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Integração de fatos formulativos e interacionais na construção do texto: um estudo a partir da topicalidade

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Academic year: 2021

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INTEGRAÇÃO DE FATOS FORMULATIVOS E INTERACIONAIS

NA CONSTRUÇÃO DO TEXTO:

UM ESTUDO A PARTIR DA TOPICALIDADE

FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS DE ASSIS/SP

2003

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INTEGRAÇÃO DE FATOS FORMULATIVOS E INTERACIONAIS

NA CONSTRUÇÃO DO TEXTO:

UM ESTUDO A PARTIR DA TOPICALIDADE

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação da Universidade Estadual Paulista, Campus de Assis, para a obtenção do título de Doutor em Letras, área de Filologia e Lingüística Portuguesa.

Orientadora: Profª. Drª Clélia C. A. S. Jubran

FACULDADE DE CIÊNCIAS E LETRAS DE ASSIS/SP

2003

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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central - UECE

P654i

Pinheiro, Clemilton Lopes

Integração de fatos formulativos e interacionais na construção do texto: um estudo a partir da topicalidade/ Clemilton Lopes Pinheiro. 2003.

223 p.; 31 cm

Orientadora: Profª Drª Clélia Cândiada Abreu Spinardi Jubran. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Estadual Paulista,

1. Lingüística. 2. Estratégia textual-interativa. 3. Interação. 4. Organização tópica. 5. Texto. I. Universidade Estadual Paulista

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CLEMILTON LOPES PINHEIRO

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação da Universidade Estadual Paulista, Campus de Assis, para a obtenção do título de Doutor em Letras, área de Filologia e Lingüística Portuguesa.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________ Profa. Dra. Clélia C. A. S. Jubran – Orientadora

___________________________________________________

___________________________________________________

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____________________________________________________

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À Karine, pelo amor e dedicação, essenciais no início deste trabalho,

Aos meus pais, pelo exemplo de perseverança e coragem,

Ao Gabriel, por ter compreendido a minha ausência,

À Nadja, pelos momentos de companheirismo,

Às colegas profas. Mônica, Nukácia, Áurea, Aluíza e Helenice, pela colaboração na análise da organização tópica dos textos,

À Isaura, pelos favores e sobretudo pela amizade, À Clélia, pela competente “desorientação”, fundamental para minha formação de pesquisador,

À UECE, pelo afastamento das minhas atividades docentes,

À CAPES, pelo apoio financeiro

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Neste trabalho, investigo a integração de fatos formulativos e interacionais, na construção do texto, a partir da análise da sua organização tópica. A análise da organização tópica leva em consideração a identificação e delimitação de segmentos tópicos e dos procedimentos pelos quais esses segmentos se distribuem na linearidade do texto e se recobrem hierarquicamente. A maneira como os segmentos tópicos, nível intertópico, e os enunciados que compõem esses segmentos, nível intratópico, se vinculam lingüisticamente na materialidade do texto constitui a estratégia textual-interativa que denomino de articulação tópica. Tomo, então, a articulação tópica como uma estratégia de formulação textual que apresenta demandas pragmáticas, e detecto os mecanismos pelos quais ela se atualiza em diferentes usos da língua, analisando-os como fatos textuais-interativos. Os postulados da Pragmática, da Lingüística Textual de orientação mais recente e da perspectiva textual-interativa formam o tripé teórico que orienta o trabalho. Os dados foram coletados em um corpus constituído de textos selecionados entre gêneros textuais prototípicos de fala e de escrita e intermediários: carta pessoal, artigo de opinião, artigo científico, conversação espontânea, aula, palestra, entrevista falada e escrita e reportagem, de televisão e de revista. Os resultados mostraram que, como mecanismos de articulação tópica, são empregados marcadores discursivos, formas referenciais, formulações metadiscursivas, perguntas e paráfrases, que realizam, tanto no plano da constituição interna dos segmentos tópicos mínimos, intratópico, como no plano da articulação desses segmentos entre si, intertópico, movimentos que sinalizam a construção textual, relacionados a diversos aspectos do processo interacional.

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operation of the text, starting from the analysis of its topical organization. The analysis of the topical organization takes in consideration the identification and delimitation of topical segments and of the procedures for the which those segments are distributed in the sequencing of the text and is recovered hierarchically. The way as the topical segments, level intertopical, and the statements that compose those segments, level intratopical, is linguistically linked in the text surface constitutes the textual-interactive strategy that denominate of topical articulation. I take, then, the topical articulation as a strategy of textual formulation that it presents pragmatic demands, and I detect the mechanisms for the which she is used in different instances of the language, analyzing them as textual-interactive facts. The postulates of the Pragmatic, of the Textual Linguistics of more recent orientation and of the textual-interactive perspective they form the theoretical tripod that guides the work. The data were collected within a corpus constituted of texts selected among spoken, written and intermediate prototypical textual genres: personal letter, opinion article, scientific article, spontaneous conversation, class, lecture, written and spoken interviews and of magazines and televisions report. The results showed that, as mechanisms of topical articulation, discursive markers, referential forms, formulations metadiscursivas, questions and paraphrases are used. This mechanisms accomplish, so much in the plan of the internal constitution of the minimum topical segments, intratopical, as in the plan of the articulation of those segments to each other, intertopical, movements that signal the textual construction, related to several aspects of the process interactive.

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2. MODELOS TEÓRICOS DE ABORDAGEM DO TEXTO ... 18

2.1. OS ESTUDOS SOBRE O TEXTO E O DISCURSO... 18

2.2. PRAGMÁTICA... 22

2.3. LINGÜÍSTICA TEXTUAL... 25

2.3.1. O conceito de texto ... 27

2.3.2. A composição do texto ... 29

2.4. PERSPECTIVA TEXTUAL-INTERATIVA ... 46

2.4.1. A análise textual-interativa no contexto do PGPF... 46

2.4.2. A extensão do enfoque textual-interativo... 49

2.4.3. O processo interacional... 52

3. O TÓPICO DISCURSIVO COMO CATEGORIA ANALÍTICA TEXTUAL-INTERATIVA ... 60

3.1. O CONCEITO DE TÓPICO ... 60

3.2. A ORGANIZAÇÃO TÓPICA... 69

3.3. O SEGMENTO TÓPICO ... 80

3.4. TÓPICO DISCURSIVO E ESTRATÉGIA TEXTUAL-INTERATIVA ... 85

4. A INTEGRAÇÃO DE FATOS FORMULATIVOS E INTERACIONAIS NA ARTICULA ÇÃO TÓPICA ... 88

4.1. PROCEDIMENTOS ADOTADOS NA ANÁLISE... 88

4.2. MECANISMOS DE ARTICULAÇÃO TÓPICA... 92

4.2.1. Emprego de Marcadores Discursivos ... 94

4.2.1.1. O emprego de marcadores na seqüenciação tópica ...104

4.2.1.2. O emprego de marcadores na retomada após inserção parentética ...116

4.2.1.3. O emprego de marcadores na retomada de discurso após interrupção situacional...125

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4.2.2.2. Reiteração de um mesmo referente ...154

4.2.2.3. Conferição de estatuto de referente a um conjunto de informações difundidas no cotexto...167

4.2.3. Emprego de formulações metadiscursivas ...179

4.2.4. Emprego de perguntas ...191

4.2.5. Emprego de paráfrases...200

5. CONCLUSÃO...211

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...217

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1. INTRODUÇÃO

Saussure, no início do século XX, lançou as bases para a compreensão do conceito de estrutura, e desencadeou os estudos científicos da linguagem. Opondo-se a todos os critérios normativos e elitistas subjacentes à concepção de linguagem dominante até então, esses estudos se caracterizam pela formalização e pela abstração. A língua é vista como um sistema de signos, uma entidade abstrata, exterior ao indivíduo.

Por volta da década de 1970, outros lingüistas passaram a voltar sua atenção para a linguagem enquanto processo interacional dinâmico. Considerou-se, a partir de então, a própria essência do homem, que é social, discursiva e contextual. Dessa forma, os estudos lingüísticos, pós-estruturalistas, caracterizam-se pela consideração do processo discursivo. A significação torna-se fluida e cambiante. Da mesma forma, o sujeito produtor da linguagem passa a ser visto no contexto de um processo cultural e social.

