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Ação governamental e setor informal

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Academic year: 2021

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informal: formalização disfarçada?

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ireS Resumo

O texto objetiva compreender o trabalho informal e o apoio governamental na percepção de envolvidos, questionando se essa política incentiva a formalização. Por meio de pesquisa documental e entrevistas semiestruturadas, conclui que, atualmente, “economia informal” é a expressão mais apropriada que “setor informal” para designar as atividades analisadas.

Palavras-chave: Setor

Informal; Economia Informal; Trabalhador Autônomo; Centro do Trabalhador Autônomo (CTA); Políticas Públicas.

Government action and

informal sector: disguised

formalization?

Abstract

The text seeks to understand the informal labour and the Government support, according to the perception of people involved, questioning whether this policy is a way to encourage formalization. By means of a documentary research and semi-structured interviews, its results show that “informal economy” is, currently, a term more appropriate than “informal sector” to designate the activities analyzed. keywords: Informal Sector; Informal Economy; Autonomous Workers; Autonomous Workers’ Center (CTA); Public Policies.

João bosco F. Dos santos Economista e professor do Mestrado Acadêmico de Políticas Públicas e Sociedade (MAPPS) da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Júnior MacaMbira Analista de Mercado de Trabalho do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho.

inácio José bEssa PirEs Professor de economia da Universidade de Fortaleza (Unifor).

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1 InTRODUÇÃO

Fortaleza, como a maioria dos centros urbanos brasileiros, conta com expressivo contingente de trabalhadores que, por motivos diversos, desenvolvem atividades no âmbito da econo-mia informal. As variadas ocupações de múltiplas especificidades dificultam a definição do que é efetivamente trabalho informal e, consequentemente, tornam problemática a formulação de políti-cas específipolíti-cas para esses trabalhadores. Entre as experiências de apoio aos trabalhadores informais, está a criação do Centro do Trabalhador Autônomo de Fortaleza (CTA), iniciativa do Sistema Nacional de Emprego (SINE), hoje executada pelo Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT).1

Segundo o IDT, o denominado setor informal, além de incorpo-rar só em Fortaleza mais da metade da população ocupada (52,55% em 2010), vive rápida transformação na sua composição inter-na. As mudanças qualitativas desse “circuito inferior” (SANTOS, 2004) da economia urbana na virada do século XXI aumentaram o número de pessoas que passaram a ganhar a vida como prestado-ras de serviços autônomos.

Atento a essa realidade, o CTA, vinculado ao Sistema Nacional de Emprego, iniciou suas atividades, em 1981, buscando atin-gir ampla faixa do mercado de trabalho informal de Fortaleza. Nesta ótica, incentivou e organizou trabalhadores que desenvol-vem atividades informais, prestando serviços de modo autônomo como única opção de geração de renda para a própria sobrevi-vência. Este Centro pretende organizar e estimular a demanda por serviços prestados informalmente através de uma central de atendimento, facilitando a intermediação desses profissionais com pessoas domiciliadas na capital e empresas interessadas em contratar diaristas, sem ônus para contratantes e contratados.

Em 2010, o CTA detinha um cadastro com mais de 10.500 usuá-rios que demandam os serviços desses profissionais e contava

1 Instituição de direito privado, sem fins lucrativos, qualificada pelo governo do Estado do Ceará como Organização Social, através do Decreto nº 25.019, de 3/7/98, que se tornou apta a executar políticas públicas nas áreas do trabalho e empreendedorismo.

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com cerca de 1.800 trabalhadores autônomos, além do contingen-te que presta serviços incontingen-termicontingen-tencontingen-temencontingen-te a partir da primeira incontingen-ter- inter-mediação estabelecida entre usuário e trabalhador cadastrado, o qual passa a atender o cliente sem o vínculo com o CTA.

A dinâmica de funcionamento do CTA há trinta anos instiga--nos a refletir a modalidade de informalidade em que esses profis-sionais podem se enquadrar. Que elementos seriam levados em conta para justificar a permanência de muitos trabalhadores em uma ocupação considerada de baixa remuneração, como a de diarista? Seriam realmente autônomos esses trabalhadores do CTA? Em que medida o Estado permanece apoiando a economia informal na perspectiva de torná-la formal? Que sentidos os traba-lhadores informais atribuem a essa atividade? Nessa perspectiva, temos a intenção de tecer uma reflexão dessa política de apoio ao setor informal com base na experiência do CTA, que promove apoio à informalidade de modo peculiar e que nos impulsiona a discuti-la como política pública.

Este texto tem como fonte uma pesquisa realizada em 2011 cujo objetivo foi analisar os efeitos da construção/reconstrução do

modus vivendi do trabalhador autônomo, cadastrado no Centro do

Trabalhador Autônomo, no intuito de compreender a trajetória de vida e as transformações socioeconômicas, culturais e psicosso-ciais ocorridas no contexto da família e da subjetividade do traba-lhador. Com essa pesquisa, apresentamos como recorte analítico a reflexão de um dos aspectos identificados, qual seja: o significado da informalidade para o Estado e para esses trabalhadores assisti-dos por um programa de governo cujas especificidades incitam ao debate sobre a noção de trabalho informal, no referente ao ponto de vista do Estado que, apesar de reconhecer a importância dessa atividade, institui programa de apoio com características e trata-mentos semelhantes àqueles dados aos trabalhadores considera-dos formais.

2 PROCEDIMEnTO METODOLóGICO

A pesquisa de Alves et al. (2011) intitulada O trabalho

autôno-mo coautôno-mo provedor de identidade social e sustento familiar: estudo

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responsabilidade do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho, da qual participamos, serviu de campo empírico para a formatação deste ensaio.

A pesquisa constou de procedimento quantiqualitativo. Na abordagem quantitativa, pretendemos conhecer o perfil e reunir dados sobre a realidade do trabalhador autônomo do CTA. A formação empírica desse procedimento foi constituída com base nos registros constantes no cadastro do Centro do Trabalhador Autônomo. Em 2010, a população-alvo compunha-se de 1.852 trabalhadores distribuídos em várias categorias ocupacionais. Aplicando a esse universo um erro de amostragem de 5% e um nível de significância de 5%, estimamos uma amostra de 271 ques-tionários, ou seja, de cada 100 trabalhadores, aproximadamente 14 foram selecionados aleatoriamente para serem entrevistados no CTA ou em suas residências.

