UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANi.::IRO INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIENCIAS SOCIAIS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
SISTEMAS AGRÁRIOS EM PARAÍBA DO SUL (1850-1920) um estudo de relações nãocapitalistas de produção
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João Luis Ribeiro. Fragoso
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em História da U F R J visando à obtenção do título de Mestre
Rio de Janeiro abril de 1983
1
JOÃO LUIS RIBEIRQ FRAGOSO
TESE SUBMETIDA AO -CORPO DOCENTE DO MESTRADO EM HISTÓRIA D�. UNIVEP�IDADE FEDERAL DO RIO DE J�.NEIRO COMO PARTE DOS REQU! SITOS NECESSÁRIOS À OBTENÇÃO DO GRAU DE .MESTPE.
Apr�vado por: Prof. Prof.
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(Presidente da Banca)-
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Prof. · · ·Rio de Janeiro, RJ-BRJi.SIL Maio de 1983
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FICHA CATALOG�FTCA FRAGOSO, João Luís Ribeiro
Sistemas l'�grãrios em Paraíba do Sul (1850-1920): um estudo de relações não-capitalistas de produção.
Rio de Janeiro, UFRJ,HISTÔRIA., IFCS, 1983.
Dissertação: Mestre em História (História do Brasil). 1. História Pgrãria
3. História Econômica.
2. Siste�as Aarários no Vale do Pa;aíba/PJ. 4. Dissertação.
Universidade Federal do Rio de Janeiro - IFCS - His tória.
� 1
iv. AGRADECIMENTOS
O presente trabalho não teria sido possível sem o apoio e a amizade de diversas pessoas. E isto é, particularmente, re forçado quando temos em conta as condições precárias em que fo ra desenvolvida a nossa dissertação.
A Vera, companheira dos primeiros momentos de pesquisa � que nos ajudou ? fazer o primeiro levantamento das fontes carto riais. A D. Maria Luzia e Sr. Olavo que nos hospedaram nas pri meiras idas a Três Rios.
O trabalho de arrolamento das fontes teria sido mais pe-noso sem a paciência e boa vontade dos integr_ãltes do Cartório do 19 Ofício de Pa�aíba do Sul. Entre muitos, gostaríamos de re gistrar o .apoio dado pelaD. Maria Quita (responsável pelo Cartó rio). E, particulannente,à ajuda .de Maria das Graças no recolhimen to dos inventários, outrossim, à sua amizade e carinho transforma ram as nossas éstad_ias de trabaJho em Paraíba do Sul em algo me nos fatigante.
'. Aos senhores Dias e Jarbas. Oliveira, que se mostraram pres tativos, respectivamente, na reprodução mecânica-das fichas de trabalho e dos gráficos, e no fornecimento do material indispens� vel para a pesquisa.
Ao Prof. Hector Perez Brignoli que, em sua curta estadia no Rio, se prontificou em fazer uma leitura crítica do nosso proj� to� ajudando-nos posteriormente na organização dos dados �as"con� tas de tutela". Devemos, ainda, registrar o seu apoio nos nossos primeiros passos dentro da História Econômica.
Deixamos, aqui, também, registrado. algumas das pessoas c� ja a amizade ficou patenteada nos momentos. mais difíceis do perío do de elaboração do trabalho. Sem a compreensao doJosé Maria, na fase de redação, te�íamos demoradb muito mais em terminar a dis sertação. A Clara Raissa, cuja t��nura e o ombro amigo se mostra ram sempre presentes.
Quanto a nossa Orientadora, os agradecimentos tornam-se particularmente difíceis. Que palavras utilizar para agradecer urna pessoa que nos ensinou e ensina o ofício da História, e que
faz isso combinando com a sua amizade! Mesmo sabendo que e difí cil de ser externado tais reconhecimentos:
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À Profa. Maria Yedda, gostaríamos de agradecer nao ap� nas a sua segura orientação., mas também o fato de ter nos mos -trado um novo caminho dentro da História enquanto Ciência. Sem o seu apoio intelectual e amizade não ter.íarros ultrapassado as dific�ldades do trabalho.
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RESl'MO
O presente trabalho tem por objetivo empreender uma pr! meira abordagem ao sistema agrário de uma economia de exporta ção (café), procurando exemplificá-lo nuroa dada região (Paraíba do Sul/RJ) no período de 1850-1920. E para tanto, neste estu do há a preocupação de reter alguns aspectos desta forma de pro dução, quais sejam: certos traços de seu processo de reprodução e de suas relações de produção. Traços esses, que no texto, a parecem ligados entre sí e à noção de frequência de cultivo.
Outrossim, através da caracterização destes aspectos , particularmente, o caráter extensivo da reprodução do sistema e à "associação" do trabalhador direto aos meios de produção, pr� cura-se demonstrar a lógica própria daquele sistema agrário his toricamente definido e fundamento de uma economia de exportação.
Na parte final do trabalho (39 capítulo), tenta-se mos trar a persistência daquela forma de produção agrícola, na re gião,_pósescravidão ,o que iria conferir um caráter nãocapita -lista às relações de produção fundada no trabalho livre. E por Último, o definhamento do sistema agrário da economia de expor taçã.o, na região, estaria ligado a seus próprios mecanismos de reprodução.
SUMMARY
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This dissertation· to be a first approach to the study of the agrarian system that emerged from an export economy centered on one agricultural product. The coffee County of Paraiba do Sul on the Paraiba Valley ·(Rio de Janeiro) is taken as a case study for the period between 1850-1920. According to this purpose certain aspects concerned with the productive system have been giyen a privileged treatment such as: certain traits of its reproduction process and its relations of
production. Along this dissertation, such traits have been associated with th� concept of freqmncy of cultivation.
On the other. hand, through the analys.:i-!;?. of such trai ts, especially the extensive character of the reproduction of the system as a whole, as well as the "association" of.direct producers to ,the means of production,. it is intended to demo�strate the logic of the agrarian system historically delimited and based on a given plant�tion economy.
Ftnally1 it is intended to demonstrate the persistency of that form of agriclil.t.ural production, locally, along the post -slavery period. The fact that the agricultural regime based on free labor has. been distinguished by its non-capitalist character results from the persistency of the above mentioned agrarian system as part of a defined forro of agricultural
production. The�word "decadence" has been avoided as a definition of the period post-slavery. In fact, it is here suggested that the weathering (definhamento) of the agrarian system of the
exportation economy, regionnally, was linked with its specific mechanisms of reproduction.
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fNDICE
Lista de Quadros Lista de Gráficos
Introdução
Capítulo 1 - Sistema de Uso da Terra e Instrumentos de Trabalho.
1. 1. A Agricultura de Alimentos. 1. 2. A Agricultura do Café.
Capítulo 2 - Sistema Agrário e Reprodução Extensiva 2. 1. A População Escrava
2. 2. A Fazenda de Café e a Reprodução lillual 2. 3 . 1'. transformação de .Matas em Cafezais: o
segundo movimento do processo de repro dução.
2.4. Sobre-trabalho e Sistema Agrário
viii Pág. ix xi 1 12 15 25 3 8 39 51 75 95 Capítulo 3 - O Definhamento do Sistema Agrário da Economia 109
de Exportação na Região. Conclusão Bibliografia !-;nexo I Jlnexo II 3. 1. A "Degradação".
3. 2. Capoeiras, Enxadas e Colonos. 3. 3. A Invasão dos Pastos.
109 124 144 163
1 2
-LISTI, [E CCP..CEOS
Agricultura de Alimentos no Vale do Paraíba - século XIX e na Europa (Sistema Trienal
de Rotação de �erras}.