Como a linguagem é discursivamente produzida, as diferenças não são mais absolutas, mas relativas às suas condições de produção, o que torna o signo descentrado, subjetivo, contraditório e fragmentado. As estruturas lingüísticas não significam por si mesmas, mas pelo sentido que se dá a elas, em um intercâmbio comunicativo. Nas referências feitas ao discurso, assinala-se uma preocupação não só com o que as estruturas significam, mas sobretudo com o valor discursivo que elas assumem em uma relação interacional complexa. A língua não pode mais ser tomada como um elemento isolado do seu uso, porque o discurso pressupõe que não existe um só sentido, mas diversos sentidos.

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Essa nova posição dos estudos lingüísticos é a base para a reflexão que desenvolvo nesta pesquisa. Tomo como objeto de análise o texto, concebido como o espaço de interação em que dois ou mais interlocutores, dialogicamente, nele se constroem e são construídos. O enfoque teórico compatível com essa perspectiva de texto é o textual-interativo, segundo o qual os dados pragmático-situacionais se introjetam no texto, de forma que o interacional é inerente ao lingüístico. Esse enfoque parte, então, do texto, como unidade global de análise, identifica processos de composição textual e infere funções pragmáticas relativas a esses processos, que são, assim, entendidas como estratégias textuais-interativas.

A estratégia textual-interativa objeto desta reflexão é a articulação tópica. A topicalidade é tomada como um princípio organizador do texto. A análise da organização tópica leva em consideração a identificação e delimitação de segmentos tópicos e dos procedimentos pelos quais esses segmentos se distribuem na linearidade do texto e se recobrem hierarquicamente. Dessa forma, é possível depreender dois planos de organização tópica do texto: um horizontal, correspondente à progressão dos tópicos no desenrolar do texto; e outro vertical, decorrente de uma sucessiva especificação do tópico em pauta. Esses planos de organização tópica constituem estratégias de montagem do texto, em função das relações interpessoais dos interlocutores.

A maneira como os segmentos tópicos, nível intertópico, e os enunciados que compõem esses segmentos, nível intratópico, se vinculam lingüisticamente na materialidade do texto constitui a estratégia textual-interativa que estou denominando de articulação tópica. A distinção entre os níveis intra e intertópico é uma opção

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metodológica, para englobar tanto a análise interna de cada segmento tópico mínimo, depreendido na linearidade textual, quanto a análise das articulações entre esses segmentos.

Tomo, então, a articulação tópica como uma estratégia de formulação textual que apresenta demandas pragmáticas, e detecto os mecanismos pelos quais ela se atualiza em diferentes usos da língua, analisando-os como fatos textuais-interativos. Meu objetivo geral, nesta pesquisa, é, portanto, investigar a integração de fatos formulativos e interacionais, na construção global do texto, a partir da análise da sua organização tópica.

Muitos são os trabalhos que estudam a organização global do texto e a atuação de aspectos de natureza pragmática nessa organização. No entanto, esses dois aspectos são comumente considerados separadamente, ou seja, estudam-se, na construção do texto, de um lado, os aspectos lingüísticos, de formulação, e de outro, os de natureza pragmático-interacional. Esta pesquisa vem, portanto, contribuir para o entendimento da organização do texto, tanto falado como escrito, na perspectiva segundo a qual o seu processo de formulação está ancorado no processo interacional.

Para a análise, procurei constituir um corpus diversificado em termos de gêneros textuais e de modalidade falada e escrita, com o propósito de verificar, primeiramente, nessa diversidade, se há a recorrência de mecanismos de articulação tópica. Além disso, fui guiado também pela hipótese de que um corpus heterogêneo me daria possibilidades de perceber uma diversidade de fatos formulativo-interacionais, já que estou considerando a articulação tópica como uma estratégia de construção do texto, interacionalmente motivada. Esse levantamento, inevitavelmente, não poderia

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deixar de passar pela discussão sobre relações entre fala e escrita e sobre tipologias textuais.

Como essa questão é bastante complexa e o fato de aprofundá-la poderia desvirtuar o trabalho do seu propósito principal, optei por analisar alguns estudos já disponíveis e relacionar as principais conclusões aos objetivos da pesquisa de modo a estabelecer os critérios de constituição do corpus.

Num trabalho sobre classificação de gêneros textuais, Marcuschi (1999a) destaca questões fundamentais para a discussão sobre tipologias textuais e sobre a relação fala e escrita. Uma dessas questões diz respeito à distinção entre tipo e gênero de texto.

Além da falta de um consenso terminológico nas classificações textuais, que incluem “tipo de texto, gênero textual, classe de texto, forma textual, espécie de texto”, segundo o autor, as propostas de tipologias textuais não distinguem “tipo como fenômeno teoricamente claro e empiricamente heterogêneo enquanto forma textual, e gênero como fenômeno teoricamente pouco claro e muito difuso, mas empiricamente claro e constituído como forma textual realizada de fato” (1999a, p. 27-8). O autor, então, sugere a necessidade de determinar com certa precisão o que se entende por gênero ou tipo textual.

Marscuschi (1995, 1999a) considera que os tipos textuais, tradicionalmente estudados e designados como narração, descrição, argumentação, exposição e injunção, são construtos teóricos, e, por não haver textos homogêneos em relação a esses tipos, não dão conta dos textos efetivamente produzidos na fala e na escrita. Para o autor, um

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tipo textual é algo bem diverso do que uma forma textual empiricamente realizada. “Uma forma textual se dá como um evento de fala e é uma ocorrência empírica de um tipo possível, mas raramente se realiza como um tipo puro numa dada circunstância” (1999a, p. 42).

Essas formas lingüísticas “empiricamente realizadas” são identificadas com base no conhecimento intuitivo do falante sobre formas de comunicação manifestadas em determinados textos. A sua pluralidade constitui os gêneros. A noção de gênero é vaga, reconhece o autor, mas empiricamente clara. “Um gênero seria, pois, uma noção cotidiana usada pelos falantes que se apóiam em características gerais para identificá-lo” (1995, p. 3). Designações do tipo o artigo sobre..., na aula de hoje, a carta de minha

mãe e muitas outras são bastante claras e mostram que esses gêneros têm elementos

distintivos suficientes para serem identificados com relativa segurança, embora não haja indicadores que possibilitem uma organização da tipologia.

A noção de gênero textual que leva em conta o conhecimento partilhado sobre formas de comunicação realizadas em contextos específicos de uso, oposta à noção de tipo textual que leva em conta um construto teórico, vai ao encontro da perspectiva teórica deste trabalho, segundo a qual os usos lingüísticos são impregnados pelo contexto de produção. Essa noção se apresentou, então, como um primeiro e fundamental aspecto a ser considerado na constituição do corpus.

Uma outra questão que emerge da discussão de Marcuschi (1999a) diz respeito à correlação dos gêneros com as modalidades oral e escrita da língua. Segundo o autor, uma relação com rigor metodológico entre textos falados e escritos tem que ser feita através de comparações de fenômenos similares. Isso quer dizer que seria

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inconveniente estabelecer relações entre fala e escrita partindo da análise de textos acadêmicos, de um lado, e conversações espontâneas, de outro, por exemplo. O mais próprio é estabelecer relações entre fenômenos comparáveis, tais como uma conversação espontânea e uma carta pessoal ou como uma conferência acadêmica e um artigo científico.

Dessa forma é que o autor propõe que as diferenças entre fala e escrita se concebem num continuum tipológico de gêneros de textos, determinado pela correlação entre essas modalidades. Entender a relação fala-escrita a partir dessa concepção significa, antes de tudo, negar a polarização de parâmetros e a estigmatização da modalidade falada.

