas que levam o sujeito a fazer uso de drogas.

A proposta é buscar primeiramente um entendimento sobre o universo global que envolve as drogas. E posteriormente trazer reflexões sobre o lugar ocupado pela droga na vida do sujeito e a relação particular que esse sujeito estabelece com a substância psicoativa em sua vida. Para situar o tema e o problema de pesquisa, elementos da literatura foram utilizados, em especial da teoria psicanalítica, na tentativa de elucidar os impasses e as problemáticas psíquicas envolvidas no processo de drogadição e dependência.

Ademais, durante o percurso de formação acadêmica, estudos com o envolvimento das temáticas drogas e toxicomania despertaram o interesse no aprofundamento de tal assunto, em conjunto a uma experiência de estágio em ênfase clínica, que trouxe a questão da angústia de uma família com um integrante dependente de drogas. A escolha em compreender o tema em especial com teoria psicanalítica, leva em conta ser esta a teoria norteadora do percurso de graduação. Porém, do mesmo modo, o trabalho apresenta contextualizações teóricas baseadas em outras linhas de pensamento, como a teoria cognitivo comportamental, nos tratamentos com ênfase na abstinência, por exemplo.

Para tanto, o presente trabalho de conclusão de curso, partiu de uma pesquisa bibliográfica, que pretende através de levantamento de dados sobre o tema buscar informações sobre o universo das drogas que sejam relevantes para a interpretação de reflexões sobre as implicações psíquicas envolvidas no processo de procura pela droga. O estudo possui caráter descritivo e exploratório, na tentativa de descrever e explorar as drogas e sua relação com seus usuários. As fontes utilizadas foram textos,

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livros, revistas, artigos científicos, leis, portarias e dissertações relacionadas à temática aqui estudada (MARCONI e LAKATOS, 2011).

O primeiro capítulo versa sobre o universo global das drogas, e está subdividido em três partes, contendo classificação das drogas quanto sua origem e seus efeitos, uma contextualização histórica sobre o consumo de drogas e uma diferenciação entre os conceitos de usuário e dependente de drogas, considerando a visão de diferentes autores. Tratam-se de conceitos introduzidos principalmente pela medicina na tentativa de elucidar a figura do sujeito que faz o uso de substâncias psicoativas, e enquadrá-lo em critérios como frequência de consumo, quantidade e abstinência.

O segundo capítulo aborda a questão central do presente trabalho, as implicações psíquicas dos sujeitos que fazem o uso de drogas, contendo questões subjetivas, singulares e sociais que podem ser possíveis influenciadores da procura pela droga. Reflexões sobre a constituição psíquica dos sujeitos neuróticos e a estruturação familiar, em especial, a partir do referencial psicanalítico.

Já o terceiro capítulo apresenta uma reflexão sobre os cuidados com sujeitos usuários de drogas. Aborda o cuidado com o sujeito e as drogas a partir da psicanálise e enfatiza os tratamentos ofertados pela rede pública de saúde como, a política de Redução de Danos, as Redes de Atenção Psicossocial (RAPS) e o Projeto Terapêutico Singular (PTS), sendo que todos estes ressaltam a importância do trabalho em rede e o suporte familiar necessário para a recuperação do sujeito usuário e dependente de drogas. Na sequência, as considerações finais e as referências bibliográficas que embasam o presente trabalho de conclusão de curso.

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1. CLASSIFICAÇÃO DAS DROGAS

As drogas continuam sendo um problema global, que a saúde pública no Brasil, vem há muitos anos tentando combater. A informação que a mídia publicitária apresenta é que a procura por esse “recurso” cresce significativamente ano após ano. Dan e Guelfi (2017) apontam que o crescimento do número de usuários é assustador, e seus efeitos ainda mais, e que a tendência é a migração para o uso de diferentes drogas em quantidades mais elevadas, podendo ocasionar o fenômeno da toxicomania. Tema este, que será discutido ao longo deste trabalho.

Existem várias instituições e órgãos renomados, como a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial da Saúde (OMS), a United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC), o Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (OBID), assim como inúmeros estudiosos que se debruçam sobre o tema, na tentativa de compreender e buscar informações sobre os diversos questionamentos que ainda permeiam as drogas e o seu uso. Sendo assim, conceitos variados e classificações diferentes são usados para se referir aos tipos de droga e aos usuários. A Organização Mundial da Saúde (OMS) destaca que droga é qualquer substância capaz de alterar o modo de funcionamento do organismo, quando utilizado pelo sujeito das mais diferentes formas (inalada, injetada, entre outras). O conceito do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas-CEBRID (2003, p.7) ressalta que:

O termo droga teve origem na palavra droog (holândes antigo) que significa folha seca; isso porque antigamente quase todos os medicamentos eram feitos à base de vegetais. Atualmente, a medicina define droga como qualquer substância capaz de modificar a função dos organismos vivos, resultando em mudanças fisiológicas ou de comportamento. Por exemplo, uma substância ingerida contrai os vasos sangüíneos (modifica a função) e a pessoa passa a ter um aumento de pressão arterial (mudança na fisiologia). Outro exemplo, uma substância faz com que as células do nosso cérebro (os chamados neurônios) fiquem mais ativas, "disparem" mais (modificam a função) e, como conseqüência, a pessoa fica mais acordada, perdendo o sono (mudança comportamental).

Com relação ao efeito, o paracetamol é uma droga assim como o crack, pois ambos provocam alterações no organismo, a diferença está na forma de administração e na sua finalidade. O paracetamol, provavelmente será usado conforme dosagem indicada pelo profissional responsável para combater alguma

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enfermidade, com fins terapêuticos. Já sobre o crack não se pode afirmar o mesmo, pois há muitos dilemas que envolvem a sua procura e cada indivíduo tem suas causas singulares para utilizá-lo. A diferença é que as pessoas não consideram o medicamento, por exemplo, como algo nocivo a saúde, e, por vezes, acabam ultrapassando o limite recomendado sem se questionar sobre os danos que o uso da medicação, de forma ou em quantidade inadequada, podem causar tanto à saúde física, quanto a saúde psíquica.

Recentemente o Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ) divulgou os dados de sua última pesquisa sobre auto diagnóstico e automedicação, realizada em maio de 2018, e revelou situações realmente preocupantes. A pesquisa mostrou que 40% dos brasileiros concluem seu diagnóstico com base em pesquisas através da internet e que 72% dos brasileiros tomam medicamentos por conta própria, sem o devido conhecimento de seus efeitos. A pesquisa descartou a hipótese da interferência de acessibilidade a rede pública de saúde, e os índices da pesquisa revelaram que a maioria dos brasileiros que se autodiagnosticam e se automedicam pertencem a classe A e B, ou seja, não tem a ver com a dificuldade de ir a uma consulta, seja ela pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou particular (ICTQ, 2018).

Voltando a classificação das drogas, alguns autores se referem à elas pelas denominações lícitas e ilícitas, baseadas na lei. Outros apresentam sua classificação com base em seus efeitos, como alterações no sistema nervoso central. Com a ressalva de que essas alterações podem variar de usuário para usuário, pois cada organismo pode reagir de maneira diferente frente à uma mesma substância, independentemente de sua composição.