J
-erigem da Fomaçao dos contingentes de Escra
vos em algumas fazendas de Faraíba do Sul
em 1872.
3 - Origem dos Escravos presentes nas Fazendas de Paraíba do Sul: 1850-1860-1872
4 - Razão de masculinidade na Pooulacão Total e Escrava de Paraíba do Sul em- 184Ó e 1872. 5 - Cistribuição da População Total �e Paraíba
do Sul por sexo e idade - 1872.
5. 1. - Cistribuição da População Escrava de Paraíba do 8ul �or sexo e idade de 1872.
5. 2. - Cistribuição da �opulação Livre Paraíba do Sul por sexo e idade 1872.
de de
6 - Razão de masculinidade na população ce Pa
raíba
co
Sul - censo de 1872.6. 1. - Grupos de Ilades em Paraíba do Sul 1872.
6. 2. - ristribuição da População de Paraíba do Sul por sexo e grupos de idace 1872.
6. 3. - Grupos de idade na população masculi na livre e escrava em Paraíba do Sul 1872.
7 - Rebanhos em Paraíba do Sul 1850/80
7. 1. - Bovinos em Paraíba do Sul - 1850/80 8 - Rebanhos em Fazendas com mais de 200 alquei
res ou coro mais de 100. 000 pés de café e 60 escravos(18so-8�)
9 - Profissões dos Escravos segundo a matrícula especial de 1872.
10 - Contas da Fazenda Cachar.bú (1880-1882) e
Bom Sucesso (1282) .
10. 1. Compras de �li��ntos pela Fazenda Ca cha�bú (1880-82) Pág. 20 42 43 44 45 46 46 47 43 48 49 56 57 58 62 66 68
10.2. - Receita Líquida nas Fazendas Cacham bú (1880/8 2/85) e Bom Sucesso (1882f.
11 - Valor do Cafezal segundo a sua idade.
12 - Transformação de matas em cafezais em duas fazendas 1874/80. Fazenda Barboza Teixeira Fazenda Santo Aleixo 1880.
13 - Partic!pação da Fazenda no Monte Eór
Inventaries 1850 - 1880. dos 14 15 16 17 18
-Investimentos em algumas Fazendas de Café · d 20 0
1-com mais e _ - a queires de terras ou com
mais de 100.000 pés de café e 60 escravos.
e_ A9So -So)
Valor (%) dos Instruro�ntos de Trabalho (En xadas, Foices, Cavadeiras e Machados) em di
ferentes unidades de produção.
-Investimentos em dois grupos de Fazendas em épocas diferentes (1850/60 -1874/81) .
Investimentos em casas de colonos e Eauioa
mentos de Beneficiamentod.e alimentos
êrn
ã1-gurnas Fazendas de Café (1890-1915) .
Fazendas de Paraíba do Sul visitadas pelo Serviço de Indústria Pastoril -
1925.-X 74 76 77 85 88 92 93 143 p._ 154
LIS�A I:E CP.1'FICOS
1 - População de Paraíba co Sul em 1840 e 1872. 2 - % do Valor das Terras e Cafezais nos Inven
tários de 1850 a 1880.
3 - Valor (%) dos Escravos, Terras e Equiparne� tos ce Beneficiamento nos Inventários ·de Paraíba do Sul - 1850-1880
4 - Variação do Preço de um Saco de Feijão co�
prado pela Fazenda Cacha�bú entre 1880 e
1882.
5 - 1'.rea ( % ) das Matas e Pastos nas Fazendas�
Paraíba do Sul (1880-1895-1905-1915)
6 -,% dos Cafezais co� mais de 16 anos e mais
de 24 anos nas Fazendas de Paraíba do Sul
(1850-1880-1910).
7 - Estrangeiros em Paraíba do Sul (1872- 1890 1920).
8 - Presença da População Masculina e do Grupo Etário de 16 a 40 anos nos censos de 1840 1872-1890-1900-1920.
9 - Preço (%) das Matas e Terras em Culturas nos Inventários (1880-1895-1905) _ '1A�� 10 - % do Valor dos Cafezais e Equipamentos de
Beneficiamento nas Fazendas de Paraíba do Sul - 1850 a 1905.
11 - Valor (%) dos Cafezais, das �erras e Ani mais nas Fazendas de Paraíba do Sul 1870 a 1920.
12 - Participação (%) dos Pastos na formação �o Valor 6as Terras da Fazenda (l8CO a 1920).
13 - ?reço (%) das Terras em Culturas e Pastos nos Inventários (1880-1915-1920)-�Abi�
Pág. 41 83 87 101 110 111 121 122 126 130 146 148 149
1.
INTRODUCPD
o tema da dissertação surgiu, inicialmente, com a preocup� ção de estudar a transição do trabalho escravo para o livre,
ou mais precisamente, em analisar a formacão das relações so
.
.
-ciais de produção que sucederam o trabalho escravo na agricul
tura do vale do Paraíba/PJ. Região que na segunda metace do século XIX se assentava na produção de um bem primário (café) voltado para o mercado internacional, tratando-se, portanto , de uma área inserida na econor.üa de exportação. E sendo que, pós-escravidão, nesta região, iriam predominar formas de tra balho não tipicamente assalariadas (colono-parceiro), onde o trabalhador direto produzia parte de seus gêneros de subsis tência sem a mediação do mercado.
As preocupações acima expostas nos levaram a entrar em co� tato, mais demoradamente, com as teses levantadas por José de Souza .Martins, em especial, no "Cativeiro da Terra" (l). P_p�
sar desse trabalho se referir a são Paulo, o autor se deté.m
na questão da transição para o trabalho livre numa agricultu ra exportadora de café, assunto que deste modo nos interessa va particularmente. Por sua vez, ao abordar tal tema, o a� tor demonstra o caráter não-capitalista daquelas rela.ções de produção, enunciando para isso uma forma própria de apreensao. E é essa forma de abordagem que nos chamou mais a atenção.
Ao apreender a questão das relações de produção geradas na crise do escravismo e que se confiquravarn no colonato, José de Souza Martins critica as formulações que a ic.entificavam com a feudal ou capitalista. Cescartando a ?OSsibilic.ade de definir o colonato enquanto relação feudal ou semi-feudal, o autor �rocura demonstrar a precariedade da tese que nele via relações capitalistas de produção.
Para José de Souza �artins, no colonato o trabalhador dire to (ao contrário das relações capitalistas) produzia e se a propriava diretamente de parte de seus meios de subsistência, sem a mediação do mercado. Apesar do colono receber tambêm uma remuneração em dinheiro (pagamento fixo pelo trato do ca fezal e um outro proporcional à quantidade de café colhido)
o que fora escrito acima, inviabilizaria a interpretação do colonato enquanto relações capitalistas de proàução. Isto por que nesta Última, o trabalhador direto é trabalhador assala riado, vendendo continuamente a sua força de trabalho, e rece bendo em troca um salário, com o qual voltava ao mercado para
retirar a totalidade de seus meios de subsistência(2).
Na apreensão do caráter não-capitalista daquelas relações,
José de Souza Martins considera que a transição do trabalho
escravo para o livre seria conduzida no sentido ce preservar
cap� prod� a economia colonial, isto é, "o padrao de realização do
talismo no Brasil, que se definia pela subordinação da
ção ao comércio" (J). E isto seria feito mediante a mudança das relações de produção, por meio da organização de novas r� lações sociais de produção, que garantissem a persistência d� quele padrão de realização do capitalismo. Em outras pal�
vras., a organização das novas relações sociais de produção, en quanto relações não-capitalistas de produção, respondia às ne cessidades acima referidas.
