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Ser professor: desenhos existenciais da formação docente

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA – UFBA

FACULDADE DE EDUCAÇÃO – FACED

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

GILMARA DOS SANTOS OLIVEIRA VERGARA

SER PROFESSOR: DESENHOS EXISTENCIAIS DA

FORMAÇÃO DOCENTE

Salvador 2011

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GILMARA DOS SANTOS OLIVEIRA VERGARA

SER PROFESSOR: DESENHOS EXISTENCIAIS DA

FORMAÇÃO DOCENTE

Dissertação submetida ao Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, em cumprimento parcial aos requisitos para obtenção do grau de Mestre em Educação.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Ma. Roseli G. B. de Sá.

Salvador 2011

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TERMO DE APROVAÇÃO

GILMARA DOS SANTOS OLIVEIRA VERGARA

SER PROFESSOR: DESENHOS EXISTENCIAIS DA

FORMAÇÃO DOCENTE

Dissertação apresentada em 17 de junho de 2011 como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação, Universidade Federal da Bahia, pela seguinte banca examinadora.

Maria Roseli Gomes Brito de Sá – UFBA – Orientadora

Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia-FACED/UFBA

Cleverson Suzart Silva – UFBA

Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia – FACED/UFBA

Eduardo David Oliveira – UFBA

Doutor em Educação pela Universidade Federal do Ceará – UFC

Liege Maria Sitja Fornari – UNEB

Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia – FACED/UFBA

Salvador 2011

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Ao meu filho Enrico Arturo, que me fez

concretizar o desejo de ser mãe e a cada dia

me surpreende com criatividade, leveza e vida

pulsante. Filho, cada instante, eu agradeço ao

universo o maravilhoso (re) encontro com você,

meu pequeno mestre, que me ensina e me faz

feliz.

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AGRADECIMENTOS

Inicio os meus agradecimentos à vida, ao cosmo, às entidades da natureza como forças propulsoras que me impulsionaram a seguir, a ousar e a celebrar o sentido de ser e estar- -no-mundo.

Agradeço a minha querida mãe Marinalva. Recordo-me de um episódio engraçado que me tocou certa vez. Numa tarde de sexta-feira, enquanto “mainha” batia um bolo como de costume, conversávamos sobre pintar ou não os cabelos brancos, e eu nas minhas compreensões, tentei convencê-la de que tamanha vaidade era exagero, e que ela deveria aceitar sua velhice. Ofendida, dona Nalva não pensou duas vezes e me deu um banho com a massa do bolo que estava preparando. Olho, no presente, para esse episódio com muita graça e, hoje, acredito que merecia mesmo aquele banho doce.

Agradeço ao meu pai Alberto Cordeiro, o carinho e sua história de vida. Obrigada, pai, a confiança em me deixar trilhar meus próprios caminhos e fazer minhas escolhas;

Agradeço a minha irmã Jaci, que sempre me teve como alguém capaz de grandes coisas. Lembro-me da ansiedade pelo resultado da seleção do mestrado e ela me disse ao telefone: “fique calma, você não precisa provar nada para ninguém, passando ou não, já teve a coragem de tentar!”. Binha, amo você, comadre.

Agradeço ao meu irmão Gilvan, que topou o desafio de construir uma família maluca comigo e Rico, sendo companheiro do meu filhote nos momentos de ausência da mãe trabalhadora e estudante. Van, jamais vou esquecer essa força!

Agradeço a Miguel Arturo e atribuo parte do meu crescimento profissional à presença dele em minha vida. Agradeço o orgulho de ser “Latina Americana” evocando meu sentido de pertença. Aos ídolos que aprendi a amar: Che Guevara, Neruda, Violeta Parra. Agradeço também me proporcionar a maravilhosa experiência de ser mãe, tendo Enrico

Arturo, meu pequeno grãozinho vermelho, como os “mapuches” chilenos chamam seus

filhos. Rico, filho, muito obrigada por existir e dividir a mamãe com os livros; perdoe-me pelas ausências e pelo excesso de tarefas. Amo você, filhotinho!

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Agradeço a João a boa companhia e conversas que me trouxeram novas compreensões de mundo. Um presente português, um encontro de horizontes que me ajudou a perceber a formação humana como algo profundo, cheio de potencialidades e para além das fronteiras.

Agradeço às amigas de curso Lívia Coelho, Aline Daiane, Adriana Dantas as deliciosas gargalhadas, em cada despedida de semestre, reunidas na Barra, beliscando petiscos e remexendo a memória com histórias e experiências engraçadas.

Agradeço aos colegas Reginaldo (Regi), Lisiane Weber (Lis), Silvana, Edenice as caronas; Isa, Conceição Sobral (Ceiça) e Elizabete (Betinha), que compartilharam comigo dos momentos de angústia e incertezas pelos corredores da FACED, nos cafezinhos em intervalos das atividades;

Agradeço especialmente à colega Ivana Bitencourt, uma incentivadora para as minhas buscas profissionais, sempre acreditando nas minhas façanhas e projetos de vida;

Agradeço ao Professor Dante Augusto Galeffi, que de algum modo, acabou por influenciar meu caminho e minhas escolhas de pesquisa, abraçando a filosofia como forma de compreender o mundo: “sempre duvidando, sempre perguntando”. Foi com esse encantamento que me encontrei com a “Epistemologia do educar”. Dante, obrigada!

À querida Teresinha Fróes Burnhan, coisa mais linda, que me inspirou a estudar a multirreferencialidade. Presente nas leituras sobre o assunto e nas discussões da disciplina “Epistemologia e construção do conhecimento” no doutorado em Difusão do Conhecimento. Teresinha, você me inspira, obrigado por existir e fazer da FACED um espaço de discussão e difusão de conhecimentos múltiplos.

Agradeço às secretárias da PPG, em especial à Lene, Eliete, Valquiria, Kátia e Gal, sempre amorosas, são exemplos de funcionárias públicas que fazem questão de lembrar cada nome e de aconselhar os estudantes sobre as decisões que devem tomar. Encanto-me com a amorosidade de Gal; lembro-me certa vez quando fui fazer minha matrícula, e ela me disse: “oh, Gilmara não é melhor você pegar menos disciplinas e já ir escrevendo seu

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trabalho, minha linda! Olha, você não quer primeiro conversar com sua orientadora, não?” Um cuidado visível. Menina, muito obrigada pelo apoio!

Agradeço aos colegas do FEP, grupo de pesquisa em Formação em Exercício de Professores, em especial à Joselita, Paulinha, Verônica, Fabrízia, Luiza, Narciso, Ivana,

Maísa, Márcea, Isis, Marcelo, Fábio. Às professoras coordenadoras do grupo, Maria Antonieta Tourinho (Tuca), Inez Carvalho e Roseli de Sá as discussões e as

interrogações que me ajudaram a descobrir o desconhecido;

Agradeço a minha orientadora Maria Roseli Gomes Brito de Sá – que com seu espírito materno, em vários momentos foi conselheira, preocupando-se com questões que foram além das preocupações acadêmicas. Rose, querida, obrigada por acreditar que podia fazer algo, por me acolher em sua vida. Certamente terei na minha formação as referências da profissional amorosa, dedicada, bem humorada que você é. Foi um presente tê-la por perto;

Aos professores-cursistas do Programa de Formação da UFBA em Tapiramutá-BA, que me oportunizaram entrar em suas histórias, suas lembranças, suas memórias e com elas construir este trabalho de pesquisa.

Agradeço ao Sr. Calixton, morador de Porto Feliz, que me alojou em sua casa, por uma noite, numa das minhas aventuras à Tapiramutá-BA.

Agradeço a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal e Pesquisa de Nível Superior -

CAPES a bolsa de estudos, por período de 24 meses, que de certo fez diferença no

orçamento e de estudante. Essa ajuda foi fundamental para a permanência no programa.

