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Olhares para dentro e para fora : uma cartografia do corpo humano através da gravura

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Academic year: 2021

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SILVIA FERREIRA LIMA

OLHARES PARA DENTRO E PARA FORA:

uma cartografia do corpo humano através da

gravura

Campinas

2019

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OLHARES PARA DENTRO E PARA FORA:

uma cartografia do corpo humano através da

gravura

ORIENTADORA:LUISE WEISS

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA SILVIA

FERREIRA LIMA E ORIENTADA PELA PROF.ª DR.ª LUISE WEISS

Campinas

2019

Tese apresentada ao Instituto de Artes da

Universidade Estadual de Campinas como

parte dos requisitos exigidos para obtenção

do título de Doutora em Artes Visuais

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Lima, Silvia Ferreira,

1964-L628o LimOlhares para dentro e para fora : uma cartografia do corpo humano através da gravura / Silvia Ferreira Lima. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

LimOrientador: Luise Weiss.

LimTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes. Lim1. Gravura. 2. Xilogravura. 3. Serigrafia. 4. Carimbos. I. Weiss, Luise. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Looks in and out : a human body cartography through engraving Palavras-chave em inglês:

Engraving Woodcut Silk screen Stamps

Área de concentração: Artes Visuais Titulação: Doutora em Artes Visuais Banca examinadora:

Luise Weiss [Orientador] Lygia Arcuri Eluf

Rosana Horio Monteiro

Andrés Inocente Martín Hernández Paulo de Tarso Cheida Sans

Data de defesa: 31-07-2019

Programa de Pós-Graduação: Artes Visuais

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0001-5109-432 - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/3128645180880194

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SILVIA FERREIRA LIMA

ORIENTADORA: LUISE WEISS

MEMBROS:

1. PROFª. DRª. LUISE WEISS

2. PROFª. DRª. LYGIA ARCURI ELUF

3. PROF. DR. PAULO DE TARSO CHEIDA SANS

4. PROF. DR. ANDRÉS INOCENTE MARTÍN HERNÁNDEZ 5. PROFª. DRª. ROSANA HORIO MONTEIRO

Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros da Comissão Examinadora encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade

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À minha melhor obra, Fernanda Lima Maciel da Silva Ao melhor companheiro, Edson do Prado Pfutzenreuter

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À Prof.ª Dr.ª Luise Weiss pela paciência e orientação;

Ao Prof. Dr. Andrés Hernandez pela curadoria e disposição de espaço para concretizar minhas ideias;

Ao Luiz Carlos Officina, principalmente, pelo ensino do manuseio dos buris; Ao Valdir Flores Teixeira pelas impressões;

Ao Prof. Dr. Marco Buti, por permitir meu uso do ateliê de gravura da ECA; À Raquel Pfutzenreuter e Mariana Pierozzi, pelas fotografias de qualidade utilizadas no trabalho;

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Trata-se de um trabalho de poéticas visuais, realizado em serigrafia e xilogravura de fio e topo, que experimentou vários recursos gráficos, como: xilogravura, serigrafia, cologravura, linogravura, estêncis e carimbos. Marcou o papel assim como o tecido e a parede e a pedra, concluindo-se com a confecção de um conjunto de gravuras grandes compostas por matrizes diversas e uso de carimbos e estêncil. O processo começou tendo como referência imagens internas do corpo humano encontradas em livros de anatomia: desenhos e gravuras de sete órgãos vitais (cérebro, coração, pulmão, rins, fígado, pâncreas e útero). Partindo da representação artística destes órgãos, o olhar foi se aprofundando até o invisível ou somente visível pela tecnologia atual, utilizada em exames médicos. Finalmente, chegou-se à figuração das células destes sete órgãos que, por escolhas estéticas, foram representadas na confecção de cinco matrizes: dos rins, do sangue, do pâncreas, do fígado, do esperma e óvulo. As representações artísticas do interior do corpo encontram-se relacionadas com uma possível leitura simbólica vislumbrada no fígado de Piacenza, uma peça de bronze do tamanho do fígado de um carneiro escrita em etrusco e que, provavelmente, servia como oráculo por volta do século III e II a.C. O percurso do trabalho valoriza as mãos e sua relação com o pensamento levantando as relações existentes entre o dentro e o fora do homem, numa cartografia do corpo humano.

Palavras-chave

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It is a work of visual poetics, performed in silk and top and screen printing, that tried several graphic resources, such as: woodcut, screen printing, cologravure, linogravure, stencils and stamps. He marked the paper as well as the fabric and the wall and the stone, concluding with the making of a set of large engravings composed of various matrices and use of stamps and stencil. The process began with reference to internal images of the human body found in anatomy books: drawings and pictures of seven vital organs (brain, heart, lung, kidneys, liver, pancreas, and uterus). Starting from the artistic representation of these organs, the gaze deepened to the invisible or only visible by current technology, used in medical examinations. Finally, we came to figure the cells of these seven organs that, by aesthetic choices, were represented in the making of five matrices: kidney, blood, pancreas, liver, sperm and egg. The artistic representations of the interior of the body are related to a possible symbolic reading glimpsed in the liver of Piacenza, a bronze piece the size of a sheep's liver written in Etruscan, which probably served as an oracle around the third and third centuries. II BC The course of work values the hands and their relationship with thought by raising the existing relationships between the inside and outside of man, in a cartography of the human body.

Keywords

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1. Introdução ...10

2. Olhares para dentro e para fora... 26

3. Percursos... ... 57

4. Séries...98

5. Considerações Finais... 134

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1. Introdução

:

Eis uma pesquisa poética de doutorado em gravura, ainda que esta seja uma atividade hierárquica_ que demande tempo para desenvolver a habilidade e ao mesmo tempo conquistar o respeito de outros gravadores_ e eu ainda não tenha tempo de prática suficiente. No entanto, como artista visual, eu me coloco neste espaço de gravadora, explorando a representação dos órgãos humanos, especificamente sete órgãos vitais.

Além disso, a gravação desperta mais o meu interesse do que a impressão. Por isso, nunca considerei fazer cópias exatamente iguais, conforme existe na tradição da gravura, enquanto gesto de reprodutibilidade da imagem e da escrita. Neste sentido, levo em consideração os dizeres de Didi-Huberman, historiador da arte, de que a gravura é marca. E mesmo entre os gravadores mais conceituados da área, posso citar a referência de Evandro Carlos Jardim, ao afirmar que gravar é marcar a matéria dura. E é assim que me coloco: marcando a matéria.

Entalhar, cortar, marcar, enchem-me de prazer, são ações imprescindíveis para mim, como artista. Logo, optei por explorar esta área. Mesmo que tenha escolhido os órgãos do corpo. O corpo é mole assim como os órgãos, mas escolhi a matéria dura. Justifico que os ossos e os músculos são duros e graças a esta dureza nós nos mantemos em pé. Podemos agir e atuar sobre o mundo, como sobre a matéria dura. Tornando-a mole ao nosso embate, ao nosso entalhe. Além disso, a vida também é dura e exige força de caráter para resistir às dificuldades. Assim, tratar dos órgãos humanos é na verdade um hino à vida.

Escolhi os sete órgãos, assim como poderia ter escolhido outro assunto, para continuar cortando e marcando a matéria. Mesmo quando experimento a serigrafia, que pode utilizar uma variedade de técnicas, a forma que escolhi foi realizada pelo corte de figuras em papel de alta gramatura. Consequentemente, quando colocadas na mesa de luz, as figuras recortadas gravaram, no poliéster de 90 fios, os desenhos que eu quis imprimir mais adiante. E mesmo ao

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experimentar gravar em outras superfícies além do papel, como pedras ou tecido, fiz uso de estêncis e cortei moldes que utilizei para entintar as superfícies com spray.

Logo, meu trabalho com a matéria sempre pressupõe o entalhe, o corte, a marca. Escolhi agir diretamente sobre a superfície, simplesmente porque é a maneira para a qual descobri mais habilidade e me deu mais prazer em executar. Afinal, o trabalho do artista pressupõe a realização de um desejo, o seu desejo; ou ainda, a transformação de emoções, sentimentos com quais não consegue lidar, em objetos belos e agradáveis; capazes de oferecer prazer ao artista bem como a qualquer outro observador.

Digamos que este trabalho se iniciou quando vi a imagem de um exame de citologia oncótica do interior do meu corpo. Então, realizei uma pesquisa de imagens de órgãos internos do corpo humano (coração, pulmão, útero, fígado, rins, pâncreas, cérebro) presentes em livros de Anatomia, o que foi adquirindo novos contornos graças à tecnologia médica recente, chegando ao desenho das células destes órgãos. Mais adiante, descobri que estes órgãos possuem uma representação simbólica, que me pareceram extremamente significativas. Utilizei-os como representação e ao mesmo tempo como criação de uma linguagem, considerando que meu mestrado explorou muito o conhecimento de diversas linguagens, entre elas, a visual. E é justamente com esta que trabalho agora.