O continuum tipológico apresenta dois planos: o superior representa o da escrita; o inferior, o da fala. O plano superior inicia-se com TE1, que representa o texto escrito prototípico. A partir dele identificam-se, do ponto de vista medial, outros textos escritos (TE2, TE3... TEn), os quais vão assumindo, gradativamente, do ponto de vista conceptual, características da fala. No plano inferior, TF1 representa o texto falado prototípico. A partir dele, identificam-se sucessivamente os textos TF2, TF3... TFn, todos medialmente falados, mas, gradativamente, percebidos conceptualmente como textos escritos.

São exemplos de gêneros textuais prototípicos da escrita e da fala, respectivamente, os gêneros acadêmicos como artigos científicos, contratos, e as conversações como conversação espontânea, conversação telefônica. À medida que vai havendo um afastamento dos pólos prototípicos para os extremos opostos, a afinidade entre meio e concepção vai diminuindo, nos limites de cada plano do continuum, até se

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constituir uma nova afinidade com o plano oposto. Isso permite se observarem gêneros textuais como os bilhetes, que são conceptualmente falados, mas medialmente escritos; e as exposições acadêmicas, que são medialmente faladas, mas conceptualmente escritas. Já notícias de jornal e revistas (na escrita) e notícias de televisão e de rádio (na fala) constituem gêneros textuais, do ponto de vista conceptual, equilibradamente marcados tanto pela fala como pela escrita. Em resumo, o autor propõe que os textos devem ser observados dentro de uma escala que vai do mais prototípico da fala ao mais prototípico da escrita, e uma tipologia textual concebida a partir disso deve ser entendida como uma gradação de gêneros textuais.

Biber (1988, p. 18) é outro autor que comunga da idéia de que fala e escrita formam “um contínuo distribuído numa escala de parâmetros empiricamente detectáveis”. Para o autor, os textos se diferenciam em duas dimensões tomadas como escalas contínuas: uma funcional, que diz respeito às características da situacionalidade e discursividade do texto; e uma lingüística, que se reporta a traços gramaticais, lexicais e fonológicos.

A partir de um conjunto de características observadas em formas prototípicas da fala e da escrita, Biber (1988) estabelece alguns parâmetros situacionais associados à dimensão funcional. Esses parâmetros relacionam-se ao canal físico, ao uso cultural, à relação entre os participantes, à relação dos participantes com o texto, e ao propósito comunicativo. O canal é caracterizado como unicanal, no caso da escrita, e multicanal, no caso da fala. O uso cultural é definido pela natureza da aquisição e pelo valor social da língua. A relação entre os participantes se define pela possibilidade de interação face a face, pelas relações pessoais e pelo grau de conhecimento mútuo. A

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relação dos participantes com o contexto, com o próprio texto e com o objetivo da comunicação dizem respeito, respectivamente, às características temporais e espaciais do discurso, actoriais e propósitos do texto.

Observando os textos a partir dessas características situacionais, constata-se que eles apresentam valores de fala, de escrita ou um valor intermediário. Por exemplo, quanto à escolha do assunto, um dos valores relacionados ao parâmetro relação entre os

participantes, a conversação espontânea é um gênero típico de fala (a escolha do

assunto é negociada entre os participantes), o artigo científico é típico de escrita (a escolha do assunto não é negociada), já a entrevista é um gênero intermediário (o assunto é previamente proposto pelo entrevistador, mas pode ser também negociado).

Cada gênero textual é construído em diferente situação de comunicação, para diferentes propósitos, ou seja, são modos e formas diversos de produzir sentido e de se estabelecerem relações entre sujeitos. Considerei, então, o fato de que essa diversidade pode exercer influências sobre o tópico discursivo e a maneira como ele é conduzido; e, dessa forma, sobre a articulação tópica. Assim selecionei dez gêneros textuais, entre prototípicos de fala e de escrita e os intermediários: carta pessoal, artigo de opinião, artigo científico, conversação espontânea, aula, palestra, entrevista falada e escrita e reportagem, de televisão e de revista. Não é meu objetivo, no entanto, estabelecer diferenças entre fala e escrita e gêneros textuais no que diz respeito à articulação tópica. O que levei em consideração foi mesmo a hipótese de que um corpus heterogêneo me daria boas possibilidades de perceber uma diversidade de fatos formulativos e interacionais, e, assim, fazer discussões compatíveis com o propósito da pesquisa.

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Alguns exemplares dos textos foram extraídos do corpus do projeto PORCUFORT1, alguns do corpus do NELFE2, e ainda outros foram coletados por mim mesmo, especialmente para este fim. Há gêneros que apresentam um número de exemplares maior do que outros. Isso ocorre em virtude da necessidade de equilibrar a dimensão entre os textos.

Cada texto foi segmentado, com base no princípio da topicalidade, e foi depreendida a organização linear e hierárquica dos tópicos. À medida que fui observando construção interna dos segmentos e a interligação entre eles, nos diferentes planos hierárquicos, fui identificando recorrências, formulativas e interacionais, na interligação dos segmentos e dos enunciados. Finalmente, classifiquei e organizei os fatos recorrentes no conjunto da análise em grupos de mecanismos, através dos quais se realiza a articulação tópica. Através da descrição do funcionamento desses mecanismos fui mostrando como os fatos textuais se integram ao interacionais.

A apresentação do percurso da pesquisa está dividida em três partes. Primeiro, faço uma exposição sobre os postulados da Pragmática, da Lingüística Textual de orientação mais recente e da perspectiva textual-interativa, que juntos constituem um tripé que dá a orientação teórica geral do trabalho. Num segundo momento, aponto a topicalidade como uma propriedade geral da organização do discurso. A partir da discussão dos principais conceitos relacionados a essa propriedade, proponho o tópico discurso como categoria que possibilita a análise textual-interativa. O

1

O projeto PORCUFORT (Português Oral Culto de Fortaleza) constitui uma aplicação, na cidade de Fortaleza-Ce, do projeto NURC (Norma Urbana Culta), cujo objetivo é a descrição do português falado culto no Brasil. Os inquéritos são distribuídos de acordo com o sexo e a faixa etária dos informantes e com o grau de formalidade.

2

O NELFE (Núcleo de Estudos da Língua Falada e Escrita) é um núcleo de pesquisa cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisas do CNPq, inserido no programa de Pós-Graduação em Lingüística da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). O objetivo central do núcleo é investigar questões ligadas à fala e à escrita (MARCUSCHI, 1996).

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terceiro e último momento constitui a análise da articulação tópica propriamente dita, em que reúno os principais dados encontrados nos textos que compõem o corpus. Descrevo os mecanismos mais recorrentes através dos quais a articulação intra e intertópica se manifesta em diferentes gêneros textuais, falados e escritos, e discuto os fatos formulativos e interacionais que se integram para a construção do texto.

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2. MODELOS TEÓRICOS DE ABORDAGEM DO TEXTO

Neste capítulo, apresento postulados da Pragmática, da Lingüística Textual e da perspectiva Textual-interativa, que constituem uma base teórica para a discussão da organização do texto. A dimensão pragmática possibilita a descrição de fenômenos lingüísticos textuais a partir do uso da língua em situações concretas. A Lingüística Textual, particularmente a de orientação pragmática, possibilita perceber o texto como unidade globalizadora e sócio-comunicativa, caracterizado também por uma seqüência de atividades de composição. Enquanto unidade que ganha existência dentro de um processo interacional, o texto congrega e sinaliza seu processo de formulação e interação. Esse enfoque é abordado pela perspectiva textual-interativa.

2.1. OS ESTUDOS SOBRE O TEXTO E O DISCURSO

A linguagem verbal, dentro do contexto maior das atividades simbólicas humanas, tem sido o objeto de reflexão da ciência lingüística ao longo dos seus quase cem anos. A natureza complexa e heterogênea desse fenômeno fez com que essa reflexão fosse desenvolvida a partir de abordagens e orientações diversas. Cada uma delas procede, claro, a um trabalho de delimitação de seu objeto, isto é, estabelece um recorte relativamente ao fenômeno de linguagem que se propõe a estudar.

