• Nenhum resultado encontrado

Formação de Professores e Existência

3. FORMAÇÃO DE PROFESSORES E HERMENÊUTICA

3.1 Formação de Professores e Existência

A perspectiva apresentada neste trabalho é demonstrar o entrelaçamento da formação acadêmica com a existência humana, sendo estas leituras a partir da hermenêutica fenomenológica. Investigando sobre existência para Heidegger e Dilthey, só o homem existe, já que, apenas ele pode compreender a sua realidade

3

No vestibular da UFBA/2010.1 no município de Tapiramutá, participei da equipe de trabalho do processo seletivo dos professores, juntamente com os colegas: Ana Paula Moreira, Luiza Seixas, Maisa, Helmut Schwarzelmuller. Nesta oficina, tive contato com muitos dos professores que posteriormente fizeram parte do trabalho de campo que realizei no programa, e que, consequentemente, foram os atores desta pesquisa de mestrado.

e o mundo que o cerca. A ideia de ―existência‖ presa ao homem é alvo de inúmeras críticas aos filósofos da existência, na medida em que os mesmos apontam que a existência constitui-se na maneira de ser que caracteriza o próprio homem na sua errância. De acordo com Macedo (2010), inspirado em Heidegger, ―reside aí a sua essência, o ser-aí, na sua concretude (Dasein). Assim, é necessário existir para descobrir a existência. Como no caso da formação a existência não se explica, se compreende‖. (MACEDO, 2010, p. 157).

Da perspectiva existencial e de acordo com Macedo (2010), a experiência formadora, com vista a partir da hermenêutica designada por Gadamer, tratar-se de um processo em que a pessoa elabora um sentido para atribuí-lo aos seus vividos e às suas experiências de vida. Neste contexto, a formação constitui-se naturalmente existencial, por se tratar de construção de sentido, de uma construção do próprio sujeito ―demandando aí uma presença interpretativa do Ser, portanto uma compreensão significativa diante de um mundo que informa, a hermenêutica e sua possibilidade de qualificar a formação nutre a prática formativa‖ (MACEDO, 2010, p.61).

A leitura da hermenêutica na formação de professores como ação e ato interpretativo vem a partir de quem intenciona mediar a formação de quem se forma na sua condição de existir, visto que a presença determinante de ser e estar no mundo abrange a ideia de percurso, errância e busca pessoal do sujeito. De acordo com Macedo (2010), o fenômeno da formação, no seu acontecer, se dá com o Ser existindo em formação, refletindo e narrando sobre a sua formação e o ―estar formado‖ (MACEDO, 2010, p. 32). E de acordo com o autor,

Podemos ir mais adiante, ao dizer com Heidegger que o ser-com- o-outro, o ser-com-o-mundo, não significa necessariamente pensarmos na presença absoluta do outro, essa coexistência já é uma estrutura essencial, ou seja, o ser-com é a nossa existência se apresentando enquanto tal, se formando enquanto tal. (MACEDO, 2010, p. 159).

No entanto, o autor argumenta que é preciso reivindicar uma perspectiva sócioexistencial para a formação criticando o tecnicismo histórico; e Bernard Honoré (apud MACEDO, 2010, p. 28) argumenta que ―grande parte das ações em formação são quase que exclusivamente centradas nas técnicas e sua cultura‖, ou seja, técnica e cultura emergem como base direcionando para a tecnologia que se espera, ―sem reflexão relacionais, maior eficiência‖ e a ―separação entre formação pessoal e profissional continua predominando‖ (HONORÉ apud MACEDO, 2010,p. 28). Desta maneira, a formação, ainda hoje, tem seu sentido reduzido à ideia ―mecânica e a organização curricular, assim como sobre a eficiência didática, e acabam ficando apenas aí, no modelo didático-curricular mais adequado‖ (MACEDO, 2010, p. 29).

