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O perfil dos adolescentes/jovens reiterantes no sistema socioeducativo via plantão de atendimento inicial de Florianópolis/SC.

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO SÓCIOECONÔMICO

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL

RAQUEL LOPES DE MEDEIROS SOUZA

O PERFIL DOS ADOLESCENTES/JOVENS REITERANTES NO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO VIA PLANTÃO DE ATENDIMENTO INICIAL DE

FLORIANÓPOLIS/SC.

FLORIANÓPOLIS 2012/1

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RAQUEL LOPES DE MEDEIROS SOUZA

O PERFIL DOS ADOLESCENTES/JOVENS REITERANTES NO SISTEMA

SOCIOEDUCATIVO VIA PLANTÃO DE ATENDIMENTO INICIAL DE

FLORIANÓPOLIS/SC.

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao

Departamento de Serviço Social da

Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Serviço Social.

Orientadora: prof.ª Dr.ª Vania Maria Manfroi.

FLORIANÓPOLIS 2012/1

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me dado forças para ultrapassar todas as barreiras colocadas no decorrer deste percurso.

À Hilda e ao Sr. Marcos, que me possibilitaram essa escolha.

À minha querida Cecília, minha estrela maior, que será sempre o meu orgulho e que me presenteou com sua presença para que a reta final de chegada pudesse ser alcançada.

Ao Murilo e ao Luiz, também estrelas de minha vida, que me serviram de grande motivação para ir até o fim.

Aos meus colaboradores: Fábio, Jeane, Luciano, Sylvana, Odair, Valmir, D. Mariana e D. Neide, que muito me auxiliaram e que contribuíram positivamente para que eu atingisse meu objetivo.

À Telviana e Beatriz, que me orientaram e esclareceram minhas dúvidas surgidas durante o acompanhamento de suas atuações.

As minhas amigas de todas as horas de curso, Amanda e Fabiula, que estiveram sempre presentes e me ajudaram nos momentos de dificuldades.

À prof.ª Vania Maria Manfroi, que me orientou com muita paciência e dedicação, acreditando na minha capacidade e me proporcionando crescimento pessoal na construção deste trabalho. Aos meus familiares, tanto da família Medeiros quanto da família Souza, por me ajudarem a alcançar esta vitória.

A todos, o meu sincero agradecimento por formarem, a minha volta, uma corrente de boa vontade.

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“Onde quer que haja mulheres e homens, há sempre o que fazer, há sempre o que ensinar, há sempre o que aprender”. Paulo Freire

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RESUMO

SOUZA, Raquel Lopes de Medeiros. O PERFIL DOS ADOLESCENTES/JOVENS

REITERANTES NO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO VIA PLANTÃO DE

ATENDIMENTO INICIAL DE FLORIANÓPOLIS/SC. 65p. Trabalho de Conclusão de Curso em Serviço Social. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2012.

O presente trabalho tem como objetivo a discussão em torno da reiteração de adolescentes/jovens no cometimento de ato infracional, buscando compreender a gama dos possíveis fatores sociais que contribuem para tal. Portanto, trata-se de uma pesquisa quantitativa que optou por privilegiar o levantamento de dados através da análise documental investigativa, mediante fontes secundárias, das quais foi analisado um total de 592 Fichas de Identificação dos adolescentes/jovens ingressos no Sistema Socioeducativo em Florianópolis/SC via Plantão de Atendimento Inicial – PAI, nos anos de 2008 a 2012. Das Fichas de Identificação dos ingressos optou-se por analisar os quesitos que compreendem as seguintes informações: idade, escolaridade, local de residência, com quem residia no momento da apreensão, ato infracional cometido, entradas e saídas por meses e anos, medidas recebidas, encaminhamentos e comarca que originou o processo. Verificou-se, com este estudo, que este fenômeno se faz presente majoritariamente na vida dos adolescentes/jovens do sexo masculino, uma vez que do universo pesquisado, composto por 592 adolescentes/jovens, teve-se como reiterantes 72, dos quais 68 eram do sexo masculino e 04 do sexo feminino. Observou-se que a baixa escolaridade é comum na maioria dos sujeitos que compõem o universo desta pesquisa e que, quando da sua inserção no Sistema Socioeducativo, estes se encontravam em situação de evadidos das respectivas instituições de ensino. Com essa sistematização dos dados levantados, buscou-se montar um perfil aproximado destes adolescentes/jovens que compõem o universo reiterante do PAI.