Neste sentido, cita-se a lei 5.991 de 17 de dezembro de 1973, a qual dispõe sobre o controle comercial das drogas. Em seu artigo 4º, I, define droga como “substância ou matéria-prima que tenha finalidade medicamentosa ou sanitária”. (BRASIL, 1973). No entendimento de Dan e Guelfi (2017) foi a partir dessa lei, e de sua respectiva conceitualização sobre drogas, que seguiu-se a divisão entre lícitas e ilícitas. Para estes autores, as drogas lícitas são aquelas liberadas pela lei, para uso recreativo para maiores de 18 anos, como tabaco e álcool e para uso terapêutico com respectiva comprovação médica. Já as drogas ilícitas, são aquelas cuja comercialização é proibida e são substâncias denominadas psicotrópicas, que possuem elevada capacidade de causar dependência.

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São similares, as classificações propostas pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID, 2003) e pelos estudiosos Silveira e Silveira (2018), que classificam as drogas como psicotrópicas, que originam alterações cerebrais e atuam sobre o psiquismo, podendo causar dependência, dividindo-se em três classes basicamente: drogas depressoras, drogas estimulantes e drogas perturbadoras ou alucinógenas. Partem dos efeitos provocados por diferentes tipos de drogas para apresentar essa possível classificação. Para estes, as drogas depressoras são aquelas que diminuem a atividade cerebral. Ou seja, tem o efeito de deixar o cérebro mais lento e diminuir a tensão emocional e a atividade intelectual. São exemplos, os tranquilizantes e a heroína. As drogas estimulantes possuem o efeito contrário da primeira, pois aceleram a atividade cerebral. Às vezes, são utilizadas para obtenção de um estado de excitação. São exemplos, o crack e a cocaína. As drogas alucinógenas são aquelas que causam alterações na percepção. Alguns exemplos são a dietilamida do ácido lisérgico (LSD) e a maconha.

Existe ainda, a classificação das drogas quanto sua composição, natural, sintética ou semissintética. Bilibio (2010 apud SILVA, 2017, p.14-15) apresenta uma distinção entre as divisões desta classificação e as conceitua conforme sua origem:

[...] droga é toda e qualquer substância, natural ou sintética que, introduzida no organismo, modifica suas funções. Essas substâncias podem ser subgrupadas em naturais, sintéticas e semissintéticas. Naturais são as drogas extraídas de plantas, animais ou minerais. Essas substâncias não precisam passar por processos laboratoriais ou adição de componentes químicos. Os efeitos são alcançados com a matéria em sua forma natural. Como exemplo temos ópio extraído da papoula, cafeína extraída do café, nicotina extraída do tabaco e a maconha extraída da cannabis sativa. No subgrupo sintético estão as drogas produzidas em laboratório através de

processamento químico. Como Lysergsäurediethylamid (LSD),

metilenodioximetanfetamina (MDMA), anabolizantes, etc. As drogas semissintéticas são criadas a partir da mescla de uma matéria prima natural com alteração em laboratório.

Araújo (2012) apresenta o surgimento das drogas sintéticas como efeito da contemporaneidade, vinculado ao impedimento de abastecer o mercado interno, sendo uma maneira mais fácil de burlar a lei e dificultar fiscalização. A legislação brasileira, através da lei nº 11.343/2006 institui o Sistema Nacional de políticas públicas sobre drogas (SISNAD) e entre suas medidas estabelece normas para reprimir a produção de drogas ilícitas e ao tráfico. “Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim

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especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União” (BRASIL, 2006).

Dan e Guelfi (2017) acreditam que essa lei deveria ser revisada, pois as drogas sintéticas levam em sua composição produtos atípicos que podem gerar impunidade, devido à dificuldade probatória das misturas que compõe a droga. Assim, a área do direito reivindica, que as drogas sintéticas adulteradas que não são constantes, também devem ser tratadas como objeto ilícito e penal, tendo seu enquadre no tráfico de entorpecentes, tendo em vista, que modificam a atividade cerebral e podem causar dependência.

Dado o exposto, criaram-se estratégias para suprir a demanda de consumo, com produções laboratoriais e caseiras de forma clandestina, as chamadas drogas sintéticas. No entendimento de Araújo (2012) as drogas naturais são usadas desde a antiguidade e as sintéticas são produtos que advieram com a modernidade. Porém, pode-se comparar que a maneira pela qual se buscava essa prática na antiguidade era diferente da vista atualmente. Uma perspectiva histórica sobre o uso das drogas poderá contribuir para a melhor compreensão de tais questões.

1.1. Uma breve retomada histórica sobre o consumo de drogas

Acredita-se que o uso de substâncias tóxicas é muito antigo. Na antiguidade como é sabido, não se tinham ferramentas que permitissem o estudo de tais substâncias, então as conclusões e conhecimentos que os antepassados tinham sobre elas eram baseados nas sensações e efeitos que a droga trazia. Era desconhecida sua composição, suas consequências e seu risco de dependência. Para Ribeiro (2009) o uso de drogas constitui-se em uma atividade milenar, exercida como prática cultural, atrelada à questão da religiosidade, onde estas substâncias eram usadas principalmente em rituais de agradecimento aos deuses e divindades.

Em consonância com as ideias anteriores, Bahls e Bahls (2002) destacam, que para explicar o efeito produzido pelas drogas no organismo, os antigos utilizavam mitos e lendas, geralmente de cunho religioso, pois acreditava-se que o uso das substâncias “elevava” a alma do sujeito e o deixava próximo de Deus. Atualmente já é conhecido o potencial alucinógeno que algumas substâncias possuem, podendo modificar assim, as percepções das pessoas que fazem o seu uso, o que possivelmente pode explicar essa crença antiga de “proximidade a Deus”. No

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passado, os mecanismos disponíveis acompanhavam suas necessidades, principalmente no que diz respeito a explicação sobre a origem das coisas. O que fugia dessa ideia de aceitação divina, era o campo da medicina que almejada grandes descobertas científicas.

E como parte integrante do saber médico da época, não se pode deixar de mencionar Freud, criador da teoria psicanalítica, que também se dedicou ao estudo de uma droga específica, a cocaína. Gurfinkel (2008) argumenta que, Freud baseou-se na autoadministração da substância e na obbaseou-servação de pacientes, aos quais tinha recomendado o uso da substância. A partir disso, publicou um estudo intitulado Uber Coca (Sobre a Cocaína) no ano de 1884, e nele prescrevia possíveis usos terapêuticos da substância. O envolvimento pessoal de Freud com o uso da cocaína se devia aos seus anseios de querer fazer uma grande descoberta teórica. Então, Freud quando se depara com a substância alcalóide (cocaína), que na época ainda era pouco conhecida, vai em busca de estudos mais aprofundados e começa seus experimentos, sendo ele mesmo, cobaia para isso.

Na perspectiva de Gurfinkel (2008), Freud sabia a partir de suas experiências, que havia uma irregularidade dos efeitos da cocaína em seus pacientes. Freud prescreveu a um amigo (Fleischl) a droga para tratar o vício em morfina, porém não imaginava o que viria acontecer. Em abril de 1885, Freud testemunhou o horror que a droga fizera com o amigo, que estava utilizando uma quantidade muito acima da recomendada, desenvolvendo sintomas de paranoia, convulsões, insônias, desmaios e comportamentos inadequados, e mais tarde acaba morrendo em virtude do uso abusivo da droga.