A formação com sentido existencial caminha na direção da complexidade e não da simplificação dos indicadores descontextualizados e sem relação com as histórias de vidas dos sujeitos em formação, já que de acordo com Pineau (2000 apud MACEDO, 2010, p.31), a ideia de formação parte de duas semânticas principais: ―criar, constituir, compor, conceber por integração, totalização, conjunção com sentido‖ e é essa conjunção que dá todo sentido existencial à formação, se impondo como questão vital e não apenas técnica, e enquanto função essencial exercida de forma permanente.

Nesta perspectiva, Macedo (2002), inspirado em formulações de Edgar Morin, Jacques Ardoino e Paulo Freire, chama atenção para a formação com uma fundamentação sobre a criação de uma consciência da incompletude ontológica, sendo entendida a partir da expressão alemã Bildung, ―sempre transversalizada por pautas políticas, éticas, estéticas e que implicam no exercício da cidadania.‖ (MACEDO, 2002, p. 117). Deste modo, trata-se de um fenômeno complexo e de grande densidade existencial a ser compreendido.

De acordo com Honoré (apud MACEDO, 2010, p. 31), ―a compreensão é uma modalidade fundamental da atividade humana em via de realização. Ela é a manifestação ativa de nossa existência formativa‖. Desta maneira, sobre o termo

formação repousa a incerteza, a indeterminação do ser no mundo que conforme Sá (2010) se apresenta em seu acontecer na ―itinerância e na errância‖ e desta forma, na formação com o sentido da existência está imbricada o conceito de coexistência, já que não fazemos esse percurso de formação sozinhos, mas, sempre na companhia de outros entes, tomando o próprio mundo como ente, conforme nos apresenta Heidegger (HEIDEGGER apud STEIN, 2005); ou seja, o ato de existir é um ato eminentemente individual e ao mesmo tempo social, é singular e plural, é dialógico em sua natureza exigindo aproximação com outros horizontes (GADAMER, 2008a).

Pode ser, portanto, considerado singular, pois nele está presente a individualidade, compreensão de cada sujeito em sua estrutura e finitude. Ao mesmo tempo, é um ato social, coletivo, pois nesse processo como o andarilho do jogo de Tarot, realiza-se uma viagem com um percurso que a priori não está estabelecido, nem predestinado a um fim específico e rígido. Esta ―errância‖ é impregnada de elementos próprios das relações que este ser estabelece com outros seres e com as coisas (ABBAGNANO, 2006).

Nesta construção de si mesmo, a complexidade encontra-se vinculada à existência humana, e ao procurar compreender a formação de professores, como também, em que medida a experiência de vida em sua existência é importante para a formação de docente, busco essa compreensão a partir da hermenêutica. Essa arte de interpretar, que com passar do tempo adquiriu um significado amplo, no âmbito filosófico, sob diversas formas de teoria da interpretação, dentre elas, o existencialismo, a fenomenologia e a própria hermenêutica. Os filósofos que pertencem a esta linha de pensamento se ocupam da existência humana, consideram essa existência não do ponto de vista da observação, da percepção ou do ponto de vista biológico da presença do sujeito, mas da reflexão filosófica no sentido da compreensão de mundo, e neste campo da formação como existencial. Sendo, deste modo, o homem considerado não somente enquanto organismo biológico vivo.

Neste sentido, Abbagnano (2006) aponta para a ideia de que existir é um ato divino e existencial: é interrogar-se e ao mesmo tempo, interrogar sobre o mundo em volta, num exercício fundamental que dá sentido à vida e à formação humana; e, nesse caso, à formação de professores. De acordo com Bachelard, o homem em seu processo formativo exerce uma faculdade que lhe é própria: a de dar sentido ao mundo. E a partir do seu imaginário, ele cria e recria a vida, a religião, as filosofias, teorias etc., cria o universo a partir de símbolos e significados num plano imaginário atribuindo significados. (BACHELARD apud PITTA, 2005). Na visão de Pitta,

O ser humano, assim constituído, atribui significados que vão bem além da funcionalidade dos atos ou objetos. (...) Aquilo que poderia parecer absolutamente natural (árvore, água, fogo...), é transformado pelas diversas culturas para adquirir significado (PITTA, 2005, p. 13).