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RESUMO

Este trabalho propõe aproximações entre as três esferas existenciais da hermenêutica fenomenológica de Hans Georg Gadamer, a esfera

histórica, a estética e a esfera da linguagem com relatos e experiências de

docentes do Curso de Formação de Professores em Exercício oferecido pela UFBA, no município de Tapiramutá na Bahia. A formação de professores neste trabalho é concebida como fenômeno/processo

multirreferencial e complexo com leituras no plano da interpretação/compreensão. Nesta proposta buscou-se nos percursos vividos pelos referidos professores sua existencialidade tendo como aporte teórico e metodológico a hermenêutica fenomenológica de Gadamer. O texto e percurso desta pesquisa se inscrevem na travessia e itinerâncias de professores em exercício devolvendo à experiência o lugar de destaque na formação passando pela constatação de que o sujeito constrói o seu saber ao longo do seu percurso de vida. A formação de professores na perspectiva e da hermenêutica fenomenológica abre caminhos e possibilidades de uma epistemologia da formação em que se articulam saberes e experiências num sentido mais profundo e existencial.

PALAVRAS-CHAVE: Formação – Compreensão – Existência – Hermenêutica/fenomenológica

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ABSTRACT

This work establishes connections between the three spheres of existential phenomenological hermeneutics of Hans Georg Gadamer, the sphere of history, aesthetics and the sphere of language and stories and experiences of teachers from the Teacher Training Course offered by the Acting UFBA, in the municipality of Tapiramutá Bahia. Teacher training in this work is conceived as a process / multi-referential and complex with readings in terms of interpretation and understanding. In this proposal we sought, in journeys experienced by the teachers taking his existentialism as the theoretical and methodological phenomenological hermeneutics of Gadamer. The text and history of this survey fall in the crossing and itinerant teachers of acting experience by returning to the place in formation past the fact that the subjects build on their knowledge throughout their life course. Teacher education and the perspective of phenomenological hermeneutics opens avenues and possibilities for an epistemology of training in which they articulate knowledge and experiences in a more profound and existential.

KEY WORDS: Training - Understanding - Existence - Hermeneutics / Phenomenology

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SUMÁRIO

1.

PARA QUE SE INICIE ...11

1.1 Primeiras palavras sobre a escolha da temática...12

2. HORIZONTES METODOLÓGICOS...19

2.1 Um tempo e um lugar... 20

2.2 Um jeito de fazer...26

3. FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HERMENÊUTICA... 37

3.1 Formação de Professores e Existência...44

4. FORMAÇÃO DE PROFESSORES E SABERES DOCENTES...53

4.1. Notas sobre multirreferencialidade...63

5.CAMINHOS PARA A COMPREENSÃO: GADAMER E AS TRÊS ESFERAS...69

5.1 As esferas e o sentido da existência...70

6. A FORMAÇÃO EM NARRATIVAS DE VIDA DE PROFESSORES...80

6.1 Proposições e Travessia...81

6.2 A Tradição na formação (Esfera Histórica)...83

6.3 Forma quanto à forma (Esfera Estética)...93

6.4 A compreensão na formação (Esfera da Linguagem)...102

7. UM INSTANTE CHAMADO CONCLUSÃO...112

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1. PARA QUE SE INICIE...

Gracias a la vida que me ha dado tanto Me ha dado la risa y me ha dado el llanto Así yo distingo dicha de quebranto Los dos materiales que forman mi canto Y el canto de ustedes que es el mismo canto Y el canto de todos que es mi propio canto

Violeta Parra

O conhecimento narrado por professores, como projeção de vida, motiva-me a pensar na minha condição de formanda e formadora ao mesmo tempo. Deste modo, o esforço para elaboração deste trabalho evoca interrogações sobre meu próprio processo, libertando palavras, pensamentos, imaginação na busca de compreender o fenômeno da formação de professores no sentido hermenêutico e existencial como compreensão de mundo. Antes de tudo, sinto-me autora desta façanha, que se engendra por campos presentes na construção humana, com abertura para compreensão e interpretação de mundo.

A ideia de existência presente nesta elaboração implica na compreensão de si mesmo, em que o sujeito na sua interpretação/compreensão de mundo, integra múltiplas referências e constrói sua formação trilhando o percurso histórico e cultural em que se encontra imerso. Para entender esse processo, foi necessário um mergulho em referenciais do campo da hermenêutica fenomenológica de Hans-Georg Gadamer (2002; 2007; 2008a; 2008b) – principal referência deste trabalho - acompanhado por outros nomes como Morin (1983; 2002, 2005, 2007), Antônio Nóvoa (1992a; 1992b; 2002), Galeffi (2001; 2002), Sá (2004; 2009, 2010), Josso (2004; 2008), Larrosa Bondía (2002, 2009), Tardif (2002), Cunha (1989), Candau (1997), Macedo (2002, 2010), Burnham (1998, 2001), Fagundes (2001), dentre outros nomes que me ajudaram nesta composição.

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A partir desses estudos, a dissertação foi estruturada da seguinte forma: no primeiro momento consta a introdução intitulada: Para que se inicie. Na sequência, apresenta-se o primeiro capítulo, que é o metodológico, composto por duas seções: a primeira chama-se Um tempo e um lugar..., já considerando a esfera histórica relacionada à formação com valorização do tempo e o espaço como fio condutor da experiência de formação no sentido existencial, conforme é discutido por Gadamer, inspirado em Dilthey no que se refere à historicidade. Desta forma, relaciono a escolha do tema e os lugares por onde passei na condição de formanda. Nesta seção procuro identificar, localizando em minha memória, referências que incitaram o desejo de pesquisar a temática. Na seção seguinte, que foi nomeada de Um jeito de fazer, apresento o trajeto desta pesquisa, as escolhas metodológicas e o seu acontecer.

No terceiro capítulo, busquei atender a uma necessidade premente de situar a formação de professores no sentido hermenêutico, recolhendo alguns registros sobre formação num sentido não diacrônico. Por isso, o mesmo foi intitulado de

Formação de professores e hermenêutica, já que houve a preocupação de

ressaltar o sentido dessa formação de professores que se inscreve de modo peculiar. Como tópico deste capítulo, segue o que chamei de Formação de

professores e existência em que discuto as formulações sobre o conceito de

existência humana chamando-o para a formação de professores.

No quarto capítulo, apresento uma discussão sobre Formação de Professores e

saberes docente, que estão na vida do professor, sua singularidade, na medida

em que cada professor constrói seu percurso formativo. Neste capítulo, enfatizo o chamado saber da experiência que nasce no decorrer da prática ou exercício da docência, visto que este trabalho tem como foco, exatamente, a formação de professor em exercício. Atrelado a esta ideia de multiplicidade de saberes, busco ampliar a discussão com leituras sobre a abordagem multirreferencial, no tópico que chamei de Notas sobre multirreferencialidade, compreendendo esta abordagem educativa como a possibilidade de integrar a experiência humana e a

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compreensão de mundo numa visão ontológica, considerando os diversos conhecimentos na formação humana e, em especial, de professores.

O capítulo cinco é dedicado à apresentação mais detalhada das três esferas como caminhos de compreensão, conforme sugere Gadamer, em seus estudos; e para isso, o nomeei de Caminhos para a compreensão: Gadamer e as três

esferas, abordando sua relação com a formação humana. Apesar de Gadamer

não ter se ocupado com estudos sobre a formação de professores, em sua hermenêutica fenomenológica, neste capítulo, apresento essa preocupação em aproximar as três esferas propostas pelo filósofo como fundamento de sua hermenêutica com a formação de professores.