Consideramos as relações de produção que são geradas na
crise do escravismo colonial, como nos informa José de Souza
Martins, enquanto relações não-capitalistas de produção; e
isso seria válido tanto para são Faulo como para o carnpo do
Rio de Janeiro. Isto por que, nestes regimes de trabalho, o trabalhador direto, mesmo se encontrando livre juridicamente
e afastado da propriedade da terra, aparece "associado11( 4)aos
meios de produção produzindo diretamente parte de seus meios de subsistência. Entretanto, não nos parecia suficiente a � bordagem feita por José de Souza Martins àquelas relações de produção.
Este autor, ao procurar explicar o caráter não-capitalista
da forma de trabalho pós-escravidão, "como meio para prese!.
var a economia colonial ( ... ) para preservar o padrão de re� lização do capitalismo no Brasil, que se definia pela subord! nação da produção ao comércio", na verdade, explica as rel� ções não-capitalistas de produção existentes na produção agrf cola, privilegiando a circulação em detrimento do próprio pr�
3.
cesso de produção agrícola; por exemplo, em nenhum momento o autor se refere ao sistema de uso da terra, às técnicas/ins trumentos de trabalho vigentes na produção agrícola, à demo grafia, elementos que, ao nosso ver são indispensáveis para o estudo das forças produtivas e, portanto, para a comp reen são das relações de produção.
Em outras palavras, nos parece, que a interpretação dada p�r José de Souza Marti�s não é sufi:iente p:ra explicar(a b:se singular daquelas relaçoes de produçao, que e a "associaçao" co trabalhador direto livre aos meios de produção, a produ
ção por este de parte de seus meios de subsistência sem a me diação do mercado; característica que diferencia esta forma social de trabalho da capitalista. E neste momento, achamos mais adequado procurar entender estas relações de produção a partir da historicidade do processo de produção agrícola,con siderando que as "relações de produção correspondem a um de terminado grau de desenvolvimento das forças produtivas mate riais" (S).
O que foi dito acima, levou a nos preocuparmos em estudar as mudanças das relações sociais de produção, o caráter não -capitalista da forma de trabalho pós-escravidão, a partir da historicidade do sistema agrário vigente na economia de exportação; entendendo mesmo que as relações êe produção na agricultura seriam um momento de um sistema agrário histori camente definido.
Estas questões nos conduziram a indagar sobre o comport� mento do sistema agrário (em Paraíba do Sul) frente à transi ção do trabalho escravo para o livre, na medida em que atr� vés disto poderíamos estudar as articulações entre o nível das forças produtivas e as mudanças do reqime de trabalho na lavoura. A partir daí, as nossas preocupações foram redefi nidas e passaran a se dirigir para a lógica de funciona�ento e reprodução do sistema agrário da economia de exportação,i� to é, além da organização social do trabalho agrícola, para o sistema de uso ca terra, métodos/instrumentos de produção e 2 demografia força de trabalho; elementos esses que por sua vez combinados caracterizam a estrutura de produção do
café vigente na região previamente escolhida por nós.
E1deste modo, considerando que Paráíba do Sul vivenciaria
o auge e a decadência da produção de um bem primário (café)
voltado para o mercado internacional, no período entre 1850 e 1920, e que na base desta produção encontrar-se-ia urna bai
xa relação trabalho-terra, na abordagem de nosso objeto de
estudo, partíamos da noção de economia de exportação ce bens primários, apresentada por Hector Perez Brignoli: �A expansão destas economias exportadoras de bens primários se baseou no crescimento da população e na incorporação de áreas vazias". Economia, que segundo este autor, se moveria mediante uma 1� gica c.iferente do capitalismo de indústrias , onde a " expa� são se baseia na fabricação de diferentes tipos de bens r�
produtíveis" (6) · E ainda, devido mesmo à natureza de no�
sas preocupações, por privilegiarmos aos aspectos internos
da eponomia de exportação (sua base agrária), e por optarmos
por uma a�ordagem que privilegia a relação forças produtivas /rel�ções de produção, utilizaríamos igualmente a noção de sistema agrário.
Por sua vez, entendemos por sistema agrário, formas de a
propriação e uso do solo, e, status jurídico e social dos
trabalhadores rurais(?). Ou em outras palavras, o sistema a
grário diria respeito às formas históricas de produção agr� ria, sendo que em seu interior, as relações de produção co!
responderiam a um determinado grau de desenvolvimento das
forças produtivas materiais·
Definidos o terna, a sua forma de apreensão e a região, formulamos então duas hipóteses de trabalho intimamente lig� das:
19) Em Paraíba do Sul o sistema agrário da economia de e! portação perpassa a crise do trabalho escravo, persistindo em seu definhamento. E isto seria explicado.: a) redução das matas virgens e declínio demográfico - configurando assim
crise de um sistema agrário cuja reprodução se faz pela in
corporação de mais terras e força de trabalho; b) manutenção do sistema de uso da terra, instrumentos e métodos de trab� lho agrícola - o que demonstra a persistência em seu definha
5.
wento do sistema agrário; c) substituição progressiva da agr� cultura extensiva por urna pecuária igualmente extensiva, onde se fazem presentes elementos (uso extensivo da terra e aplica ção reduzida de um trabalho adicional) daquele sistema.
29) O caráter não-capitalista das relações de produção pós -escravidão na agricultura cafeeira, em Paraíba do Sul, deve -se à persistência (em seu definhamento) do sistema agrário
da economia de exportação. E isto é percebido pela manuten
ção de um sistema de uso da terra que permite a combinação da produção de çêne]:()s de subsistência com o café - o que se tra
duz numa situação em que o trabalhador direto livre aparece
"associado" aos meios de produção, produzindo parte de seus
meios de subsistência, enquanto valor de uso. Por sua vez, a articulação dessas relações não-capitalistas de produção res pond1a às necessidades de funcionamento daquele sistema, ao garantir a manptenção do trabalhador direto a baixos custos de produção.
Sendo assim, no momento da elaboração de nosso projeto de cissertação, tínhamos duas preocupações básicas: com o sist� ma agrário da economia de exportação e com o regime de trab� lho pós-trabalho escravo. Pretendíamos através da caracter!
zação deste sistema e de seu comportamento no tempo, .perceber
a articulação daquel_as relações. Entretanto, na continuida
de da pesquisa, a nossa atenção cada vez mais se dirigiria p� ra o sistema agrário, ficando, na prática, em segundo plano o estudo da transição para o trabalho livre. Em outras pala vras, o estudo do sistema agrário se tornou para nós cada vez mais importante do que propriamente à organização das formas sociais de trabalho pós-escravidão.
A partir desse momento, procuramos através de uma dada r� gião entender a lógica do sistema agrário da economia de e�
portação. Deste modo, o estudo da região de Paraíba do Sul
tornou-se, para nós, urna forma de dar concretude àquilo que considerávamos como características gerais do funcionamento
daquele sistema, forma de produção, cuja existência não se
restringia aos estreitos limites de urna região, mas antes f�
�reensão da historicidade de uma dada região, procuramos desen volver uma primeira abordagem dos traços de uma forma de prod� ção historicamente definida.
Nesta medida, expressões corno "brutal rotina", frequenteme!:!_ te utilizadas por publicistas do século XIX, para definir a não mudança dos métodos agrícolas presentes no sistema agrário da economia de exportação, passaram para nós a ter mi outro sen tido. Ao nosso ver, elas indicariam os mecanismos próprios de reprodução daquele sistema, enunciando assim uma racionalidade sue lhe era peculiar. Por sua vez, essa "brutal rotina", ou que é o mesmo, a repetição no tempo dos mesmos padrões de com portamente na lavoura, informava sobre a possibilidade de cons trução de um modelo teórico para �quela forma de produção. Afi nal, corno afirma Wi told I<ula: "cada sistema foi criado por pe� soas, com seus padrões repetidos de comportamento e reaçao. Uma vez criado, foi, durante muito tempo, um poder deterrninan te �rn suas vidas" (B).