Sendo assim, a partir de experiências desastrosas como essa, as drogas se tornaram, e são, até os dias de hoje, motivo de muita preocupação para o campo da psiquiatria, pelo seu potencial de vício e risco de desenvolvimento de um diagnóstico denominado toxicomania. Bahls e Bahls (2002) apresentam que no século XX, ainda no período de experimentação, a cocaína era legalizada no Brasil para comercialização na composição de medicamentos e em forma pura. Dado esse avanço no campo da medicina sobre a problematização do uso inadequado, houve a sua proibição. Historicamente a proibição desta substância se deu inicialmente nos Estados Unidos da América. Seguindo essa lógica norte-americana, o Brasil enfoca o uso da cocaína como preocupante e proíbe sua comercialização. Porém, há um parêntese que deve ser feito, sua proibição não significou sua erradicação. Apesar

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de proibida, seu uso continuou, e continua ativo até os dias de hoje, a única diferença é que agora ela é comercializada de maneira ilícita, e talvez com misturas ainda mais prejudiciais para a saúde, em formas sintéticas.

Para Ribeiro (2009), a questão da comercialização das drogas, sofre influência do capitalismo, pois a geração de lucros que elas ocasionam é grandiosa e movimentam o mercado econômico mundial. Além de ser um produto democrático que pode ser consumido por todas as classes sociais, pelo seu preço e pelo fácil acesso, sendo que as mesmas, fazem-se presentes em diferentes áreas de circulação, ambientes que vão desde favelas aos grandes shoppings.

Baumann (1998) acredita que com as transformações do mundo, proveniente da revolução industrial e da chegada do capitalismo mudou-se a lógica de vida. As relações trabalhistas e as relações com os objetos de consumo passaram a assumir outra perspectiva. Nesse novo cenário, as drogas saem do uso ritual religioso e assumem a lógica da busca pelo prazer, consequentemente aumentando sua dosagem de consumo e ocasionando problematizações de grandes proporções. Tanto que, na atualidade o uso de drogas se tornou um problema de saúde pública que atinge toda a esfera social.

A partir dessa base, Baumann (1998) e Ribeiro (2009) situam as drogas como fonte da economia de mercado, pois elas passaram a assumir um papel dominante na geração de lucros. Traficantes se beneficiam e enriquecem nas custas dos sujeitos usuários, que perdem a noção da realidade e acabam pagando preços exorbitantes para ter a droga, a exemplo disso, algumas vezes, com a própria vida.

Para Baumann (1998), os demônios interiores das sociedades consumistas exercem uma espécie de poder sobre o raciocínio do homem. O objetivo é elevar os sonhos e desejos a partir do consumo demasiado, levando o consumidor a um estado de exaltação, que faça com ele tenha a falsa sensação de que o consumo consegue suprir sua falta existencial. De acordo com o autor, existe um número considerável de homens e mulheres pós-modernos que se aventuram em busca de sensações prazerosas e novas experiências a qualquer custo.

Então, é possível pensar que houve uma mudança bastante drástica na maneira de usar, e de como significar o uso de substâncias tóxicas, praticamente se extinguindo a referência de seu uso aos Deuses. Essa associação do uso da droga com a religiosidade se deve ao simbolismo atribuído a substância no passado. Na atualidade, Bahls e Bahls (2002) situam que foi com as descobertas científicas

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envolvendo os prejuízos advindos das substâncias tóxicas, que essa ligação se desmantelou. Porém, o uso de drogas assumiu outra via, o discurso social do ideal de felicidade, que tem como regra, privilegiar o consumo como prazer, independente do que for o objeto de consumo.

E assim, as drogas passaram de um status divino ao horror, a partir das descobertas sobre sua capacidade de intoxicar o sujeito usuário. As substâncias tóxicas sofreram um declínio, mas provavelmente não na prática de seu uso, mas na forma de como passou a ser visto aquele que praticava. As drogas saíram do contexto de elevação religiosa e espiritual e passaram para a marginalização. Aquele que fazia seu uso era o marginal, o de classe baixa e do subúrbio. Porém, como os estudos de Ribeiro (2009) demonstram, as drogas adquiriram outra condição na atualidade, passaram a fazer parte da economia com a chegada do capitalismo. Sua venda, mesmo que ilícita passou a ser um grande negócio para a geração de lucros. E na mesma linha de pensamento, Baumann (1998) afirma que a droga passou à democracia, sendo um produto utilizado tanto pelo pobre, quanto pelo rico. Hoje, geralmente não se faz mais essa distinção de rotular somente o pobre como usuário ou drogado. Até porque já se sabe que existem questões subjetivas, além das sociais envolvidas na procura pela substância. Questões estas, que serão melhor explicitadas no segundo capítulo deste estudo.

Entretanto, ressalta-se que as substâncias tóxicas não são somente as drogas ilícitas como é o caso da substância utilizada como exemplo, à cocaína. Outro exemplo que pode ser pensado em seu uso histórico, dentre tantas outras, é o álcool, sendo este mantido até os dias atuais como prática cultural, muito usado em festas comemorativas e confraternizações. Nas pesquisas do Centro Brasileiro de informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID, 2003) o uso de bebidas alcoólicas tem seus primeiros indícios de uso aproximadamente 6000 anos a. C. e tornou-se habitual sendo explicado também pela religiosidade e mitologia. Com o passar dos anos, as bebidas alcoólicas sofreram algumas modificações na sua composição. Inicialmente seu processo de produção era somente através da fermentação. Porém, foram se descobrindo outras maneiras, como a destilação, que permitiu originar outros tipos de bebidas alcoólicas, com um teor de álcool ainda mais elevado, cujo conceito da época para essas bebidas destiladas, eram feitos em forma de exaltação: “dissipavam as preocupações mais rapidamente que o vinho e a cerveja, além de

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produzirem um alívio mais eficiente da dor, surgindo, então, a palavra uísque (do gálico usquebaugh, que significa ‘água da vida’) ” (CEBRID, 2003, p. 13).

O álcool é uma droga lícita, ou seja, liberada socialmente para comercialização e proibida conforme a lei 13.106/2015 para indivíduos menores de 18 anos. Contudo, apesar do álcool ser uma droga lícita, não deixa de ser uma droga, pois pode causar danos tão preocupantes quanto os causados pelas drogas ilícitas. A variação está na dosagem de consumo que pode transformar-se em dependência, nesse caso o alcoolismo. A sociedade geralmente não vê grandes problemas em seu uso. Porém, Silveira e Silveira (2018) reportam dados da revista Lancet (2010), que em parceria com um grupo de cientistas, publicou uma pesquisa revelando que os danos provocados pelo álcool nos sujeitos são maiores do que os provocados pelo uso de outras substâncias tóxicas. Um dos danos mais citados nessa pesquisa foram os acidentes de trânsito associados ao consumo excessivo de álcool.

Fonte: Revista Lancenet, 2010.

Certamente o álcool é uma das drogas mais utilizadas na atualidade. Talvez devido sua aceitação social. Contudo, acredita-se que a principal influência para seu uso está no hábito cultural adquirido com o passar dos anos, principalmente dentro das estruturas familiares. Dados recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2016) relevam em pesquisa de senso escolar que o álcool é uma

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das drogas mais consumidas pelos adolescentes entre a faixa etária de 16 a 17 anos. E apontam que 73% dos jovens escolares que participaram da pesquisa fizeram o uso de alguma dose de bebida alcoólica ao menos uma vez. O que impressiona é o alto índice de jovens consumindo essa droga mesmo ela sendo proibida para menores, conforme lei 13.106/ 2015.

