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TORRES NETO, José Lourenço. Texeira de Freitas: codificação, casamento civil e escravidão na retórica do direito no fim do Segundo Império. 2014. 176 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

JOSÉ LOURENÇO TORRES NETO

TEIXEIRA DE FREITAS:

codificação, casamento civil e escravidão na retórica do direito no fim do Segundo Império.

Dissertação de Mestrado

Recife 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

JOSÉ LOURENÇO TORRES NETO

TEIXEIRA DE FREITAS:

codificação, casamento civil e escravidão na retórica do direito no fim do Segundo Império.

Dissertação de Mestrado

Recife 2014

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JOSÉ LOURENÇO TORRES NETO

TEIXEIRA DE FREITAS:

codificação, casamento civil e escravidão na retórica do direito no fim do Segundo Império.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas/Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito. Área de concentração: Teoria e Dogmática do Direito.

Linha de pesquisa: Linguagem e Retórica. Orientador: Prof. Dr. Torquato da Silva Castro Junior.

Recife 2014

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Catalogação na fonte

Bibliotecária Eliane Ferreira Ribas CRB/4-832

T693t Torres Neto, José Lourenço

TEIXEIRA DE FREITAS: codificação, casamento civil e escravidão na retórica do direito no fim do Segundo Império. – Recife: O Autor, 2014.

176 f.

Orientador:Torquato da Silva Castro Junior.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCJ. Programa de Pós-Graduação em Direito, 2014.

Inclui bibliografia.

1. Freitas, Augusto Teixeira de, 1816-1883. 2. Direito civil - Brasil. 3. Retórica. 4. Retórica antiga. 5. Língua portuguesa - Retórica. 6. Idéia (Filosofia) - História. 7. Escravidão - Brasil. 8. Casamento (Direito) - Brasil. 9. Freitas, Augusto Teixeira de - Obras. 10. Freitas, Augusto Teixeira de - Código Civil - Unificação. I. Castro Junior, Torquato da Silva (Orientador). II. Título.

340.181 CDD (22. ed.) UFPE (BSCCJ2014-018)

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TEIXEIRA DE FREITAS:

codificação, casamento civil e escravidão na retórica do Direito no fim do Segundo Império.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito do Recife/Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.

Área de Concentração: Teoria e Dogmática do Direito Orientador:

Prof. Dr. Torquato da Silva Castro Junior.

A Banca Examinadora composta pelos professores abaixo, sob a presidência do primeiro, submeteu o candidato à defesa, em nível de Mestrado, e a julgou nos seguintes termos: MENÇÃO GERAL:

APROVADO

Profª. Drª. Fabíola Albuquerque Lobo (Presidente/UFPE) Julgamento: APROVADO Assinatura: ___________________ Prof. Dr. João Maurício Leitão Adeodato (1° examinador externo) Julgamento: APROVADO Assinatura: ___________________ Prof. Dr. Gustavo Just da Costa e Silva (2° examinador interno) Julgamento: APROVADO Assinatura: ___________________

Recife, 08 de abril de 2014. Coordenador Prof.º Dr. Marcos Antônio Rios da Nóbrega

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AGRADECIMENTOS

Ao Professor e orientador, o Dr. Torquato da Silva Castro Junior por seu saber superior e amadurecido.

Ao Professor Dr. George Browne Rego, também professor na graduação e interlocutor profundo da História do Direito, bem como, à sua suplente na presidência da banca examinadora, a Dra. Fabíola Albuquerque Lôbo.

Ao Professor Dr. Gustavo Just da Costa e Silva por sua condução dentro dos caminhos da hermenêutica e da interpretação.

A todos os doutos professores ao longo da Pós-Graduação de Direito da UFPE.

Em especial, ao Professor Dr. João Maurício Leitão Adeodato, incentivador na Filosofia e orientador desde a graduação na Retórica e coordenador do grupo de pesquisa sobre Retóricas na História das Idéias do Brasil.

À Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), como instituição, e aos seus funcionários.

Em particular, à minha querida esposa Jerônima e aos familiares que me apoiaram e incentivaram durante esta modesta jornada.

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“A liberdade é um bem inestimável, porque mais vale com os seus perigos, que o serviço do imobilismo.”

Teixeira de Freitas (Pedro quer ser Augusto, 1872)

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES

Abrev. – Abreviações.

AEO – Argumentos de ethos do orador.

AEO1 – Argumentos de ethos do orador baseados em autoridade.

AEO2 – Argumentos de ethos do orador baseados em textos qualificados. AEO3 – Argumentos de ethos do orador fundamentados em fontes. ALO – Argumentos de logos do orador.

ALO1 – Argumentos de logos do orador baseados em textos legais. ALO2 – Argumentos de logos do orador baseados em princípios jurídicos.

ALO3 – Argumentos de logos do orador baseados em brocardos e ditos populares. ALO4 – Argumentos de logos do orador baseados em deduções.

APA – Argumentos de pathos do auditório.

APA1 – Argumentos de pathos baseados em opiniões e sentimentos a partir do auditório. APO – Argumentos de pathos do orador.

APO1 – Argumentos de pathos a partir de sentimentos e opiniões do orador

Cân. – Cânone (de uma Encíclica ou Concílio religioso).

CPB – Código Penal Brasileiro de 07.12.1940.

Dig. – O Digesto de Justiniano.

E – O ethos aristotélico.

FDR – Faculdade de Direito do Recife, Pernambuco, Brasil. FEO – Figuras de ethos do orador.

FEO1 – Figuras de amplificação ou atenuação conforme o ethos do orador (metalogismos). FLO – Figuras de logos do orador.

FLO1 – Figuras sintáticas ou de construção como base do logos do orador no texto (metataxias).

FLO2 – Figuras de logos do orador formadas de expressões latinas ou gregas no texto. FPA – Figuras de pathos do auditório.

FPA1 – Figuras de ação conforme o pathos do auditório. FPO – Figuras de pathos do orador.

FPO1 – Figuras de significação a partir do pathos do orador (metasemas). FPO2 – Figuras da oração (de frase) a partir do pathos do orador (metaxias). FPO3 – Outras figuras de pathos do orador como as figuras de estilo.

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IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. L – O logos aristotélico.

P – O pathos aristotélico.

Ret. – A Retórica de Aristóteles.

STF – Supremo Tribunal Federal do Brasil. STJ – Superior Tribunal de Justiça do Brasil. TF – (Augusto) Teixeira de Freitas.

Top. – A Tópica de Aristóteles.

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RESUMO

TORRES NETO, José Lourenço. TEIXEIRA DE FREITAS: codificação, casamento civil e escravidão na retórica do direito no fim do Segundo Império. 2014. 176 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas/FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2014.

A presente dissertação aborda as ideias que influíram no pensamento jurídico brasileiro e estuda a retórica das ideias nos textos da obra jurídica remanescente de Augusto Teixeira de Freitas durante o final do Segundo Império brasileiro. O objetivo é entender sua postura diante de temas complexos do Direito Civil brasileiro a exemplo da escravidão, o casamento civil e os métodos para a codificação da legislação civil com o fim de resgatar a credibilidade discursiva de Teixeira de Freitas, observar a consistência dos temas de Direito Civil abordados por ele, e, delimitar categoricamente os elementos e argumentos retóricos predominantes que contribuíram para a constituição de seus discursos. Utiliza como instrumento metodológico a análise retórica desenvolvida a partir de elementos da metódica de Ottmar Ballweg e de João Maurício Adeodato, uma associação de elementos antigos e contemporâneos. As obras que fornecerão os dados diretos para análise são a Consolidação das Leis Civis e o Esboço do Código Civil, os trechos de discursos fornecidos por seus biógrafos, artigos publicados pela imprensa, bem como, cartas oficiais, como as cartas de renúncia à presidência do Instituto dos Advogados Brasileiros e à elaboração do projeto do Esboço do Código Civil. Conclui que, a partir dos elementos da retórica utilizada por Teixeira de Freitas nos textos analisados, havia uma incompatibilidade nas posturas pessoal e profissional que resultou na posterior rejeição dos discursos que defendeu.