O estruturalismo, corrente teórica que coincide com o surgimento da Lingüística, centra a sua análise no estudo da língua enquanto sistema. Ao estabelecer seus parâmetros, a abordagem estruturalista faz uma escolha pelo estudo da língua em abstrato (a langue em oposição à parole, nos termos de Saussure), para analisá-la num

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determinado espaço de tempo, ou seja, em um estado sincrônico. Os estudos estruturalistas se desenvolveram em especial nos campos da Fonologia e da Morfologia, com relevantes descrições sobre as línguas em geral, inclusive línguas indígenas. Até os anos 50, o estruturalismo foi hegemônico nas reflexões lingüísticas (ORLANDI, 1993).

O propósito de uma lingüística assim imanente, preocupada com um falante ideal, foi abraçado por Chomsky, com os postulados da teoria gerativa. Baseado no racionalismo, Chomsky afirma que os seres humanos nascem com uma capacidade natural para o uso da linguagem e a tarefa do lingüista é explicar os princípios que subjazem a esse uso (ORLANDI, 1993). As hipóteses gerativistas têm sido responsáveis por inúmeros estudos, em especial na área da Sintaxe.

Essas correntes, que constituem uma lingüística do sistema, se por um lado foram de reconhecida importância para situar a Lingüística entre as ciências humanas, por outro, foram alvo de severas críticas. A principal diz respeito à forma excessivamente redutora de definir o seu objeto, quando separaram rigidamente a língua da fala, o lingüístico do extralingüístico. Essa separação foi a responsável pelas insuficiências de algumas análises, sobretudo as relativas a questões de significado e sentido.

Para preencher os espaços deixados pelas dicotomias estáveis da lingüística do sistema e resgatar outros elementos importantes para a reflexão lingüística, desenvolve-se uma série de estudos cujas orientações teóricas gerais caracterizam a lingüística da enunciação, ou seja, a lingüística que se ocupa das manifestações lingüísticas produzidas por indivíduos concretos, em situações concretas de interação verbal, sob determinadas condições de produção. Barros (1999) aponta algumas dessas

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linhas teóricas em desenvolvimento no Brasil e as reúne sob o rótulo de estudos do texto e do discurso. Entre essas teorias a autora cita a Análise do discurso francesa, a Semiótica Narrativa e Discursiva, os estudos funcionalistas do discurso, a Lingüística Textual, a Análise da Conversação e/ou análise da organização textual-interativa.

Para a autora, o que caracteriza os estudos sobre o texto e o discurso é a ruptura de duas barreiras impostas pela lingüística imanente: a que impede a passagem da frase ao texto e a que separa o enunciado de sua enunciação. Essas barreiras são rompidas a partir do momento em que é considerado o exame da organização do texto e das relações entre discurso, enunciação e fatores sócio-históricos.

Ainda segundo Barros (1999), o novo caminho percorrido pelos estudos do texto e do discurso não trouxeram apenas acréscimos à teoria lingüística, mas, sobretudo, mudanças significativas de posicionamentos frente ao heterogêneo fenômeno da linguagem. A principal mudança de posicionamento, da qual decorrem todas as outras, foi a própria forma de conceber a linguagem, a qual deixou de ser vista apenas como meio de transmissão de informação e passou a ser concebida como instrumento de interação. Como conseqüência dessa nova visão sobre a linguagem, é o texto e não mais a frase a unidade de análise, porque a interação verbal se faz por meio de texto e não de frases isoladas. O que funda a linguagem concebida como interação e o que dá sentido ao texto como também o que constrói os próprios sujeitos produtores do texto são as relações intersubjetivas. Isso faz com que se coloque a intersubjetividade como anterior à subjetividade. O discurso, assim, passa a ser visto como lugar, ao mesmo tempo, do social e do individual.

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Segundo Barros (1999, p. 3), essa nova forma de conceber a linguagem aponta para a Lingüística um novo objeto, com as seguintes características: “Ao mesmo tempo social e individual, instrumento de argumentação e informação, fundado pela interação ou pelas relações de intersubjetividade que antecedem e criam a subjetividade, de dimensão maior que a da frase e com organização própria”.

Os estudos lingüísticos desenvolvidos a partir dessas novas posições teóricas preenchem o espaço deixado pela bem definida lingüística do sistema. Amalgamou-se o que antes era nitidamente separado. Isso causou uma crítica a esses estudos, a fragilidade e a instabilidade de não serem nem uma coisa nem outra. No entanto, segundo Barros (1999, p 4), se a instabilidade é o ponto fraco dos estudos do texto e do discurso, é ela também a sua maior grandeza.

São os fatos lingüísticos instáveis, aqueles que não se resolvem como “ou isto ou aquilo”, que instigam os estudiosos da linguagem, e os do discurso e do texto, antes de todos. O estudioso do discurso, bravamente, acredita poder dizer alguma coisa sobre essas questões, sem, no entanto, estabilizar o instável, pois cria apenas, e o reconhece, um equilíbrio precário.

Em resumo, quero destacar que a grande alteração nos paradigmas teóricos da Lingüística, sobre a qual acabei de discorrer, decorre, em parte, do advento da Pragmática, da Lingüística Textual e da perspectiva textual-interativa, que, juntas, formam um triplé sobre o qual se orienta este trabalho. A seguir, passo a discorrer sobre cada um desses campos de investigação lingüística, situando o trabalho no contexto de cada um deles.

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2.2. PRAGMÁTICA

Apesar de ser tida como indefinida quando às suas linhas de fronteira, a Pragmática indica uma perspectiva específica e uma atitude reconhecível em relação aos fatos lingüísticos (PARRET, 1984). Os estudos de orientação pragmática têm como foco de interesse as condições que governam a utilização da linguagem, a prática lingüística. Daí o fato de a Pragmática ser tomada como campo de investigação do uso lingüístico. Costuma-se atribuir a origem da Pragmática às reflexões de Austin (1990), Searle (1991) e Grice (1975) sobre a linguagem.

Austin introduziu a noção de ato de fala, que se colocou como fundamental para o desenvolvimento dos estudos pragmáticos. Essa noção se opõe à reflexão filosófica, reinante até então, segundo a qual a função da linguagem, em geral, e das afirmações em particular, é a de descrever um “estado de coisas”. As afirmações, por essa razão, podem ser verdadeiras ou falsas. A condição de veridicidade depende da conformidade entre o que elas descrevem e a realidade.

Para Austin (1990), a função da linguagem não é meramente a descrição da realidade. Ele introduziu a distinção entre as afirmações que descrevem um estado de coisas (as constativas) e as afirmações que não são descritivas (as perfomativas). Através dessas últimas realizam-se ações, são os atos de fala.

Austin definiu, assim, o ato de fala como uma ação lingüística mínima, que ocorre simultaneamente em três níveis: a) o ato locucionário: é o que se realiza ao se enunciar uma frase; b) o ato ilocucionário: é o que se realiza na linguagem; c) o ato perlocucionário: é o que se realiza pela linguagem. Quando se toma, por exemplo, a

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frase “Advirto-o a não fazer mais isso”, o ato de enunciar cada um dos elementos lingüísticos que a compõem é o locucionário. Através dessa enunciação realiza-se o ato ilocucionário da advertência, que, inclusive, é marcado pela forma verbal “advirto”. O resultado da enunciação pode ser a persuasão do interlocutor. Essa persuasão é o ato perlocucionário, que não se realizou na linguagem, mas por ela.

A ação lingüística assim entendida divide-se em três dimensões de sua realização: a do ato de expressão mesmo, da produção do enunciado; a do plano da expressão com força ilocutiva, do enunciado associado a uma intenção objetiva pelo locutor, e a do plano da interpretação, por parte do alocutário, do enunciado associado a uma intenção e sua correspondente interpretação por parte do receptor.

Relevante é o aspecto da convencionalidade que norteia o ato ilocucionário. De um lado, há as regras gramaticais que determinam a locução; de outro, as regras de enunciação que determinam o ato intencional (ilocucionário), que são fundamentais para a realização efetiva e satisfatória da intencionalidade no plano do ato perlocucionário. Assim, da mesma forma que há regras morfossintáticas que regem a elaboração do enunciado, há regras de convenção que regem a relação locutor/alocutário no processo da ação lingüística.