É sabido que há penalidades para a venda de bebidas alcoólicas para menores, a lei 13.106 de março de 2015 deixa isso claro e altera a lei do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), 8.069 de Julho de1990 que ganha um acréscimo em seu artigo 243, que enfatiza:

Vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou a adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica: Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave. Art. 2 A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 258-C: “Art. 258-C. Descumprir a proibição estabelecida no inciso II do art. 81: Pena - multa de R$ 3.000,00 (três mil reais) a R$ 10.000,00 (dez mil reais); Medida Administrativa - interdição do estabelecimento comercial até o recolhimento da multa aplicada”. (BRASIL, 2015, p. 01).

Dado o exposto, é possível pensar que o consumo do álcool possui um significado diferente das demais drogas no âmbito social, devido sua maior aceitação e seu alto consumo. E ficam os questionamentos sobre como ocorre o burlar da lei nos casos de consumo e acesso de bebidas alcoólicas para menores. Além da preocupação sobre o risco de dependência que o uso abusivo da substância pode causar.

1.2. Pensando os conceitos de usuário e de dependente de drogas

A diferenciação entre os conceitos de usuário e dependente de drogas aqui exposta, comporta a abordagem de diferentes linhas teóricas. Sendo assim, pode-se antecipar que existem diversas classificações e controvérsias sobre a nomeação dos sujeitos que fazem o uso, a prática ou mesmo dependam da droga como forma de sobrevivência. As palavras, dependente e toxicômano estão sendo utilizadas nessa explanação como sinônimas. O objetivo de se refletir sobre os conceitos de usuário e de dependente, serve para pensar o modo como o sujeito se relaciona com a droga.

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Na concepção de Ribeiro (2011), a psicanálise se interessa e estuda o sujeito que procura e usa a droga como um recurso. E por isso seu entendimento sobre o tipo de uso de drogas e sobre os usuários são tratados de modo singular, diferentemente da medicina psiquiátrica. Vale salientar que a medicina trabalha com a organicidade do sujeito e a psicanálise com a subjetividade e por isso se distingue quanto aos critérios de enquadramento clínico. A psicanálise vai trabalhar com o desejo e o gozo do sujeito em causa, que procura a substância tóxica. A mesma autora aponta ainda, que somente a partir da escuta individual de cada sujeito se é capaz de ter dimensão sobre o seu envolvimento e a relação estabelecida com o objeto-droga e então concluir ou não, se este constitui-se um toxicômano. Outros estudos do âmbito da psicanálise seguem essa mesma linha de discussão:

Diferentes lugares subjetivos são atribuídos às drogas pelos sujeitos aos quais convencionou-se chamar de “usuários de drogas” e pelos “toxicômanos” ou “dependentes químicos”. Lugares esses muitas vezes desconsiderados quando se parte de uma descrição fenomenológica das categorias de “usuários” e “dependentes”. Por isso priorizamos, em relação a essa problemática, a relação dos sujeitos com as drogas, e não somente as categorias nosográficas (TOROSSIAN, 2003, p.62).

Já a visão de Ribeiro (2011) permite compreender que a psicanálise vai trabalhar com o sujeito que se esconde atrás da rotulação da qual ele se apresenta, seja ela qual for, toxicômano ou usuário. O sujeito pode se identificar com o rótulo e muitas vezes se tomar pelo conceito que o discurso social apresenta para aqueles que fazem o uso desse tipo de substâncias. Porém, a psicanálise vai trabalhar com a conflitiva do sujeito, fazendo com que ele próprio se interrogue e se coloque em questão do por que ele usa a droga e porque se apresenta como usuário, pois muitas vezes, a relação do sujeito com a droga não é única e exclusiva. Então, além de drogado, usuário, toxicômano, o que mais, ele é ou pode ser. Frequentemente observa-se os sujeitos se anulando frente à droga, intoxicados inteiramente por ela. Seguindo o conceito da Organização Mundial da Saúde (1999) a toxicomania é um estado de intoxicação, prejudicial ao sujeito toxicômano e a sociedade.

Em 2014, foi lançada a quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), o qual traz definições para o enquadre diagnóstico com critérios que caracterizam os sujeitos sob a forma que fazem o uso das drogas existentes. O transtorno pode ocorrer pelo uso ou pela indução da substância. O manual ateórico contém um capítulo destinado somente a análise de Transtornos

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Relacionados a Substâncias e Transtornos Aditivos. Neste, esses transtornos compreendem dez classes diferentes de drogas que são especificadas no decorrer do manual. São as seguintes:

 álcool;  cafeína;

 gêneros cannabis;

 alucinógenos com categorias distintas e especificações;  hipnóticos ou ansiolíticos;

 inalantes;  opióides;

 estimulantes como a anfetamina, cocaína e outros;  tabaco;

 outras substâncias desconhecidas;

O consumo dessas substâncias em excesso, tem em comum a ativação cerebral da recompensa, fazendo com que se emitam ao cérebro do usuário intensas sensações de prazer. “De modo geral, o diagnóstico de um transtorno por uso de substância baseia-se em um padrão patológico de comportamentos relacionados ao seu uso” (DSM-V, 2014, p. 483). Para fazer o enquadre nosológico o DSM-V segue critérios ateóricos comuns para todos os sujeitos, mais especificamente onze critérios, divididos em quatro grupos.

GRUPO 1 GRUPO 2 GRUPO 3 GRUPO 4

BAIXO CONTROLE PREJUÍZO SOCIAL USO ARRISCADO CRITÉRIOS

FARMACOLÓGIC OS

1- Baixo controle; 5- Uso recorrente,

apesar do fracasso em cumprir obrigações cotidianas; 8- Risco à integridade física; 10- Tolerância, necessidade de doses cada vez maiores; 2- Desejo de redução de uso; 6- Insistência no uso apesar dos prejuízos; 9- Consciência dos problemas físicos e psicológicos recorrentes do uso; 11- Síndrome de abstinência; 3- Tempo gasto para obter a substância; 7- Abandono das atividades sociais;

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4- Fissura,

desejo

incontrolável;

Fonte: (DSM-V, 2014, p. 484).

O DSM-V (2014) se estrutura em categorias como: gravidade, intoxicação, abstinência, duração do efeito das substâncias e demais informações pertinentes. A gravidade geralmente é caracterizada em 3 modalidades. É considerada leve, quando há presença de 2 ou 3 critérios, moderada quanto apresentam-se 4 ou 5 e grave quando existe a presença de 6 ou mais critérios.

Além do Manual DSM-V (2014), é possível encontrar diferentes conceitualizações para o fenômeno denominado toxicomania. A exemplo disso, um dos conceitos mais acessíveis que pode ser encontrado é o disponibilizado no dicionário Aurélio, que entende toxicomania como: “uso habitual e excessivo de substâncias tóxicas de uso terapêutico ou não” (FERREIRA, 2010, p. 747), e considerando compulsão como algo que escapa ao sujeito, e que toxicômano é aquele que apresenta toxicomania. Pode-se concluir, que quando o sujeito chega a esse fenômeno dito toxicomania é como se ele sofresse um apagamento, pois quem fala não é mais ele (sujeito) e sim, a droga que fica na posição de controle, sendo o centro da sua vida.

Na perspectiva de Ferreira (2010), a palavra usuário é caracterizada como aquele que faz o uso ou desfruta de algo por direito. Porém, há questionamentos que ficam com essas definições, pois se assim fosse, poderia se concluir que o usuário possui controle sobre o seu uso e o toxicômano não. Mas esse ponto apresenta controvérsias, partindo da preposição que todo toxicômano já passou pela posição de usuário. No entendimento de Petuco (2018, p. 6) “a expressão usuário de drogas é uma jargão jurídico e policial”. Em outras palavras, é um estigma antigo que era usado para designar jovens infratores e desviantes das regras sociais.

