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3 Capítulo Terceiro – A formação e as principais ideias de Teixeira de

3.1 Destaques sobre a formação acadêmica, praxista e intelectual de Augusto

Teixeira de Freitas. 3.2 Delimitando ideias de Teixeira de Freitas como eventos linguísticos para o Direito Civil emergente. 3.3 A defesa da escravidão como ponto de inflexão e estagnação temporária do pensamento jurídico brasileiro. 3.4 A influência religiosa e a juridicidade do casamento civil frente ao casamento religioso: uma disputa no campo da validade jurídica. 3.5 Da consolidação à unificação: influências e evolução da codificação civil brasileira.

“O Filósofo-partido-ao-meio é faraute das sereias – faraute do insólito regalo –, faraute da reflexão – faraute do rodopelo –, e faraute de si mesmo – faraute do faraute.”

Torquato Castro Júnior171

3.1 Destaques sobre a formação acadêmica, praxista e intelectual de Augusto Teixeira de Freitas.

Na busca de entender e apreender os esforços estratégicos usados por Teixeira de Freitas em sua trajetória e da prevalência, ou não, de suas articulações ideológicas, apesar de sua metodologia e didática inovadoras, sem falar no pioneirismo de suas tantas ideias, faz-se necessário conhecer também um pouco da sua biografia e o momento em que foi escolhido para elaborar o projeto do Código Civil, adentrando, a seguir, em alguns de seus ideais e posturas que são relevantes para esta análise.

Augusto Teixeira de Freitas nasceu no dia 19 de agosto de 1816 em Cachoeira, no estado da Bahia, quando esta ainda era uma pequena vila. Esta cidade era ponto de imigração europeia e lá moravam várias famílias portuguesas e alemãs, que construíram uma bela cidade segundo os moldes europeus. Filho de uma família nobre, ele estudou desde a infância latim, música e francês. Cachoeira liderou a região do Recôncavo baiano no apoio à causa brasileira, tendo ali instalado um governo interino que mobilizou a expulsão das tropas portuguesas entrincheiradas em Salvador. Seus pais eram os barões de Itaparica e, bem diferentemente de muitos jovens bem nascidos, este baiano já aos dezesseis anos estava estudando na Academia de Direito de Olinda. Intercalou seus estudos entre Olinda e algum tempo no Largo de São

171 A partir da reflexão de Ariano Suassuna no Romance d’A Pedra do Reino. CASTRO JÚNIOR, Torquato da Silva. A pragmática das nulidades e a teoria do ato jurídico inexistente: reflexões sobre metáforas e paradoxos da dogmática privatista. São Paulo: Noeses, 2009, p. 32.

Francisco, tendo que voltar a Olinda para concluir seu bacharelamento em 1837. A razão dessa mudança: possivelmente ter feito críticas aos professores paulistas que o avaliaram ao fim do curso; contenda e problema insuperados172. Será que já via as incoerências teóricas do direito privado, questionadas até o fim?

Terminados os estudos, ao retornar à sua província natal a fim de advogar, foi nomeado juiz. Contudo, por questões de divergência nas posturas partidárias, perdeu o cargo, o que o levou depois a mudar-se e morar na capital do Império brasileiro, o Rio de Janeiro173. Nesse período, o Direito brasileiro e suas codificações eram um verdadeiro emaranhado de Ordenações, Leis e Decretos e uma imensidade de outras leis avulsas extravagantes que tentavam adequar as necessidades da Colônia à legislação continental. Embora já estivesse em vigor a primeira constituição política do Império brasileiro, outorgada por D. Pedro I em 1824, faltava uma legislação civil que solucionasse a pluralidade de fontes.

No Rio de Janeiro, Teixeira de Freitas foi nomeado advogado do Conselho de Estado fazendo pareceres para o governo imperial e, com pouco mais de dez anos de experiência jurídica, foi contratado por indicação de Nabuco de Araújo, pai de Joaquim Nabuco174, para fazer uma compilação de toda a legislação civil. Embora as posições ideológicas de Teixeira de Freitas fossem contrárias às de Nabuco de Araújo, o respeito mútuo que ambos nutriam e a proximidade que partilhavam, permitiu que mantivessem um relacionamento profissional e intelectual175. Tal obra extenuante, surpreendentemente seria completada em dois anos. Era um homem extremamente talentoso e metódico. Assim, pôs-se a trabalhar na árdua tarefa de ordenar e organizar todo o material da legislação civil, todo ele acrescido das normas locais,

172 Em 1835 Teixeira de Freitas arguiu a suspeição de dois mestres da escola paulista da 2ª cadeira do 4º ano – Direito mercantil e marítimo. Embora aprovado, mas com nota simples, revoltou-se e retornou a Olinda. SANTOS, Antonio Jeová da Silva. Teixeira de Freitas – jurista inolvidável. RUFINO, A.G. PENTEADO, J. de C. (Org.) Grandes juristas brasileiros. v.1. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 362.