No capítulo seis, A formação em narrativas de professores, a preocupação é em situar o leitor sobre o uso dos fragmentos de narrativas e adentrar propriamente na pesquisa com as interpretações das narrativas de professores em exercício participantes deste trabalho. Nele vou demonstrando o que chamo de Travessia da Formação no qual agrupo as principais referências trazidas pelos professores em seus memoriais, em matrizes constituídas conforme apresentadas nas narrativas, ficando da seguinte maneira: A tradição na formação (esfera histórica),

A forma na formação (esfera estética) e A compreensão na formação (esfera da

linguagem), tendo como referencial básico as formulações gadamerianas sobre as esferas apresentadas no capítulo anterior.

1.1 PRIMEIRAS PALAVRAS SOBRE A ESCOLHA DA TEMÁTICA

Situando historicamente meu interesse pela temática formação de professores, apesar de já vir acontecendo desde a graduação em Pedagogia, com experiências que tive como professora formadora foi no ano de 2007, nas formulações da disciplina Epistemologia do Educar com o professor Dante Augusto Galeffi que pude perceber a abrangência que circundava a ideia de

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formação de professores e se diferenciava da concepção de formação que havia construído até então. As indagações que surgiam em cada discussão me ajudaram a definir o que desejava aprofundar como estudo.

Dentre tantas discussões que foram propostas, tive a oportunidade de conhecer os primeiros conceitos da hermenêutica e da fenomenologia de Husserl, termos que não conheci na graduação. A fenomenologia de Husserl e a hermenêutica de Heidegger e Gadamer são conceitos do campo da filosofia que eu desconhecia. Um dos momentos que me marcaram foi ter assistido ao filme Quem somos

nós?1. A ideia de que o olhar do observador faz toda diferença na representação do mundo, me fez entender a formação como construção existencial do sujeito, algo ligado às experiências de ser.

Este filme foi uma referência importante para que refletisse sobre a formação com referenciais mais diversificados, e nem por isso, menos importantes. Uma das questões com que me deparei, nesta experiência, foi algo que já me inquietava há algum tempo, com as experiências com professores de diversas localidades: ser professor não é ser apenas aplicador de técnicas pedagógicas e planos estabelecidos por instâncias de cima para baixo, mas trata-se de um jeito de fazer que é singular de cada professor; ou seja, a formação de professores é algo profundo que aponta para o campo da existência deste ser. Entendia naquele momento que a ação pedagógica em si exigia uma apropriação e uma forma de ser e estar-no-mundo para além da racionalidade técnica ou iluminista no exercício da docência. Tal racionalidade técnica num sentido cartesiano, por exemplo, apesar de derivar do conceito de Razão, em última instância, significa o estabelecimento de uma adequação entre aquilo que é lógico em determinada realidade empírica (JAPIASSÚ, 1996, p. 69) e neste sentido, as elaborações no campo da docência a partir da compreensão hermenêutica fenomenológica vai além de práticas iluminadas e de aplicações de técnicas, mas trata-se de um diálogo deste ser-no-mundo-com-o-outro.

1

O filme "Quem somos nós" faz uma aproximação entre física quântica e metafísica. A ideia de que a realidade é também uma construção do sujeito.

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A ideia de formação, mesmo que considerada vulgarmente como formatação, limitação de espaços e possibilidades, naquele momento começava a ganhar outra conotação, algo a ser investigado e isso me motivou a tomar este fenômeno como tema de estudos, dando ênfase à existência nos percursos formativos dos professores. A esse respeito, pude ampliar, com as reflexões aqui relatadas, a ideia que me era recorrente sobre a temática em questão, pois à medida em que participava da formação do outro, eu também me formava, me envolvia, conforme salienta bem Larrosa Bondia (2002, p. 19), quando diz que ―a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca‖. Era esse sentido, mais profundo e existencial, que estava buscando para a palavra formação, e não a formação dos acúmulos de anos de serviço.

Nas experiências que tive como formadora algumas lembranças tiveram maior relevância em meu percurso como professora. A primeira delas me reporta à Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC, na função de ―Tutora do Programa TV Escola‖, quando atendia virtualmente cerca de 150 professores do estado da Bahia. Como jovem formadora, começava a ver com olhar crítico a precariedade da formação docente nos municípios baianos, principalmente quando se tratava de municípios distantes dos centros de formação.

Em 2002, na função de coordenadora pedagógica em escolas do interior da Bahia (Una, Ilhéus) e em seguida, como mediadora pedagógica do Programa de Regularização do Fluxo Escolar, no eixo Ilhéus e Itacaré (Itaboquinhas), tive uma experiência que durou dois significativos anos (2004/2005) e que me ajudou a compreender a singularidade da formação docente para cada realidade vivida. E mesmo sem conhecer as ideias de Gadamer (2007, 2008a, 2008b) intuía já um de seus conceitos, quando o filósofo diz que ―cada indivíduo já está sempre a caminho da formação e da superação de sua naturalidade, na medida em que o mundo em que está crescendo é formado humanamente em linguagem e costume‖ (GADAMER, 2008a, p. 50).

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Nesta experiência, juntamente com as colegas de trabalho Nara e Telma, vivia o dilema de fazer cumprir as determinações de um programa no qual eu não acreditava, e ao mesmo tempo, querer contribuir com localidades tão distantes e ansiosas pela formação. As visitas mensais com reunião dos professores para estudos era um momento festivo, sobretudo, em Itacaré e Itaboquinhas, lugares mais distantes da Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC.

Outra experiência importante que tive no meu percurso profissional foi atuar como professora substituta na UESC, acompanhando duas turmas de Pedagogia do 7º semestre, indo às escolas e ao mesmo tempo orientando sobre a docência e o fazer pedagógico das graduandas do curso. Nesta experiência, ao mesmo tempo em que tinha as primeiras práticas com a educação infantil, na Escola Suíço Brasileiro de Ilhéus – ESBI eu atuava como professora formadora na Universidade.

Chegando a Salvador no ano de 2007, tive o oportuno convite para atuar no programa Jovem Aprendiz oferecido pelo SENAC. Apesar de esse contexto ser ideologicamente de caráter neoliberal, com intensos discursos de formação para atender ao mercado de trabalho, ainda assim, considero que foi nesse espaço que eu aprendi a ser professora, arquitetando minha própria formação e existência, já que, conforme Hegel (apud GADAMER, 2008 a, p.48) ―ao formar a coisa, forma-se a si mesmo‖.

Desta maneira, a temática formação de professores sempre esteve presente no meu percurso formativo por me fazer pensar sobre a minha própria errância, em diferentes contextos e níveis de aplicações, com realidades muito distintas: em Ilhéus, nas dinâmicas históricas do cacau, dos coronéis; em Una, sob influência das colônias japonesas; em escolas públicas ou particulares; em Itacaré e Itaboquinhas, com o olhar ecológico nas preocupações planetárias.

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Sejam estas experiências no formato presencial, ou a distância, em esfera pública ou privada, fica visível o quanto os processos formativos de professores, de diferentes espaços, veem-se mesclados pela própria história individual e social do tempo e lugar vivenciado pelo docente. E para compreender uma tradição e qualquer que seja o processo de formação alheio, sem dúvida, como horizonte histórico, conforme assinala Gadamer, precisamos ter sempre um horizonte para podermos nos deslocar a uma situação qualquer. (GADAMER, 2008a).

A concepção de formação que vinha delineando levou-me ao encontro com o grupo de pesquisa FEP - Formação em Exercício de Professores, espaço em que conheci a proposta do Projeto Irecê, uma parceria entre a Universidade Federal da Bahia e o referido município, com o propósito de oferecer uma formação de professores, atendendo os estudos sobre currículo desenvolvidos por esse grupo. Nesta proposta formativa, há um esforço teórico e metodológico de interpretação/compreensão da formação de professores nos planos da multirreferencialidade, da hermenêutica fenomenológica e da complexidade. (UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA– UFBA, 2002).