Outra forma de entender a toxicomania é através da ferramenta disponível e muito exigida atualmente, que permite a consulta imediata das características do transtorno, “o número da doença”. A décima edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) apresenta essa possibilidade, conta com uma categorização que pode abranger à toxicomania denominada como: “F19.0 Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias psicoativas” (CID, 2012, p. 66).

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Dessa forma, a droga é determinada pelo discurso da ciência, implicando diretamente no usuário, porém de forma falha, pois a ciência se apropria apenas de um fragmento da realidade desse sujeito e o delimita na sua toxicologia. Para Santiago (2001), a toxicomania encontra-se na discussão da mania junto à compulsividade. E a origem da toxicomania atrelada a estes parâmetros revela a dificuldade da psiquiatria na organização de elementos clínicos próprios para sua classificação (SANTIAGO, 2001).

Sendo assim, é possível perceber que a distinção e a caracterização do termo usuário e toxicômano são difíceis de situar. A teoria não específica de forma clara e objetiva o diagnóstico diferencial do toxicômano e do usuário, os trata de forma generalista, com enquadramentos clínicos comuns, com critérios como tempo de uso e abstinência. Porém, essa análise fica em aberto para um próximo trabalho, pois não é o objetivo primordial desta apresentação sobre os usuários. Ela foi exposta para melhor compreender os fatores abordados no capítulo dois. Que apresenta especificamente hipóteses de implicações psíquicas que podem levar o sujeito a fazer o uso de drogas, independentemente do tipo de droga que ele escolher.

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2. IMPLICAÇÕES ENVOLVIDAS NO CONSUMO DE DROGAS

Este capítulo pretende responder aos principais objetivos do presente trabalho de conclusão de curso. Abrangendo possíveis implicações psíquicas envolvidas no processo de procura pela droga, ou seja, implicações que podem levar o sujeito a fazer uso de drogas e a relação singular que cada sujeito estabelece com a droga. O embasamento teórico escolhido para tal explanação foi a teoria psicanalítica. E o percurso do capítulo transcorre principalmente sobre os textos freudianos na tentativa de elucidar a compreensão de tais questões.

Para tanto, é conhecido que o uso de drogas implica mudanças na vida do sujeito que faz o uso delas. Em alguns casos ocorre a degradação do corpo, a debilitação da saúde e uma relação de perdas que podem acompanhá-las. O sujeito usuário de drogas pode perder a família, o trabalho, os amigos e o convívio social com mais facilidade do que um sujeito não usuário. Santiago (2001) apresenta que o fenômeno da droga só pode ser entendido se for aceita a relação conflituosa do sujeito com sua realidade.

Isto é, os efeitos negativos ocasionados pelo uso abusivo de drogas são conhecidos. Então, ficam os questionamentos do que leva o sujeito a praticar tal ato que pode acabar com sua vida. Assim, pode-se presumir que existem implicações psíquicas envolvidas no processo de procura pela droga. Implicações estas, que são singulares e variam de sujeito para sujeito, considerando as diferentes relações dos sujeitos com a realidade e o contexto social ao qual pertencem, podendo ser este um possível influenciador. Para salientar, destaca-se a citação de Santiago (2001, p.27) “a droga do toxicômano atesta uma profunda subjetivação, já que sua realidade não é captada na manifestação espontânea de um objeto de necessidade, porém na forma de uma escolha forçada”.

A droga é um substituto especial que se coloca na vida do sujeito que está diretamente ligada ao gozo e consequentemente a repetição, tornando assim seu uso sintomático, ocasionando a toxicomania. Em outras palavras, entende-se que a realidade do toxicômano é fragmentada, ele elege a droga como objeto de satisfação que passa a ser um mecanismo de defesa em sua vida, usada não como necessidade, mas como um suporte indispensável para suportar o sofrimento de sua realidade (SANTIAGO, 2001).

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Nesta mesma perspectiva, Freud (1930) já apresentava em O Mal-Estar na Civilização, os impasses que causam sofrimento ao sujeito com relação à realidade civilizatória, onde a renúncia aos instintos e desejos é condição para viver em sociedade. Então, entende-se que para compreender a relação do sujeito com a droga é necessário primeiro conhecer sua relação com a realidade, como exposto acima com a citação de Santiago (2001). Sabe-se que a realidade de cada indivíduo é singular. Porém, Freud apresenta pontos singulares conforme a constituição psíquica do sujeito, que causam mal estar. Freud (1930) expressa que somente a realidade é inimiga e fonte de todo sofrimento, sendo impossível viver feliz sem romper de algum modo a relação com ela. Assim, a maneira pela qual o nosso ego encontra para se livrar do sofrimento interno não pode ser outra, senão achar métodos do exterior, ou seja, da própria realidade para lidar com seus desprazeres.

A partir desta base, Freud (1930) revela que não é possível dispensar as medidas paliativas para suportar o sofrimento advindo da realidade. Situa então, três medidas paliativas possíveis, os derivados poderosos, as satisfações substitutivas e as substâncias tóxicas. Apresenta também os derivados poderosos como uma capacidade que faz os sujeitos extraírem o lado bom da sua desgraça e situa entre os derivados, o trabalho e a atividade psíquica. As satisfações substitutivas diminuem a desgraça e são apresentadas como: ilusões e fantasias que opõem-se a realidade, mas que são eficazes do ponto de vista psíquico. E por fim, as substâncias tóxicas que tornam os sujeitos insensíveis a realidade e ao desprazer que ela proporciona, porque alteram a química corporal.

A impressão é que usuário de drogas sai do mundo social e constrói um mundo individual, onde não existem angústias e desprazeres. Freud (1930) explica essa percepção, pois ele define as substâncias tóxicas como um “amortecedor de preocupações”, concluindo que com o auxílio dessas substâncias o sujeito pode afastar-se da realidade e sair do seu sofrimento. Desta forma, Freud (1930) coloca as substâncias tóxicas como sendo uma das medidas mais oportunas para cessar o sofrimento de imediato, pois como exposto por ele, as substâncias tóxicas têm efeito direto sobre a química do corpo, tornando o corpo insensível a estímulos e a reações desagradáveis que poderiam gerar algum tipo de sofrimento. Assim, é possível entender que as drogas barram o sofrimento do sujeito. E com a alteração da química corporal, o sujeito só poderá receber sensações agradáveis e que produzem bem-estar. Então, pode-se entender que uma das relações que o sujeito estabelece com a

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droga é a de busca pelo prazer e uma real fuga para o seu sofrimento. Freud (1930, p.86) faz uma análise do sofrimento e conclui:

[...] todo sofrimento nada mais é do que sensação; só existe na medida em que o sentimos, e só o sentimos como consequência de certos modos pelos quais nosso organismo está regulado. O mais grosseiro, embora também o mais eficaz, desses métodos de influência é o químico: a intoxicação. Não creio que alguém compreenda inteiramente o seu mecanismo; é fato, porém, que existem substâncias estranhas, as quais, quando presentes no sangue ou nos tecidos, provocam em nós, diretamente, sensações prazerosas, alterando, também, tanto as condições que dirigem nossa sensibilidade, que nos tornamos incapazes de receber impulsos desagradáveis. Os dois efeitos não só ocorrem de modo simultâneo, como parecem estar íntima e mutuamente ligados.