Assim sendo, pretendendo apreender alguns dos traços gerais do sistema agrário, exemplificando-os em Paraíba do Sul, nesta fase de trabalho procuramos limitar a nossa investigação ao sistema de uso da terra e instrumentos de trabalho, aos meca nisrnos de reprodução e às relações de produção presentes naqu� le sistema. Por sua vez, ternos consciência que a abordagem desses elementos consiste apenas de uma primeira aproximação sem ma.iores pretensões. Ao mesrro tempo, ao eleger aqueles pro blernas, sabíamos também que estávamos restringindo a nossa pe� quisa. Poderíamos aqui enumerar uma série de outros proble mas que necessariamente deveriam entrar para a conformação de um sistema, como é o caso do estudo das relações entre o ritmo ce reprodução e as variações de mercado internacional, estrutu ra fundiária, ele�entos institucionais, etc. Estamos cientes que mesmo a apreensão dos traços de reprodução caquele sistema é limitada, essa tarefa necessitaria que alérr da produção nos detivéssemos na fase de circulação, retendo assim o ciclo coM pleto da reprodução.
-Outrossim, para uma melho� apreensao daquele sistema na re gião, precisaríamos ter analisado urr. rn2.ior núrn.ero de docur.i.en
7.
tos. Além de inventários e contas de tutela, deveríamos ter nos detido também em livros de notas que informam sobre compras e vendas de terras, registros paroquiais (movimentos populacio nais), processos crime, etc. Ao mesmo tempo, seria necess2rio uma investigação mais sistemática das contas de tutela e inven tários. Nesse Último, ao invés de 10 em 10 anos, deveríamos ter
feito um levantamento de 5 em·s anos ou mesmo de 2 em 2 anos.
E, finalmente, se hoje fôssemos iniciar a nossa pesquisa a sua deliniitação seria outra. Não avançaríamos até 1920, mas
sim recuaríamos para antes de 1850, para o período (anos de
1830) em que se verifica a. montagem do sistema na região. Proc� raríamos também trabalhar com uma outra área, possibilitando a� sim um estudo comparativo, e com isso tornando mais segura aque la caracterização do sistema.
Por conseguinte, estanios cientes da limitação do presente trabalho. Talvez se tivéssemos tido mais tempo ou um apoio in�
ti tuc'ional mais efetivo, no tempo da pesquisa, o nosso trabalho
pudesse ter uma melhor qualidade. Entretanto, apesar de nossa dissertação conter urn pouco de frustação, para nós ela consiste um primeiro passo para um trabalho, que deverá ser continuado numa fase posterior, cujo resultado pretendemos que seja a cons trução de um modelo teórico.
na presente fase, para caracterização do sistema, parti -mos principalmente da noção e.e frequência de cu.ltivo construída
(9) - .
por Ester Boserup e de reproduçao extensiva apresentada por
Emílio Sereni (lO). A utilização desses conceitos, no texto,não será feita de maneira estanque. Ao nosso ver, a aplicação do conceito de reprodução extensiva não só seria explicada pelas li gações do sistema com� mercado externo, mas também pela fre -qüência de cultivo presente na base daquela forma de produção.Er.1 outras palavras, o entendiRento do caráter extensivo (não mudan ça técnica na lavoura) aa reprodução da(Juele sistema agrário r:e._s saria pela presença de um sistema de uso da terra que represen tava urna pequena inversão de trabalho por alqueire e, onde Uina mudança (para uni modo de cultivo "menos rudi�entar") significaria um aumento do terr.?o de trabalho. Caí a "rotina" na lavoura.
Outrossim, elaboramos alguns pontos que, ao nosso ver,6� vem ser levados em conta na construção de um modelo explicati vo do sistema agrário da economia de exportação, particularmen te, aquele fundado .no trabalho escravo:
1 - A baixa relação população - terra, configurando urna peque na den,-sidade demográfica, permite à conformação de um sistema de uso da terra em que as matas substituem o emprego de um tr� balho adicional na recuperação das terras. Trata-se de um sis
tema de uso da terra em que a inversão de trabalho por
alquei-re é alquei-reduzida, e isto traduziria na articulação de uma agricul
tura (tanto de alimentos como de exportação) desenvolvida por
métodos extensivos.
2 - Sistema agrário voltado para o mercado internacional e fun dado na extorsão do sobre-trabalho. No interior do processo produtivo da fazenda percebe-se a combinação entre a agricultu ra de exportação e de alimentos.
3 - A reprodução é feita pela incorporação de mais força de
trabàlho e mais terras (fronteira �óvel). A inversão do so bre - trabalho na lavoura, condicionada pelo sistema de uso da terra, ass�B um caráter extensivo não gerando uma mudança té� nica. As ligações com o mercado internacional imprime um rit mo próprio, quanto à frequência, à reprodução extensiva. A in corporação de mais força de trabalho se )\_faz com relativa auto
nomia (tráfico de escravos) em relação à demografia local: o
que permite a manutenção do ritmo de reprodução extensiva.
4 - A baixa relação trabalho-terra faz com que a extorsão do sobre-trabalho apareça ligada a mecanismos de controle sobre o trabalhador direto.
5 - A presença do sistema de roça na agricultura de alimentos na fazenda, possibilita a "associação" do trabalhador dire to aos meios de produção, conferindo às relações de produção� caráter não-capitalista.
6 - Devido ao caráter extensivo da reprodução do sistema agr�
rio, há um fráqil equilíbrio entre o tempo de trabalho exceden te e o necessário. A magnitude do sobre-trabalho aparece, em
�arte, condicionada à produção de alimentos desenvolvida no
interior da fazenda.
9.
7 - � "crise" do siste�a agrário da economia de exportação se explicaria pela "degradação", isto é, gradativa diminuição da sua capacidade reprodutiva, representado pelo fechamento da fronteira agrícola. Em Paraíba do Sul, a redução das matas se combinaria ao fim do tráfico de escravos, ou seja, o forneci -men to de "mais força de trabalho".
Esses pontos serão desenvolvidos no decorrer do traba.lho. Nos dois primerios capítulos procuramos caracterizar o sisterra, no Último, nos detemos no seu definhamento na região.
Uma Última observação, na reconstituição do espaço de
Paraíba do Sul, nos valemos dos limites da sua organização ad ministrativa, isto é, da área municipal da referida cidade no século XIX. Nesta medida o espaço de Paraíba do Sul, para e feito de nossa pesquisa, será constituído pelas Freguesias de são Pedro e são Paulo, Santo �ntonio da Encruzilhada, Sant'Fna de Cebolas e Nossa Senhora da Conceição de Beraposta. A Fregue sia de são José do Rio Preto, aoesar de meados do século passa �
-do fazer parte de Paraíba -do Sul, não será por nós estudada,na
medida em que no final do século XIX era desligada daquele mu nicípio, passando a pertencer a Petrópolis.
Referências
1 - José de Souza Martins, O Cativeiro da Terra (São Paulo: Li-vraria Editora Ciências Eumanas Ltda,· 1979).
2 - Idem, Ibidem, p. 18 e 19. 3 - Idem, Ibidem, p. 13.