As formulações da autora me levam a perceber que formamos junto ao nosso contexto, compreendendo, indagando e elaborando e formulando compreensões sobre o mundo e suas tradições conforme Gadamer (2007, 2008a) chama atenção. Para Pitta, o imaginário é um ato criativo e propulsor da criação que impulsiona ser (no plano individual e coletivo) completo (corpo, alma, sentimentos, sensibilidade, emoção...), isso é a raiz de tudo que existe para o homem. (PITTA, 2005).

Essa construção, e sentido dado ao mundo pelo homem, passa pelo exercício da compreensão que nas palavras de Galeffi, trata-se ―da própria possibilidade do sentido-sendo – o acontecimento do sentido‖ (GALEFFI, 2001, p. 247). A compreensão aponta para o modo de ser mundo e pressupõe um modo de ser

próprio ao homem como condição das capacidades interpretativas e formativas.

Neste caminho desenhado por Galeffi, sobre compreensão, o autor apresenta algumas proposições acerca desse termo e o sentido de ser-no-mundo-com. Assim, o autor nos diz, em primeiro plano, que ―compreender é sempre prévio: pois é sempre a possibilidade humana de ser aquilo mesmo que se forma a partir

do seu âmbito‖. Em segundo lugar, que ―a compreensão é sempre referente ao ser-no-mundo-com‖, ou seja, não há compreensão fora de quem compreende. E uma terceira proposição é que a ―compreensão é sempre produtora de interpretação‖, haja vista que interpretamos porque compreendemos. É a compreensão que possibilita a interpretação. (GALEFFI, 2001, p. 248).

Desta forma, o autor coloca a compreensão no plano de ser-no-mundo-com e discorre sobre a mesma em sentido ontológico. No compreender e interpretar, neste contexto de preocupações, cabe um sentido mais do que intelectual, pois atrelado a ambos aparecem ―indicativos existenciais‖ como: ―posição, visão e

concepção prévia‖ (GALEFFI, 2001, p. 254), que seria a pré-compreensão, ou

compreensão antecipada, que se insere de maneira histórica e social na construção dos sujeitos a partir da linguagem.

Neste contexto de preocupações, Morin (2002) apresenta um panorama sobre algumas das lacunas deixadas por este modelo de ensino centrado na formação apenas técnica. De acordo com o autor, um dos primeiros prejuízos históricos foi a ideia da ―super especialização‖, em que os saberes foram fragmentados para ―facilitar‖ o domínio de unidades menores. Esse modelo é reflexo de um modelo econômico de divisão de trabalho que, no contexto educativo, teve impactos preocupantes no sentido da perda da noção mais abrangente, mais panorâmica do conhecimento como um todo, instaurando-se aí a lógica do não diálogo entre campos de conhecimento.

Neste sentido, Morin (2003) critica a escola dizendo que ao contrário de integrar a realidade ao seu contexto e aos processos formativos

na escola primária nos ensinam a isolar objetos (de seu ambiente), a separar disciplina (em vez de reconhecer suas correlações), a dissociar os problemas ao invés de reunir e integrar. Obrigam-nos a reduzir o complexo ao simples, isto é, a separar o que está ligado; a decompor, e não a recompor; e a eliminar tudo que causa desordens ou contradições em nosso entendimento. (MORIN, 2003, p. 15)

A compreensão, num plano de ser-no-mundo, num sentido ontológico, realiza-se no vivenciar dos múltiplos contextos, em diferentes linguagens e na convivência com a subjetividade humana a partir de diálogos e da aproximação com novos territórios de ―entre-lugares‖, de ―inter-contextos‖ e de ―inter-textos‖, valorizando a singularidades de construção. (SERPA, 2003).

De acordo com Serpa (2003, p.1), essa construção envolve como aprendizagem, um processo de co-existência humana quando diz que,

Devo reconhecer que me realizo, não só vivendo a tensão lúdica dos meus acontecimentos, mas também com a convivência da mesma tensão em todos e em cada um ser humano em seus acontecimentos. (SERPA, 2003, p. 1).