Desse modo, entende-se que o problema não é a droga em si, pois como podemos observar na obra freudiana (1930), as substâncias tóxicas produzem uma sensação prazerosa. De certa forma, as drogas possuem dois lados contraditórios, ao mesmo tempo em que tiram o sofrimento do sujeito, produzindo o bem-estar, ameaçam a sua existência, uma vez que, seu efeito vai acabar e consequentemente o sujeito irá procurar a droga novamente para se livrar do desprazer, tornando-se refém dela. O enfoque proposto por Dan e Guelfi (2017) apresenta que a problematização do uso das drogas está nos seus efeitos, que considerando a adaptação do corpo a substância, a longo prazo o sujeito deverá utilizar a droga em quantias mais elevadas e com diferentes combinações para potencializar o efeito de bem-estar, acabando por se tornar um dependente. Sendo assim, a droga seria um antídoto contra o sofrimento, mas somente enquanto seu efeito estiver na corrente sanguínea.

Partindo da reflexão apresentada, de que o sujeito procura na droga o prazer, questiona-se o que o sujeito quer buscar com tanto prazer, pois este prazer é sacrificante e pode acabar com sua vida. Freud (1930) apresenta que o sujeito quer a felicidade. E complementa que a felicidade deriva da satisfação, porém ele esclarece em sua obra que a felicidade é uma possibilidade circunstancial, delimitada pela constituição neurótica de renúncia ao prazer e aceitação da castração. Já o sofrimento é pertencente a todo sujeito, pois em algum momento da vida passará por uma das três direções que ele aponta como ameaças do sofrimento. A primeira é a decadência do corpo, condenado ao envelhecimento e a finitude. A segunda é o mundo externo que pode se voltar contra nós e nos ferir com suas forças destrutivas. E a terceira e

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aparentemente mais complicada é o sofrimento advindo do relacionamento como os outros homens, ou seja, conviver em sociedade.

Freud (1930) elencou estas três direções de sofrimento que podem ser possíveis causadoras da busca pelas substâncias tóxicas como um recurso, no intuito de extinguir este sofrimento, pois como exposto por Freud (1930) as substâncias tóxicas amortecem as preocupações. Mas seus estudos e desdobramentos sobre o tema “sofrimento” começam muito antes. É possível verificar em sua obra Totem e Tabu (1913-1914), o início da civilização, onde apresenta-se a renúncia das satisfações como parte da constituição do sujeito neurótico e que consequentemente ocasionam sofrimento. Nesta mesma obra, Freud (1913-1914) ainda faz uma alusão ao mito do pai da horda primitiva, baseado nas construções de Darwin na tentativa de elucidar o início de toda civilização e apresentar o sofrimento que acompanha este processo, que pode ser influenciador para que o sujeito procure a droga.

O mito do pai da horda primitiva apresenta o convívio de um grupo familiar dos primeiros tempos. Tempo este, onde não existiam regras e moralidade, apenas se tinha material para a subsistência. Melhor dizendo, o mito apresenta um sistema patriarcal, comandado pelo pai, sendo ele a figura soberana dentro da horda. No mito, o pai é o detentor de todas as mulheres, compreendendo-as como fonte para a realização de suas satisfações sexuais. O pai da horda tinha filhos homens e esses eram vistos por ele como um rival, então na medida em que os filhos machos cresciam o pai já os expulsava da tribo, para garantir sua exclusividade nas relações sexuais com as mulheres (FREUD, 1913-1914).

Freud (1913-1914) apresenta que os filhos homens se unem, voltam à tribo e matam o pai como forma de vingança. E para comemorar o ato que traria finalmente a libertação de suas pulsões sexuais, devoraram o pai em um banquete totêmico, colocando fim a horda patriarcal. Porém o que parecia ter posto um fim nos problemas dos irmãos era apenas um novo começo. No entendimento de Freud (1913-1914), os irmãos sentiam pelo pai uma ambivalência de sentimentos, pois ao mesmo tempo em que os filhos odiavam o pai por impedir a realização de seus desejos sexuais, o admiravam e por isso cometeram o ato criminoso para se identificarem com ele. Porém, o pai morto adquiriu ainda mais força do que quando era vivo. Os filhos sentiram uma grande culpa por terem o matado e decidiu-se então, abrir mão da reivindicação as mulheres para o bem de todos, para que o ato não voltasse a se repetir. Dessa forma, o pai mesmo morto impôs a autoridade da privação e a renúncia

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das satisfações sexuais. A saída dos irmãos foi a organização social, criaram-se regras para a horda se manter unida (FREUD, 1913-1914).

Com base no mito do pai da horda primitiva, pode-se concluir que a civilização se iniciou a partir de um ato de agressividade e que as renúncias das satisfações sexuais permitiram a criação dos principais tabus sociais, o tabu da proibição do incesto, o tabu dos inimigos e o tabu dos mortos. E assim, difundiram-se as leis sociais e as regras morais, as quais pertencem a atual civilização (FREUD, 1913-1914). Então, é possível compreender que o sujeito sofre desde os tempos primordiais, onde teve que pagar com a renúncia do seu próprio prazer para a criação da civilização, ou seja, o sentimento da falta acompanha a humanização do sujeito. Sendo possível pensar a procura pelas drogas, como uma forma de mecanismo de defesa para suprir sua falta constituinte, colocando as drogas no lugar de preenchimento deste vazio.

A obra freudiana permite ainda compreender como essa renúncia das satisfações acompanha a nossa constituição enquanto sujeito. A apresentação abordada compreende especificamente os estudos da estrutura do tipo neurótica. Sendo está estrutura a qual a proposta de trabalho é entrelaçar sua constituição com a procura das substâncias tóxicas. Julga-se importante fazer uma breve explanação do complexo de Édipo para associar ao recém exposto caso do mito do pai da horda primitiva na tentativa de facilitar a compreensão da renúncia das satisfações sexuais que ocorrem na constituição do sujeito neurótico, ou seja, dito “normal”.

Freud (1923) apresenta o complexo de Édipo como uma fase que ocorre no desenvolvimento da criança. Fase onde os pais são os primeiros objetos de amor dos filhos. O exemplo mais explicativo desta fase que Freud (1923) situa é a passagem do menino pelo complexo de Édipo, onde ocorre uma catexia objetal desenvolvida pela mãe, advinda da satisfação do seio materno. O menino então passa a sentir desejos sexuais pela mãe e desenvolve pelo pai uma rivalidade, percebendo o pai como um impedimento para a realização do seu desejo com a mãe. A relação com o pai passa a ser rodeada de sentimentos ambivalentes, pois se identifica com ele, porém quer que ele morra para que seu desejo possa se realizar. O exemplo apresentado por Freud (1923) permite a constatação da semelhança da constituição neurótica com a constituição da civilização. O pai é autoridade e barra o desejo incestuoso pela mãe, fazendo com que o sujeito necessariamente aceite sua condição faltante, implicando na renúncia do desejo sexual, como forma de garantir sua constituição psíquica (FREUD, 1923).

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Esta explanação do mito do pai da horda primitiva e do complexo de Édipo permitem uma reflexão enquanto o papel da função paterna como figura participante na constituição do sujeito. Já que o pai chega na relação para barrar o desejo e fazer com que o sujeito internalize as regras impostas pela sociedade, pode-se pensar que um posicionamento falho por parte dessa função permita a realização dos desejos do sujeito por outra via, como o burlar das leis a partir do envolvimento com o uso e o tráfico de substâncias tóxicas, por exemplo. Assim, o sujeito usuário de drogas faz do seu uso, uma forma de cortar relação com a realidade que barrou o seu desejo e lhe ocasionou sofrimento. E permite ainda, a satisfação por meio da substituição da realização do desejo pelo prazer advindo do uso de drogas, constituindo-se também em uma forma de enfrentamento a função paterna que não executou sua função suficientemente bem. A função paterna faz com que o sujeito aceite a sua castração, através da imposição dos limites e da autoridade, por isso ele se constitui neurótico. Porém pode-se pensar que neste sujeito que a autoridade do pai se internalizou de forma falha, poderá haver uma tentativa de compensar sua falta em objetos que lhe tragam prazer, como acontece na relação com as drogas.