Searle (1991), um dos sucessores de Austin, retoma seu programa e desenvolve uma série de aspectos de sua teoria. Na continuidade da reflexão sobre os atos de fala, Searle parte do princípio segundo o qual a unidade de comunicação é o enunciado e desenvolve a idéia de que a produção do enunciado é um ato de fala. Não é pertinente aprofundar aqui essa reflexão. O fundamental é a noção de que a teoria da linguagem não pode deixar de considerar o fato de que ela é também uma ação.

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A linguagem como ação também é tema de reflexão de Grice (1975). Para ele, essa ação é norteada por um princípio geral da comunicação: o da cooperação. Considerando esse princípio, o falante leva em conta sempre, em suas intervenções, o desenrolar da conversa e a direção que ela toma. Em outras palavras, isso quer dizer que a contribuição do falante à conversação deve ser, no momento em que ocorre, tal como requer o objetivo ou a direção aceita da troca verbal em que está engajado.

O princípio da cooperação é explicado por quatro categorias: a da quantidade das informações dadas, a da sua verdade, a da sua pertinência e a da maneira como são formuladas. Essas categorias constituem as máximas conversacionais.

Grice (1975) também aborda a noção de implicatura, que são as inferências que se extraem dos enunciados. As implicaturas podem ser convencionais, as provocadas por uma expressão lingüística, ou conversacionais, as suscitadas pelo contexto. Como a implicatura conversacional depende de elementos contextuais, ela está intimamente ligada às noções do princípio de cooperação e das máximas conversacionais.

As reflexões de Austin, Searle e Grice são fundamentalmente importantes para os estudos lingüísticos, na medida em que elas permitiram aos estudiosos da linguagem levantar a questão da relação entre a língua e o seu uso. Foram assim os primeiros estudos sistematizadores da idéia de que na linguagem se estabelecem relações que se situam além da superfície lingüística imediata, ou seja, relações fundamentalmente discursivas.

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O que quero mostrar com essa breve alusão aos estudos de Pragmática é a maneira como foi surgindo a linha que compreende os dados lingüísticos na relação entre língua e uso. Nos próximos itens, sobre a Lingüística Textual, principalmente a sua fase mais recente, e sobre a perspectiva textual-interativa, mostrarei de forma mais explícita como a Pragmática orienta os estudos sobre o texto.

2.3. LINGÜÍSTICA TEXTUAL

Dentro do amplo contexto dos estudos do texto e do discurso, a Lingüística Textual se apresenta como um ramo da Lingüística que toma como objeto particular de investigação os aspectos mais especificamente relacionados aos processos de construção e organização do texto. Apesar de apresentar um objeto relativamente bem definido, a história da sua constituição como corrente de investigação lingüística mostra que ela não se desenvolveu de forma homogênea.

Koch (2001, p. 72) aponta a existência de três momentos no desenvolvimento da Lingüística Textual que abrangem preocupações teóricas diversas entre si. Para a autora, embora seja possível, em linhas gerais, perceber uma superposição entre esses três momentos, “há uma certa cronologia envolvida nessa sucessão”.

O primeiro momento se caracteriza pela preocupação com fenômenos cuja explicação não era recoberta pelas teorias que se limitavam ao nível da frase. É o momento da análise transfrástica. Passou-se, assim, a observar no nível interfrasal uma série de fatos como a co-referenciação, a pronominalização, a seleção de artigos

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(definidos e indefinidos), a concordância de tempos verbais, a relação tópico-comentário, entre outros. Essa tentativa de desenvolver uma Lingüística Textual na linha de uma lingüística da frase ampliada ou corrigida mostrou-se insatisfatória e foi abandonada. Cogitou-se, então, a elaboração de gramáticas textuais, que não considerassem o texto apenas como uma soma dos sentidos das frases que o constituem.

Nesse momento, o texto é entendido como unidade teórica formalmente construída em oposição ao discurso, unidade funcional, de uso. As estruturas dessa unidade deviam ser determinadas pelas regras de uma gramática textual. Essa perspectiva de ver a organização do texto foi bastante influenciada pela teoria gerativa. A gramática textual, assim como a gramática de frases proposta por Chomsky, consistia num sistema finito de regras, comum a todos os usuários de uma língua, o qual lhes permitiria perceber se uma seqüência lingüística é ou não um texto bem formado. A novidade foi a legitimação do texto como objeto da Lingüística.

As gramáticas textuais também mostraram suas insuficiências. Uma delas foi a inoperância de se estabelecerem regras capazes de descrever todos os textos possíveis numa determinada língua, em virtude da possibilidade de aparecerem novos textos, cujas regras de formação não estariam previstas pela gramática. Surgiu, então, o momento em que os textos passaram a ser estudados dentro de seu contexto, entendido, de modo geral, como o conjunto de condições (externas a ele) de produção, recepção e interpretação.

Segundo Koch (2001, p.81), a Lingüística Textual, atualmente, vem cobrindo um domínio multi e interdisciplinar, em que se busca explicar como se dá a

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interação social através do texto, visto como “fruto de um processo extremamente complexo de produção da linguagem”.

É nessa vertente mais atual da Lingüística Textual em que vou buscar subsídios para a discussão que pretendo desenvolver nesta pesquisa, exatamente porque é a que apresenta uma forte inclinação para a adoção de uma perspectiva interacional no tratamento da linguagem. Das discussões realizadas sob esse enfoque, interessam-me mais especificamente as relacionadas ao conceito e à construção do texto.

2.3.1. O conceito de texto

Ao longo do desenvolvimento teórico da Lingüística Textual, o conceito de texto passou por profundas modificações. Ele passou a ser concebido não mais como um produto acabado e pronto, resultado de uma competência lingüística social e idealizada, mas como uma atividade verbal, consciente e interacional. Desenvolve-se, assim, uma dimensão discursiva de texto. Seguindo essa última concepção, Koch (1997, p. 22) define texto da seguinte forma:

Poder-se-ia, assim, conceituar o texto como uma manifestação verbal constituída de elementos lingüísticos selecionados e ordenados pelos falantes, durante a atividade verbal, de modo a permitir aos parceiros, na interação, não apenas a depreensão de conteúdos semânticos, em decorrência da ativação de processos e estratégias de ordem cognitiva, como também a interação (ou atuação) de acordo com práticas socioculturais.

Nesse quadro de reconceitualização, o texto passa a ser entendido como uma unidade lingüística material dotada de sentidos, que é produzida por um ou vários enunciadores, em uma situação de interação específica. O texto é o resultado de uma atividade comunicativa efetiva. Um aglomerado de frases não produz, por si só, um

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texto. Para que haja texto, é preciso haver coerência e dialogia, entre o enunciado presente e os enunciados passados do gênero discursivo que está sendo re-atualizado.

O diálogo do enunciado presente com os enunciados passados do gênero discursivo é que faz do texto um espaço de significação passível de reconhecimento e interpretação. Se a memória discursiva se apagasse a cada instância de interação social, a pronta comunicação pragmática do cotidiano seria impensável. É, pois, a partir do suposto de um determinado gênero discursivo que uma seqüência lingüística é percebida como um todo coerente, ou seja, como um texto que contém suas próprias pistas de interpretação. O gênero é decisivo não só na percepção da coerência externa e contextual do texto, mas também na sua coerência interna. Cada tipo de gênero está associado a uma forma de organização textual.

Nessa perspectiva, o texto não é um hiper-significante fechado, que encerra um único significado a ser depreendido pelo leitor/ouvinte, mas como um espaço a ser preenchido com as projeções feitas por esse leitor/ouvinte. Com base nessa visão de texto, Koch (2002, p. 17) define a compreensão da seguinte forma:

Ela (a compreensão) é, isto sim, uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza, evidentemente, com base nos elementos lingüísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas que requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes (enciclopédia) e sua reconstrução no interior do evento comunicativo.