Procuro a semelhança entre linhas e formas em tudo o que vejo e observo. Seja no fotograma de um filme, seja numa fotografia, seja num desenho, seja ainda na própria natureza, no próprio corpo. Escolhi o corpo por ser a medida de todas as coisas, como ser humano; pelo menos, vejo desta forma. Enquanto algumas pessoas percebem as cores, as texturas, os volumes; observo as linhas, e quando desenho escolho poucas linhas, algumas vezes linhas longas e firmes, que sintetizam a figura à frente.

Meus desenhos parecem simples ou infantis? Isso é relativo, uma vez que na História da Arte, outros artistas renomados optaram por poucas linhas e fizeram trabalhos maravilhosos! Posso citar Matisse, ou ainda, muitos dos modernistas, para os quais menos é mais, como Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, entre outros. Escolhi desenhar e entalhar assim. Faço desta

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forma ao recortar linhas para produzir moldes ou estêncis, assim como para entalhar madeira de fio ou de topo. E se meu desenho parece modernista, minha postura diante da gravura é contemporânea, justamente porque insisto em gravar, em marcar a matéria, sem a preocupação de reproduzir estas marcas em quantidade suficiente.

Quanto ao entalhe em madeira, posso dizer que vem desde a infância, com a lembrança de ter entalhado uma caravela num pedaço de compensado; ou mesmo a lembrança de uma viagem que fiz ao nordeste com meus pais, quando eu tinha cerca de quinze anos e visitamos algumas feiras, encontrando uma variedade de objetos entalhados, como um baú, que minha mãe adorou e comprou dois, dando um de presente para cada filha. Por isso, tenho este baú na minha sala até hoje. Então, estas imagens marcaram minha vida. E só fui recordar as experiências no momento em que comecei a entalhar, fazendo na Pós-graduação a disciplina de xilogravura. Este é um exemplo da memória do corpo.

Sete órgãos foram escolhidos por serem órgãos vitais e porque quis enfatizar o sete como número cabalístico, uma vez que defini o trabalho de forma plástica e simbólica ao mesmo tempo. Afinal, o ser humano é simbólico, como toda sua produção. Assim dentro como fora. Logo, busquei a figuração interior utilizando como referência a obra de Eduardo de Miranda, Corpo: território do sagrado, onde foi encontrada uma simbologia para cada órgão humano e sua relação mitológica com a cabala judaica e a escrita hebraica, bem como a etimologia grega e portuguesa que nomeiam os órgãos do corpo humano. Tive como referência a, provavelmente, mais antiga obra já encontrada a retratar os órgãos internos de um corpo: o fígado de Piacenza, uma escultura em bronze, do tamanho de um fígado de carneiro, escrita em etrusco, que remete ao século III-II a.C. E também utilizei como referência a arte rupestre brasileira, o manuscrito Voynich (datado como do século XIV), além de obras de artistas contemporâneos como Walmor Correa e Damien Hirst.

Mas, principalmente, o trabalho foi mobilizado pelas imagens do corpo humano e as relações que estabeleci entre as ilustrações de um Atlas de Anatomia Humana, mais especificamente, o volume 1 do tomo de Werner Spaltholz, datado de 1959, que encontrei num

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sebo em Campinas.1 Escolhi-o justamente por ser o mais antigo que pude localizar e pelas

ilustrações que encontrei, com as quais fui estabelecendo relações imagéticas e fazendo colagens e desenhos. Chamo-o de meu caderno de artista.

Figura 1. LIMA, Silvia. Caderno de Artista. 2017. Colagem sobre o Atlas de Anatomia Humana vol I de Werner

Spalteholz, edição de 1959. Fotografia R. Pfutzenreuter.

Esta figura 1 demonstra a relação entre as linhas e a forma de um fêmur humano do

cadáver de um adulto e a espaçonave do filme de Stanley Kubrick 2001: uma odisseia no

1 Werner Spalteholz foi um médico anatomista alemão nascido em Dresden em 7 de fevereiro de 1861 e falecido em Lípsia em 12 de janeiro de 1940. Ele se tornou professor associado e curador da coleção anatômica da Universidade de Leipzig durante a Primeira Guerra Mundial. https://en.wikipedia.org/wiki/Werner_Spalteholz

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espaço. No próprio filme, o diretor estabelece esta relação entre o osso jogado para o alto pelo primata do filme com a nave espacial que aparece na sequência.

Figura 2. LIMA, Silvia. Caderno de Artista. 2017. Colagem sobre o Atlas de Anatomia Humana vol I de

Werner Spalteholz, edição de 1959. Fotografia R. Pfutzenreuter.

Nesta página, indicada na figura 2, relaciono a articulação do cotovelo do lado direito

na ilustração do livro de anatomia com o fotograma do mesmo filme de Stanley Kubrick, quando o primata, pega um osso e dobra o cotovelo para utilizar o osso como instrumento de ação sobre outra coisa. A primeira atitude do primata inteligente é utilizar instrumentos de ação sobre outras matérias. Assim, podemos considerar neste fotograma a metonímia do trabalho do artista. Vejo a mim, como o primata, que utiliza as goivas, buris, tesoura e estilete para cortar e marcar a matéria: folha e madeira. Na verdade, matérias cuja fonte é a natureza, mais especificamente, são as árvores.

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Figura3. LIMA, Silvia. Caderno de Artista. 2017. Colagem sobre o Atlas de Anatomia Humana vol I de Werner

Spalteholz, edição de 1959. Fotografia R. Pfutzenreuter.

Na figura 3, fiz a colagem de uma imagem do fígado de Piacenza, retirado do livro

Atlas Mnémosyne de Aby Warburg. No entanto, não vou discorrer sobre sua teoria. Porém, colei nesta página enfatizando as linhas altas do relevo do fígado de Piacenza com a ilustração do Atlas de Anatomia: imagens do maxilar inferior do ser humano. Também existe uma relação de função entre o maxilar e o fígado de digerir os alimentos. Embora o fígado de Piacenza seja de um carneiro

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Figura 4. LIMA, Silvia. Caderno de Artista. 2017. Colagem sobre o Atlas de Anatomia Humana vol I de Werner

Spalteholz, edição de 1959. Fotografia R. Pfutzenreuter.

Na figura 4, fiz duas colagens: uma ao lado esquerdo, em que pus um estêncil do

coração, produzido com papel sulfite e pedaços de acetato colados em ambos os lados, relacionando-o com os espaços vazios da terceira vértebra lombar. E, ao lado direito, colei uma fotografia digitalizada do catálogo Les Corps en Morceaux produzido na época da exposição no Musée D´ Orsay, Paris, em 1990. Este catálogo também serviu de referência imagética, principalmente pelo fato desta imagem representar os votos de pessoas doentes que encomendavam peças de metal, representando a parte do corpo, para cuja doença os cristãos desejavam cura.

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Figura 5. LIMA, Silvia. Caderno de Artista. 2017. Colagem sobre o Atlas de Anatomia Humana vol I de Werner

Spalteholz, edição de 1959. Fotografia R. Pfutzenreuter.

Na figura 5, à esquerda, está a imagem da Vênus Anatômica de Clemente Susini,

enquanto embaixo, no Atlas de Anatomia está escrito cavidade orbitária do lado direito e à esquerda encontra-se o corte frontal do crânio com a colagem de um coração, recortado de um velho livro didático de ciências. Neste caso, eu quis relacionar as cores e as formas com a abertura do corpo humano, a cor vermelha em tons amarelados, as linhas curvas, os espaços vazios e a conotação de que, ao olhar a mulher, desnuda e aberta, o homem se apaixona pela imagem. Note-se que a cabeça masculina também está aberta, escancarada, de que faltam pedaços, assim como faltam pedaços do corpo da mulher. O que nos leva a questionar: o amor nos escancara? É possível esconder um sentimento forte?

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Figura 6. LIMA, Silvia. Caderno de Artista. 2017. Colagem sobre o Atlas de Anatomia Humana vol I de Werner

Spalteholz, edição de 1959. Fotografia R. Pfutzenreuter.

Na figura 6, utilizei a colagem de uma das minhas referências que considero mais

importante: a arte rupestre brasileira. Considero importante porque meu trabalho carrega um estilo ancestral. Cores básicas como vermelho, marrom, tons de amarelo e preto; tintas que eram obtidas das plantas da região e desenhos cujas linhas se assemelham a uma série de formas possíveis, dos órgãos do corpo humano e suas células ao espaço sideral. A semelhança com a forma humana, eu relacionei, neste caso, com a textura dos ossos do corpo, suas linhas e nuances.