O procedimento qualitativo constou de um estudo de caso, cujas ferramentas metodológicas foram a observação direta e entrevistas individuais semiestruturadas, gravadas e, posterior-mente, transcritas por meio de roteiro, que abrangeu aspectos subjetivos relacionados à vida, aos trabalhos efetuados e às pers-pectivas anteriores e posteriores ao CTA. Resgatamos neste artigo principalmente os depoimentos que estão associados à discus-são sobre o trabalho informal. Na verdade, essas conversas com

finalidade (MINAYO, 1992), realizadas com os trabalhadores, e a

observação do processo de intermediação do CTA, subsidiadas pelos resultados dos questionários, buscam melhor compreender a dinâmica do trabalho autônomo, com base nos próprios traba-lhadores, num cenário de uma política governamental que embora os apoie, ao mesmo tempo, atua com ações que, de fato, preparam esses autônomos para serem futuros empregadores ou migrarem para a economia formal.

3 AS COnCEPÇõES DE InFORMALIDADE

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) cunhou a expressão informalidade do mercado de trabalho, no âmbito do Programa Mundial de Emprego, no início dos anos 1970, mais precisamente em 1972. Segundo a Organização anuncia, com

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base relatório sobre a realidade do Quênia, na África, a despei-to da industrialização, poderiam ser encontradas atividades que nem eram tradicionais, tampouco, modernas. Nessa perspecti-va, foram denominadas atividades informais aquelas que têm por características:

[...] (a) propriedade familiar do empreendimento; (b) origem e aporte próprio dos recursos; (c) pequena escala de produção; (d) facilidade de ingresso; (e) uso intensivo do fator trabalho e de tecnologia adaptada; (f) aquisição das qualificações profis-sionais à parte do sistema escolar de ensino; e (g) participação em mercados competitivos e não regulamentados pelo Estado (OIT, 1972).

Conforme Jackson (2011), o Programa Regional de Emprego para a América Latina e Caribe (PREALC) considera toda ativida-de assalariada (formalmente registrada ou não) inclusa no setor formal, enquanto as atividades autogeridas (formalmente registra-das ou não) eram parte do setor informal. Essa era a perspectiva inicial e dual de informalidade compreendida como toda atividade que não fosse formal.

Embora o pioneirismo da OIT em nomear uma realidade que já não era novidade no mundo produtivo tenha sido um marco na discussão do setor informal, consoante percebemos, não se obte-ve, até hoje, consenso do significado de informal. Tal realidade é natural em face das diversidades culturais, históricas e econômi-cas dos países. Na verdade, as mudanças no mundo, em todos os âmbitos, são surpreendentes e muitas vezes irreversíveis. Desse modo, pensar o trabalho informal já não mais se resume à concep-ção dual. A cada dia se atribuem novas tipologias de informali-dade e, mesmo na tentativa de renomeá-las, não se chega a um acordo sobre o significado de informalidade, como apontam hoje alguns estudiosos, sobretudo porque o processo social é dinâmico e instiga a constante revisão/adaptação de conceitos e categorias sobre a realidade. De fato, o trabalho no Brasil também faz parte do modelo “ornitorrinco”, “sem forma”, parafraseando Oliveira (1972), e no caso da economia informal são tênues as fronteiras entre o formal e o informal. Diante disso, emprestamos de Telles (2009, p. 156), o termo “fronteiras borradas entre o formal e o ilegal” para caracterizar o informal em suas diferentes concepções muitas vezes paradoxais.

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Afinal, que sentidos são demarcadores dessa categoria teórico--ocupacional, para não usar o termo setor, pois, na nossa ótica, na contemporaneidade, esse vocábulo vem se tornando cada vez mais insuficiente para nomear esse modo de produzir, em espe-cial porque a ideia de setor pressupõe um fragmento que, junto a outros fragmentos (setores), resulta no todo. Logo, preferi-mos economia informal a setor informal. Este termo, mesmo não resolvendo o dilema exposto, ameniza a concepção de informal contrário de formal.

Segundo o economista inglês Alfred Marshall (1982), a econo-mia examina aquela parte da ação individual e social relaciona-da, de forma integral, à obtenção e ao uso dos requisitos mate-riais do bem-estar, enquanto Robbins (1932) complementa com a asserção de que é a ciência que estuda o comportamento humano como uma relação entre fins e meios escassos que têm uso alter-nativo. Ora, a economia informal se harmoniza melhor às formu-lações desses autores, aproximando, a nosso ver, a situação plural do trabalho informal.

Santos (2004) propõe uma discussão interessante para esse fenômeno da economia, apresentando a reflexão de dois circui-tos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. Para tal, o autor divide o espaço urbano em: a) “circuito superior”, o qual engloba as atividades econômicas, ditas “modernas”, voltadas para a acumulação de capital, como os grandes conglomerados orientados pela economia global; a incorporação da tecnologia de ponta emprega trabalhadores com nível de escolarização/ qualificação mais elevado; e as atividades de comércio voltam--se para segmentos das classes média e alta; b) “circuito inferior”, que orienta suas atividades para a população e economia locais; o trabalho intensivo utiliza-se da tecnologia pouco sofisticada; os vínculos de trabalho são precários em termos de proteção social; e a atividade comercial dirige-se, principalmente, para as camadas médias e populares, visando garantir a sobrevivência.

Esses dois circuitos não são fragmentados, mas interconecta-dos, em simbiose, como diz Oliveira (1972). Essa seria uma visão importante para se pensar a economia como cenário desses dois circuitos onde transitam trabalhos formais e informais. Adotamos

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aqui economia informal como a ação individual e social destina-da à obtenção de bem-estar para a sobrevivência de quem está fora do trabalho regulamentado. Entretanto, outras denominações são atribuídas à atividade informal, como: desemprego disfarçado, subemprego, atividade clandestina, ilícita, não estruturada, etc.

As subdivisões da informalidade são discutidas amplamente na literatura. Embora se encontrem estas subdivisões na maioria dos textos, três concepções estão entre as mais comuns desde sua denominação pela OIT: informal, contrário de formal; infor-mal como atividade marginal, subterrânea, e inforinfor-mal como ativi-dade não fordista (FILGUEIRAS; DRUCK; AMARAL, 2004).