4 - A palavra associação aparecerá no texto entre aspas, princ! palmen te, quando nos referimos à "associação" c1o produtor di
reto aos meios de produção no regime de trabalho pós-escra vidão. Isto porque, não se trata de urna associação igual a do período da escravidão, em que o trabalhador direto não era proprietário de sua força de trabalho, sendo ess a e os meios de produção propriedades do fazendeiro. No regime de trabalho pós-escravidão, apesar do trabalhador direto livre, como o escravo, produzir parcialmente os seus 0êneros de subsistência sem a mediação do mercado, ele se encontrava fu '
-
-plarr.en te livre não só j uridicarr,en te mas corr.o também não de-tiriha a propriedade dos seus meios de produção. A sua "as sociação" aos meios de produção na elaboração daqueles gen� ros se dava no interior da fazenda, ou seja, com a mediação do fazendeiro. Deste modo trata-se c:e ur.i.a "associação" queguarda uma certa particularic.ac.e em relação à escravidão·. A expressão "associação" aos
so, refere-se principalmente não receber um salário com o
meios de producão, no nosso ca ,
-ao fato do �rabalhador direto
qual fosse ao mercado retirar a totalidade de seus meios de subsistência.
5 - Karl Marx, Con�buição para a Crítica da Economia Política, 4? ed. ( Lisboa: Editorial Estampa, 1975)p. 28.
6 - Hector Perez Brignoli, Economia Política del Caf� em Costa Fica 1850-1950, n9 5 ( San José: Centro de Investigaciones Históricas/Universidade de Costa Fica, 19 81) �. 2.
7 - Ciro Flamarion
s.
Cardoso, Agricultura, Escravidão e Capit�lismo ( Petrópolis: Vozes, 1979)p. 16.
8 - Witold Kula, "Da tipologia dos Sistemas Econ6micos", in : Jacqueline Fourastie et. al. Economia, 39 ed. ( Rio de Janei ro: FGV, 198J) p. 121.
1 1 .
9 - Ester Boserup , Las Condic iones de l Cesarro;I.lo en 1 2. 1-_gricul tura (Madrid : Editorial Te cnos , 19 6 7 ) .
10 - Emi lio Sereni , " Lo s Problemas Teorices y Metodologicos " in : Emilio Sereni , Agricultura y Cesarrollo cel Cápitalismo
1. SISTEMA DE USO DA TERRA E· INSTRUMENTOS DE TRABALHO
Encravada no vale do Paraíba, a meio caminho entre Minas Ge rais e o Rio de Janeiro e cortada pelo rio que lhe dá o nome, Paraíba do Sul tem a sua topografia marcada por um relevo de pequenas elevações. Essas ondulações, comumente denominadas de
"mar de colinas" ou meias-laranjas", se estendem paralelamente ao eixo geral sudoeste-nordeste da serra do Mar e do rio Parai ba. (l) Van Delden Laerne, percorrendo o vale na segunda metad; do século passado, observa que em decorrência da decomposição causada pelo calor tropical, pela humidade e pelos ácidos de origem vegetal, a superfície do terreno das colinas arredonda das da regíão tinha geralmente aspecto avermelhado. A cor do solo, ao lado da sua altitude seria um dos critérios utilizados pelos futuros fazendeiros de café para a apreensão da qualida de das terras. < 2)
Segundo a prática agrícola desenvolvida no decorrer do séc� lo XIX , seriam estas meias-laranjas os melhores locais para a plantação do café. Em meados do século passado, Tschudi, afir mava que "assim como para as vinhas, prefere-se também para o café os terrenos ondulados ( . .. ) a experiência feita em todo o Brasil comprovou que o café crescido em terras onduladas e
se-.. ( 3 )
-cas e o melhor". O Barao de Paty de Alferes (fazendeiro no município vizinho de Vassouras), em sua memória sobre a fund� ção e custeio de uma fazenda na Província do Rio de Janeiro (1860), considerava que as cabeças de morros, além de fornece rem "madeiras de primeira qualidade para construção, produzem muito café e mandioca, e depois de mais safadas também dão ex celente feijão e milho ". ( 4)
Quanto à fertilidade dos solos, as margas argilosas e as
gredas arenosas do vale permitiriam, nos primeiros tempos, a produção de cafezais florescentes, contudo, a sua fertilidade seria efêmera. (S) Van Delden Laerne, anota q ue a mata virgem frequentemente tinha pouca matéria orgânica, a espessura do humus era pequena. éaracterístico dos solos porosos e areno -sos, as terras do vale não retinham em sua superfície as subs tâncias orgânicas que em consequência eram dissolvidas nas águas. ( 6)
13. Em estudos recentes observou-se que aqueles solos (laterít� cos), apesar de certa fertilidade, são "sujeitos a se esgota rem rapidamente pela perda de seus elementos constitutivos es senciais, ta�s como· a matéria orgânica" (?). Por conseguin te, após um certo período de cultura, as terras da região do
Rio, tornavam-se impróprias à continuidade dos trabalhos agrí colas. (8).
No que diz respeito ao clima do vale do Paraíba, este é, a grosso mo90, moderado o ano todo. Os meses de inverno são se-cos com noites relativamente frias, sendo comuns as neblinas matinais que se elevam dos cursos d ' água e se dissolvem quan do o sol esquenta a terra. Os meses de verão trazem chuvas pe sadas; a queda pluviométrica varia entre 100 a 150 centímetros anuais, assumindo frequentemente a forma de aguaceiros torren ciais; no resto do ano, as chuvas são escassas. (9) Os traba lhos agrícolas como a plantação de gêneros de subsistência, queimadas, capinas e colheitas do café, que eram organizados segundo os padrões climáticos da região, no final do século XIX, seriam perturbados pela mudança desses últimos. A forma pela qual eram realizados aqueles trabalhos levaria à altera ção das estações, da distribuição das chuvas durante o ano, e com isso modificaria o próprio ritmo da produção agrícola.
No início do século XIX , a bacia do rio Paraíba era quase
toda constituida por florestas virgens. são frequentes as re ferências de viajantes e botânicos, que penetravam o interior do Rio de Janeiro, à presença de matas virgens e à pequena den sidade demográfica. José Saldanha da Gama, por exemplo, em seus estudos sobre os vegetais seculares do Rio de Janeiro
descrevendo os bosques virgens de Paraíba do Sul, anota ã pre sença de diferentes árvores e se refere à existência de gran des raí zes contorcidas que se estendiam de 12 a 40 metros pel� encostas. (lO) Tschudi, ainda em 1860, fala das dificuldades para o botânico na identificação e classificação das diversas árvores existentes na floresta do Rio de Janeiro. "Mesmo o mais avisado dos botânicos jamais poderá obter resultados sa tisfatórios em excursões pela floresta ( . . . ) grande número de vezes não é possível conseguir-se folhas ou flores das mesmas derrubadas a tiros. Abater a árvore seria outra tentativa sen
resultado, pois a densa selva, composta de vegetais de inúme ras espécies ( . . . ) tornaria impossível a tarefa"( l l).
Saint-Hilaire, percorrendo em princípios dos anos de 1820 o "caminho do comércio ou mais vulgarmente o caminho novo ou estrada nova", via que ligava o Rio de Janeiro a Minas Gerais, por diversas vezes se refere à frequência de natas virgens e do terreno ondulado corno sendo a característica da paisagem pela qual passava aquela estrada( l2). Criada no século XVII, o "c� rninho novo" vinha substituir o "caminho velho" (parcialmente � rítirno e passando por são Paulo) na ligação entre a cidade do Rio de Janeiro e as lavras mineiras. Em função des sa estrada surgiriam os primeiros núcleos populacionais em Paraíba do Sul.