Essa concepção de formação que acolho como compreensão, também ressoa, neste estudo, como experiência formativa. A implicação com este trabalho me leva a refletir sobre meu percurso de formação, exercitando assim o pensamento hermenêutico e fenomenológico, já que, de acordo com Sá (2010), a característica fundamental da ideia de formação apresentada por Gadamer é a compreensão da formação como itinerância/errância.

Mais do que isso, pude pensar também sobre o significado da formação humana ao ver emergir como pesquisadora iniciante, a possibilidade de estudar os processos formativos da docência. Assim, outro acontecimento importante para escolha do tema foi a participação no Simpósio Memória, (Auto) Biográfica e Formação organizado pelo GRAFHO - Grupo de Pesquisa Autobiografia Formação História Oral da Universidade Estadual da Bahia - UNEB e pelo FORMACCE – Grupo de Pesquisa em Currículo e Formação que teve como

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objetivo discutir questões teórico-metodológicas sobre estudos com história de vida no âmbito do movimento biográfico.

No caso da abordagem pensada por Gadamer – apesar do filósofo não ter se ocupado da temática formação de professores – essa concepção me ajudou a compreender a formação docente, considerando a experiência humana, a ideia de estética: já que formação carrega em sua raiz o sentido de imagem (esfera estética), a partir da valoração da ―errância‖ e das histórias de vida dos sujeitos, nas construções desses professores e das relações com sua cultura e lugar (esfera histórica), e, finalmente, a forma como esses docentes traduzem essa interpretação, esse mundo no âmbito da linguagem (esfera da linguagem).

Com uso da linguagem, conforme Larrosa Bondia (2002, p. 21), ―as palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com pensamentos, mas com palavras, não pensamos a partir de uma suposta genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras‖. Não sendo apenas palavras, a linguagem num sentido ontológico é usada para distinguir situações e diferenciá-las, conforme aponta Heidegger. O ―ser-no-mundo‖ em seu ser-aí, como o filósofo define o ser humano, vai experienciando situações e essas situações são diferenciadas através da linguagem e das distinções linguísticas com diferentes texturas de situações com as quais vivemos (DUTRA, 2002).

É nesse sentido, que os sujeitos vivenciam em suas experiências e na singularidade de sua formação jogam o seu próprio jogo (SERPA, 2009) na coletividade, como ―jogo mundano de cada um, que se conjuga como jogo da arte‖, numa perspectiva do mundo que nos circunda (GADAMER, 2008a, p. 13). É este ―jogo jogado e jogante‖ da formação docente que acompanhamos como processo dinâmico, ramificado e encantador que constitui o professor e desenha a formação no seu existir.

Essas formulações gadamerianas animaram-me a aprofundar o conceito de

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os sujeitos buscam o conhecimento e arquitetam a própria construção de mundo. Considerando, ainda, que a formação passa pelo conceito de transformação, significa dizer que aquilo que era antes, não é mais, pois houve uma transição em que passado e presente se fundem no percurso existencial (GADAMER, 2007; 2008a; 2008b). Compreender a formação torna-se minha intenção, pois é desta forma que me compreendo e descubro meu próprio percurso formativo.

Nesta busca, assumo uma postura de compreensão com sentido conferido aos acontecimentos relatados pelo professor em formação na sua construção pessoal/profissional. A ideia de valorizar a formação na sua forma experiencial que, de acordo com Marie-Christine Josso (2004, 2008), sem essa valorização o percurso não será considerado formação, pois formação exige sentido dado por quem a vivencia.

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2. HORIZONTES METODOLÓGICOS

O verdadeiro saber, o autêntico conhecimento brota do intelecto humano, da razão depurada, da inteligência em si e para si. Este conhecimento profundo, filosófico, ontológico que privilegia o saber humano como essencialmente metafísico, que constrói o mundo dos espíritos livres. Não resta dúvida que a experiência de vida também é fonte de conhecimento, mas de uma ciência prática que descobre e segue leis da natureza, que observa as diferentes atitudes comportamentais do homem através do tempo. (NIETZSCHE, 2009).

O horizonte metodológico em que se inscreve esta pesquisa vem da minha itinerância como professora formadora interessada na temática formação de

professores e do recorte e direcionamento dos estudos para formação com

docentes em exercício de suas atividades. O universo do qual me aproximei foi de professores participantes do Programa de Formação do município de Tapiramutá, na Bahia, oferecido pela Faculdade de Educação (FACED) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) em convênio com o município.

Essa proposta de formação de professores, tem ligação com a experiência formativa realizada pela UFBA no município de Irecê na Bahia, fato que procuro detalhar na seção seguinte, chamada de Um tempo e um lugar, contextualizando a implementação da proposta da Universidade neste município. O título desta seção (Um tempo e um lugar) representa a tentativa de contextualizar a idéia de curso, demonstrando a singularidade da proposta; já que não se trata da Universidade levando seus conhecimentos até o município de Irecê ou Tapiramutá, mas sim de uma experiência que considera elementos da cultura local e da realidade social presentes nesses lugares, e isso implica em mais um elemento de aprendizagem de professores.

Em seguida, apresento outra seção chamada Um jeito de fazer, que também faz parte do horizonte metodológico desta pesquisa. A expressão jeito de fazer tem intenção de demonstrar que o fazer científico perpassa pela singularidade do

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pesquisador, ou seja, seu jeito de escolher e fazer a pesquisa, os caminhos a serem tomados, a escolha de abordagens dentre tantas escolhas que são feitas nesse percurso.

2.1 UM TEMPO E UM LUGAR...

Historicamente, a proposta de formação de professores do município de Tapiramutá na Bahia, campo de estudos desta pesquisa, se estabelece oficialmente em novembro de 2005; Inicialmente no ano de 2001, momento em que representantes do município de Irecê procuram professores membros do FEP – Grupo de Pesquisa sobre Formação em Exercício de Professores da Faculdade de Educação da UFBA e propuseram uma parceria de formação aos professores daquele município e quiçá da região. A solicitação foi considerada oportuna para que a Faculdade de Educação colocasse em prática concepções sobre formação de professores e currículo em municípios baianos. Nesta parceria, um dos pontos fundamentais presentes na proposta é o respeito à singularidade local em proximidade com as concepções pedagógicas defendidas por este grupo de professores pesquisadores das temáticas: currículo e formação de professores da FACED-UFBA.

Em 2002, inicia-se o processo de elaboração do programa com a parceria entre professores da Universidade Federal da Bahia e a Rede Municipal de Ensino de Irecê2. Para concretização da proposta foram necessárias inúmeras visitas de trabalho, realizadas pela Faculdade de Educação da UFBA e pelo município de Irecê, com levantamento de dados sobre os diversos aspectos educacionais e de outros setores de influência na educação local objetivando formular a proposta de curso de modo adequado à realidade daquele município. (UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA, 2002).

2 É preciso trazer referências do chamado Projeto Irecê pelo fato deste ter sido o primeiro município de

atuação da Universidade Federal da Bahia – UFBA. Posteriormente com os bons resultados dessa experiência é que houve o convite do município vizinho, Tapiramutá, onde esta pesquisa acontece.

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Foi, então, que no primeiro semestre de 2005, a equipe do FEP – Grupo de Pesquisa em Formação em Exercício de Professores foi procurado pela Prefeitura do município de Tapiramutá, já que conhecia o trabalho no município vizinho de Irecê, e propôs a realização de uma turma de professores, ou seja, efetivamente no município de Tapiramutá o trabalho teve início no ano de 2005. Houve a participação dos representantes do município de Tapiramutá no Seminário de Encerramento do Ciclo Três do curso em Irecê. E, a partir deste evento, as negociações foram oficializadas, passando ao processo de organização das instalações, do currículo, processo seletivo dos professores da rede, dentre tantas outras tarefas de ordem institucional.