Na primeira concepção, o setor informal é considerado resul-tante de um aumento do crescimento demográfico que provocou migração rural versus urbano e que, na busca por inserção no mundo do trabalho formal, não encontrou oportunidade e subme-teu-se a atividades pouco remuneradas, sem proteção social e trabalhista; logo, fora do setor formal da economia. Nesse senti-do, o setor informal tem uma relação dual com o formal; logo, a diminuição de um resultaria no aumento de outro, porém, como já foi visto historicamente, isso não ocorreu. As ações do Estado tendem a caminhar na perspectiva de aumento da formalização dos informais como solução para a crise do mercado de trabalho.

Outra concepção está mais voltada a entender o setor informal como atividade capitalista, realizada de forma não regulamen-tada, ilegal e ilícita (muitas vezes), num contexto de economia subterrânea ou não registrada (FILGUEIRAS; DRUCK; AMARAL, 2004). Essa concepção ainda pode ser divisada amplamente no mundo do trabalho mediante especificidades contemporâne-as que merecem aprofundamento por algumcontemporâne-as razões: primei-ro, ultrapassa a noção de setor para ir sendo ressignificada, em sentido mais amplo, de economia informal e não somente de um setor; segundo, não é mais característica predominante de países subdesenvolvidos ou de Terceiro Mundo; terceiro, não necessariamente possui só características do modelo tradicional de produção; quarto, as atividades informais não existem por ser alternativa da população desempregada, cuja oportunidade de

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emprego formal lhe foi negada, mas por terem sido opção pessoal de sobrevivência; e por último, a autonomia do trabalhador infor-mal nem sempre é constatada na prática.

A terceira abordagem conceitual de informalidade confirma mais a ideia de economia do que a de setor informal, porquan-to a atividade é ressignificada como não fordista (JAKOBSEN; DOMBROWSKI; MARTINS, 2000), na qual se destacam relações de trabalho “não registradas, mesmo que tipicamente capitalistas”. Assim, as ocupações informais se confundem com as formais, como se o propósito fosse não incentivar represálias e fiscaliza-ções do Estado, ao mesmo tempo em que contribuem para práti-cas flexíveis de produção em nome da informalidade.

No Brasil, o disfarce de trabalhadores informais inseridos no setor formal, mas sem garantias, foi um marco da guerra fiscal e dos processos de terceirização e quarteirização iniciados nos anos 1990. Na definição de Filgueiras, Druck e Amaral (2004, p. 21), a “nova informalidade” se caracteriza pela presença de novos trabalhadores informais nas velhas e novas atividades articuladas ou não com os processos produtivos formais, ou nas atividades tradicionais da “velha informalidade” que são por eles redefinidas.

Desse modo, o Estado tende a coibir ações não regulamenta-das, ilegais e ilícitas, porém, na tentativa de impedi-las, muitas vezes acaba incentivando a regulamentação de formalidade precarizada, notadamente quando esse trabalho é importante para a economia local. Concordamos com Lima e Soares (2002), ao questionarem se essa nova informalidade não seria sinônimo de flexibilidade dos novos tempos, tendo como marca principal o caráter definitivo e não mais transitório, como num passado recente, mas um transitório permanente nessas cidades bazar (RUGGIERO; SOUTH, 1997).

Conforme Malaguti (2000, p. 62-63), “o trabalho por conta própria e a pequena empresa tornam-se o “sonho” (refúgio da realidade) de milhões de brasileiros desempregados ou cujos salários formais não permitem manter suas famílias”.

Nessa perspectiva do autor, situam-se alguns trabalhadores do CTA que buscam, com experiência de prestação de serviços

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“autônomos”, montar seus próprios negócios. De fato, a concep-ção generalizada de informalidade está relacionada a uma forma de sobrevivência, com atividades de baixa produtividade, sem proteção legal, instáveis e de escassos rendimentos econômicos.

Em verdade, as concepções sobre o setor informal tornam-se cada vez mais difusas desde sua origem, notadamente em razão da heterogeneidade e de especificidades encontradas (LIMA; SOARES, 2002). Abrangem desde o trabalhador familiar até os profissionais liberais; do consultor altamente qualificado ao agri-cultor; de um prestador de serviço a um vendedor de produtos importados nas ruas do Centro da cidade, sem contrato formal, nem garantias regulamentadas em lei.

Mesmo diante de tantas controvérsias acerca da informalida-de, inegavelmente ela continua tendo um peso significativo no mercado de trabalho de Fortaleza e no Brasil. As implicações e causas, porém, nem sempre são apontadas ou sequer analisa-das numa perspectiva mais crítica e menos subjetiva. Enquanto isso, as ações governamentais amplas e bastante heterogêneas variam desde a linha de crédito, cursos de empreendedorismo, treinamento gerencial, à agilização dos canais de comercializa-ção, oferecendo opções tecnológicas e divulgando práticas bem--sucedidas, ou criando regimes fiscais especiais (CACCIAMALI et al., 1989; BRAGA, 2010).

Com origem nessa incursão, na tentativa de apresentar algu-mas concepções sobre economia informal, trazemos a experiên-cia do Centro do Trabalhador Autônomo, com o objetivo também de provocar reflexão sobre a necessidade de se reconfigurar outras conceituações que abranjam novos cenários do mundo do trabalho.

4 O CEnTRO DO TRABALHADOR AUTÔnOMO - AnTECEDEnTES HISTóRICOS

Em 1981, é instituído o Centro do Trabalhador Autônomo como iniciativa do SINE/CE para fazer frente ao crescente aumento de um contingente de trabalhadores que desempenham atividades informais, mediante prestação de serviços de modo autônomo, como única opção de sobrevivência. Dessa forma, o CTA surge

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com o propósito de organizar e estimular a demanda por serviços prestados informalmente por intermediação desses profissionais com pessoas domiciliadas em Fortaleza e empresas interessa-das em contratar diaristas e trabalhos temporários de curtíssimo prazo.

A base física do CTA congrega trabalhadores autônomos urba-nos, lavadeiras, faxineiras, bombeiros, eletricistas e babás, entre outros profissionais que executam seus serviços em domicílios, intermediados pelo CTA. A sistemática de seleção começa com o cadastramento gratuito do trabalhador, no qual se verifica sua habilidade para ser aprimorada na qualificação no próprio CTA. Verificada a habilidade do trabalhador, este é encaminhado para o Serviço de Psicologia e depois para uma oficina de orientação para o trabalho e, posteriormente, dá-se início ao atendimento das demandas ocorridas via telefone.