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ABSTRACT

TORRES NETO, José Lourenço. TEIXEIRA DE FREITAS: codification, civil marriage and slavery according to Law’s rhetoric by the end of the Brazilian Second Empire. 2014. 176 p. Dissertation (Master’s Degree of Law) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Centro de Ciências Jurídicas/FDR, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2014.

The present dissertation deals with ideas that had influenced the Brazilian legal thought, and studies the rhetoric of them in the remaining work of Teixeira de Freitas’ texts to understand his position before complexes themes of Civil Law during de Second Brazilian Empire such as slavery, civil marriage and the codification of civil legislation. The goal is to rescue Teixeira de Freitas’ discursive credibility, to observe his argumentative consistency in subjects of Civil Law, and, to delimit categorically rhetorical elements and predominant arguments that had contributed for the constitution of his speeches. As methodological instrument uses the rhetorical analysis developed from elements of Ballweg’s and Adeodato’s methodic, an association of old and contemporaries elements. For this, it makes a bibliographical revision. It goes into the texts of the Consolidation of Brazilian Civil Law, the

Draft of the Brazilian Civil Code, parts of his speeches supplied by his biographers, articles

published in local press, as well as official letters, as the letters of his resignation to the presidency of the Institute of the Brazilian Lawyers and that of his resignation to the work to the Draft of the Civil Code’s project. It concludes that, from the rhetoric elements that Teixeira de Freitas used in the analyzed texts, there was an incompatibility in his personal and professional positions that resulted in the posterior rejection of the speeches that he assumed.

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SUMÁRIO

Introdução: Investigando os primórdios das ideias jurídicas brasileiras na primeira codificação geral do direito civil sob o olhar de uma metodologia

retórica do direito ... 13

1 Capítulo Primeiro – Exposição de uma metodologia definida por elementos retóricos antigos e contemporâneos ... 20

1.1 Pressupostos teóricos de uma metodologia retórica para o estudo do Direito ... 20

1.2 Elementos de retórica antiga ... 23

1.3 Metaníveis como metalinguagem na retórica contemporânea ... 28

1.4 Categorias a partir da metodologia tripartida para analisar estratégias ... 33

2 Capítulo Segundo – Primórdios da formação intelectual e jurídica portuguesa e brasileira: o ambiente jurídico que antecedeu Teixeira de Freitas ... 41

2.1 A influência religiosa jesuíta nos centros culturais lusitanos e as origens do ensino da retórica em Portugal ... 41

2.2 A reforma pombalina do ensino e do estudo da retórica portuguesa e seus reflexos sobre o ensino brasileiro até sua fase pré-republicana como estratégia de neutralização de um instrumento de dominação jesuíta: a educação ... 45

2.3 A formação dos primeiros cursos jurídicos brasileiros como estratégia legitimadora do processo de emancipação nacional ... 50

2.4 A necessidade de uma produção literária para a “nova” Academia: seguindo a estratégia da tradição lusitana de supressão dos conteúdos rivais ... 54

2.5 Os conteúdos teóricos e filosóficos encontrados nas primeiras escolas jurídicas brasileiras e seu antagonismo ao discurso retórico de “modernidade” ... 59 2.6 Uma produção legislativa própria para consolidar a independência brasileira ... 63

3 Capítulo Terceiro – A formação e as principais ideias de Teixeira de Freitas e suas possíveis influências ... 70

3.1 Destaques sobre a formação acadêmica, praxista e intelectual de Augusto Teixeira de Freitas ... 70

3.2 Delimitando ideias de Teixeira de Freitas como eventos linguísticos para o Direito Civil emergente ... 75

3.3 A defesa da escravidão como ponto de inflexão e estagnação temporária do pensamento jurídico brasileiro ... 77

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3.4 A influência religiosa e a juridicidade do casamento civil frente ao casamento

religioso: uma disputa no campo da validade jurídica ... 80 3.5 Da consolidação à unificação: influências e evolução da codificação civil

brasileira ... 86 4 Capítulo Quarto – Teixeira de Freitas e o tema da escravidão na retórica

do direito ... 91 4.1 A legislação escravista ocultada na obra de codificação de Teixeira de Freitas:

uma tática para fazer prevalecer sua retórica textual ... 91 4.2 O impacto causado pela estratégia da retórica textual de Teixeira de Freitas no

discurso abolicionista de Joaquim Nabuco ... 97 4.3 O ambiente, as estratégias e os elementos discursivos dos debates de 8 e 15 de

outubro de 1857 no Instituto dos Advogados Brasileiros sobre as doutrinas jurídicas em relação à questão da liberdade dos filhos das escravas statu líber

sob condição ... 102 4.4 Análise (primeira) dos principais elementos retóricos nos argumentos sobre a

questão escravista do debate no Instituto dos Advogados Brasileiros elencados

por Teixeira de Freitas em sua carta de renúncia à presidência do mesmo ... 109 4.5 Síntese dos elementos retóricos e estratégicos de Teixeira de Freitas acerca do

tema da escravidão ... 118 5 Capítulo Quinto – A validade do casamento normatizada pelo jurisconsulto

positivista: um conflito entre o religioso e o civil ... 120 5.1 A importância e o interesse da Academia brasileira pelo tema do casamento no

período oitocentista ... 120 5.2 A reação de Carlos Totvárad às prescrições do Esboço de Teixeira de Freitas a

respeito do casamento através da imprensa como nova estratégia de abordagem 123 5.3 Elementos motivadores nos discursos de Totvárad e de Teixeira de Freitas: um

debate predominantemente fundamentado na religião ... 125 5.4 Análise (segunda) dos principais elementos retóricos dos argumentos sobre o

tema do casamento elencados por Teixeira de Freitas em sua resposta a Carlos

Totvárad no Diário do Rio de Janeiro em agosto de 1861 ... 128 5.5 Síntese dos elementos retóricos e estratégicos de Teixeira de Freitas acerca do

tema do casamento ... 134 6 Capítulo Sexto – A unificação do direito privado e a tentativa retórica de

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corrigir um vício doutrinário – o desgaste de Teixeira de Freitas ... 136

6.1 Circunstâncias para o fracasso da primeira tentativa da codificação civil do

Império brasileiro ... 136 6.2 Algumas alegações da Comissão revisora do Esboço como estratégias para

desgastar os argumentos (e a saúde) de Teixeira de Freitas em 1865 ... 141 6.3 Análise (terceira) dos principais elementos retóricos de Teixeira de Freitas em

sua carta ao Ministro Ribeiro de Andrada – a interrupção do Esboço (1867) ... 148 6.4 Síntese dos elementos retóricos e estratégicos de Teixeira de Freitas acerca do

tema da unificação do Código Civil ... 152

Conclusão: (In)Compatibilidade e (in)coerência desvendadas pela retórica acerca das posturas históricas de teixeira de freitas sobre temas do direito

civil ... 152

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INTRODUÇÃO: INVESTIGANDO OS PRIMÓRDIOS DAS IDEIAS JURÍDICAS BRASILEIRAS NA PRIMEIRA CODIFICAÇÃO GERAL DO DIREITO CIVIL SOB O OLHAR DE UMA METODOLOGIA RETÓRICA DO DIREITO.

“Com a positivação e a constitucionalização do direito moderno, a visão filosófica do positivismo prevaleceu. Apesar desse fato, a perspectiva ontológica subjaz sempre, paradoxalmente, na retórica sobre o caráter “sobrepositivo” desses direitos”.