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Figura 7. LIMA, Silvia. Caderno de Artista. 2017. Colagem sobre o Atlas de Anatomia Humana vol I de Werner

Spalteholz, edição de 1959. Fotografia R. Pfutzenreuter.

Nesta imagem da figura 7, relaciono uma imagem da célula renal encontrada na internet, que

colo à direita, e a digitalização de um trabalho de serigrafia colorida procurando reproduzir a mesma célula, porém com o meu desenho. E acrescento nestas páginas do Atlas de Anatomia, enfatizando as linhas curvas preta e vermelha do desenho dos ossos da clavícula do lado direito.

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Figura 8. LIMA, Silvia. Caderno de Artista. 2017. Colagem sobre o Atlas de Anatomia

Humana vol I de Werner Spalteholz, edição de 1959.

Figura 9. LIMA, Silvia. Caderno de Artista. 2017. Colagem sobre o Atlas de Anatomia

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As figuras 8 e 9 representam colagens de uma digitalização da matriz de cologravura

do útero, que produzi em 2016, momento em que experimentei novas modalidades de gravura, utilizando o mesmo tema dos órgãos e à direita está a colagem de digitalizações de um livro de anatomia humana, que demonstrava o desenvolvimento do feto numa ultrassonografia, mostrando suas articulações com menos de dois meses, enquanto que no Atlas de Anatomia interferido, encontra-se o desenho das costelas de um feto de sete meses. A criação e a maternidade são muito fortes para mim, seja pelo fato de ser mulher, seja por toda a representação que estes conceitos sugerem na nossa sociedade, principalmente, tratando-se da criação artística.

Figura 10. LIMA, Silvia. Caderno de Artista. 2017. Colagem sobre o Atlas de Anatomia Humana vol I de Werner

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Na figura 10 existe a colagem da imagem digitalizada de uma obra de serigrafia,

produzida em 2016, em que relacionei a sobreposição do feto ao coração com a imagem dos ossos de um feto de cinco meses. Novamente, o que me chamou a atenção foram as linhas firmes e curvas, deixando espaços em branco, tanto nos ossos quanto no desenho da imagem serigráfica.

Figura 11. LIMA, Silvia. Caderno de Artista. 2017. Colagem sobre o Atlas de Anatomia Humana vol I de

Werner Spalteholz, edição de 1959. Fotografia R. Pfutzenreuter.

Nestas páginas, pus a colagem de uma fotografia da intervenção que realizei entre os prédios do Instituto de Artes da Unicamp e a Biblioteca, no final de 2016. Enfileirei tijolos de concreto que estavam espalhados pelo térreo dos prédios, fiz um estêncil do coração de 1,20 m x 80 cm, apoiei-a nos tijolos e utilizei tinta spray. Chamei esta obra de arte de Coração Despedaçado. E além da colagem, desenhei linhas imitando os galhos das árvores que podem

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ser avistadas ao fundo da intervenção. Relaciono a verticalidade dos ossos do úmero do lado direito, que está na ilustração do Atlas de Anatomia com a verticalidade da sobreposição dos tijolos, como árvores, galhos, e a sinuosidade de curvas. As mesmas curvas que utilizo no estêncil e que ficam marcadas nos tijolos de concreto.

Figura 12. LIMA, Silvia. Caderno de Artista. 2017. Colagem sobre o Atlas de Anatomia Humana vol I de Werner

Spalteholz, edição de 1959. Fotografia R. Pfutzenreuter.

Esta imagem da figura 12 mostra a colagem de uma fotografia de um pedaço de topo,

em um dos seus primeiros entalhes, quando eu tinha apenas marcado as linhas do desenho, sem fazer qualquer rebaixamento2. Trata-se da representação artística das células pulmonares, que

2 Rebaixamento é uma técnica de entalhe de pedaço de topo de árvore, em que cavamos mais do que apenas as linhas do desenho, rebaixando áreas bem maiores, ficam semelhantes a buracos. O rebaixamento vai se caracterizar como um estilo que desenvolvo ao praticamente esculpir o pedaço de topo, inicialmente preparado para gravar a madeira e ser utilizado como matriz de impressão. Ao final desta pesquisa há fotografias de cinco matrizes em que aperfeiçoo o rebaixamento.

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fiz levando em consideração os veios da madeira também. Nas páginas do Atlas de Anatomia Humana, usei caneta nanquim vermelha para desenhar linhas, círculos e pontos cuja cor se assemelha ao desenho da ilustração do livro de anatomia e ao mesmo tempo repetem as formas circulares do desenho na matriz e da ilustração do corte transversal da parte média dos ossos do antebraço do lado direito e da extremidade inferior dos ossos do antebraço do lado direito.

Figura13. LIMA, Silvia. Caderno de Artista. 2017. Colagem sobre o Atlas de Anatomia Humana vol I de Werner

Spalteholz, edição de 1959. Fotografia R. Pfutzenreuter.

Na figura 13 estão demonstradas a colagem da imagem digitalizada da ultrassonografia da

minha filha com nove semanas de gestação e a colagem de um dos caligramas de Apollinaire, cujo trabalho gráfico do texto sempre me chamou à atenção.

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Ao lado esquerdo, na ilustração do livro de Anatomia, estão os ligamentos dos ossos do tronco, sacro e cóccix, próximo à região da bacia, justamente dentro da qual fica o útero e o feto. E, do lado direito, a ilustração mostra o ligamento entre os ossos do tronco e do crânio, na região do pescoço; onde colei a imagem do cisne, cujo pescoço é majestoso. Notei que ambos possuem uma semelhança de linhas e formas, não apenas uma relação direta de uso.

Figura 14. LIMA, Silvia. Caderno de Artista. 2017. Colagem sobre o Atlas de Anatomia Humana vol I de Werner

Spalteholz, edição de 1959. Fotografia R. Pfutzenreuter.

Na figura 14, há a colagem de uma imagem, um caligrama à Apollinaire, com a escrita de

um texto: Como enfrento as dificuldades, cujas letras se repetem num desenho, semelhante à célula dos pulmões. Colei nestas páginas, porque ilustram a clavicula e o ligamento das extremidades superiores, próximas à caixa torácica; onde se localizam os pulmões.

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Este caderno traz inúmeras outras referências e ideias que planejo executar em futuras obras de arte, porém mostro aqui estas imagens com o intuito de sugerir meu processo criativo. O qual partiu de uma curiosidade científica e de um olhar de artista para as linhas, formas, figuras, texturas dos ossos, órgãos e células humanas. Daí, meu processo ter iniciado com a visão de imagens médicas.

2.

Olhares para dentro e para fora

Procurando dar uma coerência ao trabalho acadêmico, utilizo as considerações de Richard Sennet em O Artífice e Carne e Pedra; Elogio da Mão de Henri Focillon; alguns textos de Gaston Bachelard; assim como, outras referências e citações que utilizo no decorrer do trabalho. Tanto quanto possível, trago várias hipóteses: a importância do artífice na sociedade contemporânea e sua relação entre a mão e o pensamento no embate com a matéria, do qual a gravura é um exemplo; considerando sua importância neste contexto e como ela se coloca num espaço interno e externo. Trato também do desenho das células e de como este se assemelha ao que se observa no espaço externo; quanto de semelhante e diferente existe dentro de cada ser humano quando observamos o interior de seus corpos.

Tudo isso se dá no processo de trabalho que levou à produção das obras. Entre elas, esta pesquisa acadêmica cuja linguagem ora utiliza o texto informativo, ora poético; ora utiliza a primeira pessoa, tratando-se da artista; ora a terceira pessoa, tratando-se da pesquisadora acadêmica. Esta mudança de discurso é extremamente pessoal, pois demonstra como muitas vezes eu, enquanto sujeito, sinto-me perdida entre dois universos e contextos: um o universo da academia, ou das ciências humanas e outro, o da criação artística. Entretanto, ambos possuem natureza e características diferentes. Então, optei pelo uso desta confusão porque também faz parte do meu processo.

Além disso, gostaria de enfatizar que minhas referências teóricas não aprofundam sua leitura social ou filosófica. Logo, enfatizo que as referências utilizadas pelo trabalho artístico são opções estéticas. Assim, sempre será possível utilizar outras referências e fazer diferentes

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leituras e interpretações. Este trabalho explora um espaço fronteiriço, testando os limites do discurso e das linguagens. São sempre OLHARES PARA DENTRO E PARA FORA.