Após o cadastramento, pode haver o treinamento ao se perce-ber a necessidade de aprimoramento da atividade em que o traba-lhador diz ser habilitado ou para disponibilizar alguma novidade relacionada àquela habilidade (novos produtos, implementos, etc.). Para tanto, há convênios com instituições como o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), a Companhia de Eletricidade do Ceará (Coelce), dentre outras, ou mesmo convo-cação de profissionais capazes de transmitir aos cadastrados os ensinamentos necessários à melhoria da produtividade e aumento da renda desses trabalhadores.

Hoje, o CTA conta com a utilização de meios eletrônicos. Isto facilitou o cadastramento, o monitoramento, a gestão e a convo-cação desses trabalhadores, bem como a captação da demanda externa. Em alguns aspectos, o CTA assemelha-se a qualquer empresa que verifica a habilidade do trabalhador, faz o cadastra-mento, qualifica-o e o indica para prestar serviços, dando-lhe o aval, quando for identificada a necessidade. Temos, portanto, uma especificidade diferente do que se entende por informalidade ou trabalho autônomo, pois a autonomia do trabalhador beneficiário desse tipo de política não é tão clara em face do vínculo necessário a uma instituição, tendo de cumprir normas e regras que anulam, até certo ponto, o caráter autônomo da atividade desenvolvida.

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5 O PERFIL DO TRABALHADOR DO CTA

O profissional do Centro do Trabalhador Autônomo faz parte da categoria dos autônomos independentes,2 incluindo-se, dessa

maneira, na economia informal.3

Quanto ao perfil, 88% são mulheres com idade entre 40 e 49 anos. Destas, 40,60% são mais jovens que os homens; além disso, 11,50% delas têm idade entre 15 e 29 anos, enquanto, na faixa acima de 50 anos, a mulher participa com 21,90% contra 63,60% de pessoas do sexo masculino. Esse resultado reflete a natureza da maioria das atividades implementadas pelo referido Centro. São atividades de faxina, lavagem de roupa, congelamento de alimen-tos, dentre outras, semelhantes às do mundo privado. Ademais, a opção de as mulheres trabalharem nessas atividades decorre tanto da sua natural capacitação, baseada em serviços domésticos executados no âmbito do lar, quanto da flexibilidade dessas tarefas em permitir conciliar a dupla jornada. Como mostra o depoimento:

Eu tinha 11 anos quando fui trabalhar numa fábrica de casta-nha, tive de sair por causa dos estudos. Depois eu fui pra uma casa como babá. Eu vim porque tava precisando trabalhar [...] Autônomo é bom porque eu já ganho suficiente fazendo o que já faço em casa (Faxineira).

Tal como em outras categorias ocupacionais, as mulheres são mais escolarizadas que os homens, tendo maior presença no nível médio (38,40%) e menor participação no conjunto dos analfa-betos/alfabetizados (3,30%), onde os homens se destacam com frequência de 9,10% (Tabela 1).

2 Segundo a Organização Internacional do Trabalho são duas as categorias do trabalhador autônomo, quais sejam: o dependente e o independente. O autônomo dependente, para desenvolver sua atividade, precisa da matéria-prima e, por essa razão, está vinculado diretamente à área de produção de determinada empresa ou a alguém que lhe forneça essa matéria- prima. Já o autônomo independente trabalha individualmente ou com parceiros, utilizando-se dos próprios instrumentos de trabalho.

3 Compõem o setor informal da economia as pessoas que integram as seguintes categorias ocupacionais: autônomo, excluindo os profissionais liberais; pessoas empregadas, porém sem nenhum vínculo empregatício; trabalhador familiar: aquele que trabalha em negócios da família e não é remunerado em espécie; e os pequenos produtores: aqueles que gerenciam e participam da produção.

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Tabela 1 – Autônoma do CTA por Sexo, segundo o Grau de Instrução. Fortaleza, março / 2011

Grau de instrução Sexo

Masculino Feminino Total Analfabeto / alfabetizado 9,10 3,30 4,00 Fundamental 63,70 56,60 57,50 Médio 24,20 38,40 36,70 Superior / pós-graduação 3,00 1,70 1,80 Total 100,00 100,00 100,00

Fonte: Pesquisa Direta – IDT.

Os trabalhadores, em sua maioria, são migrantes (55,60%) ou oriundos principalmente dos municípios da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). Este fato reforça uma das características abor-dadas pela OIT sobre a origem do termo “setor informal”, que se justifica por ser alternativa para quem não consegue inserção no mundo formal, e que, na condição de imigrante, estimula o auto-emprego como sobrevivência.

Numa segmentação por sexo e posição na família, 78,80% são homens e 72,30% são mulheres chefes de família. À semelhança de outros segmentos populacionais, as mulheres ocupam, mais frequentemente, a condição de cônjuges. Sobre o estado civil, destacam-se os solteiros (47,20%), com maior participação do sexo feminino, no entanto, entre a população casada, os homens sobressaem (57,60%) (Tabela 2).

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Tabela 2 – Autônoma do CTA por sexo, segundo a Posição na Família. Fortaleza, março / 2011

Posição na família Sexo Total Masculino Feminino Chefe 78,80 72,30 73,20 Cônjuge 15,20 19,00 18,50 Filho __ 2,90 2,50 Parente 3,00 5,40 5,10 Agregado 3,00 0,40 0,70 Total 100,00 100,00 100,00

Fonte: Pesquisa Direta – IDT.

Sobre a renda do trabalho, ressalta-se a faixa de um a dois salários mínimos (46,10%), seguida pela de 0,5 a 1,0 (21,80%). Um destaque é o fato de o segmento feminino ter maior representa-ção na faixa de um a dois salários mínimos (49,20%), superando a frequência dos homens (24,10%) em 104,15%. Contudo, não dife-re de outras categorias profissionais, no tocante à superioridade dos rendimentos do trabalho, pois os homens marcam presença expressiva na faixa acima de dois salários mínimos (24,30%), onde as mulheres respondem somente por 5,40%. No caso do CTA, as mulheres constituem maioria, suas tarefas são solicitadas com maior frequência, mas se baseiam numa tabela cujo valor da diária é estipulado pelo CTA, enquanto que as atividades masculinas (bombeiro, eletricista, pedreiro, etc.) são ajustadas por empreita pelo próprio trabalhador. Nesse aspecto, a autonomia masculina na definição do valor do serviço é superior à das mulheres.