João Maurício Adeodato1

Houve um tempo em que o saber jurídico tinha um valor e um significado diferenciado. Nesse período surgiram nomes da mais alta conta no cenário nacional. Alguns se destacaram apenas em suas províncias de origem, outros se deslocaram para a capital do Império, o Rio de Janeiro. É ali que encontramos um autor particular: Augusto Teixeira de Freitas (1816 – 1883), o protagonista deste estudo. Personalidade a quem erroneamente se vincula a denominação da cidade baiana2. Porém, Augusto Teixeira de Freitas que, sim, era baiano, foi o jurista nascido em 1816 que com sua obra contribuiu imensamente para o Direito Civil, no Brasil e no exterior. Por isso, para estudar sua obra o título desta dissertação é “Teixeira de Freitas: codificação, casamento civil e escravidão na retórica do direito no fim do Segundo Império”.

Este estudo não se aterá às acepções dos positivismos e sua filosofia. Mas, observará as origens das codificações legais como fonte de ideias jurídicas, buscando também algumas origens das ideias que permearam o Direito no Brasil. Logo, juntamente com o Direito, esta dissertação observará sua História e, a História do Direito também é o Direito, pois, Direito sem História é água sem fonte; é chuva sem nuvens. Assim, o objeto de estudo aqui é o Direito, sua história, e as retóricas de temas de Direito Civil como a escravidão, o casamento civil e a codificação legislativa, que envolveram a vida e a obra jurídica de Augusto Teixeira de Freitas no período final do Segundo Império brasileiro. Estudo este, que não negligenciará um olhar mais pretérito nas circunstâncias e influências que impactaram essa obra.

1 ADEODATO, João Maurício. A Retórica constitucional (sobre tolerância, direitos humanos e outros fundamentos éticos do Direito positivo). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 124.

2 A cidade no sul da Bahia que antes era o povoado de São José de Itanhém, Alcobaça, e hoje se chama Teixeira de Freitas tomou emprestado o nome para homenagear o estatístico e advogado Mario Augusto Teixeira de Freitas, nascido em 1890, e que idealizou e presidiu o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e não Augusto Teixeira de Freitas, o autor escolhido para ser estudado neste trabalho. Informação fornecida pelo Prof. Dr. João Maurício Adeodato que em viagem à região tomou conhecimento deste fato pitoresco.

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Um dos fundamentos deste estudo é um tipo específico de história das ideias. A historiografia filosófica não deve se ater apenas à problemática bibliográfica ou biográfica do autor escolhido. A história das ideias (filosofia da história) diferentemente da história da filosofia tradicional, procura enfocar as ideias de personalidades jurídicas onde quer que apareçam e não apenas na filosofia. Embora se reconheça que a cultura nacional está formada em muitas outras áreas, como música e dança; só muito recentemente as ideias, e aqui em especial, as jurídicas, é que entraram nessa sorte de considerações.

A época delimitada é o Segundo Império brasileiro, período de mudanças e transformações no cenário jurídico brasileiro embalado que foi pelo panorama mundial. Foi a época em que Teixeira de Freitas, além de ter realizado os trabalhos de consolidação e codificação da legislação civil, se dedicou à prática forense, o que incluiu a magistratura e a advocacia. Sua obra é constituída de suas publicações e de suas ações.

As obras que fornecerão os dados diretos para análise neste estudo são a Consolidação das leis civis e o Esboço do Código Civil a ele encomendados, mais trechos de discursos e os artigos publicados pela imprensa local na disputa com Carlos Totvárad, bem como, as cartas pessoais que expõem alguns de seus sentimentos íntimos e seus argumentos jurídicos como as cartas de renúncia à presidência do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e ao trabalho de confecção do projeto do Código Civil.

Esta dissertação parte de dois pressupostos: o de que uma metodologia retórica pode analisar e, segundo, essa mesma metodologia pode explicar a construção de um discurso jurídico e, assim, especificamente, perscrutar a obra de Teixeira de Freitas. O marco teórico para tal foi o método retórico de análise de Ottmar Ballweg e desenvolvido para o Direito brasileiro por Adeodato, aqui tomado como paradigma. Com os resultados advindos de sua incidência, ou seja, sabendo quais elementos retóricos predominaram na obra de Teixeira de Freitas se determinará a construção dos seus textos e pensamento, e as influências que o levaram a tomar determinadas posturas, como a de se recusar a regulamentar a escravidão no Brasil imperial na Consolidação, ou não admitir a liberdade dos filhos das mulheres statu

líber sob condição, e, ainda, não aceitar o casamento civil sem seu vínculo religioso.

Portanto, são objetivos deste estudo atender pelo menos três finalidades (não necessariamente na ordem proposta): na História, resgatar a totalidade da credibilidade discursiva de Teixeira de Freitas, que pontualmente e por alguns foi questionada; no Direito, observar a consistência dos temas de Direito Civil abordados por ele; e, na Retórica, delimitar

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os elementos e argumentos retóricos predominantes (destacados como incidências de categorias retóricas) que contribuíram para os seus possíveis (in)sucessos discursivos.

Escolher estudar a obra remanescente de Teixeira de Freitas, primeiro, é uma opção e até uma paixão pelo Direito Civil desde a graduação; depois, é uma consequência da proximidade com o Grupo de Pesquisa coordenado pelo Professor João Maurício Adeodato com o propósito de estudar “as Retóricas na História das Ideias Jurídicas do Brasil”. Além disso, estudar e analisar a vida e a obra de Teixeira de Freitas e sua postura frente a questões como a escravidão, o casamento civil e o método de unificação da codificação civilista, mais que um desafio metodológico, é uma privilegiada homenagem à sua pessoa e obra.

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O pano de fundo deste estudo é o fenômeno jurídico, e no campo do Direito, os fundamentos da experiência jurídica brasileira, por isso questiona a eventual originalidade dessas ideias e, assim, penetra nos corredores de sua história. Reconhece ideias que influíram no pensamento jurídico brasileiro pretérito em geral e não apenas as ideias oriundas dos filósofos, o que permite a inserção de temas de Direito Civil que repercutiram na sociedade de então, e, também, os elementos que constituíram a linguagem, como discursos vencedores ou não, dessas ideias. Ainda considera que a formação e a cultura brasileira fez com que os juristas do Brasil no final do Império recepcionassem ideias dos modelos exógenos, repetindo-os, embora tal continuidade seja justificada pelas várias condições (precárias) de aquisição de conhecimento.

As três ideias destacadas aqui como principais na obra de Teixeira de Freitas são: a unicidade do ordenamento civilista, a legitimação exclusiva do casamento civil e a legalidade da escravidão. Porém, este estudo fará ainda alguns questionamentos específicos acerca dos conteúdos de linguagem adotados e usados por Teixeira de Freitas dentro de cada tema, para reconhecer seus discursos vencedores, ou não, a fim de fazer um resgate histórico das primeiras ideias jurídicas brasileiras. Questionamentos que pairarão do início ao fim, pois impossível é recuperar seus reais pensamentos e motivações como respostas. Questiona-se, por exemplo, se Teixeira de Freitas era a favor ou contra a escravidão no Brasil. Se era a favor, por que se recusou a regulamentar a escravidão no Brasil imperial na Consolidação? E, se era contra, por que não admitia a liberdade dos filhos das mulheres statu líber sob condição nos debates no IAB? Essa era uma postura correspondente com seu legalismo? Se ele era tão legalista, por que, quanto à questão da legitimação do casamento civil, Teixeira de Freitas não

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o desvinculou da religião e deixou que ele fosse regulamentado apenas pelas leis civis? Ou seja, se em cada situação isso era uma estratégia argumentativa, como parece, quais eram essas estratégias, e, se possível, de onde se originaram, quais eram seus fundamentos e quais foram os resultados práticos e materiais.