...as pessoas normais padecem ou desfrutam a realidade, mas não podem fazer nada com ela, enquanto o escritor pode, sim, porque sua profissão consiste em dotar a realidade de sentido, mesmo que esse sentido seja ilusório; ou seja, ele pode dotá-la de beleza, e essa beleza ou esse sentido são seu escudo. (CERCAS, J. 2018, p.60)

Utilizando a citação de Cercas, não há dúvida de que a obra de arte é um trabalho que tem relação íntima com o criador, ou o artista. Porém, ainda que a criação da obra seja um trabalho psicoterapêutico, discorrer sobre a obra não deve ser semelhante ao discurso utilizado no momento de se deitar no divã. Há semelhanças, entretanto, o pieguismo não é aceitável no trabalho acadêmico, a situação é diferente, logo difere o uso da linguagem. Por isso, também minha escrita apresenta um distanciamento. No entanto, o leitor não deve se enganar, estou inteiramente aqui. Mas discorro a respeito da pesquisa, da manipulação das formas, e do confronto estabelecido com a matéria. Então, os sentimentos existem, embora sejam pretensamente tão manipuláveis quanto os objetos na produção da obra de arte.

Meu processo começou com uma pesquisa no Atlas Ilustrado de Anatomia e no Atlas de Anatomia Humana de Werner Spalteholz em busca da figuração dos órgãos humanos, mais especificamente sete órgãos considerados vitais como: coração, pulmão, cérebro, fígado, rins, pâncreas e útero. Escolhi especificamente sete órgãos uma vez que sete é considerado um número cabalístico por serem sete os dias da semana e, especialmente, porque nasci num dia sete às sete horas da manhã. Dei atenção à escolha do útero, pois a referência é o meu corpo. Além disso, o útero é relacionado desde os primórdios com o local de onde se origina a vida.

Pensei no corpo humano por ser a medida de todas as coisas e no interior, pois quis ir aonde o olhar externo e superficial comumente não vai. Entretanto, brinquei com o DENTRO e o FORA durante todo o tempo. Portanto, do mesmo modo que comecei com os órgãos do corpo, desenhando-os de maneira criativa e estética ao invés de desenhá-los de forma realista e científica; terminei desenhando as células. Não quaisquer células, mas as células humanas cujas

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linhas considerei mais atraentes e que fizessem referência aos sete órgãos retratados inicialmente. Todavia, dos sete órgãos iniciais, retratei apenas cinco células, cujas formas e linhas considerei mais bonitas nos desenhos que fiz delas.

No percurso notei que a gravadora e a desenhista entendiam o mundo através das mãos, das linhas do corpo e da natureza. Minha preocupação com a vida sempre foi muito forte; daí, minha atenção à Biologia: o estudo da vida.

E tratando do OLHAR PARA DENTRO E PARA FORA, comecei gravando a madeira para imprimir provas, mas cheguei a fazer incursões no espaço gravando tijolos e pedras, fazendo esculturas, intervenções e instalações. As experiências no espaço público me encantaram, entretanto, o espaço intimista ocupado pela gravura foi o que elegi para concluir este trabalho. Por isso nomeei o doutorado OLHARES PARA DENTRO E PARA FORA.

Mais adiante, tomando contato com o trabalho de inúmeros artistas e historiadores da arte, pude identificar que a preocupação com a vida e sua valorização tem sido cada vez mais comum na contemporaneidade, talvez pelo grande avanço da ciência; talvez pela preocupação com a ética atrelada a este conhecimento. Eis o comentário de Richard Sennet em O Artífice, quando faz referência ao mito da caixa de Pandora e toda a responsabilidade advinda da abertura da caixa. Nesta introdução ao trabalho do artífice ou artesão, Sennet cita algumas invenções científicas como a bomba de nêutron e a energia nuclear bem como a responsabilidade do ser humano, uma vez que a ciência atingiu patamares tão altos a ponto de destruir toda a espécie humana, o planeta e outros corpos celestes. (SENNET. 2013, p.11-16)

Deste modo, a ciência que pode manter e aperfeiçoar a vida também pode destrui-la de forma definitiva. Esta tem sido minha preocupação e a preocupação dos artistas, cientistas, filósofos, enfim da espécie humana. Logo, minha proposta é um hino de amor à vida _ que desejo continuar existindo.

Meu olhar partiu de uma pesquisa na ciência, porém a desenhista representou o mundo, com linhas orgânicas e móveis para lembrar ao observador que é parte dela, que está nela. Estas

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questões motivam meu trabalho, como coloco no texto que escrevi e publiquei na internet, citado a seguir:

O Elixir da Vida

Minha doçura

transborda

não me afoga

se a deixo escorrer

e melo o mundo.

Minha luz brilha

não me cega

se abro as minhas

janelas

e irradio o brilho.

Meu fogo incendeia

não me queima

se espalho o calor e

aqueço o entorno.

Minhas perguntas

me levam

não me perturbam

se busco

a razão por trás de

tudo.

Dou mais

brilho mais

queimo mais

quero mais

Vivo mais.

(SFL In https://minhavidasilferlima.blogspot. com/search?q=quero+mais+vivo+ma is)

O trabalho traz questões individuais que, de acordo com o antropólogo inglês, Tim Ingold também são políticas; para isso, considero seu discurso em Making, ao relacionar os quatro As: Antropologia, Arte, Arquitetura e Arqueologia. Quando trata da percepção, descreve o trabalho do gravador, que entalha a madeira e trabalha a matéria de acordo com

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características apresentadas pela madeira antes do entalhe. Neste sentido, para o antropólogo, o ser humano deveria perceber e atuar sobre a natureza e a vida respeitando as características da matéria e construindo seu projeto _artístico, neste caso_ a partir do momento em que percebe a matéria e concretiza suas ideias. Para ele, estas características são políticas, uma vez que o ser humano deveria ter a percepção do artesão para transformar a matéria com mudanças tecnológicas sustentáveis. (INGOLD. https://www.youtube.com/watch?v=Ygne72-4zyo visto em 13/08/2019 às 11:02h)

Do mesmo modo, o crítico de arte e sociólogo, Richard Sennet coloca a visão do artífice no seu trabalho; para ele, o bom artífice utiliza soluções para desbravar novos territórios. Considerando que a solução dos problemas e sua detecção estão intimamente relacionadas, para ele, o artífice tem a curiosidade de perguntar a respeito de qualquer projeto POR QUÊ? e COMO? Sennet, assim como Ingold, trata do tempo do trabalho como a projeção, que planeja o futuro; a execução que mergulha no presente, como o artífice e, por fim, a reflexão que vai pensar sobre o passado. Tanto o antropólogo Tim Ingold, quanto o sociólogo Richard Sennet veem o momento presente de maneira essencial; que é justamente o tempo do artífice. Ingold afirma que esta percepção do artista é o que falta nos seres humanos para levar adiante mudanças sustentáveis, em harmonia com a natureza e o planeta em que nos inserimos. (SENNET.2013, p.22)

Para Sennet, o artífice explora essas dimensões de habilidade, empenho e avaliação de um jeito específico. Focaliza a relação entre a mão e a cabeça; sustenta um diálogo entre a prática completa e as ideias; este diálogo evolui para hábitos prolongados, que criam um ritmo entre a solução e a detecção dos problemas. Cito, por outro lado, Cartier Bresson, para quem a mão, o olho e o coração são indissolúveis.Cartier-Bresson, grande mestre da fotografia, dizia: "Fotografar é colocar na mesma linha de mira a cabeça, o olho e o coração." Ou ainda, Merleau-Ponty com O olho e o espírito, que vai discutir acerca da importância do olhar para o artista. Mas, tratando do artífice para Richard Sennet, a capacitação para a habilidade nada tem de inevitável. Neste caso, como artista, coloco a sensibilidade e a imersão na matéria trabalhada.

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Relaciono com a elaboração de uma gravura que, como qualquer obra de arte, é acompanhada por uma intensa atividade mental. Assim, à manifestação no plano material corresponde uma série de associações, influências, memórias, anseios, conhecimentos, reflexões. É um processo vivo. Conforme lido em A gravação como processo de pensamento de Marco Buti. E mais interessante: até um observador postado ao lado do gravador durante todo o período de elaboração só teria conhecimento da ação física, sem conhecimento dos processos mentais. (BUTI. 1996, p.107)

Conforme vivenciei por semanas no ateliê de Luiz Carlos Officina3, com quem aprendi

sobre a instrumentação adequada, como o uso dos buris de forma medieval, numa

3LUIZ CARLOS OFFICINA é artista e atuante na área da arquitetura e construção civil desde 1980, foi paulatinamente

direcionando suas atividades para sua grande paixão: as artes. Intensificou suas atividades artísticas em 1999 e iniciou sua participação em Salões de Arte, apresentando trabalhos com diferentes Técnicas de Pintura sobre Placas Esculturadas em Concreto Armado. Desenvolveu pesquisas em Arte Rupestre, Corrosões sobre Folheação e Ferrugem sobre diferentes suportes. Domina as técnicas de Gravura, Desenho, Pintura, Escultura e Arte Aplicada. A partir de 2003, dedicou-se exclusivamente à gravura, tendo se especializado no Buril, calcografia e xilografia de topo, com ênfasenos trabalhos em pequeno formato. Ao longo destes anos, participou de mais de 40 exposições, tendo recebido vários prêmios. Dentre elas, destacam-se algumas Exposições de Gravura:

- 4ª BIENAL INTERNACIONAL DE GRAVURA LÍVIO ABRAMO – Exposição e Acervo – Araraquara SP – 2016 - 3ª BIENAL INTERNACIONAL DE GRAVURA LÍVIO ABRAMO – Exposição e Acervo _ Araraquara SP – 2014 - MUSEU “CASA DA XILOGRAVURA” – Exposição e Acervo_ Campos do Jordão SP – 2014

- SP STAMPA 2014 – Livraria de Artistas – Gravura Brasileira – SP_ 2014 - 1º SALÃO DE OUTONO DA AMÉRICA LATINA – SP - 2013

- SP STAMPA 2013 – Mapa de Influências – Exposição na Graphias Casa da Gravura /Livraria de Artistas na Gravura Brasileira / Exposição no Studio Cristina Bottallo – SP - 2013

- EXPOSIÇÃO DE GRAVURAS E LIVROS DE ARTISTA – Graphias Casa da Gravura - SP Exposição e acervo: 2013, 2012, 2011, 2010, 2008, 2006/2007, 2005

7 INTERNATIONAL TRIENNIAL OF GRAPHIC ART BITOLA – Exposição e Acervo - Macedônia - 2012 - SP ESTAMPA 2012 - MAPA DE INFLUÊNCIAS - Exposição e Acervo – SP/ RJ/ PE/ RS - 2012

Acervo: Pinacoteca Aldo Locatelli e Museu do Trabalho - RS; Museu Estadual de Pernambuco e Oficina do Tempo – PE; Biblioteca Nacional e Liceu de Artes e Ofícios – RJ; Pinacoteca do Estado de São Paulo e Ponto Gráfico Maria Pinto e Maura de Andrade – SP

- BIENAL INTERNACIONAL DE GRAVURAS DE SANTOS – Pinacoteca Benedicto Calixto - SP – 2011 - ANUÁRIO LUSO BRASILEIRO DE ARTES PLÁSTICAS - ANJOS ART GALLERY - SP – 2010/2011 Mostra de Gravuras na Casa de Portugal – SP

- PROGRAMA ANUAL DE EXPOSIÇÕES/2007 – PREFEITURA DE SÃO BERNARDO DO CAMPO - SP - 2008 Exposição de Gravuras no Espaço Henfil – São Bernardo do Campo – SP

- 4ª BIENAL DE GRAVURA DA CIDADE DE SANTO ANDRÉ - SP - 2007

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movimentação circular de ambas as mãos. Em que uma utiliza a empunhadura do buril e a outra ajuda a circular a matéria, no meu caso, os pedaços de topo. E o auxílio a este processo ainda se dá com a utilização de um prato de apoio circular. Foi mergulhando neste processo de entalhamento, que minhas mãos descobriram o caminho e meu desenho marcou os traços, construídos com a visão dos sulcos do próprio topo. Num processo mental e manual conjuntos. Agora, citando Focillon em Elogio da mão: no momento em que começo a entalhar, vejo minhas mãos solicitando meu espírito, num mergulho físico, mental e espiritual. E, mesmo sendo canhota, ambas as mãos trabalham conjuntamente, cumprindo sua tarefa, enquanto uma segura a madeira e a direciona, a outra entalha, escreve signos. Travo contato com a natureza e a dureza do pensamento, lapidando o bloco, impondo a forma, o contorno, o estilo. (FOCILLON. 1988, p.105)

Como artista, valorizo o capricho, a qualidade da obra acabada; porém considero mais importante o processo: aberto a inúmeras possibilidades, momento cheio de fluxos e tensões energéticas, das mãos, dos pensamentos, das sensações e sentimentos. O processo é tão rico que a obra acabada, por mais qualidades que tenha, resume-se a uma pequena parte das possibilidades que se apresentam durante a ação. Sem contar que este período é um encontro do artista consigo mesmo, seus desejos, seus sonhos, suas dores e frustrações. É um momento de elaboração interna e externa. Com relação às emoções do artista é interna, mas com relação à construção da obra é externa. Trazem sempre olhares para dentro e para fora.

Este é o encontro do homem com a natureza, da ideia com a matéria. Logo, a conclusão do trabalho é importante, mas não tanto quanto o caminho trilhado para executá-la. Entalhar, gravar, tornou-se tão importante que não haveria melhor maneira de tratar da vida, ou das entranhas, do que gravando na madeira, no papel, na pedra.

- INTERNATIONAL SMALL ENGRAVING SALON - Exposição de Linoleogravuras - Romênia - 2007 Acervo no Florean Museum - http://muzeulflorean.mm.ro/florean_museum/salons/index.php

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Faço meu trabalho na contemporaneidade, assim tenho necessidade de tratar da contemporaneidade, conforme afirma Francisco Ortega em O Corpo Incerto: corporeidade, tecnologias médicas e cultura contemporânea afirma que: “Não podendo mudar o mundo, tentamos mudar o corpo, o único espaço que restou à utopia, à criação”. (ORTEGA. 2008, p.48). Talvez esta observação justifique o fato de o tema aparecer tanto nas diversas manifestações artísticas recentes. Contudo, representações deste tema (ou pathos, conforme denominam alguns historiadores da arte) existem desde tempos imemoriais. No meu caso, trato da representação das entranhas do corpo humano.

Esta busca pelo mais antigo e primordial, possuo em comum com o trabalho do crítico de arte Richard Sennet em Corpo e Pedra, que ao tratar da arquitetura e da organização do espaço público, busca referências na Antiga Grécia, Roma e nos primeiros cristãos, definindo que a organização do espaço sempre tem como referência o corpo humano. Assim, tratando do corpo, do que há dentro e fora, verificamos a valorização da nudez do cidadão ateniense no período de Péricles, de sua postura vertical até mesmo no momento do sexo entre os cidadãos iguais e como as colunas gregas existiram em função desse pensamento. Como construção do espaço público, essa tem uma relação política. De modo que a Atenas de Péricles mantinha a altivez para exigir o respeito de outras cidades gregas e vencê-las. Já meu assunto escolhido para tratar é o corpo humano e a vida que existe dentro e fora. Utilizo este assunto para recortar moldes, fazer estêncis, cortar e entalhar a madeira. Nesta ação que remete à cirurgia, na abertura de corpos. Vou ao primordial quando busco referências na arte rupestre brasileira, nas linhas, formas, figuras, que podem remeter ao corpo humano e à vida.

Segundo Sennet, o pensamento e o sentimento estão contidos no processo de fazer. O animal humano é capaz de pensar e as discussões sustentadas pelo produtor podem ocorrer mentalmente com materiais e entre as pessoas que trabalham juntas, que certamente conversam sobre o que estão fazendo, como se dá o trabalho nas oficinas ou ateliês. O envolvimento das pessoas, nestes locais, tem início antes, procurando compreender o processo através do qual se produzem coisas; durante, quando pensam sobre seu processo e depois, quando refletem e analisam o que fizeram. (SENNET. 2013, p.17)

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Buscando ainda referências históricas, chamou-me a atenção o show realizado no século XVIII na França, com as bonecas anatômicas feitas de cera, com longos cabelos e feições sedutoras, abertas sob os cuidados de um suposto médico, apresentador do show, que as abria e expunha seus órgãos internos. A respeito destes shows, Baudelaire escreve que “A maior parte dos garotinhos quer sobretudo ver a alma, uns ao cabo de algum tempo de exercício, outros de imediato.” (BAUDELAIRE. 1985, p.489)

Palavras absurdas se não forem entendidas no contexto dos shows da época; para os quais se dirigiam famílias, levadas pela curiosidade a respeito do corpo humano e seu funcionamento.