O novo horizonte formativo da Universidade Federal da Bahia chama-se Tapiramutá, nome que vem de origem tupi e significa ―espera d‘Anta‖, pois antigamente o local reunia caçadores à espera desse animal, e essa marca acabou por originar o nome do lugar traduzido para a língua indígena. O município inicialmente foi habitado por índios Paiaiá e depois por caçadores que vinham em busca das tapiras (antas), presas de carne saborosa e com grande valor comercial. (UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA, 2005).

A proposta dos dois municípios tem, em sua natureza, preocupações no sentido dialógico de ser e de tratar o conhecimento e o sujeito. Busca-se, neste processo, o exercício reflexivo e interrogante, pois ao longo desta formação os professores são instigados a pensarem sobre sua própria formação desde o momento da seleção. E esse exercício torna-se viável por esses professores estarem em sala de aula e assumirem, na prática, a postura de serem aprendentes, na condição de cursistas, e ao mesmo tempo, ensinantes, como professores do seu município.

No trabalho realizado com os professores de Tapiramutá, fiz opção pela interpretação/compreensão de fragmentos de 10 memoriais e mais algumas das histórias que chamo de ―contos de professor‖ que foram relatadas durante a oficina formativa, oferecida aos cursistas do programa como chamada inicial para as primeiras incursões no trabalho de campo. Esta oficina aconteceu no espaço UFBA em Tapiramutá, com o objetivo de discutir alguns dos conceitos

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apresentados por Gadamer (2007, 2008a, 2008b) como caminhos para compreensão da formação de professores no sentido existencial. Foram duas turmas formadas por professores cursistas que se interessaram pela discussão proposta. Uma turma no horário vespertino, composta por 22 alunos, e outra no noturno, com 35 professores num total de 57 professores inscritos.

Durante a oficina tentei criar um clima de investigação sobre os conceitos básicos da filosofia existencial de Gadamer: hermenêutica, compreensão, estética, tradição, linguagem, formação e existencial. A tentativa se deu sempre no sentido de buscar aproximações com a realidade dos professores participantes. Com a preocupação de que os termos discutidos, tivessem significação e não fossem vistos como elementos distantes e sem utilidade alguma na formação dos professores. Minha tentativa foi pensar a compreensão, a existência, a esfera estética, a historicidade, a linguagem e a formação, conforme os professores compreendem este fenômeno de formar-se, e ao mesmo tempo, buscar o respaldo na perspectiva da filosofia gadameriana.

Nesta travessia, tomei algumas narrativas de professores-cursistas e mais os memoriais de 10 participantes, sendo destacados fragmentos desses memoriais e das narrativas que revelaram a compreensão da formação de quem está no processo. Busquei preservar os fragmentos, identificando neles, aspectos da teoria gadameriana sobre formação e elementos da existência de ser, considerando as esferas estéticas, histórica e a linguagem. E em cada grupo de fragmentos, houve a tentativa de relacioná-los com uma das esferas, sem descartar a outra; ou seja, em alguns dos fragmentos é possível visualizar elementos de mais de uma esfera existencial, já que a intenção, neste trabalho, não foi o isolamento ou separação entre elas.

É, desta forma, que num conjunto de relações recíprocas com o mundo, nos memoriais dos professores, a formação tem um sentido em condição existencial de mergulho no tempo e espaço, mediado pela linguagem, e a compreensão do presente, como condutora dessa compreensão. Nos fragmentos destacados nesta pesquisa, aparecem elementos da formação de professores em que visualizo as esferas que compõem a existência humana conforme apresenta

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Gadamer (2008a). Estes fragmentos foram selecionados das ―histórias‖ contadas por professores participantes da oficina que teve como tema a Formação de

professores: desenhos existenciais da docência, e que representou, como já foi

dito, o ponto de partida para o trabalho de campo desta pesquisa. Nas dinâmicas da oficina, acabei percebendo que nem tudo que era contado caberia neste trabalho, então, no meio do percurso, entendi que era preciso evocar as experiências que foram suficientemente significativas para os professores e incorporá-las na proposta. Isso permitiu que eles buscassem as correntes que animaram o movimento de sua própria vida e seus processos formativos para a docência.

Passado o momento da oficina, lendo os ―contos de professores‖, senti a necessidade de mergulhar um pouco mais nas experiências desses docentes – lendo seus memoriais que são escritos como dispositivo de formação, desde a seleção para ingresso no curso até a versão definitiva em forma de trabalho de conclusão do curso oferecido pela UFBA. Ao ler e reler os 10 memoriais e os ―contos de professor‖ foi selecionando, então, alguns dos fragmentos que apresentavam maior proximidade com a teoria estudada, tendo o cuidado para que esses fragmentos não ficassem sem a devida contextualização. O material foi, por conseguinte, agrupado de acordo com as referências que os professores apresentaram, e, em seguida, agrupados em matrizes e aproximadas de cada uma das três esferas propostas por Gadamer (2007; 2008a) na compreensão da existência e formação humana.

Essa aproximação das matrizes das esferas não ocorreu no sentido de enquadramento do conhecimento, até porque, o fragmento que coube numa esfera, pode perfeitamente ser pensado em outra. Tratou-se, sim, de um exercício de reflexão, compreensão da existência dos professores reveladas na escrita e sua relação com a concepção de formação na existência.

Essa foi a primeira tentativa: agrupar os fragmentos de acordo com a natureza ou ênfase dada pelo autor, neste caso, o professor-cursista. Ao primeiro contato,

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refleti sobre como seria possível perceber em fragmentos a historicidade humana desse professor? E sua formação? E sua existência? Como seria identificar, nesses fragmentos, elementos que constituíssem a formação de professores, já que, o que eu como pesquisadora poderia considerar como ―inútil‖ ou fora de contexto, poderia ser de grande valor para a formação desse professor? Para isso, foi necessário estudo e elaboração sobre o conceito de experiência,

existência e formação presentes nas narrativas de como o professor aprende de

forma interativa, imerso numa cultura, numa sociedade, em que o sujeito constrói seu percurso de vida/formação. Nas diversas formas intencionadas de mediação com o mundo (MACEDO, 2010), percebi o vasto caminho para aprofundamentos dessa natureza e a necessidade de criação de uma epistemologia da formação.

No projeto de formação de professores de Tapiramutá, uma das propostas do curso é o uso das histórias de vida como campo metodológico e estratégia de formação. Esse trabalho com histórias de vida e relatos de experiência no projeto de Tapiramutá aparece na solicitação da escrita do memorial, desde o momento da seleção dos professores. Nele, estes ressaltam as experiências vivenciadas como professores, no passado com olhar do presente, e numa perspectiva futurista de como será sua passagem pelo programa de formação oferecido.

Todo o cuidado com essa narrativa apresentada deu-se em compreender as dinâmicas que se processam no desenrolar da formação de professores. Uma das minhas buscas, sobretudo, foi, exatamente, a conquista do memorial – neles sempre destacando os fragmentos escritos pelos professores, sobre suas relações com a docência, em três momentos importantes que o programa de formação solicita: ―Eu estudante‖, ―Eu professor‖ e ―Eu professor no programa‖, de acordo com a estrutura básica do memorial proposto pelo programa. Logo, nos fragmentos selecionados, os professores apresentam suas experiências formativas evidenciando sua aprendizagem, seu processo e percursos trilhados, bem como, as concepções de formação e as referências incorporadas na experiência de ser professor ao longo de sua vida.