Seguindo com os estudos freudianos (1923) para melhor compreender a função paterna como influenciadora na procura pelas substâncias tóxicas, o autor defende o posicionamento que temos três instâncias psíquicas, o Id, o Ego e o Superego, sendo este último apontado por ele, como herdeiro do complexo de Édipo. O Id é a instância onde estão os impulsos, os instintos e os desejos inconscientes. Freud (1923) apresenta que nesta instância a moralidade real não opera. A partir disso, pode-se pensar que a entrada no complexo de Édipo se explique pela imaturação das demais instâncias, assim o Id permite fantasiar que é possível a realização do seu desejo incestuoso. Já a instância do ego é apresentada por Freud (1923) como controladora das descargas pulsionais que estão no Id, ou seja, o ego controla e supervisiona aquilo que passa do inconsciente para a consciência e para o mundo externo. A instância do superego é onde ocorre a internalização da lei, sendo essa, deixada pelo pai, com efeito, o superego é a instância reguladora dos nossos atos. E assim, é possível compreender o envolvimento da função paterna como participante ativa ou não na procura do sujeito pela substância tóxica como um recurso, pois é o pai que instaura lei e barra o gozo, caso sua função simbólica não seja internalizada suficientemente o sujeito fica vulnerável a andar fora da lei. E considerando que algumas drogas são proibidas, o sujeito que faz o uso delas está infringindo a lei.

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A partir de então, Freud (1923) revela que após o pai barrar o desejo impossível, ocorre a entrada da criança na fase de latência, que possivelmente transformará a libido do objeto em libido narcísica, resultando em uma espécie de dessexualização temporária. Ou seja, ocorrerá a sublimação desse amor, que será resolvido e projetado a outro objeto somente na adolescência. Porém, Freud (1923) ressalta que nem toda sublimação da transformação da libido do objeto em libido narcísica que se origina na dissolução do complexo de Édipo passa necessariamente pela instância do ego, que é o mediador das nossas condutas. Assim, o pressuposto da obra freudiana nos possibilita pensar que essa sublimação pode ser mediada por uma instância não repressora, como o id, onde não aparece à marca da lei, como causa da insuficiência da função paterna. Junto a essa probabilidade situa-se que o sujeito toxicômano pode apresentar essa diferença na sua constituição, pois geralmente as drogas que esse sujeito procura ou faz uso são as drogas consideradas ilícitas.

Desta forma, é possível compreender o quão complexa é a questão da renúncia dos desejos sexuais e a importância da função paterna enquanto internalizante da lei simbólica, pois, desde muito pequenos, as crianças já estão fadadas a tentativa da busca pelo prazer para sua satisfação e necessita-se de um freio que opere castrando esse desejo. E, como explicado por Freud (1930) a felicidade que o sujeito procura deriva da satisfação, porém o sujeito precisa entender que ela é uma possibilidade circunstancial, delimitada pela falta constituinte. Porém, se fosse fácil o sujeito compreender essa questão, poderia-se pensar que não haveriam sujeitos dependentes de drogas. Apenas usariam as drogas como um refúgio, como uma medida paliativa da realidade, com a compreensão que o uso delas cotidianamente e em período prolongado só acarretaria mais sofrimento.

No entendimento de Freud (1920) em Além do princípio do prazer, a mente possui o princípio do prazer e o princípio de realidade. E nossos instintos possuem uma tendência no sentido do princípio do prazer, que deriva da instância do Id. O princípio do prazer responde então, aos instintos e pulsões e por isso, pode ser perigoso e ameaçador ao mundo externo. O Ego, como já foi exposto, controla e media as condutas e é por meio dele que ocorre a substituição do princípio de prazer pelo princípio de realidade. Na tentativa de elucidar seu pensamento Freud (1920) exemplifica a teoria dos princípios com a brincadeira infantil do ford-da, jogo que corresponde a presença e a ausência da função materna.

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Na brincadeira a criança joga um objeto de modo que ele fique fora do alcance de seus olhos e faz com que ele volte a aparecer. Nas observações de Freud, o jogo é uma encenação da renúncia instintual da mãe, que é necessária, então seria o princípio de realidade e fazer o objeto reaparecer seria uma compensação, ou seja, correspondente do princípio do prazer. O autor conclui que a criança se vinga da mãe no jogo, pois arremessar o objeto seria em sua interpretação mandar a mãe embora e o reaparecimento seria a mãe voltando e consequentemente produzindo prazer a criança, fazendo com que ela repita diversas vezes a brincadeira na busca do princípio do prazer.

Assim, entende-se que é a busca pelo princípio de prazer que leva a compulsão a repetição, como ocorre na brincadeira do fort-da. Pode-se refletir que o sujeito usuário de drogas ao invés de substituir o princípio do prazer, renunciando aos seus instintos, pelo princípio da realidade que talvez lhe traria menos danos, ele faz o movimento contrário. Troca o princípio de realidade que pode estar lhe causando sofrimento pelo princípio do prazer, que causa a repetição do ato, como uma ilusão que leva o sujeito em direção da felicidade plena, impossível como já mencionado acima. É possível pensar que essa inversão dos princípios da organização do aparelho psíquico que leva o usuário de drogas a se tornar um dependente.

Na visão de Santiago (2001, p. 26) “a realidade, a partir de Freud, é, sem nenhum equívoco, a resultante de um processo de sucessão temporal que começa com o prazer”. Ou seja, a obra freudiana possibilita pensar o uso da droga como a busca em reviver a primeira vivência de satisfação, além do já mencionado alívio do sofrimento. No prazer advindo do seio materno, logo no início da vida encontramos a experiência da satisfação plena. Mas, após essa vivência, a satisfação plena não existe mais, não podemos alcançá-la novamente, nem mesmo pelos meios ilegais a nossa saúde. Sendo assim, sujeitos neuróticos vão conviver sempre com a falta e com a frustração da castração. Mas Freud (1920, p.52) apresenta que “o instinto reprimido nunca deixa de esforçar-se em busca da satisfação completa, que consistiria na repetição de uma experiência primária de satisfação”. Assim entende-se que, a satisfação plena é impossível porque não podemos regressar a essa primeira experiência. Porém a impressão é que a droga parece buscar essa satisfação plena, mas nem ela consegue alcançar, pois como já exposto, os efeitos ocasionados pelas drogas são geralmente acompanhados de uma subsequência de perdas. E se a

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satisfação fosse plena, a existência de tratamentos e reabilitações seria desnecessária para o usuário e dependente de drogas.

No entendimento de Melman (1992, p. 66) “as toxicomanias são um sintoma social”. Pressupõe-se que a toxicomania está inscrita no discurso social de forma implícita, por isso pode-se considerá-la como um sintoma social. O autor ainda complementa que a mensagem velada que a toxicomania apresenta já foi dita e nada mais é do que a premissa freudiana, que a civilização causa mal-estar. Ou seja, o toxicômano apenas quer remediar este mal-estar. Porém a sociedade repudia os toxicômanos e isso é uma atitude normal, pois o que é um sintoma social também é um sintoma ameaçador.