Giorgio Agamben faz referência a uma destas bonecas de cera de Clemente Susini, moldada para o Museu de História Natural do Grã-Duque de Toscana (AGAMBEN.2015, p.114-115).4

4 SUSINI, Clement. Vênus Anatômica. Toscana, Museu de História

Natural, 1798. In https://www.researchgate.net/figure/Anatomical-Venus-by-Clemente-Susini-c1798-Natural-History-Museum-at-the-University-of_fig3_50863459

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Neste sentido, apesar das peculiaridades da obra de arte, meu trabalho se insere num contexto sociocultural marcado por questões que preocupam o ser humano. Entretanto, retoma questões desenvolvidas ao longo da história da arte, como a gravação e a manufatura. Refere-se a modelos de trabalho artístico deRefere-senvolvidos na Pré-História, como a arte rupestre, bem como na Idade Média, com o desenvolvimento do trabalho em guildas e a utilização dos buris. Trata-se do trabalho da matéria, etimologicamente mater, mãe, matriz, trabalho sobre a matéria dura, gravura. (LEGENDRE. 1998)

Observando as imagens anatômicas como a de Susini, bem como as imagens de corpos encontradas no catálogo da exposição no Museu d´Orsay, Paris, 1990: Les corps em morceaux, optei por desenhar e gravar, inicialmente em pedaços de mdf, por fim, em pedaços de madeira de topo, cujos veios da madeira influenciaram meu trabalho de desenho e de entalhe, do mesmo modo como a forma circular das células. 5

5 A imagem, acima mostra

algumas variedades de células humanas, cujos desenhos despertaram minha curiosidade para pesquisar o desenho das células de cada um dos sete órgãos do corpo humano que escolhi representar. A imagem pode ser encontrada no site: https://sites.google.com/site/conhecendoascelulas/celula-animal/celulas-no-corpo-humano

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Uma pesquisa a respeito de artistas que representam o interior do corpo humano, levou à descoberta de uma obra que remonta aos séculos III-II a.C., a mais antiga registrada até então, sobre as entranhas do carneiro: o fígado de Piacenza. Conforme colocado na figura.6

Trata-se de um artefato etrusco descoberto em 1877, na cidade de Piacenza, Itália. Feito de bronze e do tamanho natural do fígado de um carneiro, este trabalho apresenta uma simbologia que se refere aos deuses etruscos e provavelmente servia como oráculo, ou seja, objeto para se ler a sorte. No Atlas Mnémosyne de Aby Warburg também existe referência a este trabalho. Entretanto, não vou discorrer sobre a obra de Warburg ou seus comentários a respeito do fígado de Piacenza. Apenas destaco que esta escultura se assemelha a uma cartografia do corpo humano, conforme escolhi dar o título para o trabalho. Cartografia por ser um mapa de localização de órgãos do próprio corpo, onde nos encontramos, identificando nossas semelhanças a outros seres. Ao mesmo tempo, a escrita etrusca, difícil de ser identificada, levou-me à criação de uma nova tipologia, ou mesmo, uma nova linguagem, utilizando como base as formas das células humanas; que se surgiram a partir desta observação biológica, foram enriquecidas por uma observação e brincadeira estética. Senti-me uma criança criando um novo código, que inicialmente foram carimbos em eva e mdf e

6

Fígado de Piacenza, séc. III a II a.C., Placência, Itália Escultura em bronze nas dimensões de um fígado de carneiro.

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continuaram como xilogravura, a fim de serem impressas de uma única vez com as matrizes dos órgãos.

Mais tarde, verificou-se que o fígado é o maior órgão interno do corpo, cujo maior de todos é a pele. Este objeto também traz à baila a relação entre os órgãos do corpo, a simbologia, a religião e a magia. Nos dizeres de Mircea Eliade, o objeto surge como receptáculo de uma força exterior que o diferencia de seu próprio meio, lhe dá significado e valor.(ELIADE.1992, p.18)

Contudo, cheguei ao entendimento de que a figuração das entranhas humanas é uma atividade mais comum na contemporaneidade do que se poderia imaginar, conforme a referência de Francisco Ortega em O Corpo Incerto: corporeidade, tecnologias médicas e cultura contemporânea. Obra na qual o autor identifica a objetificação do corpo, justifica as tatuagens, colocações de piercings e outras modificações corporais como formas do indivíduo se libertar das amarras sociais que lhe são impostas, como a mentalidade fitness e a moda. Desta maneira, o corpo e seu interior estão tão marcados na contemporaneidade que um artista visual não se preocupa apenas com desenhos de modelos vivos; mas desenha o interior do corpo, seus órgãos e células, o que coloca este trabalho num contexto temporal e sociocultural de sua produção. Enfatizo, entretanto, que estas referências são apenas imagéticas, visuais, na minha produção de obras de arte.

Comprova-se a teoria de Ortega encontrando inúmeros artistas contemporâneos que fazem figurações dos órgãos e células. Entre eles, o brasileiro Walmor Correa, que afirmou ter passado suas aulas de biologia e anatomia no Ensino Médio, realizando desenhos do corpo

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humano, que não apenas traziam a figuração realista dos órgãos como também criavam seres mitológicos inspirados na cultura amazônica, como a figura da ondina.7

Os desenhos de Walmor acabaram se transformando em pinturas e esculturas que ele expõe ao longo do tempo. Walmor Correa e outros artistas contemporâneos utilizam a imagem interna do corpo como motivo de suas criações. Neste processo de criação, foram descobertas dezenas de artistas ao redor do mundo que dirigiram a atenção ao mesmo assunto, o que não detalho aqui.

Neste momento, acrescento as palavras de Javier Cercas em seu romance A velocidade da luz. A citação trata do trabalho do artista:

Artista não é quem torna visível o invisível (isso sim que é romantismo, embora não da pior espécie); artista é quem torna visível o que já é visível e que todo mundo olha, mas ninguém quer ver. De modo geral, ninguém quer ver mesmo. São coisas bem desagradáveis, muitas vezes horrendas, que é preciso ter muito colhão para ver e não fechar os olhos ou sair correndo, porque quem as vê se dana ou enlouquece. (CERCAS, J. 2018, p.59-60)

7

CORREA, Walmor. Cirurgia da Ondina, 2013.In Walmor Correa: O estranho

assimilado The uncanny assimilated.

http://www.walmorcorrea.com.br/obra/cirurgia-da-ondina/ consultado em 25 de Agosto de 2019 às 19:05 horas. https://www.catalogodasartes.com.br/artista/ Walmor%20Corr%EAa%20-%20Walmor%20Correa/ consultado em 25 de Agosto de 2019 às 19:03 horas.

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Ainda coerente ao comentário de Cercas, de que o artista transforma a dor em beleza e faz desta beleza seu escudo, identificaram-se imagens de órgãos humanos e de células cancerígenas encontrados nos trabalhos de Damien Hirst. Artista contemporâneo mundialmente famoso, cuja habilidade plástica, irreverência e senso crítico são encontrados inclusive nos títulos que dá a suas obras. Sobre Hymn8, Hirst afirma ter se inspirado num

brinquedo do filho, um boneco de plástico que se abre e demonstra os órgãos internos. Em

8 HIRST, Damien. Hymn.1999-2005. Dimensões:

5,9x3,3x2 m. Ouro, prata e bronze pintado. http://www.damienhirst.com/search?query=Hymn consultado em 13/08/2019 às 9:00h

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seguida, inspirou-se para Anatomy of an angel9 e fez esta escultura para uma igreja na

Grã-Bretanha. Uma das cópias é esta que permanece na Noruega; obra bela, intrigante e delicada. Porém seu olhar para o interior do corpo chegou até às células, o que foi facilitado pela existência de imagens médicas comuns para diagnosticar problemas de saúde. Tais imagens

9

HIRST, Damien. Anatomy of an angel. 2008.

Dimensões: 1,8x0,9x0,7 m. Mármore carrara. http://www.damienhirst.com/search?query=anatomy+of+an +angel consultado em 13/08/2019 às 9:02h

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médicas foram utilizadas para produzir a terceira obra, Cells of breast cancer10, realizada na

mesma época que o segundo trabalho mencionado.

Essas obras e artistas serviram de referência às minhas produções, tanto os entalhes dos sete órgãos como os entalhes das células que concluí nos pedaços de madeira de topo. Diferentemente de Damien Hirst, meu trabalho enfatiza a força, a leveza e a alegria da vida, existente nos corpos humanos assim como no formato das células e suas analogias com formas orgânicas encontradas em naves espaciais e filmes de ficção científica, como: 2001 uma odisseia no espaço de Stanley Kubrick. De um jeito ou de outro, todos tratam de vida. Essas ideias podem ser observadas nos estudos feitos com colagens e gravuras que foram intervenções ao exemplar do Atlas de Anatomia Humana de Werner Spalteholz, que considero

10

HIRST, Damien. Cells of breast cancer. Série

Biopsy paintings. 2008. Dimensões: 3,6x2,4 m. Impressão de imagem a jato de tinta com óleo caseiro sobre tela, além da colagem de alfinetes, agulhas e anzóis.

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meu caderno de artista, conforme discutido na introdução e demonstrado nas figuras 15 e 16

a seguir.

Figura 15. LIMA, Silvia. Caderno de Artista. 2017. Colagem sobre o Atlas de Anatomia Humana vol I de Werner

Spalteholz, edição de 1959. Fotografia R. Pfutzenreuter.

Nesta figura 15, está a imagem do osso radio do lado direito e a colagem de um dos

fotogramas do filme 2001: uma odisseia no espaço de Stanley Kubrick em que a verticalidade do osso é similar ao homem em pé, no filme. Já as linhas diagonais que saem do centro, onde está o homem foram reproduzidas por traços feitos com caneta nanquim no livro, saindo do osso radio.