Apesar de se encontrar nas bordas de urna importante via de comunicação, em primórdios do século pas sado, o Curato de Pa raíba do Su, l apresentava urna fraca densidade demográfica, ade-mais como toda a região circunvizinha. Em suas viagens a Mi nas G.erais, Saint-Hilaire, somente de vez por outra anota a presença de ranchos, locais em que se detinham as tropas de mu las para descansar e alimentar tropeiros e anirnais ( l 3) .Luccok� ao viajar para Minas em 1817, escreve sobre o contraste entre o intenso tráfego da estrada e a fragilidade dos lugarejos que a margeiarn. Nenhuma igreja até o Paraíba indica a germinação de um arraial, nos informa o viajante inglês, mesmo o Registro na travessia do Paraíba, se constitue apenas de um rancho e alguns casebres de palha{ l 4).
Uma das poucas referências sobre a população da região, em
princípios do século XIX, nos é dada por Pizarro. "A jurisdi
ção paroquial (Freguesia de são Pedro e são Paulo da Paraíba)
compreende, na distância de pouco mais de 7 léguas (5 léguas
ao norte e 2 ao sul) , três fazendas únicas, da Várzea, da Pa.
raíba e de Paraúna ( . . . ). Ã proporção dos limites extensos, e
quase desertos (principalmente as cinco léguas que correm do lugar da Freguesia ao Paraúna) onde o número de fogos não exce
dia a 60, e o total das pessoas adultas, que não passava muito
de 500 (segundo o rol do Pároco)" (l5). Tempos depois, Mil let
t.
15.
localidade fora elevada a essa categoria pelo decreto de
1
5/1
/1
833) F afirma que: " O distrito d ' esta nova Villa encerraas freguesias de Cebolas, de são José do Rio Preto, a igreja :f! lial da Apparecida, e a própria freguesia da Villa, em cujo termo se acha a povoação de Matozinhos ( . . . ). A população des te districto
excepção dos cias uns dos
não corresponde à da Villa se acham outros " ( 16) .
sua extensão ( . . . ). Todos, à derramadas, e a� grandes distân
I
Na época em que Pizarro escrevera, a agricultura da locali dade se resumia à cultura da mandioca, do milho e de alguns le gunes "para sustento de seus habitantes, e comércio com os viadantes da Estrada Geral" . E "além do café, cuja a plant� ção felizmente tem propagado, nada mais exportam os fazendei -ros " . Segundo ainda Pizarro, "nenhuma fábrica de açGcar, a guardente, ou de louça s.e acha no districto11
!
17
)Mais ou menos cinquenta anos depois de Pizarro, Castelnau , no final da primeira metade do século XIX , escrevia o seguinte sobre a região. A cidade de Paraíba do Sul"possui uma centena de casa, todas de um só andar" , o que atesta o pequeno desen volvimento do nGcleo urbano. E isso é confirmado pela inexis tência de referências à atividades artesanais que na região t� ves se expressao. Continuava não existindo "Fábricas de Louça" e era "pouco importante o comércio da cidade; seria sem dGvida nulo, se a sua posição não a tornasse ponto de descanso quase necessário às caravanas que passam pela estrada de Minas ".
Entretanto se as atividades não agrícolas. da região se en contravam em situação semelhante da época de Pizarro, o mesmo não pode ser para a agricultura. " Há nos arredores muito be
- - - . h .. (18) �
las plantaçoes de cafe, cana-de-açucar e de mil o . Ja
nesta época o sistema agrário da economia de exportação impri mia uma nova fisionomia aos campos de Paraíba do Sul. As ma tas estavam sendo substituidas pelas fazendas de café.
1
. 1. A Agricultura de AlimentosA baixa densidade demoqráfica, a disponibilidade de ma �
-tas virgens, permitiria a configuração de uma agricultura
principais fatores de produção consistiriam na mão de obra e terra, ficando em segundo plano as técnicas e instrumentos de trabalho. Em outras palavras, a baixa relação homem-terra in
fluenciaria a forma de produção agrícola desenvolvida no vale do Paraíba.
Segundo Slicher Van Bath( l 9) existe uma relação entre
a terra de trabalho (área), a intensidade da utilização do so
lo (técnica agrícola) e o volume da população; a capacidade de
produção e reprodução da vida material na agricultura depende ria da intensidade daquelas relações. Isto pode ser represen
tado pela figura abaixo, .na qual é retratada uma agricultura
rudimentar.
FIGURA N9 1
MG - Meio Geográfico
P - População
A - Ãrea do Solo Cultivado
f
tt
TT- Técnicas e Conhecimentos Agrícolas
Fonte: Slicher Von Bath, História Agrária de Europa Ocidental
(Barcelona: Ediciones Península, 1978) p . 16.
Na agricultura européia, antes das melhorias introduzi
das nos séculos XVII� e XIX, a capacidade produtiva da empresa
agrícola estava condicionada pela superfície da terra de cul tivo, número de animais necessários para os trabalhos nos ca�
pos (transporte e adubo) e superfície dos pastos. No perío
do de que estamos tratando, as técnicas permaneceriam mais ou menos constante� �2 0)
Desenvolvido no decorrer dos séculos XI e XIII , o .sis
tema trienal de rotação de terras, sistema que dominaria a
17. e XIX, implicava em deixar um terço da terra em pousio cada ano, tempo este que, por si só, era insuficiente para a recup� ração da produtividade da terra. Nessa medida, durante aquele período, a intensidade do cultivo estava diretamente condicio nada à capacidade de adubação, isto é, na dependência do núme ro de gado presente na empresa agrícola, cujo estrume ajudava na recuperação da fertilidade do solo. ( 2l). Para Duby, "a in
terdependência entre as atividades de cultivo e pastoreio é a chave do sistema agrícola tradicional da Europa11 ( 22).
Nesse sistema agrícola} a vulnerabilidade da unidade � grícola é revelada pela baixa proporção semente-colheita (1- 3
ou 1-4 ) na produção de cereais (trigo e centeio) (23
> .
Nestascondições, apesar da falta de adubo animal manter a tradição do pousio(24 >
,
o que conferia a esta agricultura um caráter e�tensivo, não se podia descuidar da força de tiro, sem atentar contra a produção. Isto porque a força de tiro era ao mesmo tempo força de fertilização da terra.
Outros sim, nesta forma de agricultura, a extensão de cultives frente à pressão demográfica e à falta de adubos, fo ra feita pela incorporação de mais trabalho à terra. Em ou tras palavras, para recuperar mais depressa as terras, o camp� nês europeu, com o arado puxado pelo boi ou cavalo , se dedica-ria mais aos trabalhos de revolvimento dos solos. Duby nos informa que a generalização do sistema trienal com a extensão dos cultives de cereais na Europa dos séculos XI e XII se fize ra "a custa da força de trabalho, do suor humano11 ( 2S) .
Por conseguinte, na agricultura européia pré-segunda � volução agrícola, para o bom funcionamento das empresas agrí colas, devia haver urna relação
qrj.m.a
entre as dimensões des sas, o número de seus membros e a quantidade da força de tiro. Isto nos permite reproduzir um outro esquema de Slicher Van Bath em que se leva em conta o contingente de gado e estrume no estabelecimento das dimensões da área cultivada; por suavez, esta área influia no número do gado, na medida em que
esse dependia do excedente de produtos agrícolas (sustento do
FIGURA N9 2 MG
i
)A/t
t�
MG - Meio Geográfico P - População A- Ãrea CultivadaT - Técnicas e Conhecimentos Agrícolas CG - Contingente de Gado
E - Estrume
Slicher Van Both, op. cit. p. 21
Segundo as descrições feitas por viajantes europeus s� bre � agricultura de alimentos empreendida na primeira metade do século XIX no Brasil, não nos parece que na interdependê� eia entre a atividade de cultivo e pastoreio residia a "chave" do sistema agrícola então dominante.