173 POVEDA, Ignácio Maria Veloso. Três Vultos da Cultura Jurídica Brasileira: Augusto Teixeira de Freitas, Tobias Barreto de Menezes e Clóvis Beviláqua. BITTAR, Eduardo C. B. História do Direito brasileiro – Leituras da ordem jurídica nacional. 1. ed. 2. reimp. São Paulo: Atlas, 2006, p. 35.

174 A família Nabuco contou com nomes memoráveis. O primeiro a se destacar foi o Barão de Itapuã, José Joaquim Nabuco de Araújo (1764 – 1844). O barão teve um irmão que se chamou José Tomás Nabuco de Araújo (1785 – 1850) que foi pai de José Tomás Nabuco de Araújo Filho (1813 – 1878) que conviveu com Teixeira de Freitas na empreitada de elaboração da codificação civilista brasileira. Foi ele que em 1872 ofereceu também um malsucedido projeto de Código Civil. Este foi o pai do político, diplomata, historiador, jurista e jornalista brasileiro Joaquim Nabuco (Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, 1849 – 1910) formado pela Faculdade de Direito do Recife.

175 NEDER, Gizlene. Cultura religiosa e cultura jurídica no segundo reinado: sobre os direitos civis de estrangeiros residentes no Brasil. 26ª reunião da SBPH. Rio de Janeiro, 2006, p. 3. Disponível em: http://www.sbph.org/reuniao/26/mesas/neder/.

inclusive de natureza eclesiástica, estas, exerceram grande influência em sua obra, com especialidade no campo do Direito de Família.

Num período de cerca de dois anos, como dito, concluiu o trabalho, entregando ao governo a Consolidação das Leis Civis com uma introdução por muitos considerada a maior obra jurídica pátria do século XIX176.

Teixeira de Freitas participou da fundação do Instituto de Advogados Brasileiros em 1843, e chegou a presidi-lo em 1857, mas renunciou à sua presidência quando, poucos meses depois da posse, manifestou parecer acerca de uma questão escravagista e teve o mesmo derrotado, isso ocorreu em, pelo menos, duas longas sessões de debates que o deixaram inconformado por ter seu dogmatismo confrontado. Sobre esta posição e sua passagem pelo IAB se abordará melhor adiante.

Em 22 de Dezembro de 1858 foi encarregado de fazer o primeiro projeto de Código Civil no Brasil, obra que ficou conhecida como o Esboço do Código Civil. Em 24 de Dezembro do mesmo ano, o Imperador aprovou a Consolidação das Leis Civis, mesmo sem a ter submetido ao Parlamento, vigorando esta, como verdadeiro Código Civil durante mais de meio século, ou seja, de 1858 a 1917.

No ano de 1859, Teixeira de Freitas teve uma polêmica com Antonio Pereira Rebouças (1798 – 1880)177, e fez críticas a Antonio Luiz Seabra (o marquês de Seabra) e ao seu projeto do Código Civil português que vigeu em Portugal até 1967, além da polêmica instigada pelo jurista húngaro exilado no Brasil, Carlos Kornis de Totvárad (1822 – ?) sobre a validade do casamento civil.

Nos idos dos seus quase cinco mil artigos, chegou à conclusão de que o Direito privado deveria ser unificado, para isso, sendo necessários dois novos códigos: um Código Geral e um Código Civil, propriamente dito. Modificação profunda a tudo o que se pensava na época, quando se mantinha a tese de se continuar com o Código Comercial em paralelo à

176

SANTOS, Antonio Jeová da Silva. Teixeira de Freitas – jurista inolvidável. RUFINO, A.G. PENTEADO, J. de C. (Org.) Grandes juristas brasileiros. v.1. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 378.