Tabela 3 – Autônomo por sexo, segundo a sua renda, trabalhando no CTA. Fortaleza, fevereiro / 2011

Faixas MasculinoSexo Feminino Total

Sem remuneração 21,20 6,60 8,40 0,00 –| 0,5 15,20 12,40 12,70 0,50 –| 1,00 15,20 22,70 21,80 1,00 –| 2,00 24,10 49,20 46,10 2,00 –| 3,00 15,20 5,00 6,20 >3,00 9,10 0,40 1,50 Não informou __ 3,70 3,00 Total 100,00 100,00 100,00

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Por fim, 63,20% dos trabalhadores residem em casa própria. Este dado, talvez se justifique pelas melhores condições no rela-cionado aos rendimentos, em comparação às mulheres; desses proprietários, 66,60% são do sexo masculino e 62,80% do femini-no. Tal dado difere da maioria dos trabalhadores do setor formal dessa faixa de rendimento que não possui casa própria.

No inerente ao mercado de trabalho, a situação dos autôno-mos antes de ingressar no CTA, independentemente do sexo, é a seguinte: 5,50% não tinham ocupação e nem estavam à procura de trabalho; 12% estavam em busca de ocupação; e 82,50% dos traba-lhadores já estavam inseridos nesse mercado de alguma forma. Além disso, todos os homens estavam ocupados ou pressionando o mercado de trabalho, enquanto no segmento feminino se registra-va a participação de 6,20% de pessoas desocupadas. Outra questão de destaque é que o número de homens que tinha uma ocupação com carteira assinada supera o das mulheres em 144,62%.

Tabela 4 – Autônomo por sexo, segundo a situação no mercado de trabalho, antes de ingressar no CTA. Fortaleza, março / 2011

Especificação Sexo Total

Masculino Feminino Não tinha ocupação e não estava

procurando trabalho __ 6,20 5,50

Não tinha ocupação, mas estava

procurando trabalho 6,10 12,80 12,00

Tinha ocupação com carteira

assinada 63,60 26,00 30,50

Tinha ocupação sem carteira

assinada 27,30 53,40 50,20

Funcionário público 3,00 0,80 1,10

Outra 0,80 0,70

Total 100,00 100,00 100,00

Fonte: Pesquisa direta – IDT.

Vale ressaltar: os homens, antes de ingressar no CTA, já tinham experiência como trabalhador do mercado formal, com

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carteira assinada, ou já eram funcionários públicos (66,60%); entre as mulheres esse percentual era apenas 26,80%. Entretanto, 53,40% do contingente feminino se distinguia por ter trabalhado na economia informal antes de chegar ao CTA.

Segundo a taxa global de participação no mercado de trabalho,4

constata-se que, de cada 100 trabalhadores autônomos que ingres-saram no CTA, 95 tinham uma ocupação ou estavam desocupa-dos, porém, pressionando o mercado de trabalho. Sobre a taxa de ocupação, registra-se uma frequência de 82,55%, bem superior ao referido indicador para a cidade de Fortaleza, haja vista, de acordo com as pesquisas já realizadas pelo Instituto de Desenvolvimento do Trabalho, seu valor ser em torno de 40%. Do total dos autô-nomos que tinham uma ocupação, 39,21% ou trabalhavam com carteira assinada ou eram funcionários públicos, enquanto 60,79% desenvolviam alguma atividade no setor informal da economia. Ainda em termos gerais, ou seja, sem levar em consideração o gênero, 12,69% dos autônomos estavam sem ocupação, mas pres-sionando o mercado de trabalho, e, de cada 100 pessoas, seis não tinham nenhuma ocupação e não estavam em busca de trabalho, portanto, eram desocupadas.

6 TRAJETóRIAS DOS TRABALHADORES DO CTA: O InGRESSO E O DESLIGAMEnTO

Quanto à origem social e profissional, os trabalhadores autô-nomos vinculados ao Centro do Trabalhador Autônomo possuem relativa homogeneidade. O baixo nível escolar e a dificuldade de ingresso ou manutenção no mercado de trabalho formal predomi-nam na descrição do percurso profissional para esse contingen-te. Conforme entrevistas, as mulheres do CTA possuem trajetó-ria anterior como trabalhadoras autônomas ou desempregadas e desempenham no CTA as mesmas funções que desempenhariam antes do seu ingresso. São funções vinculadas ao mundo privado, onde sempre cuidam da casa e dos filhos no papel de cônjuges ou

4 Taxa global de participação: quociente entre a População Economicamente Ativa (PEA) e a População em Idade Ativa (PIA).

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de chefes de família. Há de se dizer também que elas geralmen-te iniciam sua vida laboral na pré-adolescência, auxiliando fami-liares ou parentes, e só depois de alguns anos resolvem buscar ocupações no espaço público.

Já os profissionais do sexo masculino do CTA geralmente iniciam-se no mundo do trabalho executando atividades da cons-trução civil ou correlatas a este setor (eletricista, marceneiro, bombeiro hidráulico, etc.). Diferentemente das mulheres, esses trabalhadores já tiveram experiência em empregos formais e deles se desvincularam por inúmeros motivos: aposentadoria, demissão por justa causa, demissão voluntária, relacionada à má remunera-ção ou a condições insalubres e periculosas de trabalho, ou até por decidirem não ter mais patrão.

Como observado, o trabalho autônomo, mesmo quando inter-mediado e monitorado (por meio de carta de referência) por uma instituição de governo, permite ao trabalhador insatisfeito com o tratamento dos clientes recusá-los nas próximas convocações. Este fato foi mencionado como vantagem de não ser monótono.

Você trabalha no dia que você quer. Se você não gostar de uma casa você não é obrigada a voltar. Quando você trabalha numa firma, aí é mais complicado porque você já é obrigado, aí tem que ir pra lá. Mas é ruim não ter a carteira assinada. Se você adoecer e faltar, aí você não ganha nada (Lavadeira e faxineira) Uma prática bastante citada pelos entrevistados é a conquista de clientela sob a intermediação do CTA. Quando o cliente fica satisfeito com o serviço do trabalhador, passa a contratá-lo dire-tamente: “Venho só uma vez por mês pegar carta (de referência) aqui, porque eu já tenho freguesia certa. Tenho muito cliente, essa semana já tá cheia” (Eletricista).