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O trabalho com história de vida e formação, na perspectiva trabalhada no programa da UFBA, e estudada aqui nesta pesquisa, vem da influência das correntes, francesa e suíça, desenvolvidas respectivamente nas Universidades de Paris V e VII, e na Universidade de Genebra. Estes estudos surgem em 1980, com grupos de estudos e pesquisas preocupados em aprofundar as compreensões sobre a relação sujeito-em-formação. Dentre os nomes precursores desta modalidade de estudos, destacam-se Gastón Pineau (2006), Marie Chistine Josso (2004, 2008), Pierre Dominicé (2010a, 2010b), que se preocuparam em traçar novos horizontes teóricos para o entendimento da formação humana/profissional na perspectiva ontológica da formação.

Nesta perspectiva, a concepção de formação de professores, que sustenta o programa de Tapiramutá, busca valorizar a existência numa visão ontológica que permite compreender o professor, no seu tempo e espaço vivido, considerando suas lembranças, sua memória e a reconstrução da própria prática pelo conhecimento, auto-reflexão com sentido coletivo; haja vista que, conforme Macedo (2010, p. 32) ―a formação ou é relacional ou então não é formação (...) toda formação é interformação, assim como toda compreensão é intercompreensão‖.

Nesse lugar, município de Tapiramutá na Bahia, professores em exercício seguem, portanto, sua trajetória de formação: ensinando e aprendendo, relacionando-se com o mundo e elaborando seu processo formativo na fusão de horizontes (GADAMER, 2008a). E, neste jogo tensionado, o desafio constante de ensinar e aprender emerge nos escritos dos professores, sejam eles postos de forma linear ou desafiando as noções de tempo e espaço, ainda assim a escrita das experiências que se formaram e transformam as identidades e as subjetividades desses professores é sempre a leitura do percurso formativo com o olhar do presente.

A dinâmica proposta pelo curso recorre a um princípio básico defendido por Josso (2004), em que a formação deve ser encarada do ponto de vista do ser

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aprendente, tornando-se, esse, um conceito gerador de ―processos, temporalidade, experiência, aprendizagem, conhecimento, saber-fazer, tensões dialéticas, consciência, subjetividade, identidade‖, procurando articulação dessas vidas (JOSSO, 2004, p. 38).

As histórias contadas nos escritos de professor demonstram que o ser humano cria e narra suas aventuras e histórias que simbolizam a compreensão das coisas da vida. As experiências, de que falam as ―recordações-referências‖, constituem os memoriais e outros documentos de escritas de professores, em que eles contam, não o que a vida lhes ensinou, mas o que se aprendeu experiencialmente nas circunstâncias da própria vida (JOSSO, 2004). Esses documentos são, portanto, de interesse empírico, visto que neles se apresentam as múltiplas referências que esses docentes carregam em suas experiências de vida/formação, que aparecem com foco temporário, traduzido, conforme sua importância, para aquele momento presente da sua formação profissional.

2.2 UM JEITO DE FAZER...

O jeito de fazer a pesquisa inicia-se dando ênfase à formação docente, tendo como proposta de trabalho a pesquisa autobiográfica no uso de memoriais de professores em exercício de sua docência. O foco é o professor em seu processo de formação, iniciada pela academia, mas, continuada pelas relações que ele estabelece, desde tempos anteriores até este momento entre os saberes da vida e a sua formação.

Nesta perspectiva, a condução deste estudo se dá no plano da compreensão hermenêutica, na tentativa de analisar a compreensão do professor sobre o seu percurso formativo, que se intensifica na formação inicial e no exercício do fazer pedagógico. É, neste sentido, que Sá afirma que incorporar conceitos ou buscar compreender e lidar com a realidade de pesquisas desta natureza,

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significa romper com a forma fragmentária de tratar o conhecimento; aproximar-se do processo sem a interrupção do seu movimento, na penetração de sua intimidade, na imersão dos múltiplos significados que vão sendo conferidos nas (inter)relações que configuram esse processo, analisá-lo sem a interrupção de sua heterogeneidade, já que não se pode compreender o complexo apenas sob um único referencial ou paradigma específico. (SÁ, 2004, p. 129).

A natureza desta pesquisa é qualitativa e se insere no campo da hermenêutica fenomenológica de Gadamer (2007, 2008a), considerando os conceitos e significados da compreensão e interpretação presentes nas experiências formativas de professores. A compreensão, marca desta abordagem, considera a complexidade de ser professor, trazendo suas experiências de vida para estudos de pesquisa do campo social, educacional e filosófico.

De acordo com Schmidt (SCHMIDT apud DUTRA, 2002), a pesquisa com experiência de vida

[...] muitas vezes, é a elaboração de elementos diversos e difusos da teoria e da experiência, elaboração construída em torno de um fenômeno. Nesse sentido, uma pesquisa concluída é o relato do percurso de um pesquisador ou de um grupo (SCHMIDT apud DUTRA, 2002, p.59).

Nesta direção, as experiências de professores e as pesquisas no campo da fenomenologia existencial se encaminham numa perspectiva que enfatiza a dimensão existencial do ser humano e os significados vivenciados pelo indivíduo no seu ser e estar-no-mundo.

Dada a natureza desta pesquisa, foi possível optar, como metodologia de trabalho, pelo uso das histórias de vida como fonte de pesquisa, mais precisamente, a compreensão de histórias de vida que me ajudaram a compreender a formação docente. Segundo Josso (2004), o trabalho com as narrativas de vida se evidencia na exigência metodológica de pensar as dimensões existenciais da identidade a partir de uma abordagem multirreferencial que integra várias modalidades do pensamento humano (as crenças específicas,

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as crenças religiosas, esotéricas), assim como as várias dimensões de nosso ser no mundo (JOSSO, 2004).

Para a fundamentação no campo da hermenêutica, recorro, como já foi dito ao longo do texto, basicamente, aos estudos de Gadamer (2007, 2008a, 2008b), cujo pensamento encontra-se marcado pelas influências de Dilthey, Heidegger e de toda a tradição hermenêutica alemã. O filósofo procurou com seus trabalhos, em especial, a obra clássica ―Verdade e Método I e II‖, desenvolver a idéia de interpretação do ser histórico, a partir de manifestação na linguagem, uma vez que esta se apresenta como uma das esferas de base da experiência humana, compreensão da existência e fio condutor da hermenêutica (GADAMER, 2008a).

Tomando como interesse esse universo de formação de professores em exercício, esta dissertação de Mestrado do Programa de Pós-graduação da FACED/UFBA, tem, entre suas justificativas, a importância de considerar, no processo de formação de professor em exercício, as suas histórias de vida, seu percurso formativo, a partir da interpretação/compreensão de fragmentos de seus memoriais produzidos ao longo do curso de graduação. Por meio das narrativas contidas nesses memoriais, e selecionadas nos fragmentos tomados para interpretação, é que traço meu percurso de compreensão dos processos formativos em estudo.

O uso de fragmentos dessas narrativas como fonte de pesquisa torna-se significativo quando considero as palavras e seu significado para a vida, haja vista que de acordo com Larrosa Bondia (2002, p. 21), ―as palavras produzem sentido, criam realidades e, às vezes, funcionam como potentes mecanismos de subjetivação‖. E com o uso das palavras registradas nos memoriais tomados para estudo, busquei como referencial teórico e metodológico o campo da hermenêutica fenomenológica de Hans Georg Gadamer (2007, 2008a), na busca pela compreensão dessas palavras.

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Tal aporte teórico também ajudou na construção do conceito de formação

humana, quando o autor utiliza essa formação como metáfora da experiência com

a arte e o sentido de formação na coletividade, na troca e fusão de horizontes. De acordo com esse autor,

O modo como experimentamos uns aos outros, como experimentamos as tradições históricas, as ocorrências naturais de nossa existência e de nosso mundo, é isso que forma um universo verdadeiramente hermenêutico. Nele não estamos encerrados como entre barreiras intransponíveis; ao contrário, estamos sempre abertos para o mundo. (GADAMER, 2008a, p. 32).