177 Antonio Pereira Rebouças nasceu em 10 de agosto de 1780 na cidade de Maragogipe e faleceu em 19 de junho de 1880 no Rio de Janeiro. Serviu na guerra da independência do Brasil. Foi político, sendo deputado provincial pela Bahia e por Alagoas de 1830 a 1847. Para exercer a advocacia recebeu em 1847 uma autorização especial do poder legislativo que lhe permitiu advogar em todo o território nacional mesmo sem ter frequentado uma escola de ensino superior. SPITZER, Leo. Into the white world: the Rebouças story. Lives in between, assimilation and marginality in Austria, Brazil and West Africa 1780 – 1945. Cambridge: Cambridge University Press, 1989, p. 101 – 126.

codificação Civil. O Conselho de Estado178 aprovou o projeto. Contudo, em face de intermináveis debates da comissão e insatisfeito com comentários paralelos, escreveu uma carta ao ministro da Justiça Martim Francisco Ribeiro de Andrada (1775 – 1844) em 20 de setembro de 1867 renunciando ao projeto, baseando sua insatisfação na força do sistema do Direito romano, o que o levou a criar uma valorosa pequena obra, a tal carta de renúncia, na qual expôs o seu mais alto grau de pensamento jurídico, como afirmou Silvio A. B. Meira na introdução da publicação da edição da mesma, em 1977179.

José de Alencar, o romancista, que em seguida assumiu o Ministério da Justiça, obstruiu a aprovação do novo trabalho, na contramão do parecer favorável da Comissão avaliadora desse mesmo ministério. Por isso, entre outras coisas, Teixeira de Freitas considerou seu contrato encerrado para com o Império.

Com o contrato rescindido, Teixeira de Freitas se retirou para Curitiba no Paraná. Isso deu margem a uma campanha difamatória. Tese que Meira180 sustenta quando afirma que “a ida para Curitiba deu margem a explorações de toda natureza. Seus adversários começaram a espalhar a notícia de que Freitas se achava abalado dos nervos”. Por isso a maioria dos biógrafos e estudiosos propaga esse paradoxo de imagem denegrida e obra aclamada. São exemplos Viana (1905)181, Pellegrino (1983)182, Valadão (1984)183, Araújo (2000) 184, Picanço (2005)185, Flores (2006)186, Pousada (2006)187, Poveda (2006)188, Lévay (2007)189, Medeiros

178 Esse Conselho de Estado era formado por José Tomás Nabuco de Araújo Filho (1813 – 11878), o visconde de Inhomirim Francisco de Sales Torres Homem (1812 – 1876) e o visconde de Jequitinhonha Francisco Gê Acayaba de Montezuma (1749 – 1870).

179 MEIRA, Silvio A. B. Teixeira de Freitas e a Carta de 20 de Setembro de 1867. FREITAS, Augusto Teixeira de. Codificação do Direito civil (carta de 20 de Setembro de 1867 ao Ministro da Justiça). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1977, p. 3.

180

MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do Império. Notas introdutórias de Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro: J. Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 388.

181

VIANA, Manuel A. de S. Sá. Augusto Teixeira de Freitas: traços biográficos. Rio de Janeiro: Typographia Hilderbrandt, 1905.

182 PELLEGRINO, Laércio da Costa. Teixeira de Freitas: a glória – No julgamento da posteridade. 1 ed. Rio de Janeiro: [s.n.], 1983.

183

VALADÃO, Haroldo. Teixeira de Freitas, o jurista excelso no Brasil e da América. Revista do IAB. n. 61, 1984, p. 105.

184 ARAÚJO, Douglas Santos. A influência de Teixeira de Freitas no Brasil e no mundo. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 43, jul. 2000, p. 1.

185 PICANÇO, Aloysio Tavares. A influência de Augusto Teixeira de Freitas no Direito de países estrangeiros (1). Jus Vigilantibus, Vitória, 22 fev. 2005. Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ ver/13789>.

(2011)190, Portela (2011)191. Possivelmente a difamação não se restringiu à condição de sua saúde, única registrada; estratégia vencedora em parte, que se refletiu até na introdução feita à edição oficial de 1952 do Esboço: “Não se lhe apaga, de súbito, a poderosa inteligência. Envolve-a, lentamente, desde 1870, a monomania religiosa”192. Até o sitio eletrônico do STF perpetua esse paradoxo: o nome de Teixeira de Freitas denomina o primeiro programa de intercambio daquele tribunal com os países do Mercosul e afirma que ele “morreu esquecido e com problemas mentais”193

. Desfazer a imagem de intransigente às ideias emancipacionistas é o primeiro passo para restaurar sua imagem no todo.