Essa tática, por um lado, é importante para o trabalhador, pois lhe propicia se desvincular do CTA ou simplesmente desaparecer, mas, por outro, ao ser contratado, afirma já possuir sua própria clientela. Embora aconteça com mulheres diaristas, a formação de clientela, independente do CTA, ocorre predominantemente com os homens, que desempenham atividades de eletricista, bombei-ro hidráulico, marceneibombei-ro e outras. Conforme depoimento, “quan-do eu saí dessas empresas tudim fui procurar trabalho no SINE, e

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fiquei aqui pegando serviço, fiquei trabalhando [...] Depois desse emprego aí não trabalhei mais não” (Marceneiro).

Interessante é observar que a concepção de trabalho desse trabalhador é o emprego formal. No caso do trabalho autônomo, ele não considera trabalho, fato recorrente na fala dos entrevista-dos. Muitos se tornam realmente independentes, inclusive do CTA, quando deixam de ir buscar solicitações de serviços por terem conquistado clientela com o apoio do próprio Centro. É quando o trabalhador se mostra verdadeiramente autônomo ao se desligar do CTA e ao conquistar sua clientela. Nesses casos, alguns “dão baixa” no cadastro, mas a maioria simplesmente desaparece. Uma particularidade do CTA, esquecida pelos trabalhadores, é que, ao se cadastrarem como se estivessem numa empresa, eles devem se desligar formalmente ao desistir de participar do programa, atitu-de que configura uma estratégia empresarial.

7 OS SEnTIDOS DO TRABALHO AUTÔnOMO

A opinião sobre o trabalho que desenvolvem varia de pessoa e de atividade. Geralmente costumam elogiar o trabalho autônomo, contudo, em seguida, ressentem-se de não ter carteira assinada ou segurança.

A vantagem é que se você trabalhar todo dia, todo dia você tem dinheiro. Mas a desvantagem é que quanto mais você tem, mais você gasta. E você indo trabalhar no emprego formal tem direito a férias, a crédito, se você se acidentar, mesmo em casa você recebe. Eu tenho vontade de conseguir um emprego formal mas tem que ver também se o salário compensa. Aqui você trabalha três dias seguidos e já recebe 150 e tem gente que só oferece o salário mínimo (Trabalhador de Serviços Gerais).

Embora haja controvérsias sobre o trabalho autônomo como atividade laboral, os que gostam do que fazem têm como maior reclamação a impossibilidade de não possuir os mesmos direitos do trabalhador formal, como férias, FGTS e aposentadoria. Temem o futuro sem essa proteção, porém não demonstraram empenho em contribuir como autônomos no INSS, e garantir, pelo menos, a aposentadoria:

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Eu acho que a única diferença que a gente tem do trabalho de carteira assinada pra esse trabalho aqui é que a gente traba-lhando numa empresa a gente tem os direitos legais, né? Mas como o emprego tá difícil, minha filha, eu acho que pra mim num tem nenhuma diferença não, o importante é que a gente esteja trabalhando, né? Mas bom seria se a gente tivesse, se o CTA fosse ligado a um órgão que desse os direitos da gen-te quando a gengen-te fosse se aposentar (Trabalhador de Serviços Gerais).

Como ressaltam os entrevistados a seguir, os trabalhadores que pagam INSS não possuem problemas em relação a trabalho infor-mal e forinfor-mal: “Eu pago o meu INSS, então [...] porque a desvan-tagem maior é você não ter os seus direitos trabalhistas, mas eu pago o meu, então, pra mim tá beleza” (Costureira).

Mesmo apontando a dificuldade de ficar descoberto no tocan-te a benefícios relativos a um trabalho formalizado, na ótica dos trabalhadores, o trabalho informal é uma alternativa ante o desemprego, no entanto pode contribuir para a acomodação dos que estão nessa condição:

É bom, é crescente. A gente vê que nem todo mundo pode e quer assinar a carteira, né? Então, é uma opção dois, pra gente é bom, porque a gente não precisa ficar vinculado a uma casa e abandonar a sua família (Costureira).

De fato, os trabalhadores que já tiveram experiência em empre-go formal costumam justificar, em suas falas nas entrevistas semiestruturadas, sua defesa do trabalho autônomo com suporte nos seguintes argumentos: maior liberdade, possibilidade de não voltar ao mesmo cliente caso ele não tenha gostado, possibilida-de possibilida-de conseguir clientela fixa, ou, ainda, trabalhar no dia em que quiser. Há, portanto, poucos argumentos contra, conforme relato de uma trabalhadora entrevistada que, ao traduzir o pensamento dos maiores de 40 anos, afirmou gostar de ser autônoma, porém prefere a carteira, e, por estar acima desta idade, fica cada vez mais difícil ingresso e permanência no mercado formal de traba-lho, mesmo sendo qualificada.

Dentre as vantagens do trabalho autônomo, como alegaram, o ganho é somente deles, não dividem com ninguém: “Você sabe que o que você conseguir ali, financeiramente falando, é seu. Assim, você não vai ter que dividir e, dependendo da sua cabeça,

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você pode fazer ‘um pezinho de meia’ bem mais rápido” (Faxineira e lavadeira).

Cabe enfatizar: a precarização do trabalho autônomo se mani-festa não somente pela falta de direito a benefícios de um trabalha-dor formal, mas, também, pela obrigatoriedade de, muitas vezes, dar horas extras para cumprir as tarefas estabelecidas, sem contar com os desvios de função (faxineira que tem de lavar roupa, etc.), proibições de pausas para descanso, dentre outros problemas relatados pelos entrevistados.

Tinha uma mulher que dava o almoço e assim que a gente ter-minava de comer ela dizia: Vamos voltar que tem muito serviço pela frente [...] tinha porque ela chamava a gente para lavar roupa e pedia para limpar a casa, a cozinha [...] (Lavadeira). Como desvantagens, segundo eles citam, determinadas ativi-dades são sazonais e requerem prudência dos trabalhadores ao receberem dinheiro pela execução de uma tarefa, pois nem sempre podem contar com trabalho quando necessitam. Ainda como um trabalhador da construção civil ressalta, no período chuvoso é ruim para ele receber encaminhamento do CTA, por isso, tem de pensar em outras atividades além da de pedreiro.