Uma primeira hipótese, por exemplo, sobre a questão da escravidão, seria a de que Teixeira de Freitas não tinha a finalidade de ocultar o tema da escravidão por “pudor” jurídico. Parece que Teixeira de Freitas, em nome de uma perfeição textual (para não dizer literária) e já antevendo tanto a derrocada do evento escravidão como a perpetuação do seu trabalho extensivo e perfeccionista, buscou deixar um legado livre dessa “mácula”, apesar de defender legalmente o escravismo com base no direito romano. Será que ele estava realmente convencido de que a liberdade das pessoas estava limitada pela lei, e por isso se negou a concordar em conceder a liberdade aos filhos de escravas libertas sob condição diante das consequências (como a quebra do princípio da propriedade e da segurança jurídica vigente) contra a credibilidade da unicidade jurídica que tal jurisprudência poderia produzir, embora afirmasse que a escravidão era uma “mácula”?

Outra possibilidade seria ainda de que sua postura não se definiu apenas em suas intenções e convicções pessoais, expressas em seus textos, mas que sofreu uma condução motivada por um interesse externo de expô-lo ao ridículo. O discurso dominante atribuiu o “fracasso” de Teixeira de Freitas frente ao IAB e na elaboração do Esboço, ora a seu caráter, ora a seu legalismo. Que razão levou os jurisconsultos do IAB a discutirem casos de jurisprudência relacionados à escravidão? Houve uma construção ardilosa para fazer com que a postura de Teixeira de Freitas fosse derrotada, em tempo e lugar, a fim de que a tendência dominante prevalecesse, apesar da legalidade vigente, como sugere a tese historicista de Eduardo Spiller Pena (de que talvez essa postura não foi definida apenas a partir de sua convicção pessoal, mas sofreu uma condução externa guiada por Caetano Alberto Soares que o fez tropeçar em seu legalismo)? Questionamento reforçado pelas observações biográficas de Silvio Augusto de Bastos Meira que expõe uma suposta “campanha difamatória”. Houve uma articulação, intencional e consciente, para fazer com que a postura legalista de Teixeira de Freitas fosse contestada a fim de que a tendência (política) abolicionista dominante prevalecesse, ou essa é apenas uma constatação argumentativa a posteriori? E acerca da prática do casamento civil, será que cada argumento utilizado apenas atendeu às preferências religiosas das partes argumentantes, aos seus consensos linguísticos e à capacidade de tanto causarem dano como concederem vantagens diante do processo histórico que se quis

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construir? Ou o poder religioso apropriou-se das vozes dos contendores para influenciar a legislação, caso também a situação inversa não fosse passível de ser considerada?

Nesse contexto, também se busca uma resposta para as aparentes “incoerências” de posturas enquanto jurisconsulto e a realidade prática que vivenciava, se é que ele não era mesmo incoerente. Muitas são as possibilidades de questionamentos que podem ser levantados quando se tem a retórica como instrumento para análise. Na verdade, para cada tema analisado pela retórica há questões específicas. Assim, este estudo crê que a análise pela retórica pode ajudar a informar se os sucessos ou insucessos de Teixeira de Freitas estavam relacionados com seu caráter ou com seu estado emocional, e, se, era provável a influência de outros fatores políticos e sociais nesses elementos integrantes de seus textos. Essa é a problemática que tentará ser respondida pelo método retórico escolhido.

Ainda, com respeito à retórica é necessário que se entenda, de logo, que ela constará na aplicação de um método constituído de elementos antigos e contemporâneos. Logo, não escaparão algumas observações tópicas dessa que é a retórica que se preocupa com a forma do texto e do discurso, bem como, de elementos conforme a tríade aristotélica: ethos, pathos,

logos; e também, observações em conformidade aos metaníveis da retórica tripartida

concebida e delineada por Ottmar Ballweg e desenvolvida por João Maurício Adeodato. Metodologia que será mais bem exposta como marco teórico no primeiro capítulo.

Obviamente, a análise retórica que é método também e não pretende prescrever proposições normativas ou fazer juízos de conteúdo valorativo, mas busca identificar argumentos e estratégias, deve satisfazer as exigências de análise e averiguação a que este estudo se propõe. Mais do que um estudo gramatical, que vê “o preto no branco”, esta retórica busca também o que está nas entrelinhas de um discurso para melhor entendê-lo. Por meio dela se questiona a historiografia e as “verdades” que compõem as realidades, ou, como a historiografia passou a ser o relato vencedor. Questiona, como filosofia que é, o saber e o que se sabe. Certamente isso introduz um elevado elemento de critica aos processos constitutivos das ideias, e, no caso da dogmática, contribui para sua melhor compreensão, vez que uma não prescinde da outra, pois ambas se complementam. Se estudar filosofia retórica é um desafio, aplicar esse método a um autor como Augusto Teixeira de Freitas constitui-se um desafio ainda maior.

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O capítulo primeiro introduzirá uma metodologia retórica para o estudo do Direito que soma elementos de retórica antiga com os meios “técnicos” da retórica aristotélica: o

ethos, o pathos e o logos e os “recursos retóricos” aristotélicos voltados para a persuasão.

Ainda unirá esses elementos aos metaníveis da retórica contemporânea de Ottmar Ballweg: material, estratégica e analítica; como constituintes metalinguísticos da retórica material, da retórica prática ou estratégia e da retórica analítica. Serão confeccionadas categorias a partir das principais figuras e argumentos relacionadas à metodologia tripartida de Ballweg para analisar as estratégias expostas nos capítulos posteriores.

O capítulo segundo, juntamente com os dois capítulos seguintes, construirá os precedentes da formação intelectual e jurídica portuguesa e brasileira na tentativa de reconstruir o ambiente jurídico que influenciou e no qual viveu Teixeira de Freitas. Para isso, descreverá a influência religiosa jesuíta nos centros culturais lusitanos e as origens do ensino da retórica a partir dessa influência.Além disso, também descreverá a reforma pombalina do ensino e do estudo da retórica portuguesa como estratégia de neutralização de um instrumento secular de dominação jesuíta: a educação, e seus reflexos sobre o ensino brasileiro até sua fase pré-republicana. Descreverá ainda a formação dos primeiros cursos jurídicos brasileiros, a “nova” produção literária para a “nova” Academia brasileira (e os conteúdos filosóficos encontrados nessas instituições, como elementos antagônicos ao discurso retórico de “modernidade” educacional) e a necessidade de uma nova codificação como elementos estratégicos de consolidação da independência brasileira.

O capítulo terceiro continua a contextualização histórica que propiciou a formação de Teixeira de Freitas destacando sua formação acadêmica, praxista e intelectual e sua contratação para as obras de consolidação e codificação do Direito Civil brasileiro. Além disso, apresentará os três principais temas de Teixeira de Freitas escolhidos: a escravidão, o casamento civil e a codificação, delimitando assim, suas ideias para o Direito Civil emergente e suas possíveis influências.

O capítulo quarto inicia as análises retóricas do corpus dos discursos elencados como representantes das ideias de Teixeira de Freitas. Nele, aplicando a metodologia do capítulo primeiro, será trazida à discussão a escravidão ocultada na obra de codificação de Teixeira de Freitas como demonstração de uma tática para fazer prevalecer seu estilo textual. Ainda, mostrará que a estratégia retórica textual de Teixeira de Freitas influenciou anos depois o discurso abolicionista de Joaquim Nabuco. Por fim, descreverá o debate ocorrido no IAB.

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Além dos textos da Consolidação e do Esboço, ali serão analisados os fragmentos desses debates no IAB e sua carta de renúncia à presidência do mesmo.