Essas declarações apontam para o sentido atribuído à atividade docente, por Nóvoa (1992a, 1992b, 2002), que se caracteriza pela complexidade. Desta forma, agora resta apenas deixar que as palavras, com seu caráter dialógico e seu desdobramento, revelem as dimensões presentes nas concepções de mundo de cada docente, favorecendo a compreensão de que os interpreta/compreende.

A formação no sentido existencial, portanto, na sua estrutura e nas dinâmicas presentes do ato de compreender, encontra-se ―indissociável em relação à produção de sentidos, abre o caminho do sentido. Esse sentido vai abrindo o seu próprio caminho, perspectiva fundante para a autonomização vivida nos processos formativos” (MACEDO, 2010, p. 33). Na perspectiva existencial a formação apresenta seu caráter sócioexistêncial que implica necessariamente na experiência compartilhada em que o sujeito formando constrói sua formação da perspectiva ―do Ser do homem, historicamente apropriada como um estar-no- mundo-compreendendo‖ (MACEDO, 2010, p. 38) e por este motivo formação não pode ser confundida como uma simples meta educacional.

Estas proposições acerca da formação existencial, numa perspectiva sócioexistencial, apontam para um aspecto importante da construção do conhecimento em que o mesmo se constitui de maneira existencial e social visto ser ele um fruto da criação, reflexão e especulação humana ampliando-se a ideia de conhecimento na perspectiva hermenêutica fenomenológica.

Na principal obra escrita por Gadamer (2008a), Verdade e Método, o filósofo explora o debate em torno da formação na existência de ser, utilizando como eixos estruturantes de sua teoria três esferas presentes na experiência hermenêutica fenomenológica. Nesta filosofia, os traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica são apresentados juntamente com a sua teoria cuja ideia central é o sentido de pertença e valorização de uma determinada tradição. A hemenêutica gadameriana coloca em evidência o fenômeno da compreensão diante da pretensa universalidade científica. Para isso, Gadamer aponta para o diálogo como atributo natural do ser humano (GADAMER, 2008b).

O diálogo neste sentido ontológico e existencial do plano hermenêutico só é possível graças a linguagem, dimensão inerente ao ser humano. Essa relação dialógica é um processo pertencente às relações humanas em seu estado de compreensão. Com essa visão, Gadamer apresenta um fundamento teórico importante sobre a determinação ontológica que nada mais é do que o predomínio do modelo de conhecimento das ciências da natureza que acaba desacreditando de todas as possibilidades do conhecimento que se encontram fora dessa nova lógica de pensamento (GADAMER, 2008).

A questão central desta compreensão está em negar a interpretação/ compreensão no plano da universalidade, já que isso implicaria no ―distanciamento da particularidade da aceitação que deixa de lado a correspondência com a própria expectativa ou à própria preferência‖ (GADAMER, 2008a, p. 134). A filosofia de Gadamer, portanto, revela o que é próprio do ser humano e que só se efetiva, quando algo fica em nós. Um diálogo só se torna verdadeiramente diálogo, quando algo do outro vem ao encontro da nossa

experiência (GADAMER, 2008a). É com esta reflexão em torno do diálogo que Gadamer justifica sua filosofia hermenêutica.

Nesta direção, o sentido de diálogo, proposto por Gadamer, vem com intenção profunda ao ser humano, procurando expressar a riqueza resultante da relação entre as pessoas. Trata-se de uma relação em que não deve haver sobreposição de ideias entre interlocutores e a relação contribui com a individualidade, singularidade, a partir das histórias de vida, dos percursos de formação de cada um num movimento de aprendizado intercambiado.

A hermenêutica gadameriana, nesse sentido, oferece grandes contribuições para formação de professores, apesar da intenção do filósofo ter sido para formação num sentido humano e não voltado para a docência. Sua contribuição, nesta pesquisa, está exatamente pela associação que faço entre a formação de professores – como percurso de ser professor na própria vida – com toda gama de relações pedagógicas, sociais e filosóficas numa perspectiva dialógica de ser. Nestas relações, a experiência produzida favorece o surgimento de novos horizontes construtores de infinitos saberes (CRUZ, 2010).

Documentos relacionados