Nessa perspectiva de ver a compreensão, o leitor/ouvinte é também re-significado: deixa de ser paciente, um decifrador do sentido depositado no texto para ser um co-enunciador, que exerce um papel ativo na construção das significações geradas pelo texto. No “jogo” interacional de produção do texto, segundo Koch (2002), há, então, três peças: 1) o produtor/planejador, que procura viabilizar o seu “projeto de

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dizer” através de estratégias de organização textual e de orientações para o interlocutor; 2) o texto, que é organizado estrategicamente para estabelecer limites quanto às compreensões possíveis; e 3) o leitor/ouvinte, que, a partir do modo como o texto se encontra construído, das sinalizações que lhe oferece e da mobilização de contextos relevantes, constrói-lhe o sentido.

Estudar o texto em sua dimensão discursiva requer, portanto, a consideração da questão do sujeito e sua participação nesse processo, já que "todo texto tem um sujeito, um autor" (BAKHTIN, 1997, p. 330), que o produz e que se produz ao produzi-lo. É com as palavras e com as idéias do outro que o próprio "eu" é tecido. Isso requer também que o texto seja considerado em suas múltiplas situações de interlocução, como resultado de trocas verbais e sociais e concretamente situadas, as quais configuram a dinâmica de uma dada comunidade lingüística.

A essa concepção de texto como atividade verbal-interacional subjaz a orientação pragmática de compreender os fatos lingüísticos no âmbito de situações concretas de uso.

2.3.2. A composição do texto

Os estudos em Lingüística Textual postulam que no texto são utilizados determinados recursos que servem para realizar sua organização. No entanto, não é unânime a forma de conceber e explicar esses recursos, nem a de mostrar como eles se inter-relacionam para formar o texto. A seguir discorro sobre alguns estudos sobre a construção e a organização do texto.

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Segundo Halliday & Hasan (1980), um dos componentes formadores do texto é a coesão. Trata-se de um mecanismo através do qual se estabelecem entre as orações as relações de significado que definem um texto como tal e determinam o seu padrão de tessitura.

A coesão é entendida, então, como “o conjunto de recursos semânticos que liga uma frase ao que a antecede no texto” (1980, p. 10). “A coesão ocorre quando a interpretação de algum elemento do discurso depende do outro. Um pressupõe o outro no sentido de que um não pode ser efetivamente decodificado a não ser por recorrência a esse outro” (1980, p. 4).

A coesão, nessa ótica, ocorre quando, num texto, tem-se um termo que pressupõe (o referente) e um outro que é capaz de resolver essa pressuposição (o termo referido). A força da coesão se forma na relação estabelecida entre esses dois termos. A cada ocorrência de coesão tem-se o que os autores denominam tie, o elo coesivo. Os padrões de tessitura de um texto podem ser analisados em termos dos elos coesivos que exibe.

A coesão se realiza através do sistema léxico-gramatical da língua. É, portanto, “expressa em parte através da gramática e em parte através do vocabulário” (1980, p. 5). Halliday & Hasan definem três categorias de itens coesivos: a coesão gramatical, que compreende a referência, a substituição e a elipse, a conjunção e a coesão lexical.

A coesão estabelecida através da referência compreende itens para cuja interpretação é necessário se recorrer a outros elementos do texto. A referência é

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potencialmente coesiva quando envolve relações endofóricas, isto é, relações que se estabelecem dentro do texto, em oposição às relações exofóricas, que são determinadas pela situação, portanto, extra-textuais e não coesivas. A referência compreende três subcategorias: pessoal, demonstrativa e comparativa.

A substituição, como o próprio nome indica, envolve a substituição de um item por outro. Trata-se, assim, de uma relação gramatical entre unidades lingüísticas, cuja função determina seus diferentes tipos: nominal, verbal e oracional.

A elipse é um caso de substituição por zero. Sua função é, pois, estabelecer relações de coesão através da omissão, sob regras definidas, de parte do discurso que pode ser recuperado, tornando explícito apenas o que é novo e não pode ser recuperado. A elipse compreende também três categorias: a nominal, a verbal e oracional.

A conjunção estabelece relações semânticas que indicam que o que se segue está sistematicamente ligado ao que ocorreu anteriormente. Os elementos conjuntivos são coesivos não por si mesmos, mas indiretamente, em virtude das relações semânticas específicas que estabelecem entre as orações. Em outras palavras, isso significa dizer que há uma relação semântica pré-existente entre duas orações de um texto e que a conjunção assinala formalmente tal relação.

Halliday & Hasan classificam essas relações em quatro categorias: aditivas, adversativas, causais e temporais. Os autores postulam ainda a presença do que denominam “itens conjuntivos”, ou seja, elementos que fazem a coesão entre as orações sem estabelecer nenhum dos quatro tipos de relação semântica, assumindo apenas uma função continuadora.

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A conjunção é interpretada ainda em termos da função interpessoal e experiencial da linguagem. Essa interpretação gera duas subcategorias de relações aditivas, adversativas, causais e temporais: externas e internas. As relações externas são relações entre eventos do mundo real, as internas são relações entre eventos lingüísticos que ocorrem no tempo de organização do discurso do falante/escritor.

Os autores apontam uma série de subcategorias para cada um dos quatro tipos de relações conjuntivas e para os elementos continuativos, em que procuram inserir o maior número de relações semânticas possíveis de serem estabelecidas entre orações de um texto. Para cada subcategoria de relação, eles fazem o levantamento dos termos capazes de expressá-las, em inglês. Por exemplo, as relações causais são expressas por thus, therefore, consequence e apresentam subtipos como causais específicas (razão, resultado e propósito), causal condicional, causal delimitadora de assunto; todas ainda podendo ser internas ou externas.

A coesão lexical é obtida por meio da seleção vocabular. Os autores distinguem dois tipos: a reiteração e a colocação. A reiteração compreende a repetição de um item, o uso de um nome genérico, de sinônimos e de superordenados. A colocação se estabelece através da associação de itens lexicais que regularmente co-ocorrem. São itens que participam do mesmo ambiente semântico.

Em resumo, na perspectiva de Halliday & Hasan (1980) são as relações de coesão, entendidas como relações de inter-dependência entre orações, que formam a unidade textual. Essas relações assumem um papel fundamental na formação do texto, elevadas à condição de quase suficiência. Os autores chagam a afirmar que a coesão “é

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comum ao texto de toda espécie e é, de fato, aquilo que faz um texto ser um texto” (1980, p. 13).

Segundo Antunes (1996, p. 49), a coesão é realmente comum a toda a espécie de texto, mas “não constitui sozinha o mecanismo de criação das configurações lingüísticas textuais. Muitos elementos apontam para a suposição de que a coesão, a despeito da significativa função que desempenha, não chega a ser determinante daquilo que faz um texto ser um texto”.

Para essa autora, a coesão se define como um fenômeno de organização da superfície do texto, orientado para o estabelecimento da continuidade seqüencial, que, por sua vez, viabiliza e assinala um outro tipo de continuidade que a constituição semântica do texto impõe. Essa definição parte do princípio de que a organização do texto está pautada por exigências de continuidade e de progressão, que se instauram para assegurar a sua unidade semântica. O que sustenta a continuidade da seqüência superficial do texto é a continuidade de conceitos e das relações subjacentes. Mas são as relações fundamentalmente semânticas as implicadas na coesão, ou seja, “a continuidade da superfície que a coesão cria e assinala opera-se pelas relações semânticas que ligam os vários segmentos desta superfície” (1996, p. 39).

Essa concepção de coesão de Antunes se apóia na ótica de Halliday & Hasan (1980), segundo a qual a coesão fundamenta-se em relações de significado. Os recursos que ligam os elementos da superfície do texto são, ao mesmo tempo, operadores e sinais indicativos de inter-relações semânticas. No entanto, a autora reconhece o aspecto apenas parcial da coesão como dispositivo de organização do texto. A autora recorre a Beugrande & Dressler (1983), que consideram a coesão apenas como

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um dos fatores de textualidade, ou seja, o conjunto de características que fazem com que um texto seja um texto3. Para esses autores, a coesão e a coerência são fatores de textualidade que dizem respeito ao material conceitual e lingüístico do texto.