Nesta oportunidade, os estudos das trajetórias docentes implicam no uso da história do professor como dado empírico, que atende de maneira satisfatória a ideia proposta por Gadamer de compreender a formação a partir do ser aprendente. Essa dinâmica demanda a (re) construção da subjetividade do ator-autor, que neste caso é o professor. Segundo Josso (2004), nesse processo de busca de si mesmo o sujeito define: ―o que narrar? Que fatos, nomes, eventos merecem destaques? O que ocultar? Como organizar as memórias que compõem as histórias a serem narradas?‖. E a cada questão levantada, este sujeito ―ator-autor‖ é levado a expressar o sentido de sua existência com as diferentes texturas de linguagem no sentido ontológico de compreensões de mundo.

Para Josso (2004), que utiliza um conceito de ―existencialidade singular-plural‖, essa tentativa remete ao próprio acompanhamento do percurso da vida, vivida com as tensões permanentes entre as transformações, limitações e evolução dos sonhos, dos desejos e aspirações individuais dos sujeitos. Isso confirma a relação entre singular e plural, que pretendo visualizar no projeto Tapiramutá, pois a existência humana e a formação são as bases desta construção.

A autora ainda acrescenta que neste processo de construção de si, o ser-sujeito é levado a gerir essa coabitação das lógicas evolutivas e a viver, nesse processo, uma tensão entre a identidade de si e a identidade dos outros (JOSSO, 2004). A

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formação humana se apresenta não apenas pelas vias da cognição, mas em um plano de relação entre a própria construção e a construção do outro, assumindo a ideia de individual e coletivo.

Segundo os estudos de Pineau (2006), num sobrevôo contemporâneo sobre os trabalhos com histórias de vida em formação, esse tipo de trabalho ensaia uma corrente ―pesquisa-ação-formação‖ existencial, uma vez que:

[...] não é exatamente uma simples técnica ou abordagem pedagógica nova, novas técnicas, biográfica e autobiográfica, antes essa possibilidade aparece com questões de fundo axiológicas, epistemológicas e éticas. Quem faz a história de vida de quem? Por quê? Para quê? Com o quê? Quando? Até onde? Em função de que regras e de quais saberes? (PINEAU, 2006, p. 336).

O valor da pesquisa (auto) biográfica, neste tipo de trabalho, é legitimar no mundo científico o entrelaçamento de narrativas de vida com dimensões existenciais de identidades, permitindo a integração de diversas modalidades do pensamento humano, tais como, as crenças religiosas, esotéricas, o imaginário de um modo geral, numa visão que abarca os processos formativos dos sujeitos, bem como, as várias dimensões de nosso ser no mundo (JOSSO, 2008).

Nos estudos de (auto) biografia considera-se que aquele que narra sua história de vida, narra-a para alguém. Ou seja, no processo de elaboração de uma narrativa há sempre a tentativa de se estabelecer um diálogo com o leitor, mesmo que seja com um interlocutor imaginário, como acontece com os diários íntimos. Assim, na relação com o pesquisador, quem conta a sua vida, não conta a um gravador, mas conta para alguém que será um interlocutor da voz do sujeito na pesquisa.

Vale dizer que as narrativas não são relatórios de acontecimentos sem sentido, trata-se de um conjunto de acontecimentos que marcam o percurso formativo de quem as escreve. O ator-autor, de forma original apresenta sua experiência de vida através da escrita e comunica ao mundo aspectos que julga significativos presentes na sua formação (JOSSO, 2008). De acordo com Oliveira (2010), uma

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das características dessa prática de escrita de si é a integração de conhecimentos de distintos domínios e a compreensão das interconexões que moldam o sujeito. Trata-se de uma bricolagem, cujo caráter empírico envolve diferentes níveis de compreensões. (OLIVEIRA, 2010).

Nas palavras de Josso (2008), a questão existencial fica evidente na formação de professores e no uso das narrativas de vida como tradução de sua existência:

A história de vida narrada é, assim, uma mediação do conhecimento de si na sua existencialidade que oferece, para a reflexão do seu autor, oportunidades de tomada de consciência dos vários registros de expressão e de representação de si, assim como sobre as dinâmicas que orientam a sua formação (JOSSO, 2008, p.19).

A presença da existencialidade nos memoriais é elemento de originalidade exatamente por se tratar da revelação da singularidade de uma humanidade compartilhada (JOSSO, 2008). Por esse motivo, nas pesquisas com as narrativas de formação, utiliza-se com frequência, a expressão de nossa existência singular e plural: singular pelo fato de expressar o percurso de vida constituído por cada sujeito em sua singularidade, e plural por esta singularidade estar inserida numa coletividade (JOSSO, 2008). Em relação ao presente estudo, podemos afirmar que a coletividade é a própria formação de professores no Brasil e na Bahia, nesse caso dos professores, em exercício, em um determinado município baiano.

Deste modo, o conhecimento de si traz um sujeito vivo e conhecedor do tempo de vida através das dinâmicas presentes no cotidiano, no contexto dos encontros e desencontros, dos principais eventos da sua vida pessoal e social, considerando o percurso formador e fundante da construção identitária. E neste sentido, a aproximação da construção identitária entre a pessoa pesquisada, confirmado a partir dos relatos biográficos ou escrita de si, traz articulação entre a vida social e aspectos psicológicos presentes no percurso social individual.

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Sobre esta questão, Galeffi chama atenção para a possibilidade de se construir uma ciência que considere a existência, que para o autor,

É a maior ciência de todas, justamente porque se ocupa do único ente que necessita de cuidado e atenção absoluta: o ser humano. O maior bem não pode se encontrar fora de nós. Então, ciência é para nós o mesmo que saber-pensar, saber-ver, saber-viver-junto, saber-fazer, saber-não-saber, saber-calar, saber-falar: saber-ser. É isto mesmo, ciência é algo que nos diz respeito, como humanos, em nosso modo de ser para a liberdade de ser. Assim, o que dizemos como ciência é o nosso próprio modo de ser-consciente do que sabemos fazer com a vida — um saber-fazer com arte (GALEFFI, 2002, p. 5).

O autor abre, nessa fala, uma discussão antiga sobre ciência, suas abordagens e os métodos de pesquisas presentes no universo acadêmico. Suas preocupações vão além de coleta de dados da realidade pesquisada e apontam para a preocupação formativa da pesquisa, com o pesquisador e o sujeito pesquisado.

Sobre o método, fica claro que é necessária a predisposição do pesquisado em expor a própria vida. A ele é pedido que conte sua história, como achar melhor – nos moldes de entrevista não-estruturada. E a partir das histórias e dos elementos presentes nessas narrativas é que o pesquisador irá definir, ou escolher, qual delas fará parte do seu universo de pesquisa. Este universo da presente pesquisa foi o referido curso de Pedagogia para professores em exercício, e nele, o percurso formativo de 10 professores-cursistas em exercício da rede pública do município de Tapiramutá. Este procedimento de pesquisa foi também um procedimento didático no exercício de minha docência, já que, motivada por Josso (2004; 2008), sobre o uso de atividades formativas e da vida como dispositivo de formação, senti-me motivada a experienciar como pesquisadora, em campo, esta metodologia como trabalho de pesquisa.

Esse entrelaçamento possível entre a investigação e os processos formativos encontra respaldo ainda nas formulações de Dominicé (2010b), para quem,

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A abordagem biográfica pode assim ser considerada como um lugar de confrontação de verdades construídas no decurso da existência, como um espaço onde se entrechocam reflexões sobre a formação, provenientes de diferentes percursos de vida. A investigação torna-se então a que cada um pretende. Contribui para a formação, do mesmo modo que a formação a torna possível. Assim como a nossa formação nos conduziu num determinado momento a essa investigação. (DOMINICÉ, 2010b, p. 208).