John Luccok, em 1817, no caminho para Minas Gerais, ob serva que, com o intuito de preparar as terras para urna lavou ra de milho, "deitam o mato abaixo, deixando de pé apenas as árvores grandes a que ateiam fogo ali mesmo, servindo as cin zas corno adubo. Escavam-se então buracos, sem qualquer prepa rativo de arado ou outra maneira de revolver o solo, a dezoito polegadas de afastamento uns dos outros, colocando-se três ·
grãos em cada qual e em seguida cobrindo-os e deixando-os ex postos à influência do sol e das chuvas ( . . . ). A fazenda é sempre arrumada de modo a que o mesmo talhão volte a ser cult! vado urna vez cada sete anos, permanecendo assim seis sem la vra" (2G).
Saint-Hilaire, ao se referir ao sistema de agricultura
brasileiro afirma que este é "baseado na destruicão das flores >
-tas, e onde não há matas não existe lavoura. ( . . . ) Quando se
faz a escolha de um terreno, não é ele revolvido, contenta� se em cortar, em altura conveniente, as árvores que o cobrem ( . . . ) quando passa a estação das chuvas se abatem as porções de
ma-19.
tas que se desejam cultivar; dá-se aos galhos tempo para secar e ateia-se fogo antes que as chuvas recomecem". (27 >
"Quando já fizeram", continua o autor, "duas colheitas em um solo outrora coberto de matas virgens, deixa-se o terre no repousar um pouco; brotam aí árvores muito mais delgadas q:e as primeiras ( . . . ) deixam-se estas crescerem durante cinco,
seis ou sete anos, segundo as regiões; cortam-se novamente queimam-se em seguida, e faz-se a plantação nas cinzas. Depois de uma única colheita, deixa-se a terra repousar novamente; no vas árvores aí tornam a crescer, e se continua da mesma manei ra até que o solo fique inteiramente esgotado" (2B). E quando isto ocorre após "sete ou oito colheitas em um mesmo campo, e às vezes menos ele* @griculto:fL o abandona, e queima outras ma tas, que em breve têm a mesma sorte" . ( 2 9)
Pelos trechos acima, percebe-se que o processo de pro dução na agricultura de alimentos (milho, feijão e mandioca)
se fundamentava num sistema de uso da terra em que a presença
e a disponibilidade das matas substituem a aplicação de um
trabalho adicional na refertilização dos solos. A frágil den sidade demográfica frente à extensão territorial permitia que periodicamente a terra, que antes tinha sido utilizada na pla� tação dos alimentos, ficasse durante um período de sete a oito anos em pousio, tempo em que se revertia em vegetação secundá ria, para a recuperação de sua fertilidade. E deste modo nao se neces sitava, desde que se mantivesse constante a relação d�
rnografia-terra, recorrer a outras técnicas de ·recuperação da
terra, corno a aplicação de adubos, que correspondem a um tra balho adicional.
Nesta forma de agricultura, o preparo da terra é feito mediante urna pequena inversão de trabalho, que se resumia na derrubada e queimada das matas, cabendo às cinzas o "trabalho" de fertilização. Segundo Ester Boserup, "as cinzas deixarn,rne diante a cowbustão da vegetação natural, suficientes princí pios nutritivos na terra para garantir altas colheitas" (30). Conforme dados fornecidos por Saint-Hilaire, o feijão planta do em terras de boa qualidade, dá quarenta por grão semeado; o
milho, em solo ingrato, não dá mais que oitenta; em terras
*
As palavras entre barras ([ ] ) foram por nós incorporadas ao texto original.boas, contudo, pode chegar até quatrocentos por um, sendo a média em terrenos regulares, de duzentos por � (3l). Nota-se, portanto, que a produtividade por hectare nesta forma de agri cultura de alimentos é superior àquela européia antes vista.
QCJ_DRO N9 1
Agricultura de Alimentos no Vale do Paraíba
século XIX e na Europa (Sistema Trienal de Rotação de Terras)
-Recuperação ! Preparação Ins trumentos Uso de ani Gêneros e r
e ferti liza I dos solos de Trabalho mais
Rendimen-' ção dos so= los Agricultura Pous io de Alimentos (7 a 8 anos) no Vale do Cinzas de Ve Paraíba - getação . século XIX .
Agricultura Pous io Anual
de Al imentos ( 1 / 3 das ter
na Europa - ras )
Sistema Trie Adubo Animal nal Fontes : Principais Queimadas , Enxadas , Derrubadas , Machados , Trabalhos c/ Cavadeiras . enxadas . Revolvimento
dos solos c/ Arado
o arado . tos por grao . Milho 1/50 Transporte Feijãol/10 * : em ter-ras de pior quali_ dade . T raba lho ' Tr i O }l / J nos campos , g ou Transporte , Fornecimen- Cevada 1/4 to de Adu-bos
1) Auguste de Saint-Hilaire , Viagens pelas Províncias do Rio . de Janeiro a Minas Gerais , op . cit . p . 90 .
2) John Luccok , Notas sobre o Rio de Janeiro em partes meridionais do
Brasil , op . cit . p . 255 .
3) Inventários - Cartório do 1 9 Ofício de Notas - Paraíba do Sul . 4) Georges Duby , Guerreiros e Camponeses , op . c it . p . 208-2 1 0 .
2 1 .
Quanto ao instrumental de, trabalho este correspondia a:,
sistema de uso da terra em vigor, consistindo basicamente na enxada, foice, machado e cavadeira (ver quadro Anexo n9 r) . PaE
tindo do pressuposto que o instrumental agrícola está vincul� do a um dado sistema de cultivo, Ester Boserup, demonstra que o sistema de uso da terra, cujas técnicas estão ligadas à der rubada e queimada das matas, sendo a sementeira e plantacão rea
.
-lizadas diretamente nas cinzas, o emprego do arado torna-se di fícil( 3 2). Isto é, o emprego do arado e de animais exige um
terreno permanentemente limpo de obstáculos, o que é difícil num tipo de agricultura cuja semeadura se faz em terras de der rubadas, enegrecidas pelo fogo, cobertas de troncos e galhos queimados, cheia de raízes( 3 3). Nessas condições, o instrurne�
• ( 3 4 ) A
-to mais adequado era a enxada . Um rnes apos a serneadura,s� ja do milho ou feijão, executavam-se os trabalhos de remoção das ervas daninhas empregando-se mais urna vez a cavadeira ou a enxada( 3S) .
Por outro lado, este modo de uso da terra, gerava urna "separação" da agricultura da pecuária, o que contribuia para impedir o emprego do adubo animal na primeira. Em outras pal� vras, o baixo nível das forças produtivas presente nesta forma de produção dá origem, de um lado, a urna agricultura extensiva e, de outro, a urna pecuária igualmente extensiva, Na agricul tura extensiva o uso do solo não tendo em contrapartida rnéto -dos de sua refertilização, após um certo período transforma a composição orgânica da terra dando origem a um tipo de veget� ção rasteira, a um solo imprestável para urna agricultura "pri mitiva", mas que pode consistir na base de urna pecuária
ex-. ( 3 6 ) - . .
-tensiva ; esta vegetaçao pode vir a ser alimentaçao do
ga-do.
Através do quadro Anexo n9 I, em que sao retratadas p� quenas explorações agrícolas de café e alimentos, observa-se a pequena quantidade de bovinos e equinos, sendo mais frequen te o suino. O que demonstra que nestas a criação de animais consistia mais num suplemento da dieta alimentar ou como meio de transporte do que um "instrumento" a ser utilizado direta mente na lavoura, seja corno força de tração nos trabalhos
cul-turais (não há a presença de arados entre os instrumentos de trabalho) ou como fornecedor de adubo .