O capítulo quinto exporá outro debate de Teixeira de Freitas, agora sobre o tema do casamento, com Carlos Totvárad. Primeiro mostrará a importância e o interesse da Academia brasileira pelo tema do casamento e, em seguida, a postura de Teixeira de Freitas influenciada pela tendência religiosa vigente, que buscava manter seu poder também por meio da validação do casamento civil segundo o rito religioso.

O capitulo sexto, como último capítulo, analisará a postura de Teixeira de Freitas sobre o tema da unificação do Código Civil, sua postura contrária à tendência política de dar ao Brasil um código civil insipiente, no que resultou o seu desgaste e na resignação de Teixeira de Freitas fazendo-o interromper a finalização dessa obra de codificação e deixar o

Esboço, em avançado estado de elaboração, incompleto.

Ressalte-se que as notas de rodapé desta dissertação constituem um trabalho complementar que não deve ser olvidado, pois servem não só para informar quais as referências consultadas, mas trazem também dados, exemplos e explicações que enriquecerão o leitor mais interessado. Diferente do autor elencado, a estratégia de usá-las aqui, visa a que o objeto central não se disperse ou se avolume em demasia e desnecessariamente, sem deixar, no entanto, de oferecer sua contribuição, para que mais possa ser dito, como segue, sobre a metodologia que será empregada.

(23)

CAPÍTULO PRIMEIRO – EXPOSIÇÃO DE UMA METODOLOGIA DEFINIDA POR ELEMENTOS RETÓRICOS ANTIGOS E CONTEMPORÂNEOS.

Sumário: 1.1 Pressupostos teóricos de uma metodologia retórica para o estudo do Direito.

1.2 Elementos de retórica antiga. 1.3 Metaníveis como metalinguagem na retórica contemporânea. 1.4 Categorias a partir da metodologia tripartida para analisar estratégias.

“Lá, onde a filosofia de hoje termina seu discurso cético, a retórica começa”.

Ottmar Ballweg3

1.1 Pressupostos teóricos de uma metodologia retórica para o estudo do Direito.

Um método é um caminho para alcançar ou descobrir resultados. Qual a metodologia que será usada nesta dissertação? É método das retóricas4. Um conjunto de instrumentos que podem mostrar um caminho ou mesmo ser um caminho. Logo, este não se pretende como “o” método, nem mesmo o “melhor” entre tantos outros, mas como é retórico, apenas um método. E como todo método ou metodologia, é dinâmico, em constante formação e desenvolvimento. Pode e deve ser adaptado por cada pesquisador a sua necessidade e/ou finalidade. Estudar com base numa metodologia em formação é um procedimento desafiador. Alguns estudiosos já o utilizam, mas esta pesquisa pode ser a primeira a analisar retoricamente as ideias jurídicas de Teixeira de Freitas.

A retórica hábil para desempenhar esta possível tarefa não é qualquer retórica. Certamente não o é a retórica como a arte do floreio e dos adornos empolados apenas. Também não o é só aquela eloquência rebuscada que por meio do seu fulcro poético na linguagem busca o convencimento, a adesão e, muitas vezes, é confundida com a pura e simples oratória, ou o que é pior, com as falácias e os enganos. Na verdade, neste nível de observação, são dignas de menção e importância algumas teorias “sérias” de retórica textual, que embora se dediquem a textos escritos também são aplicáveis a textos orais, como a Teoria

3 „Dort wo die Philosophie des heutigen Tages seine skeptische Rede beendet, beginnt die Rhetorik.“ BALLWEG, Ottmar. Semiotik und Rhetorik. Rhetorische Rechtstheorie. Freiburg: Alber, 1982, p. 31.

4 Várias são as retóricas, e, existem vários tipos de estudos retóricos como métodos; como a retórica figurativa e textual, qualitativa, descrita por Miltos Liakopoulos em: análise argumentativa, e, Joan Leach em: análise

retórica, no estudo organizado por Martin W. Bauer e George Gaskell. BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som – um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 218-243,

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da Estrutura Retórica (Rhetorical Structure Theory)5, a Teoria das Relações de Coerência (Theory of Coherence Relations)6 e a Teoria Segmentada da Representação do Discurso (Segmented Discourse Representation Theory)7 que analisam sequências textuais narrativas, descritivas, argumentativas e explicativas com a finalidade de observar o domínio da coesão textual, a coesão gramatical ao nível inter-frásico e ao nível textual, através da analise de relações retóricas que consideram os argumentos dessas relações uma correspondência entre núcleos e satélites, ou orações ou frases, em termos sintáticos e que podem provir a partir de informações lexicais. Destas teorias, alguns princípios simplificados serão aplicados aos textos de Teixeira de Freitas para destacar uns poucos elementos de retórica textual que possam ser importantes para observar suas argumentações.

Ainda assim, ela não será limitada ao seu aspecto gramatical ou à analise argumentativa, importante também no sentido de persuadir, como diz o verbete de Aurélio Buarque quando afirma que a retórica é “o estudo persuasivo da linguagem, em especial para o treinamento de oradores” 8

. Existe a acepção que descreve a retórica como uma “faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar persuasão” 9. Em seu sentido mais abrangente, juntamente com a poética e com a oratória, é aquela arte eloquente que se encontra em todo discurso para compor um conjunto que inclui a tópica tradicional latina, a retórica persuasiva aristotélica e a analítica contemporânea.

Como a investigação humana é densa em estratégias, a retórica perpassa do campo material ao analítico, tendo em seu interstício a estratégia, e possui como alguns pressupostos

5 A Teoria da Estrutura Retórica é uma teoria descritiva que tem por objeto o estudo da organização dos textos, caracterizando as relações que se estabelecem entre as partes do texto previamente divididas em unidades que se relacionam hierarquicamente sob quatro tipos de mecanismos: relações, esquemas, aplicações dos esquemas e estruturas. Nesse sentido ver MANN, W.; THOMPSON, S. Rhetorical Structure Theory: a theory of text organization. Text 8, 1988, p. 243 – 281.

6 A Teoria das Relações de Coerência descreve a configuração do foco da atenção discursiva que atua em conformidade com as restrições próprias ao estabelecimento de relações independentes de coerência entre enunciados, que podem ser de três tipos: de semelhança, de causa-efeito e de ocasião, a fim de determinar em cada caso um centro de atenção. Nesse sentido ver KEHLER, A. Coherence, reference, and the Theory of

Grammar. United States: CSLI Publications, 2002.

7

A Teoria Segmentada da Representação do Discurso complementa a Teoria da Estrutura Retórica de Mann e Thompson, definindo as relações discursivas como narração, resultado e causa (ou explicação), também com o objetivo de explicitar as relações de significado que subjazem a segmentos textuais e que estruturam o texto, de tal modo que o processamento da informação textual engloba conhecimento linguístico e conhecimento do mundo. Nesse sentido ver ASHER, N.; LASCARIDES, A. Logics of Conversation. United States: Cambridge University Press, 2003.

8 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Retórica. Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed. Curitiba: 2004, p. 1751.

9

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o ceticismo, o historicismo e o humanismo, vez que a retórica como sistema de análise tem muito que ver com seus resultados práticos em sua investigação10. Logo, também é uma atitude filosófica diante do conhecimento e da ética. É a formulação de uma análise aberta. Esse parece ser o modelo inicial delimitado por Ballweg11 que, antes de tudo, afirmou que “da retórica nenhum Direito escapa” 12

. Sua proposta de análise pode ser resumida na assertiva:

O intercâmbio argumentativo de opiniões é o domínio da retórica. Isto é sabido até hoje nos países latinos, e é também praticado e ensinado nos países anglo-saxões. A abertura do intercâmbio político e jurídico de opiniões não significa apenas que as opiniões podem ser expressas de maneira aberta, isto é, livre, mas também que os seus resultados sempre têm de permanecer em aberto; esta última é justamente um, [sic] pré-requisito da primeira13.