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Figura 16. LIMA, Silvia. Caderno de Artista. 2017. Colagem sobre o Atlas de Anatomia Humana vol I de Werner

Spalteholz, edição de 1959. Fotografia R. Pfutzenreuter.

Nesta figura 16, a cor da cabeça do fêmur assim como a circularidade do fêmur e da

imagem do fotograma do filme de Stanley Kubrick dialogam. A esta similaridade de imagens eu ainda colei célula do intestino, retiradas de um antigo livro didático de ciências. O formato das células intestinais, assim como o formato da sala circular no fotograma do filme dialogam pela semelhança de cor e de formato.

Com os sete órgãos que gravei relaciono a simbologia de Eduardo de Miranda, pois meu interesse é estabelecer uma linguagem simbólica. Logo, conforme afirma Miranda, além da observação regular das entranhas dos animais domésticos e das correspondências estabelecidas com os seres humanos, a observação do corpo acumula de longuíssima data, muitas informações. Para o que contribuíram as práticas funerárias, como o embalsamamento,

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os abortos e as vítimas de guerras, com seu cortejo de órgãos decepados e corpos dilacerados. (MIRANDA. 2000, p.54)

Eduardo de Miranda em Corpo: território do sagrado, recupera toda uma simbologia para o corpo, com cada uma das suas partes. Discorre sobre os pés (fazendo referência ao mito de Édipo), as pernas, os joelhos, as coxas, o plexo urogenital, o útero, o umbigo, os rins, o estômago, o pâncreas, o fígado, o coração, os pulmões, a coluna vertebral, as mãos, os ombros, as clavículas, o pescoço, a cabeça, os ouvidos, os dentes, a língua e a saliva, o nariz, os olhos e o crânio. Faz uma cartografia do corpo humano em seu livro; tais referências são importantes, porém escolhi representar o útero, os rins, o pâncreas, o fígado, o coração, os pulmões, as mãos e o cérebro. Assim, coloco a simbologia de cada um dos órgãos escolhidos, de acordo com os estudos de Eduardo de Miranda.

O útero é a matriz do ser por excelência, em hebraico réhem é a matriz, o seio interior, o útero da mulher, que envolve e acolhe a vida, fruto da união do masculino com o feminino, do homem e da mulher numa só carne. Assim, cada indivíduo deve buscar seu verdadeiro lugar na vida. O primeiro envelope, o materno é necessário por nove meses, os outros são aqueles que a cultura e a sociedade impõem ao indivíduo e do qual ele precisa se libertar. O útero para o artista representa a mãe natureza, que envolve a todos, com o qual precisamos nos relacionar de forma harmônica e sustentável; transformando e respeitando suas características e limitações. (MIRANDA. 2000, p.109)

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Figura 17. LIMA, Silvia. Útero série Órgãos do corpo, 2015. Dimensões 40x60 cm. Matriz de xilogravura

entalhada em mdf. Fotografia R. Pfutzenreuter.

Os rins, segundo Eduardo de Miranda, simbolizam toda sede de energia que animará o humano em suas uniões com o interior e o exterior. Eles se assemelham ao ouvido, daí simbolizarem órgãos de escuta. Possuem também a forma de germe, forma análoga à planta dos pés. O nome grego dos rins é nefros, que dá origem a muitas palavras que atingem os rins: nefrologia, nefrite, nefroplegia (paralisia dos rins), nefrolitíase (pedra nos rins) etc.

A palavra inversa phrenos é que dá origem à palavra portuguesa rins (renos, renes). Phroneo em grego é o verbo pensar, phronis é o bom senso e phronesis, o pensamento, a sabedoria. Representa o segundo estágio do ser, a terra fértil para as sementes da vida. Por

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isso, representei os rins dando origem a galhos de árvores, folhas e flores. Órgão que filtra o sangue utilizando a água que entra no nosso corpo. E observando na arte rupestre, uma imagem semelhante ao desenho das células renais é colocado para a representação da mãe, conforme mostrado adiante. (MIRANDA. 2000, p.117-121)

Figura 18. LIMA, Silvia. Rins série Órgãos do corpo, 2015. Dimensões 60x40cm. Matriz de xilogravura em

mdf. Fotografia R.Pfutzenreuter.

O pâncreas está simbolicamente ligado à transformação da carne; uma vez que esta glândula exócrina e endócrina possui influência na digestão e nos processos metabólicos. Pâncreas em grego pan kreas significa toda carne. Quando o potencial erótico da carne é levado para o exterior do ser. Seu potencial erótico é fonte interior de sabedoria e desfrute

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espiritual. O humano aproxima-se da incorruptibilidade, quando a carne morre para a superficialidade e funda-se na interioridade do ser, ressuscita para um corpo glorioso.

O pâncreas representa o potencial de transformação. Assim, todas as vezes em que realizei seu desenho, gravando a matriz do órgão, ou mesmo entalhando sua célula no pedaço de topo, atentei para os traços, curvas, movimentação; enfatizando a transformação do homem e da matéria. (MIRANDA. 2000, p.129-131)

Figura 19. LIMA, Silvia. Pâncreas série Órgãos do corpo, 2015. Dimensões 60x40 cm. Matriz de xilogravura. Fotografia R.Pfutzenreuter.

O fígado é o órgão da honra, do peso, do pesar e da glória. Como uma figueira, o fígado possui uma arborescência de veias, artérias, canais e canículos. É o órgão responsável pela síntese e excreção da bílis, pela síntese de diversas proteínas (albumina_da clara de ovo, fibrinógeno_proteína envolvida nas etapas finais da coagulação; fatores de coagulação etc.),

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pela modificação de medicamentos e a neutralização de produtos tóxicos como os derivados do amoníaco. A origem latina da palavra fígado é figo. Daí a referência à figueira secada por Cristo, conforme escrito na Bíblia. A árvore que não dá frutos não merece a própria existência. Faz referência ao que o homem produz de bom. (MIRANDA. 2000, p.133-141)

Figura 20.LIMA, Silvia. Fígado série Órgãos do corpo, 2015. Dimensões 40x60 cm. Matriz de xilogravura em mdf. Fotografia R.Pfutzenreuter.

Procurei retratar o fígado grande e pesado, uma vez que descobri ser o maior órgão interno; também fazendo referência à grandiosidade que ele simboliza. Foi o primeiro órgão, de que se tem notícia, a ser retratado pela arte e simbolizar a previsão do futuro, conforme utilizado pelos etruscos em Piacenza, por isso fiz seu desenho se assemelhando à escrita de um código.

O coração é um triângulo invertido. Um órgão oco, muscular, situado na cavidade torácica, constituído por duas aurículas e dois ventrículos. Ele recebe o sangue e o bombeia

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para o corpo por meio de movimentos ritmados de sístole e diástole. Do ponto de vista da anatomia e fisiologia, o sangue é um líquido que transita em movimento constante e permanente, por toda a vida humana, graças ao coração.

Figura 21. LIMA, Silvia. Coração série Órgãos do corpo, 2015. Dimensões 60x40cm.

Matriz de xilogravura em mdf. Fotografia R.Pfutzenreuter.

Circulando, o sangue leva a outras células do organismo o oxigênio e substâncias nutritivas. O coração sempre simboliza as emoções, pois quando o ser humano está fortemente emocionado altera seu ritmo de batidas e podemos perceber um aumento da circulação do sangue, como a vermelhidão na face, por exemplo. (MIRANDA.2000, p.151-156)

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Assim, para retratar o coração fiz o desenho das hemácias ou células sanguíneas. E entalhei o coração como um labirinto de emoções no qual entramos e nos perdemos; verificando que todos os caminhos nos levam para o mais interior e profundo.

Mestre do sopro, o pulmão humano possui uma estrutura de alvéolos totalmente arborescente. Sua forma é análoga à das arvorezinhas existentes nos rins. O pulmão é uma designação comum a dois órgãos (direito e esquerdo). Cada pulmão ocupa uma cavidade do tórax, separado um do outro pelo coração. O coração é o centro dos pulmões. A árvore pulmonar em hebraico reá, pronunciada roeh significa visão.

A palavra pulmão poderia ser lida como a luz do sopro. Na perspectiva bíblica, os rins ouvem e os pulmões veem. E quem não vê com os pulmões, não ouve nem se conhece, nem conhece o Espírito da verdade. O pulmão é o veículo do corpo que recebe os elementos vitais. Na simbologia bíblica dos pulmões, no microcosmo humano, a matriz abdominal e peitoral é um espaço preenchido pelo Sopro, entre os membros inferiores, território do TER, e a cabeça território do parecer, no sentido de vir-a-ser ou DEVENIR.

Em filosofia, o DEVENIR ou devir exprime a transformação incessante e permanente pela qual as coisas se constroem e se dissolvem noutras coisas. No cosmos planetário, a atmosfera, o ar, o vento... ocupam um espaço intermediário entre a terra e os céus. (MIRANDA. 2000, p.157-164) Confesso que também relaciono com o pouco que entendi da filosofia deleuziana sobre o devenir, a possibilidade de novas coisas virem a ser e as tensões que existem constantemente na produção de novas coisas, novas ideias, novas estruturas sociais, novos objetos de arte.