Do que foi dito acima depreende-se que ao contrário da empresa agrícola européia a que fizemos referência, a capacid� de de produção (e reprodução) da exploração agrícola ligada à produção de alimentos do vale do Paraíba não estava condicion� da ao número de cabeças de gado, mas antes à extensão das ma tas virgens. Como nos informou Luccok, a organização da unida
de de produção em que se realizava a lavoura de alimentos era feita de modo a permitir a rotação entre as terras em culturas e as matas, ou melhor, de modo a possibilitar o pousio das te! ras que se encontravam antes em lavouras e a derrubada para a plantação de novas culturas em áreas (da mesma dimensão que a primeira) que antes estavam em pousio ou em matas virgens. Por conseguinte, a extensão da empresa agrícola devia ser tal que permitisse aquela rotação de terras, levando-se em conta o pe ríodo de pousio, e com isso garantir a reprodução do processo de produção�
Deste modo a relação optima a que Slicher Van Bath se reporta para a agricultura européia, entre a área em culturas o número de membros da empresa e quantidade do gado/capacidade de adubação, no nosso caso, o papel do gado é em parte substi tuido pelas matas, sua disponibilidade (frente a densidade de mográfica) substitui os métodos de refertilização da terra. Por tanto, estamos perante um sistema de uso da terra, em que as matas não consistem em terras incultas, mas antes fazem parte
(37)
-como demonstra Ester Boseup , do processo de produçao, de
sua repetição no tempo. E o esquema que poderíamos construir para tal forma de produção, seria um em que além das técnicas, população e área cultivada, leva-se em consideração o quantum de matas virgens.
2 3 . FIGURA N9 3 F M
�t(
>1:�
T
1 �
Te M - MatasAT- Ãrea de empresa (em culturas e Pousio)
A1, A2, � - Ãreas em cultivo anual p.- População
T - Técnicas
Na figura acima, há uma baixa relação entre população e terras de modo a permitir a rotação de terras, e nestas co� dições as técnicas se mantém constantes A área da empresa e� tá condicionada pelo número de membrcs da empresa, sendo que se deve levar em consideração o tempo de pousio. Este Último e lemento permite a elaboração da seguinte fór�ula: At= A1 x X
(período de pousio) + A1 (J S). Em nossa figura o tempo de pou sio é substituido pelas áreas A1, A2, An' que são periodica�e� te cultivadas, tendo portanto a mesma dimensão, na rotação de terras; An ' equivale ao período de pousio.
Nas condições dessa forma de produção, portanto, a
fronteira móvel, a disponibilidade de matas é um dado essen cial na sua reprodução. Duby, afirma que o camponês europeu éa
Idade Média, devido ao carácter extensivo de seu sistema agrá
rio (falta de adubos) era necessariamente um pioneiro habi
tua1< 3 9) . Em nosso caso, nos parece ainda mais correto est�
afirmação. Contudo, não tanto pela falta de adubos, mas an
tes pela presença de matas. Saint-Hilaire, considera que a
destruição das matas não era a única consequência do sistema de agricultura adotado no Brasil, a outra seria o abandono de po voações, "a imigração em massa para as fronteiras".
Pelo que dissemos, podemos inferir que o sistema de cultivo da agricultura de alimentos que dominou o Brasil e
particularmente no Rio de Janeiro, durante o século XIX, está mais próximo do indígena com a sua· agricultura itinerante de coivara, do que propriamente do europeu. Da agricultura indí gena não apenas se herdaram métodos como a queimada e instru mentos de trabalho como a cavadeira ou bastão de plantar, mas também os elementos da dieta alimentar, como o milho, o
fei-. -
a ·
( 4 0 )Jao e a man ioca
Parece-nos que o entendimento da configuração daquele sistema de uso da terra e das técnicas a ele correspondente
re
ve ser procurada na baixa relação homem - terra( 4l)e, por ou:tro lado, no fato de que este sistema permitia um pequeno di� pêndio de tempo de trabalho por hectare. Em outras palavras,
como afirma Ester Boserup, "é muito mais penoso cavar e remo ver um hectare que aclarar superficialmente a mesma quantida
de de terra com machado e o fogo" ( 42) . Trata-se de um modo
de uso da terra, em que a inversão de trabalho por hectare
inferior a de um sistema-de uso da terra que pressupõe o uso do arado e a aplicação de um trabalho adicional na recupera
ção da terra, como por exemplo, o emprego do adubo animal. Não se pode esquecer que o trabalho com o arado, além de sig nificar em si uma tarefa árdua, deve-se cuidar dos animais
u-tilizados como força de tração e, ainda, gastar uma grande
quantidade de tempo em coletar o estrume, preparo "compost" e
distribuí-lo cuidadosamente pelos terrenos ( 43) . Por outro 1�.
do, a eliminação do pousio e a plantação das forrageiras (peE
mitindo urna maior unidade entre agricultura-pecuária), carac
terísticas do sistema de uso da terra egresso da segunda re
volução agrícola na Europa (séculos XVIII e XIX) representa
-ram, ao mesmo tempo; um aumento do dispêndio de trabalho por hectare.
Talvez seja o que escrevemos acima que explique a suE presa de Saint-Hilaire, ao constatar que apesar da agricul tu ra em Portugal e de outras partes da Europa, no início do sé culo XIX, "nunca tenha sido tão florescente ( . . • ) os homens
�uropeus e seus descendentes] nunca tiravam proveito,
25.
parece que estes "homens" ao atravessarem o Atlântico tenham sido acometidos de uma amnésia permanente. O fato dos "pri meiros habitantes do Brasil(' assim corno seus atuais descenden tes, não sentirem a necessidade de "conservar
a
sua terra", a través da aplicação de adubos, deve-se à própria disponibilid� de de terras, _ ã possibilidade de através de urna pequena inver sao de trabalho, naquele tipo de agricultura, conseguirem al tas colheitas.1. 2. A Agricultura do Café
Retendo-nos agora na agricultura de exportação do café percebe-se que a nível das forças produtivas, ou melhor, das técnicas de produção,a lavoura de exportação é uma lavoura de alimentos alargada ou, mais precisamente, voltada para extor são do sobre-trabalho. Em outras palavras, observa-se em am bas as mesmas técnicas de preparo do solo, os mesmos instru -'
mentos de trabalho e um sistema de uso da terra semelhante.
Pelo censo de 1840(4 5) , período em que o café j á come
çava a dominar a paisagem rural da região, a densidade demo
gráfica em Paraíba do Sul era de mais ou menos 9 habitantes
por kilôrnetro quadrado( 4 6 ) . Esta baixa relação homem-terra
permitiria a persistência dos métodos de trabalho da agricult� ra de alimentos na lavoura do café e, de um sistema de uso da terra em que as matas substituem a aplicação de um trabalho a
dicional para a recuperação dos solos. Sendo que, pelo fato
do café (ao contrário da agricultura de alimentos) ser uma cul
tura permanente, podendo ter uma vida produtiva de mais ou me nos 25 anos, a existência e disponibilidade das matas ocupavam o lugar de um longo . período de pousio.
Considerando que, corno nos informa Waibel, a "capoeira
- h - "(4 7) . - .
e a mel or prova da rotaçao de terras , isto e, de um sis-tema de uso da terra em que as matas ocupam o lugar da aduba ção, verificamos que no Registro de Terras de 18 56 e 1857 rea lizado em Paraíba do Sul (naquelas declarações mais completas)
- . (4 8)
ao lado das plantaçoes e matas aparecem as capoeiras .
Co-rno é o caso da declaração de F�tônia Joaquina de
Nativida-( 49) - - .