Esse modelo ou método é conhecido de professores e egressos do Programa de Pós-Graduação da UFPE, que em suas publicações têm destacado a aplicação do método da filosofia retórica do professor Adeodato delineado em Retórica Constitucional, capítulo primeiro, que propõe a retórica como metódica para estudo do Direito14 com base na disciplina descrita por Ottmar Ballweg no artigo Rhetorik und Vertrauen e traduzido como

Retórica Analítica e Direito.

10

ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica – para uma teoria da dogmática jurídica. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 332 – 333.

11 Ottmar Ballweg (nascido em 11 de março de 1928 na cidade de Hockenheim na Alemanha) é um jurista e filósofo alemão que substituiu Theodor Viehweg (1907 – 1988) na Universidade Johannes Gutenberg, Mainz nas áreas de Filosofia do Direito e Sociologia do Direito. Direcionou seus estudos para a “pequena” escola de retórica jurídica juntamente com Peter Schneider (1920 – 2002). Sob a influência da tópica de Viehweg e da semiótica de Charles William Morris (1901 – 1979) desenvolveu uma teoria retórica como parte do movimento alemão de filosofia jurídica. Desde 1993 está aposentado. Seus principais livros são: Zu einer Lehre von der

Natur der Soche (1963); Rechtswissenschaft und jurisprudenz (1970); Rhetorische Rechtstheorie (1982) e Analytische Rhetorik: Rhetorik, Recht und Philosophie (2009). Informações biográficas disponíveis em

<http://www.fernuni-hagen.de/ls_schlieffen/rhetorik/ballweg>. Sobre a retórica analítica, ver BALLWEG, Ottmar. Rhetorik und Vertrauen. Analytische Rhetorik. Frankfurt am Main: Peter Lang, 2009, p. 131; BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de

Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991, p. 175.

12 “An der Rhetorik führt kein Rech vorbei.” BALLWEG, Ottmar. Rhetorik und Vertrauen. Analytische

Rhetorik. Frankfurt am Main: Peter Lang, 2009, p. 127; BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e

Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991, p. 175.

13 BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de

Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991, p. 183.

14 ADEODATO, João Maurício. A Retórica constitucional (sobre tolerância, Direitos humanos e outros fundamentos éticos do Direito positivo). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 15-45.

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[...] a retórica analítica procura ter uma visão descritiva e abstrair-se de preferências axiológicas, mesmo diante de objetos valorativos. [...] a retórica descritiva é formal, mas nunca normativa, não pretende orientar a ação. [...] a retórica metódica analisa a relação entre como se processa a linguagem humana e como as pessoas acumulam experiências e desenvolvem estratégias para utilizá-la de modo eficiente15.

Assim, a concepção tripartida da retórica de Ballweg e Adeodato envolve os aspectos das retóricas materiais, das retóricas estratégicas e da retórica analítica, entendida não só como um método, mas também como uma filosofia constituída de uma metodologia e de uma metódica. É com essa concepção em mente que se enfrentará o desafio de aplicar tal metodologia também às ideias elencadas de Teixeira de Freitas. Na verdade, são teses acerca das possíveis teses das ideias de Teixeira de Freitas. Embora elas não apresentem as elevadas contribuições filosóficas de outros autores filósofos, até porque seria difícil extraí-las de um conjunto de discussões a respeito de leis como os delimitados bibliograficamente para este estudo, ainda assim são relevantes para a filosofia do Direito, uma vez que quaisquer análises retóricas advêm da filosofia e com ela contribuem.

1.2 Elementos de retórica antiga16.

Os elementos que comporão o instrumental metodológico podem ser agrupados didaticamente em dois grupos inicialmente: os antigos e os contemporâneos. Sem temer incorrer num anacronismo histórico, porque são complementares que se aperfeiçoam, fazem parte deste arsenal metodológico a tópica tradicional latina, a retórica persuasiva aristotélica e a retórica analítica contemporânea de Ballweg. A tópica tradicional é a mais conhecida e era também a mais usada à época em que viveu Teixeira de Freitas. Apesar de ser impossível não “cair” na sedução de sua abordagem, ela será observada nos estudos históricos adiante, apesar de caberem, de logo, algumas considerações iniciais.

15 ADEODATO, João Maurício. A Retórica constitucional (sobre tolerância, Direitos humanos e outros fundamentos éticos do Direito positivo). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 37, 38.

16 A denominação “antigo” está em contraposição a “clássico” especificamente para o estudo da retórica, como explica o pesquisador Armando Plebe: “A corrente retórico-dialética liga-se à retórica grega e latina, à que chama ‘antiga’ em contraposição à retórica ‘clássica’ renascentista, e considera que o mundo greco-latino identificava a retórica com a arte de persuadir”. PLEBE, Armando; EMANUELE, Pietro. Prefácio. Manual de

(27)

A tópica antiga estudada como retórica (e denominada de “clássica” no Renascentismo) antes e no tempo de Teixeira de Freitas era composta pelo que se entende comumente como “retórica”. Era uma retórica ligada à tradição romana de retórica cívica, compatível com Cícero (106 – 43 a.C.) e Quintiliano (35 – 95 d.C.)17 e distinta da tradição formalista aristotélica. Naquela época, o estudo da retórica no Brasil seguia a tradição europeia, melhor, portuguesa, segundo as orientações dos Estatutos da reforma pombalina e direcionadas pelo Verdadeiro Método de Estudar de Verney18, que diferia tenuemente do método jesuítico anterior à reforma.

Ambas as tradições latinas se prendiam a tropos, figuras de linguagem e ornamentos estilísticos19. Ou seja, tanto os textos utilizados pelos jesuítas em suas escolas ao redor do mundo, como os produzidos em Portugal e no Brasil após a reforma pombalina tinham essa característica20. Essa retórica se preocupava com a estética do texto, da ordem das palavras e dos períodos, dos tipos de elocuções, estilos e orações. Tudo isso associado aos detalhes da oratória e das partes do discurso segundo a tríade retórica barroca21. Ela também enfatizava, até demasiadamente, figuras de linguagem como as metáforas, catacreses, sinédoques e metonímias, entre tantas outras estudadas junto com as máximas22, os brocardos, os ditados e

17 As obras conhecidas de Marco Túlio Cícero (106 – 43 a.C.) sobre a temática são: Rethorica ad Herennium (de autoria discutível), De Inventione, Orator, Brutus, De Optimo Genere Oratorum, Topica, Partitiones Oratoria e

De Oratore, o principal; e de Marco Fábio Quintiliano (35 – 95 d.C.), a Institutio Oratoria. LIMA JÚNIOR,

Dilson Machado de. (Coord.) Dicionário bibliográfico e teórico [de] filosofia do direito. Belo Horizonte: Líder, 2007, p. 56 – 57.

18 VERNEY, Luís Antônio. O Verdadeiro Método de Estudar para ser útil à República e à Igreja: proporcionado ao estilo e necessidade de Portugal. Valença: Antonio Balle, 1746. Edição organizada por Antonio Salgado Junior. Lisboa: Sá da Costa, 1949-1953.

19 Cf. GOMES, Laurentino. 1808. 2. ed. São Paulo: Ed. Planeta do Brasil, 2007, p. 60-61. 20

São exemplos dessa produção PACHECO, Manoel de Sampayo Valladares. Arte de Rhetórica que ensina a

fallar, escrever, e orar, escrita em portuguez para intelligencia dos que não sabem a língua latina. Lisboa:

Na officina de Francisco Luiz Ameno, 1750; SANTO ANTONIO, Sebastião de. Ensaio de Rhetórica. Lisboa: Na Officina Lusitana, 1779; MENEZES, Bento Rodrigo Pereira de Soto-Maior e. Compêndio Rhetórico ou Arte Completa de Rhetórica com méthodo fácil para toda pessoa curiosa, sem frequentar as aulas, saber a arte da eloquência: toda composta das mais sábias doutrinas dos mais sábios autores que escreverão desta importante sciência de falar bem. Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1794; FERREIRA, Silvestre Pinheiro.