Logo, retratei os pulmões com galhos, mas também com pautas e notas musicais; fazendo referência ao canto, habilidade de musicarmos o ar, para a qual utilizamos apenas nossa respiração. Esta capacidade pareceu-me mágica, cheia de encanto e alegria. Assim, o homem louva a vida: cantando.

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Figura 22. LIMA, Silvia. Pulmões série Órgãos do corpo, 2015. Dimensão 60x40cm.

Matriz de xilogravura sobre mdf. Fotografia R.Pfutzenreuter.

As mãos representam na tradição judaico-cristã o conhecimento e o poder, evocam o braço e a autoridade. Existe um conhecimento do tocar, do ver pelas mãos. Da mesma forma, as mãos são inseparáveis dos dois pulmões que prolongam. Os dois hemisférios cerebrais são inseparáveis das mãos. O conhecer não é só cerebral. Seguindo o esquema da árvore da vida e das Sefirot (níveis de energia, conforme a cabala), a mão direita de Deus é relacionada com

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a misericórdia e a sabedoria; a esquerda com o rigor, a inteligência e a justiça. A mão direita é a que abençoa. As mãos dos homens agem no mundo, ou de forma banal ou em experiências cada vez mais profundas. (MIRANDA. 2000, p.175-181)

Deste modo, este trabalho propõe uma cartografia do corpo humano no que ele possui de simbólico e vital.

Além disso, retratei também o cérebro; que é não apenas o centro de todo o sistema neurológico como fonte do raciocínio e reflexão, símbolo das ideias e do pensamento. Eduardo de Miranda trata da caixa craniana, mas não trata do cérebro. Segundo ele, a cabeça é nossa ligação com o mundo superior e espiritual.

Figura 23. LIMA, Silvia. Mãos série Órgãos do corpo 2018. Dimensão

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Outra referência que adiciono é a do manuscrito Voynich. Este manuscrito é um livro ilustrado aparentemente sobre a saúde feminina, julgando pela ilustração cheia de mulheres e seus corpos. Foi descoberto no início do século XX, por um livreiro polaco-americano chamado Wilfrid M. Voynich, o que deu nome ao manuscrito. Até então não existe certeza quanto à língua utilizada, mas as iluminuras e o texto tornam-no visualmente interessante.

Figura 24. LIMA, Silvia. Cérebro série Órgãos do corpo. 2015. Dimensão 50x50cm.

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As imagens circulares de uma página aberta do manuscrito Voynich11, provavelmente

mostram plantas, conforme aparece em grande parte das ilustrações do manuscrito, além de corpos de mulheres. Interessante a circularidade destas imagens, que de alguma forma dialogam com meus desenhos de células. Além disso, aproveitei a ideia de uma escrita cujo código ainda não foi identificado, como o do manuscrito, para criar um código a partir do desenho de células. Este código, primeiramente foram os carimbos, que utilizei sobre tiras de mdf, as quais se tornaram matrizes ao lado das matrizes dos órgãos para imprimir os pôsteres, impressos num conjunto de nove, conforme se pode verificar na série de gravuras que denominei Cartografia do corpo humano, colocadas ao final deste trabalho.

O manuscrito Voynich é um livro escrito em pergaminho e datado por carbono 14, como tendo originado no século XIV. Suas imagens, linhas, a escrita e o fato de tratar principalmente do corpo feminino e das plantas, levou-me a pensar em fazer também um livro com as gravuras impressas. Porém, ao juntar as matrizes e o códice que criei, utilizando o desenho semelhante ao formato das células, elaborados em pedaços de E.V.A, as matrizes ficaram muito grandes. Assim a impressão final teve que medir 66x82 cm ao invés do tamanho de cerca de 22x16 cm e 4cm de espessura do manuscrito Voynich. Além do fato de não facilitar o manuseio se fosse encadernado como um livro.

Manuscrito Voynich. Wikipedia. consultado em 18/08/2019 às 20:37 h.

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Relato o processo de gravadora, que recorreu a obras científicas para retratar em arte o processo da vida, e marcou a madeira, o papel e o espaço público; que recorreu ao ateliê para explorar o processo de impressão e ter aulas de buril, aprendendo a utilizar de forma adequada o instrumental.

No meu processo, comecei gravando órgãos em mdf, explorei fazendo estêncis e deixando gravado em espaço público, explorei carimbos feitos com EVA, transformei-os em matrizes de mdf e reuni tudo em gravuras impressas em papel alta alvura de 220 g. No final, explorei gravar em madeira de topo, recorri ao auxílio de Luiz Carlos Officina, que me ensinou a empunhadura medieval dos buris e concluí gravando matrizes que se encontram no limite entre a gravura e a escultura realizadas em topo de madeira. O tempo todo foi um trabalho manual, de mãos e pensamento.

E eis que surge a matéria, o primeiro adversário do poeta da mão. Possui todas as multiplicidades do mundo hostil a dominar. E o primeiro gravador começa sua obra com devaneio da vontade. Ele se compromete mais, para ele a matéria existe. O resultado estético final não oculta a história do trabalho, a história das lutas contra a matéria. A gravura é a arte entre todas que não pode enganar. (BACHELARD. 1986, p.52-53)

A atividade da mão é primitiva, pré-histórica, pré-humana. Pré-histórica como a arte rupestre brasileira que também serviu de referência para o meu trabalho.

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Os desenhos encontrados nas imagens de arte rupestre brasileira12 possuem

semelhança de traços com meus desenhos realizados na digitalização de pedaço de topo de árvore Tipuna _ árvore da família das acácias, muito comum na região do estado de São Paulo, como a que encontrei na Unicamp, depois de ser cortada pela prefeitura. É uma árvore utilizada em paisagismo que precisa de grandes áreas, cujas raízes são muito agressivas, destruindo calçadas e o concreto das ruas. Creio que, por isso, foi cortada do espaço conhecido como Vão entre os prédios da biblioteca e do Instituto de Artes. Os pedaços de topo, que tenho, foram retirados daí. Depois de efetuado o corte pela prefeitura em 2012, levamos para casa e estes viraram futuros bancos de madeira que nunca foram finalizados. Então, eu os

12 PA Monte Alegre, Serra da Lua In JORGE, Marcos;

PROUS, André e RIBEIRO, Loredana. Brasil Rupestre. Curitiba, Zencrane Livros, 2007, p. 218

PA Monte Alegre, Serra da Lua In JORGE, Marcos; PROUS, André e RIBEIRO, Loredana. Brasil

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enviei pela rodoviária até a cidade de Porto Ferreira a fim de que um marceneiro independente a cortasse em pedaços; já que ninguém numa marcenaria de Campinas aceitou o serviço devido ao perigo de receber multa por cortar árvore silvestre.

...a maneira como o artista relaciona-se com os materiais e as técnicas muda, assim como mudam todos os aspectos da sociedade... Entre as várias maneiras de conceituar a arte, algumas estão situadas entre os dois polos que a entendem como atividade intelectual ou manual. (PFUTZENREUTER, 1992, p.17-18)

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Percursos

Comecei o processo de entalhe com o coração. Eu pensava que as emoções são a força que mobiliza. Assim segui. Escolhi entalhar em pedaços de mdf de 40 x 60 cm. E na primeira matriz eu me preocupei apenas com a figura. Não entalhei um fundo. Por isso mesmo, o coração é uma matriz que possui o fundo liso. Daí em diante, não tenho mais certeza da ordem. Mas depois que comecei com o coração, parti para os outros órgãos, já imaginando que seriam mais interessantes se fossem sete matrizes do mesmo tamanho. E antes de entalhar o coração, fiz um desenho mais realista da figura do coração retirado da ilustração de um livro didático de Biologia.

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Figura 25. LIMA, Silvia. Caderno de Artista. 2017. Colagem sobre o Atlas de Anatomia Humana vol I de

Werner Spalteholz, edição de 1959. Fotografia R. Pfutzenreuter.

As páginas do Livro de Anatomia, em que interferi, possuem coladas as figuras do coração, retirado de um livro didático e meu desenho do coração, feito a grafite em 2015. Lembro que a Marta Strambi, professora do Instituto de Artes, ao ver meu desenho, sugeriu que eu fizesse um labirinto, imaginei que eu faria um labirinto de emoções. E as linhas circulares do coração tomaram minha atenção mais do que eu imaginava. Por isso segui entalhando o coração, com curvas, linhas circulares e pontos.

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Figura 26. LIMA, Silvia. Coração série Órgãos. 2015. Dimensão 40x60 cm. Xilogravura azul claro sobre papel

Referências

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