Vale salientar que essa modalidade de investigação engloba a formação do pesquisador. Assim, o meu próprio processo formativo, ao tempo em que me lançou nessa investigação, foi fortalecido pelas escolhas, pelas descobertas, pelas experiências possibilitadas ao longo da investigação, a começar pela realização da atividade deflagradora da pesquisa.

Inicialmente foi proposta uma oficina formativa aos professores que fazem parte do programa e solicitado, durante o processo, que eles focassem na sua formação e revelassem um ―causo‖ ou acontecimento em seu percurso formativo, fazendo o exercício proposto pelas esferas estudadas, a esfera estética, a esfera

histórica e a esfera da linguagem. Essas três esferas apresentam-se como

aspectos estruturantes da formação humana e, para efeito desta pesquisa, da formação de professor: a esfera estética utiliza-se dessas esferas como recurso de compreensão da forma, da contextualização do fato histórico e no uso da linguagem como tradutora ou porta voz dessa experiência.

Essas três esferas, apresentadas por Gadamer (2008a), foram importantes no entendimento do processo formativo nessa perspectiva de hermenêutica pautada no aspecto ontológico. Para Gadamer, as três esferas não são fragmentadas na experiência hermenêutica, ao contrário, juntas elas compõem a formação em seu sentido existencial. Na primeira esfera, Gadamer ressalta a experiência do ser, a partir da relação com o objeto artístico que precede o próprio exercício crítico do juízo estético. Esse objeto artístico é como o filósofo se refere ao que nos cerca, e esta experiência de prazer ou desprazer, de encontro é uma das possibilidades do exercício hermenêutico fenomenológico da compreensão.

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Na segunda esfera, o filósofo anuncia a consciência de ser conduzido por tradições que apontam para o valor da história, das tradições humanas, da memória como condição existencial do ser histórico que somos. E para a última esfera, que não se distancia das duas primeiras, mas percorre as mesmas e traduz as primeiras esferas, Gadamer (2007, 2008a) refere-se à co-pertença das coisas ditas pelas vozes dos discursos, os quais são carregados de significados e tornam-se instrumentos de dominação cultural, pois revelam o caráter dominante da linguagem.

Após essa oficina foram solicitados os memoriais dos participantes, que totalizavam 57 cursistas, e, deste contingente, me propus estudar 10 memoriais do universo de professores que participaram da oficina formativa, sendo que, cinco professores-cursistas pertenciam ao primeiro semestre, e cinco, ao segundo. Vale ressaltar, que o uso da linguagem escrita como elemento fundante de uma hermenêutica existencial é traço fundamental nos estudos de Gadamer para a formação humana – o que reforçou minha posição por fundamentar minha opção metodológica, com esse referencial, para compreensão dos memoriais e dos ―contos‖ dos professores-cursistas selecionados como sujeitos da pesquisa.

Nos fragmentos das histórias de vida desses professores, eles demonstram que vida e formação se constroem intensamente, fundindo-se, e isso fica evidente pelo fato de ser o memorial uma narrativa de compreensões de mundo e de si, e não um relatório comum. Conforme Benjamin, narrar uma história é uma arte e um acontecimento infinito, ―pois é um acontecimento vivido, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem limites, por isso é infinito, porque é apenas uma chave para tudo o que veio antes e depois”. Desse modo, a narrativa, não trata apenas de uma lembrança de uma experiência, mas de uma experiência que se reconstrói à medida em que é narrada. Assim, narrar alguma coisa consiste na ―faculdade de intercambiar experiências”, e, por este motivo, Benjamin chama de ―obra aberta‖, na sua obra ―O Narrador‖ (BENJAMIN apud DUTRA, 2002, p.373).

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A narrativa contempla basicamente a experiência contada pelo narrador e ouvida pelo outro; o ouvinte numa relação de interlocução, já que, ao contar aquilo que ouviu, transforma-se ele mesmo em narrador, por já ter amalgamado à sua experiência a história ouvida. Desta forma, poderia dizer que o trabalho com narrativas pode se tornar uma abordagem metodológica apropriada aos estudos que se fundamentam nas ideias da fenomenologia e na temática da existência. Através da narrativa, podemos nos aproximar da experiência de formação, tal como ela é vivida pelo narrador ou formando (DUTRA, 2002).

Nesta perspectiva, o narrador não ―informa‖ sobre a sua experiência de formação; mas, especialmente, conta sobre ela, articulando o acontecido com as devidas contextualizações, dando oportunidade da escuta e da modelagem de acordo com a sua interpretação/compreensão: o que leva a experiência de si e do outro a uma maior amplitude da formação numa perspectiva de "fusão de horizontes" conforme apresenta Gadamer (2007; 2008a; 2008b). Esta expressão apresenta a complexidade das relações presentes nas narrativas, e, apesar de Gadamer não ter feito elaborações neste campo especificamente, a compreensão das narrativas como relações intercambiadas e projetadas, por si só, já se aproxima desse conceito de ―fusão de horizontes‖. De acordo com Sá (2010), interpretando Heidegger, o filósofo ―trabalha com a tensão da existência, no emergir e imergir no mundo, fazendo-se parte dele. Dessa forma, o homem não pode ser o ente que é, senão encarnado no mundo, em contínua comunhão com os outros entes‖ (SÁ, 2010, p. 45).

Como projeção daquilo que ainda vem e do inevitável diálogo entre os horizontes dos sujeitos envolvidos, e mesmo do próprio horizonte de cada um, no sentido ontológico de ser e estar no mundo, há uma relação entre o presente, o passado e o futuro não de maneira linear obedecendo a uma sequência, mas numa relação anacrônica. A ideia de horizonte, portanto, aponta para o movimento da dialógica e está associado a categorias de intersubjetividade e historicidade dos sujeitos, que em si mesmos são portadores de cultura e formação; ou seja, o encontro de horizontes redimensiona as possibilidades e os limites da

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objetividade e da neutralidade na investigação cultural, e isso se torna possível graças à associação da dimensão compreensiva.

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3. FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HERMENÊUTICA

A quién le puedo preguntar qué vine a hacer en este mundo? Por qué me muevo sin querer, por qué no puedo estar imóvil? Por qué voy rodando si ruedas, volando sin alas ni plumas, y qué me dio por transmigrar si viven en Chile mis huesos? Pablo Neruda

As primeiras informações que se tem sobre a palavra formação passeiam pelo sentido de ―formação natural‖ de órgãos ou membros, ou com referências à aparência externa ou ainda a formação produzida pela natureza como, por exemplo, a formação de montanhas, desertos etc. O conceito de formação encontra-se diretamente ligado ao conceito de cultura designando especificamente o aperfeiçoamento de aptidões e faculdades humanas. (GADAMER, 2007)

Uma concepção de formação que não se constrói na forma de finalidade ou em vistas de um produto final, essa é a tentativa de Gadamer ao ―ressignificar o conceito de formação a partir da crítica à ênfase do resultado em detrimento do devir‖ (SÁ, 2010, p. 43). Esse aspecto discutido pelo autor revela que o sentido da formação não se encontra num objetivo e a mesma não pode ser desejada, a não ser que seja para compor a temática reflexiva do educador (GADAMER, 2008a). Formação é percurso e durante esse processo, de acordo com o filósofo,

[...] é possível apropriar-se totalmente daquilo em que e através do que alguém é instruído. Nesse sentido, tudo que ele assimila integra-se nele. Mas na formação aquilo que foi assimilado não é como um meio que perdeu sua função. Na formação adquirida nada desaparece, tudo é preservado. A formação é um conceito genuinamente histórico, e é justamente o caráter histórico da

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