Prelecções philosophicas sobre a theoria do discurso e da linguagem, a esthética, a diceósyna, e a cosmologia. Rio de Janeiro: Na Imprensa Régia, 1813-1820; e, FERREIRA, Silvestre Pinheiro. Noções Elementares de Philosophia Geral e applicada às sciências moraes e políticas. Ontologia, Psichologia,

Ideologia. Paris: Bravier et Aillaud, 1839. 21

Ver nota 85 adiante.

22 São exemplos de máximas, expressões latinas como dura lex, sed lex (a lei é dura, mas é a lei) ou in claris non

fit interpretatio (o que é claro não precisa ser interpretado) e os famosos brocardos (axiomas concisos que

expressam conceitos maiores) oculum pro oculum, et dentem pro dente (olho por olho e dente por dente),

inadimplenti non est adimplendum (a parte não precisa respeitar sua obrigação se a contra-parte não respeitar a

(28)

os aforismos. A lista se amplia ainda mais quando são incluídas as locuções que funcionam como verdadeiros argumentos.

A tradição aristotélica anterior à tradição latina era mais voltada à persuasão. Na obra de Aristóteles ela é formulada como uma teoria da argumentação, pois para ele a retórica é “a faculdade de observar os meios de persuasão disponíveis em qualquer caso dado”23

ou como diz outra tradução, é a “faculdade de descobrir especulativamente sobre o que é adequado em cada caso para persuadir”24

tendo a função de “descobrir os meios de alcançar o sucesso” e, “não simplesmente ser bem sucedida na persuasão” (Ret., 1355b)25

. Foi principalmente no âmbito do discurso deliberativo, aquele em que é possível deliberar, ou seja, onde os casos podem ser resolvidos com pelo menos “duas soluções opostas”26

, que Aristóteles descreveu os vários meios de persuasão, desdobrando-os. Ele subdividiu os recursos persuasivos em meios técnicos e retóricos. Essa subdivisão originou duas outras subdivisões dentro da tradição retórica formalista. Aquela que observa mais os meios técnicos aplicados ao discurso em decorrência da oralidade predominante à época de Aristóteles; e aquela voltada para a análise argumentativa a partir dos recursos retóricos. Os meios técnicos são muito úteis na análise de relatos quando se busca, também, determinar as estratégias usadas pelo orador. Os recursos retóricos avaliam as maneiras como essas estratégias alcançam a persuasão, ou não, seja por deduções diretas ou indiretas.

Ao separar os aspectos técnicos de persuasão daqueles que não pertencem estritamente à arte retórica, Aristóteles usou os termos ethos27, pathos28 e logos29, descrevendo assim, a São exemplos de expressões que assumem contornos de argumentos, locuções como a maiori ad minus (quem permite o mais, permite o menos), a minori ad maius (quem proíbe o menos também proíbe o mais), ab absurdo (argumento que reduz o argumento alheio ao absurdo) e ab auctoritate (argumento que retira a sua força da autoridade); estas entre tantas expressões variadas que compõem a tópica antiga e clássica (como a priori, a quo,

ad hoc, conditio sine quo non, corpus delicti, etc.). MALATO, Maria Luísa; CUNHA, Paulo Ferreira da. Manual de retórica e Direito. Lisboa: Quid Juris?, 2007, p. 237 – 297.

23 ARISTÓTELES. Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 23.

24 Εστω δή ρητορική δύναμις περέ έκαστον τού θεωρήσαι το ενδεχόμενον πιθνόν. La rhétorique est la faculté de

decouvrir spéculativement ce qui, dans chaque cas, pent ètre propre à persuader. Cf. ARISTOTE. Rhétorique.

Texte établi et traduit par Médéric Dufour. Deuxième Édition. Paris: Societé d’Edition «Les belles Letres», 1960, p. 76.

25 ARISTÓTELES. Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 22. 26

ARISTOTE. Rhétorique. Texte établi et traduit par Médéric Dufour. Deuxième Édition. Paris: Societé d’Edition «Les belles Letres», 1960, p. 79.

27 O ethos (ηθος) indica o caráter pessoal do orador. Aquilo que do próprio orador dá peso a suas palavras. O

ethos, assim como as outras espécies, não é algo isolado, mas um conjunto de meios, estes centrados no caráter

do orador e podem ser sua honradez, sua autoridade, sua idade ou sua dignidade. Esse conjunto pode influir, positiva ou negativamente, na mensagem que se transmite por meio da “imagem”, das posturas ou dos

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base técnica dos discursos (Ret. 1356a)30. Os meios retóricos foram agrupados genericamente como silogismos.

Em certa medida, estes três meios, ethos, pathos e logos, são mais que meros “ingredientes essenciais para explorar o contexto como um primeiro passo para a análise retórica” ou “formas introdutórias a partir das quais os argumentos persuasivos podem ser criados ou desenvolvidos”31

apenas. Dependendo do uso deles e de quem os usa ou observa, eles tanto podem ser os “primeiros passos” como a “análise retórica” mesma.

Além disso, e neste ponto é pertinente voltar à metódica e atentar para a observação de Ballweg, não se deve perder de vista que estes “meios” retóricos têm o objetivo de “despertar argumentos do orador. Esses argumentos seriam de ordem mais afetiva que lógica. Rigorosamente não seriam verdadeiros argumentos, mas para-argumentos, “já que funcionariam como tal, sem necessariamente existir uma continuidade lógica interna (do argumento em si), ou externa (entre os argumentos)”. Esse conjunto é “melhor” percebido na oratória do discurso retórico. MALATO, Maria Luísa; CUNHA, Paulo Ferreira da. Manual de

retórica e Direito. Lisboa: Quid Juris?, 2007, p. 74.

28 O pathos (πάθη) é o conjunto de meios centrados no sentimento do auditório; o que causa no auditório algum tipo estado de espírito, de reação, de emoção (perplexidade, alegria, indignação, etc. Como meios também afetivos, são os desejos, as tendências e gostos do público, de que o orador e retórico pode tirar proveito: antecipando-os, satisfazendo-os ou provocando-os. Esse é um dos objetivos do orador, incluir o auditório para controlar sua reação. Estes aspectos emotivos da argumentação retórica dificilmente farão parte do articulado escrito dos argumentos, mas introduz-se com muita facilidade nos textos orais, nos testemunhos, nos discursos que são ou parecem improvisos. Certamente há escritores que também conseguem “controlar” as reações e as emoções dos seus leitores, mas isso, sem muita certeza diante do lapso espacial. Essa faculdade também pode ser encontrada num texto quando este descreve o discurso ou um conjunto de ideias. Este tipo de escritor toma como meios diferentes artefatos da linguagem escrita para produzir reações. Embora a palavra pathos possa compor conhecidas palavras como empatia, apatia e simpatia, esse conjunto nem sempre produz uma simpatia, um clima de amabilidade. O que o orador buscará é a “satisfação” do auditório que pode gostar de ser provocado e até rebaixado, numa catarse coletiva, com maior ou menor grau de punição libertadora. Contudo, retórica centrada unicamente no pathos, ou melhor, na emoção, como a usada no insulto gratuito, é oratória de retórica vazia, embora alcance seu objetivo. (MALATO, Maria Luísa; CUNHA, Paulo Ferreira da. Manual de retórica e

Direito. Lisboa: Quid Juris?, 2007, p. 73.) Ainda, o pathos do auditório deve refletir não somente o sentimento

que o orador ou o escritor busca em seus interlocutores, mas como reflexo, também é (de)composto dos próprios sentimentos do orador. Logo, quando um discurso sofre uma análise, esta poderá conter os sentimentos e as sensações/emoções tanto do auditório como do orador.