Koch (1997) também relaciona coesão e coerência. Segundo a autora, sempre que se faz necessário algum tipo de cálculo a partir dos elementos expressos no texto, já se está no campo da coerência. A autora define coesão “como o fenômeno que diz respeito ao modo como os elementos lingüísticos presentes na superfície textual se encontram interligados, por meio de recursos também lingüísticos, formando seqüências veiculadoras de sentido” (1997, p. 35).

A partir de algumas considerações sobre as categorias coesivas propostas por Halliday & Hasan (1980), Koch (1991) passa a classificar os mecanismos de coesão fundamentalmente com base em sua função textual. Distingue, assim, dois grandes grupos de recursos coesivos: os que são responsáveis pela remissão a outros elementos textuais ou inferíveis (coesão remissiva ou referencial)4 e os que se destinam a tornar possível a progressão textual, garantindo a continuidade de sentidos (coesão seqüencial)5.

A coesão referencial ocorre quando “um componente da superfície do texto faz remissão a outro(s) elementos(s) do universo textual” (1991, p. 30). Os elos coesivos referenciais são classificados em formas remissivas não-referenciais presas (as que acompanham um nome, antecedendo-o, artigos, pronomes adjetivos, numerais),

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Beaugrande & Dressler (1983) apontam sete fatores responsáveis pela textualidade de um texto: coerência, coesão, intencionalidade, aceitabilidade, situacionalidade, informatividade e intertextualidade.

4 A coesão referencial de Koch abarca as categorias de referência, substituição, elipse e coesão lexical, de Haliday & Hasan.

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formas remissivas não-referenciais livres (pronomes pessoais, demonstrativos, advérbios pronominais), e formas remissivas referenciais (os grupos nominais).

A coesão seqüencial, segundo a autora, “diz respeito aos procedimentos lingüísticos por meio dos quais se estabelecem, entre segmentos de texto (enunciados, partes de enunciados, parágrafos e mesmo seqüências textuais), diversos tipos de relações semânticas e pragmáticas” (1991, p. 49). O que permite o estabelecimento dessas relações é o que a autora chama de “encadeamento”, que pode ser obtido por justaposição ou conexão.

A conexão é o tipo de encadeamento marcado por conectores inter-frásticos (conjunções, advérbios e outras palavras de ligação) que estabelecem os diversos tipos de relações “entre as orações, enunciados e partes do texto” (1991, p. 61).

Para classificar esses tipos de relações, Koch se baseia na proposta de Ducrot (1972, 1973 apud KOCH, 1995a) sobre a natureza e a organização da articulação de orações que tradicionalmente se conhece sob o rótulo de subordinação e coordenação.

Nessa proposta, Ducrot postula a existência de frases ligadas com predicado complexo e de coordenação semântica. Nas frases ligadas, tem-se um predicado complexo e, portanto, um enunciado único, resultante de um único ato de enunciação. Na coordenação semântica o que ocorre é uma sucessão de proposições, resultantes de dois atos de enunciação diferentes. Nas frases ligadas, a intenção principal do locutor é apontar para a relação existente entre duas orações, em um único ato de enunciação; na

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coordenação semântica, apenas enunciam-se dois fatos, introduzindo um por intermédio de sua ligação com o outro.

Seguindo esse raciocínio, Koch (1995a) distingue as relações semânticas das relações pragmáticas. As relações semânticas são expressas em um único ato de fala, no qual se apresenta um tema e, a partir dele, se enuncia uma relação entre dois fatos (frases ligadas com predicado complexo). As relações pragmáticas são o resultado de dois ou mais atos de fala (coordenação semântica).

A autora caracteriza ainda essas relações em termos de funções da linguagem. As relações semânticas são caracterizáveis em termos ideacionais, “expressam relações entre estados de coisas, entre fatos do mundo e/ou mundos possíveis” (1995a, p. 16). Incluem-se aí as relações de causalidade, condicionalidade, mediação, conformidade, tempo (pontual ou simultâneo, anterior/posterior, contínuo ou progressivo etc), modo, disjunção (inclusiva ou exclusiva). As relações pragmáticas são caracterizáveis em termos funcionais. São as que se instauram entre dois enunciados em que o segundo encadeia-se sobre o primeiro para justificá-lo, contraditá-lo, comprová-lo etc. Incluem-se as relações de conjunção e disjunção, contrajunção, explicação/justificativa, comprovação, conclusão, entre outras6.

A justaposição é o tipo de encadeamento em que não atuam os conectores inter-frásticos. Os elementos da superfície do texto são conectados em seqüências, com ou sem o uso de partículas seqüenciadoras. Os casos de justaposição sem partícula, segundo Koch, extrapolam o âmbito da coesão textual.

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A justaposição com partículas “estabelece um seqüeciamento coesivo entre porções maiores ou menores da superfície textual” (1991, p. 60). Entre essas porções textuais, há o tipo de relação que Koch (1995a, p. 17) denomina de “relações textualizadoras ou textuais no sentido restrito”, que têm “a função específica de organizar a superfície textual e, portanto, de garantir uma melhor compreensão do leitor/ouvinte”.

Além de Koch (1991) e Halliday & Hasan (1980), alguns outros autores também apresentam propostas de classificação de recursos coesivos7. Não é pertinente para meu propósito discutir todas essas classificações. O essencial desses trabalhos é o fato de que os autores concebem a coesão como um fator de textualidade ligado à estruturação de seqüências da superfície do texto, ou seja, como um mecanismo de construção textual. Nesse sentido, o texto é visto como uma sucessão linear de unidades lingüísticas relacionadas semanticamente. É essa relação que gera a coesão. Se a relação não é formalmente marcada, entende-se que o texto é destituído de recursos coesivos. Dessa forma, a coesão não é condição nem suficiente nem necessária para a formação do texto. A textualidade pode se dar no nível da coerência (FÁVERO, 1995). Embora entendidos como fenômenos distintos, há uma imbricação natural entre coesão e coerência, o que permite que os dois fenômenos sejam estudados como instâncias relacionadas, constituídas mutuamente. A coesão e a coerência são propriedades responsáveis pela textualidade, ligadas ao material conceitual e lingüístico do texto. Trata-se assim de uma textualidade interna que se opõe a uma externa, em que atuam aspectos pragmáticos.

7 Beaugrande & Dressler (1983), Brown & Yule (1983), Marcuschi (1983), Van Dijk (1995) e Fávero (1995), para citar só alguns.

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Analisar a organização interna do texto, na perspectiva desses estudos, é, então, explicar como funcionam as suas partes, ou seja, as relações coesivas, referenciais e seqüenciais, nos termos de Koch (1991), tendo em vista a construção do sentido (a coerência).

A expressão “partes do texto”, segundo alguns autores, se limita à oração ou frase. Já segundo Koch (1991, p. 60), as relações que se estabelecem para formar o texto ocorrem não só entre orações, mas entre “segmentos textuais de qualquer extensão”. A noção de “segmento textual”, apesar de ser mais ampla do que a de oração, não é objetivamente definida pela autora.

Com base nessa perspectiva de entender a construção do texto, inúmeros trabalhos vêm sendo desenvolvidos com o objetivo de explicar os tipos de recursos coesivos empregados em diferentes tipos de texto. Antunes (1996), por exemplo, detém-se na análidetém-se dos recursos da repetição e da substituição (coesão lexical) em textos escritos. Uma das principais conclusões da autora assinala o fato de que a coesão pela repetição ou pela substituição cumpre um ato discursivo, uma estratégia textual para deixar a seqüência do texto interligada e interarticulada. A repetição favorece ainda a marcação lexical de tópicos e subtópicos, a indicação do fechamento, do resumo, da recapitulação de segmentos. Também a substituição, além de orientar para o estabelecimento da continuidade do texto, assume uma função resumitiva, quando o autor pretende condensar o tópico.

Enquanto os autores até aqui mencionados explicam a organização do texto a partir de critérios de textualidade, como a coesão e a coerência, outros o fazem com base em outros critérios. Adam (1993), por exemplo, apresenta um enfoque de natureza

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modular. Para esse autor, “o texto é uma configuração regulada por diversos módulos ou sub-sistemas em constante interação” (1993, p. 21).