Embora afastado dos principais círculos jurídicos da época, Teixeira de Freitas ainda se dedicou a lecionar e publicar194. Contudo, “curado de sua estafa e de seu suposto estado de delírio, Teixeira de Freitas retomou suas atividades jurídico-intelectuais a partir de 1875, sendo convidado a colaborar com a revista O Jurídico”195. Sua bibliografia é extensa196, mas morreu esquecido e privado do merecido reconhecimento na cidade de Niterói, contudo sem

186 FLORES, Alfredo. O papel de Teixeira de Freitas no contexto do pensamento jurídico do séc. XIX. The

Latin American and Caribbean Journal of Legal Studies. v.1. n. 1. 2006.

187 POUSADA, Estevan Lo Ré. Preservação da tradição jurídico brasileira: Teixeira de Freitas e A Consolidação das Leis Civis. São Paulo: USP, 2006, p. 237.

188

POVEDA, Ignácio Maria Veloso. Três Vultos da Cultura Jurídica Brasileira: Augusto Teixeira de Freitas, Tobias Barreto de Menezes e Clóvis Beviláqua. BITTAR, Eduardo C. B. História do Direito brasileiro – Leituras da ordem jurídica nacional. 1 ed. 2 reimp. São Paulo: Atlas, 2006.

189 LEVAY, Emeric. A Codificação do Direito civil brasileiro pelo jurisconsulto Teixeira de Freitas. p. 3. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br/institu/memorial/RevistaJH/vol2n3/08-20EMERIC_LEVAY.PDF>. 190

MEDEIROS, Benizete Ramos. O IAB e a questão da escravidão no Brasil imperial. O entrevero jurídico – breve histórico, p. 4. Disponível em <http://WWW.iabnacional.org.br/IMG/pdf/doc-3219-pdf>.

191 PORTELA, Marcel Fortes de Oliveira. Augusto Teixeira de Freitas e a questão do elemento servil. Jus

Navegandi, Teresina, ano 16. n. 2893. 3 jun. 2011. p. 4. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19253>.

192

CARNEIRO, Levi. Estudo crítico-biográfico. FREITAS, Augusto Teixeira de. Esboço do Código Civil. Brasília: Ministério da Justiça, Fundação Universidade de Brasília, 1983, p. XIV.

193 BRASIL, STF. Cooperação Internacional. Disponível em: <http://www2.stf.jus.br/portalStfInternacional /cms/verConteudo.php?sigla= portalStfCooperacao_pt_br&idConteudo=212051>.

194

São exemplos de publicações de Teixeira de Freitas naquele período: Doutrina das ações, Rio de Janeiro:B. L. Garnier, 1880; Regras do direito. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1882 e o Vocabulário Jurídico reimpresso em São Paulo: Saraiva, 1983.

195

PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. Campinas: Editora Unicamp-Cecult, 2001. 1ª reimp, 2005, p. 123.

196 Sua bibliografia inclui as várias edições da Consolidação das Leis Civis, de 1857, 1865 e 1896; o Código

Civil – Esboço, até 1864; o Córtice Eucarístico, Mistério (Pyxide), de 1871(opúsculo); Pedro quer ser Augusto,

1872 (opúsculo); Prontuário de Leis Civis, 1878; o Aditamento ao Código de Comércio, de 1878; o Formulário

abdicar até o fim de sua militância advocatícia. Nelson Saldanha resumiu seu progresso intelectual dizendo:

Freitas repensou continuamente os textos romanos, as classificações maiores, os conceitos de Savigny e de mais alguns grandes mestres, complementando- os com o conhecimento de autores “menores”, mas conservando-os à mão para reexames constantes. A partir de um certo tempo já não acompanhou as novidades europeias; concentrou-se na revisão de suas obras, na reconstrução de sua vida profissional, no reexame dos problemas de sempre197.

Por fim, Teixeira de Freitas contribuiu e influenciou as codificações da Argentina, do Uruguai e do Chile, indiretamente, e, de outros países hispano-americanos, principalmente, por buscar suas fontes no Direito romano e seguir o método, primeiro no mundo, de dividir as matérias do Direito civil em um código com parte geral e especial, lustrando um século inteiro de cultura jurídica, sem, contudo, completar seu intento original na pátria natal198.

3.2 Delimitando ideias de Teixeira de Freitas como eventos linguísticos para o Direito

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