A estrutura neurótica é induzida a corresponder as leis e aos limites sociais. Já a estrutura perversa não tem essa mesma cobrança, então Melman (1992) enfatiza que a perversão é um desejo para o neurótico. Um desejo que pode ser realizado, diferentemente do desejo primitivo da satisfação sexual. É por meio das substâncias tóxicas que o sujeito neurótico consegue burlar os limites do gozo. Com efeito, as drogas permitem que ele obtenha uma forma de satisfação mais intensa, se aproximando da estruturação perversa, mesmo sendo uma afronta a sua estrutura neurótica. Na mesma linha de pensamento freudiano, o autor apresenta que o sujeito busca nas drogas a abolição da existência, mesmo que de maneira momentânea. Assim como Freud (1930) já tinha concluído que o recurso ao tóxico é uma saída para o sofrimento, Melman (1992, p. 74) apresenta desta forma:

[...] o toxicômano drogado goza de sua própria morte; vai assim, vai ao fim do que é o gozo de seu próprio excremento. Se para o toxicômano, o princípio de prazer é assegurado por sua droga, o que faz gozo para ele é justamente –como foi observado em várias exposições- o momento de falta, gozo atroz.

Em outras palavras, a droga possibilita ao toxicômano um novo encontro com o gozo que necessitou ser renunciado em outro tempo. Melman (1992) situa que o discurso social põe em vista o gozo, pois na atualidade é o gozo que comanda o sujeito, cada um encontra em um gozo, um ganho. E com o toxicômano não é diferente, a sua droga assegura seu gozo. Bauman (1998) apresenta essa mesma lógica a partir do Mal-estar da pós-modernidade. Para ele, a atualidade possibilitou o encontro do gozo a qualquer preço e isso ocasionou a exclusão de classes, ou seja, o gozo tem preço e só o têm quem pôde pagar. Uma analogia que pode-se pensar, é

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que o rico que tem condições de pagar goza e o pobre que não têm, está excluído do direito ao gozo.

Bauman (1998) expressa em sua obra, que a sociedade consumista trouxe o individualismo, pois antigamente no processo produtivo as ações eram conjuntas. Já no consumismo o processo é inverso, os consumidores estão de um lado e os produtores de outro e essas oposições produzem confrontos. Assim, as problemáticas cada vez mais em voga são resultantes do interior da sociedade, ou seja, as implicações que podem levar o sujeito a procurar as drogas não são somente psíquicas, já que o contexto social também gera sofrimento e distinções. Um exemplo que o autor apresenta como preocupante e produto da sociedade é a criminalidade, que não deixa escolha para a classe menos favorecida, a não ser, tirar daquele que têm, para ter. Bauman explica que a sedução exercida pelo mercado consumidor encima do sujeito é alienadora. Pois os impulsos sedutores do consumismo são mandados para todos indiscriminadamente, ou seja, iguala o que já separou. Vale ressaltar o que Bauman (1998, p.55-56) situa sobre a questão da necessidade do consumo:

Os que não podem agir em conformidade com os desejos induzidos dessa forma são diariamente regalados com o deslumbrante espetáculo dos que podem fazê-lo. O consumo abundante é- lhes dito e mostrado, é a marca do sucesso e a estrada que conduz diretamente ao aplauso público e à fama. Eles também aprendem que possuir e consumir determinados objetos, e adotar certos estilos de vida, é a condição necessária para a felicidade, talvez até para a dignidade humana.

Desta forma, pode-se compreender como a sociedade consumista aliena os seus integrantes. Pois realmente, os impulsos sedutores que a lógica de consumismo nos apresenta não permitem que haja raciocínio no momento do consumo. Visto que, é fácil pensar que na sociedade capitalista sempre vai haver objetos novos para serem consumidos e assim os sujeitos nunca vão atingir a felicidade ilusória que o consumismo tanto prega. Uma vez que, a felicidade é momentânea e impossível de se realizar em todos os momentos da vida real.

Portanto, pelas leituras feitas a partir da teoria psicanalítica, pode-se concluir que fatores como, constituição psíquica, estrutura familiar e contexto social podem estar relacionados com a procura do sujeito pelas drogas, fazendo-se necessária uma análise singular de caso a caso de cada sujeito especificamente, pois cada um tem

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uma maneira de suportar o sofrimento advindo da realidade. Acredita-se que uma das implicações psíquicas mais prováveis que está associada na maioria das relações dos sujeitos com as drogas é a falta constituinte dos sujeitos neuróticos, pois como apresentada, a falta causa grande sofrimento e é similar para todos os sujeitos pertencentes a essa estrutura. E assim como a procura pelas drogas pode ter mais de uma explicação, a saída também compreende o mesmo caso. Talvez a isso, deve-se a existência de diferentes tratamentos de combate ao consumo de drogas e de cuidados aos usuários pois o que faz efeito para um sujeito pode não fazer para o outro. Bem como, os sujeitos neuróticos, apesar de todos disporem da falta, nem todos a suportam da mesma maneira. Dado o exposto, julga-se de grande importância a apresentação de alguns tipos de tratamentos existentes na atualidade para o sujeito usuário de drogas.

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3. O CUIDADO COM SUJEITOS USUÁRIOS DE DROGAS

Este capítulo aborda reflexões sobre o cuidado com sujeitos usuários de drogas e alguns tratamentos disponibilizados na rede pública de saúde. Para tanto, apresenta a modificação do modelo psiquiátrico para o modelo assistencial de integralidade ao sujeito, em saúde mental e o olhar psicanalítico sobre os cuidados com esses sujeitos. Ademais, utiliza-se para a apresentação a estratégia de Redução de Danos, a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e o Projeto Terapêutico Singular (PTS) para compreender o atual cuidado com sujeitos usuários de drogas na rede pública de saúde.

Atualmente existem diferentes tipos de tratamentos para usuários de drogas. Cada intervenção tem sua singularidade, olhando o sujeito em uma perspectiva diferente, podendo ser a partir de diferentes áreas profissionais. Para melhor compreender essa questão, que influencia diretamente em uma mudança de vida do usuário e da família, algumas possibilidades de tratamentos serão expostas. Priorizando as políticas públicas que oportunizam o trabalho em rede, disponibilizando um conjunto de profissionais para o atendimento e acompanhamento do usuário em tratamento. Na concepção de Moraes (2008) na atualidade, é justamente na rede pública que concentram-se a maioria dos serviços destinados a usuários de drogas e demais problemas relacionados ao seu uso.

No entendimento de Kinoshita (2014) a diversidade na área de intervenções para usuários de drogas é relativamente recente. Antigamente o tratamento era baseado na institucionalização em hospitais psiquiátricos. A mudança começou com a Reforma Psiquiátrica ocorrida no Brasil no fim da década de 1970 e se firmou perante a instituição da lei nº 10.216 de 06 de Abril de 2001. A lei dispõe sobre os direitos das pessoas com transtornos mentais e muda o modelo assistencial atuante sobre saúde mental (BRASIL, 2001).

Kinoshita (2014) traz a concepção de que o Brasil está ainda em momento de transição no que se refere à tipificação de tratamentos a saúde mental e transtornos relacionados ao uso de substâncias. O antigo modelo com ênfase em internações psiquiátricas está cedendo lugar ao cuidado baseado na singularidade do sujeito e centrado na comunidade do usuário. Assim, para a recuperação do sujeito não é necessária sua destituição social.

Referências

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