Baseado nessa noção, o autor entende que o texto apresenta duas dimensões: a pragmática e a seqüencial. A dimensão pragmática compreende três módulos: o objetivo ilocutório, que produz o macro-ato de fala que unifica a intenção central do texto; a organização enunciativa, que produz a contextualização do evento discursivo em relação a como deve ser tomado; e a coesão semântica, que é representada pelo “tópico” desenvolvido. A dimensão seqüencial regula a organização proposicional, impedindo que o texto seja uma sucessão aleatória de fatos lingüísticos. Essa dimensão compreende dois módulos: a conexão, que diz respeito a todos os elementos que “costuram” o texto (modos gerais de estruturação); e a seqüenciação, que diz respeito a modos específicos de estruturação textual. Esses módulos ou subsistemas são apresentados em Adam (1990) como planos de organização do texto. Esses planos servem como base para a descrição do funcionamento do texto8.

A conexão envolve, segundo o autor, “os aspectos mais propriamente textuais dos encadeamentos lingüísticos” (1990, p. 97): as ligações em cadeias, a segmentação e os períodos e parenthésages9.

As ligações em cadeias dizem respeito aos fenômenos de retomada que asseguram a continuidade temática e garantem a progressão textual. A retomada, para o autor, “aparece como uma condição necessária, mas não suficiente, para a coerência de

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São seis os planos de organização, segundo o autor: 1) as cadeias ou fenômenos de ligação local, em que inclui os fenômenos de referenciação; 2) os espaços semânticos; 3) a segmentação; 4) o período; 5) a estrutura seqüencial e 6) a dimensão pragmático-configuracional.

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uma seqüência” (1990, p. 52). As retomadas ocorrem através dos processos de pronominalização, definição, referenciação dêitica cotextual e substituição lexical.

A segmentação é a divisão do texto em partes, demarcadas graficamente. Entram nesse plano as mudanças de capítulo, de parágrafo, os títulos e subtítulos, assim como as diferentes formas de distribuição espacial do material lingüístico na página. Naturalmente, trata-se de um aspecto exclusivo do texto escrito.

Os períodos e os parenthésages constituem o primeiro modo de “agrupamento de proposições”. Períodos e parenthésages são unidades que estruturam os enunciados, formando um todo, coerente em si mesmo, embora não isolado do resto do texto. O período é um modo de estruturação essencialmente rítmico, marcado pela sintaxe e pela pontuação; os parenthésages constituem o modo de estruturação marcado por conectores ou organizadores.

A seqüenciação é o segundo tipo de “agrupamento de proposições” proposto por Adam, que se refere à articulação das seqüências que constituem o texto. Ao produzir o texto, o falante/escritor organiza representações e/ou conhecimentos relativos a um dado tema, estocados na memória em forma lógica ou hierárquica, inserindo-os em estruturas sintáticas básicas, que, por sua vez, são organizadas de forma sucessiva. Adam propõe a noção de seqüência para teorizar sobre essa organização do texto.

Para o autor, as seqüências são unidades estruturais relativamente autônomas, que integram e organizam macroprosições, que, por sua vez, combinam diversas proposições, podendo a organização linear do texto ser concebida como o produto da combinação e da articulação de diferentes tipos de seqüências.

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Adam propõe cinco tipos básicos de seqüências: narrativa, descritiva, argumentativa10, explicativa e dialogal. Essas diferentes seqüências podem ser combinadas em um texto, em várias modalidades, e é da diversidade das seqüências e da diversidade de suas modalidades de articulação que decorre a heterogeneidade composicional da maioria dos textos.

Algumas aproximações podem ser feitas entre a noção de textualidade e esse modelo de funcionamento do texto proposto por Adam (1990). A textualidade externa parece corresponder à dimensão pragmática e a interna à dimensão seqüencial. Já a coesão textual, mecanismo de organização do material lingüístico-conceitual na superfície do texto, fator de textualidade interna, se assemelha aos fenômenos da conexão e da seqüenciação, que são os módulos da dimensão seqüencial. No entanto, se a coesão textual, enquanto fator de textualidade, pode ser dispensável, a conexão e a seqüenciação, enquanto subsistemas configuradores do texto, não chegam a ser tomadas como condição ou não para a formação do texto, são inerentes a essa formação.

A coesão, como fator de textualidade, é entendida como um processo de articulação semântica entre as orações de um texto. A unidade de análise, nesse caso, é, portanto, a oração. Para Adam (1990, p. 49), a unidade de análise é a proposição, que, de uma certa forma, pode ser entendida como uma noção redefinida de oração. “Um texto é uma série configuracionalmente orientada de unidades (proposições) e seqüencialmente ligadas para atingir um fim”.

10 O sentido de argumentação aqui não é o mesmo do empregado por Anscombre & Ducrot (1976). Uma seqüência argumentativa é aquela em que há apresentação, defesa e refutação de uma tese.

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A proposição, segundo o autor, é uma unidade autônoma. Ela pode ser entendida do ponto de vista do ato de referência, do ato de enunciação e do modo de relação. As proposições se agrupam, como já foi descrito, formando períodos,

parenthésages e seqüências.

Bronckart (1999) propõe um outro modelo de análise e de descrição de textos, em que estabelece uma relação entre as suas condições de produção e sua organização material. O autor concebe a organização do texto como um “folhado” constituído por três camadas superpostas: a infra-estrutura geral do texto, os mecanismos de textualização e os mecanismos de enunciação.

Os mecanismos de textualização são fundamentalmente articulados à linearidade do texto, e servem para explicitar, tendo em vista o destinatário, as grandes articulações hierárquicas, lógicas e/ou temporais do texto. Ligam-se à progressão do conteúdo temático, tal como é apreensível no nível da infra-estrutura. Explorando as cadeias de unidades lingüísticas (ou séries isotópicas), organizam os elementos constitutivos desse conteúdo em diversos percursos entrecruzados, explicitando ou marcando as relações de continuidade, de ruptura ou de contraste, contribuindo, desse modo, para o estabelecimento da coerência temática. (1999, p. 259-60).O autor distingue três mecanismos de textualização: a conexão, a coesão nominal e a coesão verbal.

A conexão está relacionada à organização da superfície do texto em unidades estruturais. “Os mecanismos de conexão explicitam as relações existentes entre os diferentes níveis de organização de um texto” (1999, p. 264).

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Para o autor, o texto se organiza em três níveis, de um mais englobante para um mais inferior. No nível mais englobante, os mecanismos de conexão explicitam as articulações no plano do texto. Assumem o que ele considera “função de segmentação” e servem para delimitar as partes constitutivas do texto e assinalar os diferentes tipos de discurso correspondentes a essas partes. No nível inferior, os mecanismos de conexão “podem marcar os pontos de articulação entre fases de uma seqüência” (1999, p. 264). É o que ele denomina de função de demarcação ou balizamento. No nível mais inferior ainda, esses mecanismos explicitam as modalidades de integração das frases. Trata-se de uma função chamada “empacotamento”. São também esses mecanismos que articulam frases, exercendo uma função de ligação (justaposição, coordenação) ou de encaixamento (subordinação).

Em resumo, as informações de um texto se organizam em unidades estruturais, que, por sua vez, se articulam em três níveis: a primeira articulação ocorre entre as maiores partes constituintes, que são as seqüências; essas, por sua vez, são compostas de fases, cujas relações constituem a segunda articulação. E, sendo as fases compostas de frases sintáticas, a terceira articulação se dá na integração das frases à estrutura da fase. A articulação das frases sintáticas nas fases, a das fases nas seqüências e a das seqüências em textos constitui, portanto, o que Bronckart considera conexão.

Ainda segundo esse autor, as marcas de conexão pertencem a diferentes categorias gramaticais (advérbio, preposição, substantivo, conjunções coordenativas e subordinativas, etc), que, com base no critério da função de conexão que exercem, formam uma classe funcional denominada “organizadores textuais”. Alguns desses organizadores têm um valor semântico mais temporal (depois, antes que); outros um

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