Diante da falta de perspectiva por não terem direitos trabalhis-tas assegurados, grande parte dos entrevistados gostaria de ter um trabalho formal, entretanto, não se pode imaginar que todos os trabalhadores informais sintam o mesmo desejo. Como obser-vado, a maior parte está satisfeita com sua condição ocupacional e prefere continuar autônoma. Eles sonham em expandir seus negó-cios, tornarem-se microempresários e não mais serem submetidos a regimes do trabalho formal. Este aspecto deve ser compreendi-do pelos promotores de programas destinacompreendi-dos ao trabalho justa-mente por entenderem a economia informal como uma espécie de esponja absorvedora das crises do emprego formal, que é válida até certo ponto, e por considerarem essa economia uma realidade que se amplia no mundo capitalista, e onde muitos fatores contri-buem para uma adesão cada vez maior de trabalhadores. Em face das formas de gerenciamento da produção contemporâneas nas quais o trabalhador formal convive com a precarização salarial, da organização e das condições de trabalho, um contingente

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de trabalhadores formais prefere migrar para a informalidade a submeter-se à “captura de sua subjetividade”, para usar o termo de Alves (2011), mediante explorações no espírito toyotista de produ-ção. No depoimento a seguir ilustra-se essa opção para continuar na informalidade:

Olha, por enquanto eu acho que eles [os clientes] tão satisfei-to com meu trabalho, porque é um trabalho digno e honessatisfei-to como o de qualquer outra função, outra pessoa, né? É [...] o salário tá bom, porque as diárias tão altas, tão fechando em torno de 1.000, 1.500, 1.600 reais, porque se eu fosse trabalhar num emprego normal de carteira assinada eu não ganhava isso, só se fosse um cargo de nível gerência, diretor (Trabalhador de Serviços Gerais).

Evidentemente, não se trata da maioria, mas a informalidade não é a última opção de sobrevivência. Ser trabalhador da econo-mia informal pode significar realização de vocação para o auto-emprego, independentemente dos discursos de empreendedoris-mo ou da autonomia. O que importa é considerar as formas atuais de autorrealização pelo trabalho. Nesse sentido, o Estado precisa rever o tratamento para a economia informal, ainda que tenha de manter a contradição em proclamar as virtudes dessa economia que se define em um aspecto pela não observância daquilo que ele mesmo definiu como sistema de normas que a atividade econômi-ca deve levar em conta (LAUTIER, 1997).

Dentre os quase 100% interessados em se manter na economia informal, a vontade de ter seu próprio negócio ainda é comum entre cozinheiros, costureiras, eletricistas, marceneiros, etc. Consoante afirmou uma entrevistada, ela pretende continuar no CTA até realizar alguns sonhos de consumo e acumular um certo capital para montar um negócio próprio, porém, paralelo a esse empreendimento, pretende também manter o vínculo com o CTA, mesmo se tiver de trabalhar menos dias, por exemplo.

Em síntese, como se percebe, o CTA é um projeto que articu-la um trabalho informal com algumas características de formali-dade, capacitando os profissionais para a execução de serviços com melhor qualidade, mas com algumas normas muito próxi-mas do procedimento do emprego formal. Isto tem inclusive faci-litado a alguns ex-trabalhadores do CTA tomarem por modelo

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tais procedimentos para montarem seus próprios negócios. Essa política de incentivo ao trabalhador autônomo possui, portanto, a característica de, propositadamente ou não, preparar grande parte desses trabalhadores para assumir um emprego formal ou se transformarem em microempresários, ainda que continuem como informais. Contudo, há de se pensar que os programas de micro-crédito são, por vezes, inviáveis, em face das dificuldades em se promover créditos que nem sempre são ágeis e eficientes.

8 COnSIDERAÇõES FInAIS

Nos idos de 1980, o então SINE recebia uma missão da Organização Internacional do Trabalho para conhecer sua experi-ência com o trabalhador autônomo. Após examinarem a dinâmi-ca de intermediação desses trabalhadores ditos informais, autô-nomos, os técnicos da OIT questionaram se realmente estariam diante de um grupo de trabalhadores informais, autônomos, tendo como parâmetros os conceitos da época de informalidade. Segundo alegavam, a iniciativa do SINE, bastante louvável, em intermediar organizadamente esses trabalhadores, aparentava uma “formali-zação disfarçada” dos que costumavam ir diariamente ao prédio do CTA receber sua convocação e encaminhamento aos locais onde prestariam serviços. Como uma empresa, o CTA monitorava a partir da avaliação preenchida pelo cliente. Conforme estabeleci-do, fica proibida a intermediação para outro domicílio, empresa ou condomínio, em caso de avaliação negativa ou extravio da carta. Nesse aspecto, a concepção de trabalhador autônomo poderia ter uma configuração diferente da praticada à época.

A lembrança desse fato induz à complexa discussão do que é realmente o trabalho informal. Em que medida o Estado, por um lado, reconhece a importância da informalidade e, por outro, busca incrementar o emprego formal que repercute positivamen-te nos indicadores de crescimento econômico e assegura direitos aos trabalhadores, além do aumento de arrecadação da previ-dência. Se em plena década de 1980 os técnicos da OIT que há poucos anos haviam determinado parâmetros de conceituação do setor informal se deparavam com um caso misto de informalida-de numa perspectiva organizada e monitorada com requintes informalida-de

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formalidade, hoje, se aqui viessem, será que iriam continuar seus questionamentos sobre o programa do CTA como formalização disfarçada da informalidade?