29 O logos (λογός) é a prova, ou aparente prova. O conteúdo do discurso, propriamente dito. A argumentação racional objetiva. O poder de provar uma verdade, ou uma verdade aparente, por meio de argumentos persuasivos internos, resultante de demonstrações intrínsecas ao texto em si, ou externos, baseados em comparações, exemplificações e deduções de e com outros argumentos encontrados em textos ou alegações de autoridades aceitas como prova. Aristóteles também os descreve como “espécies” de “persuasão fornecidas pelo discurso oral” (Ret., 1356a1). O logos corresponde aos meios racionais de competência, que lhe conferem autoridade e legitimidade como prova, e aos argumentos lógicos que, como máximas ou exemplos, podem ser discutidos dialeticamente, considerada certa ponderabilidade, mais ou menos explícita. Não visa inquirir necessariamente sobre a verdade, mas sobre a maior ou menor verossimilhança. O logos, em retórica, encontra-se, sobretudo, mas não apenas, centrado no entimema, ou seja, num silogismo cujas premissas são verossímeis e não necessariamente verdadeiras. MALATO, Maria Luísa; CUNHA, Paulo Ferreira da. Manual de retórica e

Direito. Lisboa: Quid Juris?, 2007, p. 73.

30 ARISTÓTELES. Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 23.

31 LEACH, Joan. Análise retórica. BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto,

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confiança se adequadamente inter-relacionados”32. “O ethos do orador, no sentido de uma conduta digna de confiança, constrói os pré-requisitos para a plausibilidade de seu logos e para a autenticidade de seu pathos”33. Essa “plausibilidade” relacionada à capacidade de reconhecer nos objetos, aquilo que possa atrair “credibilidade” e assim, confiança, já era reconhecida por Aristóteles (Ret., 1355b)34. Ballweg ainda entende que, segundo Aristóteles, a retórica era a única disciplina que coloca, além de seu objeto, também todo o seu mundo circundante no discurso, abarcando, compreendendo e reclamando a totalidade do homem, tanto do lado do orador quanto do lado do auditório35. Isso implica na absorção das limitações do homem e do seu universo. Contudo, o que pode ser uma restrição também pode se tornar uma possibilidade de mudança conceitual positiva, ou pelo menos, uma abertura para tal.

Os outros “meios” ou “recursos” discursivos referidos por Aristóteles são os recursos retóricos pertinentes especificamente à retórica persuasiva, argumentativa, e são os por ela construídos através dos princípios da retórica36. O gênero que sustentou a classificação aristotélica destes recursos retóricos foi o silogismo, uma dedução formal a partir de duas proposições, chamadas de premissas, das quais, por inferência, se chega a uma terceira, chamada de conclusão37. É a definição para o silogismo “perfeito”. Porém, esse padrão é comumente quebrado no mundo do Direito, que oculta um dos três elementos formais. É o caso do entimema.

32

BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de

Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991, p. 179.

33 BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de

Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991, p. 179.

34 ARISTÓTELES. Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 22.

35 BALLWEG, Ottmar. Retórica Analítica e Direito. Tradução João Maurício Adeodato. Revista Brasileira de

Filosofia, v. XXXIX, fasc. 163, julho-agosto-setembro. São Paulo, 1991, p. 179

36

São princípios gerais da retórica: objetividade, atratividade, concisão, simplicidade, comunicabilidade, adequação ao perfil do auditório e respeito ao idioma. Guthrie enumera pelo menos dez características dos retóricos advindas dos sofistas, e nelas está incluída a persuasão. É o destaque a seguir arranjando, primeiro, características do discurso formal e depois características de conteúdo: 1. Os sofistas eram conhecidos pela exibição. Eles praticavam prolongadas exibições de eloquência, declamando ou recitando como os poetas ou os rapsodos; 2. Eles tinham uma preocupação com o uso correto da linguagem em geral; 3. Faziam exposições e críticas da poesia como parte de sua arte dos logoi; 4. Buscavam o monismo; 5. O individualismo; 6. O relativismo, e, 7. A competitividade, conhecida como agonística, batalha onde se deve sempre vencer; 8. Contudo, politicamente pregavam a tolerância pan-helênica, um discurso de unidade étnica. 9. Desenvolveram a argumentação retórica, a arete, a arte do discurso persuasivo; 10. Além de, manterem familiaridade com a filosofia pré-socrática e seus conteúdos: o racionalismo, a rejeição da causação divina, a tendência ao ceticismo, o interesse pela antropologia e o desenvolvimento da sociedade e civilização humanas. GUTHRIE, W. K. C.

The Sophists. Cambridge: Cambridge University Press, 2005, p. 42 – 44.

37 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Silogismo. Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed. Curitiba: 2004, p. 1846.

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O entimema é formalmente definido como uma estrutura silogística à qual falta um dos três elementos formais, possuindo “desdobramentos modais ocultos”38

. Portanto, para tratar das deliberações, o papel mais importante foi atribuído ao entimema ou silogismo retórico, este visto como o corpo da persuasão e o centro da retórica, e constituído principalmente por premissas que enunciam apenas o que é provável (Ret., 1357a 13-14)39.

1.3 Metaníveis como metalinguagem na retórica contemporânea.

No estudo da linguagem, a retórica também exerce uma função metalinguística. Não é necessário chegar aos refinamentos conceituais da semiótica hodierna, como aqueles delineados por Charles William Morris (1901 – 11979)40,por exemplo, para perceber a função metalinguística da retórica. É certo que Ballweg percebeu isso, mas Aristóteles também deixou pistas dessa aplicação. A definição de Aristóteles para a retórica não se limitou a designá-la como os meios de persuasão ou o uso persuasivo da linguagem em si, como comumente se entende41. Na sua época, ele percebeu que a maioria dos tratados sobre retórica se dedicavam a elaborar apenas uma pequena parte dessa arte42, mas, para ele, a retórica era algo além.

Há a retórica como expressão da linguagem e há a retórica como uma experiência metalinguística. Segundo as palavras de Adeodato, a retórica é uma maneira de “experimentar o mundo, com as associações que o verbo acarreta, a exemplo de ‘olhar’, ‘sentir’, ‘pensar’, ‘provar’, ‘julgar’”43. Aristóteles já tinha percebido com acuidade que “a retórica pode ser

definida como uma faculdade de observar os meios de persuasão disponíveis em qualquer caso dado” (Ret., 1355b 25) e diferentemente de outras ciências que também podem instruir

38 ADEODATO, João Maurício. Ética e retórica – para uma teoria da dogmática jurídica. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 339.

39

ARISTOTE. Rhétorique. Texte établi et traduit par Médéric Dufour. Deuxième Édition. Paris: Societé d’Edition «Les belles Letres», 1960, p. 80.

40 Cf. MORRIS, C. W. Foundations of the theory of signs. Chicago: University of Chicago Press, 1938,

passim.

41

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Retórica. Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed. Curitiba: 2004, p. 1751.

42 “Todavia, os autores dos tratados atuais sobre retórica elaboraram uma pequena parte dessa arte” (Ret. 1354a). ARISTÓTELES, Retórica. Tradução: Marcelo Silvano Madeira. São Paulo: Rideel, 2007, p. 19.

43 ADEODATO, João Maurício. A Retórica constitucional (sobre tolerância, Direitos humanos e outros fundamentos éticos do Direito positivo). São Paulo: Saraiva, 2009, p. 15.

Referências

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