Em verdade, a dinâmica do mundo do trabalho induz a confi-gurações de atividades que nem sempre podem ser fragmentadas em setores. A prova dessa afirmação está nas várias concepções da atividade informal autônoma, variável desde as atividades mais lícitas àquelas ilícitas; da prestação de serviço em domicílios sob condição de diarista ao comércio do sexo. Como pode ser perce-bido, essas atividades se apresentam tanto de forma autônoma, individual, quanto sob os mais diversos tipos de rede que envol-vem os circuitos superior e inferior da economia, bem como são emaranhados em atividades lícitas e ilícitas, precarizadas e sob apoio ou não do Estado. Por isso, a defesa de que a expressão setor informal não mais permite a discussão dessa especificida-de e tampouco consegue universalizar políticas especificida-de Estado, ante algumas atividades não regulamentadas, as quais nem sempre são ilícitas e podem ter uma configuração que beire a formalida-de. Com efeito, em tempos de informatização, de globalização de mercados e de produção pela captura de subjetividades, capazes de exacerbar a exaustão (ALVES, 2011), os indivíduos e o Estado têm de ser criativos em seus projetos para inserção profissional.

Nessa perspectiva, pedimos emprestado de Santos (2004) sua discussão sobre os circuitos inferior e superior da economia. Na concepção do autor, pensamos em um circuito formal e infor-mal articulado em atividades reguladas ou não, precárias ou não, ilícitas ou não, mas que se interconectam e merecem políticas específicas voltadas a incentivar o que há de positivo e desesti-mular os entraves. Nesse prisma, entendemos a economia infor-mal como campo de articulação do circuito inforinfor-mal, mas não desarticulada do circuito formal, porquanto, para existir, ambos necessitam se manterem em sinergia permanente, tendo o Estado como intermediador, apoiando com políticas que, se não forem capazes de regularizar minimamente a atividade, devem procurar atender não somente aos interesses do desenvolvimento do país, mas, sobretudo, à natureza da atividade praticada por milhares de trabalhadores.

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Em verdade, nada impede a existência da informalidade sob alguns procedimentos do setor formal, como, por exemplo, perce-bemos entre alguns trabalhadores autônomos do CTA, pois há quem seja cadastrado no INSS, defina seus períodos de férias, enfim, imite a vantagem do emprego formal, mesmo mantendo--se na economia ou no circuito inferior. Contudo, determinadas empresas desrespeitam as normas da formalidade e encontram estratégias de burlar as obrigações para com os empregados. Somos, então, levados a concordar com a asserção segundo a qual há atualmente mais empregados informais em grandes empresas do que empregados por conta própria (JACKSON, 2011). Se não seria exagero essa afirmação, pelo menos temos de admitir, com Charmes (2009), que o trabalho informal, diferentemente do setor informal, pode existir tanto no setor formal como no informal. Por esse motivo, acreditamos mais uma vez colocar a economia infor-mal como o grande guarda-chuva teórico da inforinfor-malidade.

Hoje, com as reestruturações do mundo do trabalho, consoante é possível constatar, a informalidade se ampliou de tal modo que não se pode considerá-la apenas nos critérios estabelecidos na década de 1970. Há uma infinidade de situações que ultrapassam a noção de setor e se configurariam nas especificidades de uma economia informal a qual abrange desde o trabalho de grandes consultores, de trabalhadores que se utilizam dos sítios virtuais para vender produtos e serviços, de microempresários e demais trabalhadores avulsos que sobrevivem de bicos, muitas vezes patrocinados ou terceirizados por empresas de médio e grande porte que encontram entre eles uma estratégia a baixo custo de expansão.

Ao retomarmos as principais características do que a OIT apontava como informalidade, segundo percebemos: a proprie-dade familiar não significa necessariamente uma situação que beira a sobrevivência mínima, pois a origem de recursos próprios pode ser inerente a planos de aposentadorias forçadas ou demis-são voluntária com os quais se recebe boa quantia financeira e muitos trabalhadores migram para a informalidade; nem sempre a escala de produção é pequena; a facilidade do ingresso conti-nua uma característica mais forte, principalmente via programas

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que simplificam a abertura de micro e pequenas empresas; o uso intensivo do fator trabalho e de tecnologia adaptada tem tomado uma nova feição com as vendas e prestação de serviço via inter-net, por exemplo, a qualificação fora do sistema escolar formal de ensino tem sido diversificada, sobretudo mediante discur-so da empregabilidade e do empreendedorismo, onde o próprio Estado facilita essas modalidades de qualificações, em especial para jovens no primeiro emprego; e a participação em merca-dos competitivos e não regulamerca-dos pelo Estado é uma questão, no mínimo, paradoxal para a realidade contemporânea. Não se pode ignorar que há profissionais formados em diversas faculdades que também encontram na informalidade a principal fonte de renda sem, contudo, serem incluídos na categoria de autônomos empre-gadores que não são considerados informais.

A despeito dos avanços, o emprego formal não garante todos os benefícios historicamente conquistados pelos trabalhadores. De fato, alguns trabalhadores formais têm a assinatura da cartei-ra, mas a empresa não arca com outras obrigações trabalhistas. Segundo Castells e Portes (1989), o aumento recente da informali-dade é mais para desestruturar a organização dos trabalhadores e para driblar os impostos e taxas do trabalho formal. Isso na pers-pectiva do setor privado. Quanto ao Estado, percebemos existir dois tratamentos: para os autônomos situados à beira da exclusão social e para quem possui melhor qualificação e recursos capa-zes de os inserirem numa política de microcrédito. Com efeito, as oportunidades de microcréditos se multiplicam, porém com fortes mecanismos de proteção do Estado contra a inadimplência. Na busca de organizar a informalidade, praticam-se ações contingen-tes voltadas, na verdade, a incentivar a formalidade, por ser mais importante para os rendimentos governamentais, e ao mesmo tempo, assegurar o recurso para o fundo de aposentadoria com o recolhimento do INSS.

Por isso, não seria hora de se (re)pensar numa economia informal, onde existem circuitos superiores e inferiores nos quais há experiências de trabalho não regulado, trabalho cooperativo, trabalho em rede informacional, trabalho ilícito do ponto de vista moral e ético, trabalho complementar de empregos; terceirização,

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quarteirização e que podem ser enquadrados em trabalho por necessidade ou por vocação.

Esperamos que essa reflexão possa instigar adeptos e inco-modados a repensarem se vale a pena formalizar o conceito de informalidade no mundo contemporâneo. Sugerimos iniciar por não mais chamá-lo de setor, mas de atividades não reguladas em cenário de economia formal. Para tanto, resta ao Estado reconhe-cer essa economia cheia de peculiaridades e de difícil homogeini-zação conceitual, difícil porém imprescindível no atual contexto de crescimento econômico, em tempos de sucessivas crises do mundo do trabalho.

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