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ABSTRACT

The present work aims at discussion of repetition of adolescent / youth in the commission of an offense,trying to understandthe rangeof possiblesocial factors thatcontribute to it.Therefore, it is a quantitative survey which chose to focus on data collection through analysis investigative documentary by secondary sources, which was analyzed a total of 592 Identification Cards adolescents/youthticketsSocioSystemin Florianópolis/SCviaDutyHomeCare- PAI, in the years 2008 to 2012. Identification Cards of the tickets we chose to analyze the items that include the following information: age, education, place of residence, who resided at the time of arrest, offense committed inputs and outputs for months and years, measures received referrals and countywho originatedthe process. Itis with this study, this phenomenonis present, mostly in the lives of adolescents / young males, since the research universe, composed of 598 adolescents / young people, had as reiterating 72, of which 68 were male and 04 female. We found that low education is common in most subjects that comprise the universe of this research and that when their integration into theSocioSystem, they were intheirsituationescapededucational institutions. With this systematization of collected data, we attempted to assemble an approximate profile of adolescents / young people who make up the universe reiterating the PAI.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Idade na primeira entrada... 36

Gráfico 2: Grau de escolaridade...37

Gráfico 3: Com quem residia no momento da primeira entrada...38

Gráfico 4: Ato infracional cometido na primeira entrada...39

Gráfico 5: Medidas recebidas...42

Gráfico 6: Encaminhamentos da segunda entrada...43

Gráfico 7: Comarca que originou o processo...44

Gráfico 8: Local de residência no momento da primeira entrada...45

Gráfico 9: Ato infracional cometido na segunda entrada...48

Gráfico 10: Medidas recebidas na segunda entrada...49

Gráfico 11: Encaminhamentos da segunda entrada...50

Gráfico 12: Ato infracional cometido na terceira entrada...54

Gráfico 13: Medidas recebidas na terceira entrada...55

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Primeira entrada e saída por meses de 2008 a 2012...40

Tabela 2: Primeira entrada e saída por ano de 2008 a 2012...41

Tabela 3: Segunda entrada e saída por ano de 2008 a 2012...46

Tabela 4: Segunda entrada e saída por meses de 2008 a 2012...47

Tabela 5: Terceira entrada e saída por ano de 2008 a 2012...52

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LISTA DE SIGLAS

CAP – Centro de Atendimento Provisório CASE – Centro de Atendimento Socioeducativo

CASEP – Centro de Atendimento Socioeducativo Provisório CER – Centro Educacional Regional

CERENE – Centro de Recuperação Nova Esperança CIP – Centro de Internação Provisória

CNJ – Conselho Nacional de Justiça

ECA – Estatuto da Criança e do adolescente LA – Liberdade Assistida

PSC – Prestação de Serviços a Comunidade

PLIAT – Plantão Interinstitucional de Atendimento

SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo SOA – Sistema de Orientação ao Adolescente

SDH – Secretaria de direitos Humanos

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SUMÁRIO

1.0 INTRODUÇÃO...11

2.0 UMA REFLEXÃO ACERCA DA RELAÇÃO DA QUESTÃO SOCIAL E AS CONDIÇÕES SOCIAIS QUE CONTRIBUEM PARA O COMETIMENTO REITERADO DE ATOS INFRACIONAIS POR PARTE DOS ADOLESCENTES/JOVENS...15

2.1 ADOLESCÊNCIA/JUVENTUDE E ATO INFRACIONAL: REITERAÇÃO DO ATO INFRACIONAL... 21

3.0 ENTRE O COMETIMENTO DO ATO INFRACIONAL E A REITERAÇÃO: ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A SISTEMATIZAÇÃO DOS DADOS LEVANTADOS... 33

3.1 CARACTERIZAÇÃO DA UNIDADE DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO ONDE FOI REALIZADA A PESQUISA...33

3.2 ORGANIZAÇÃO DOS DADOS DA PRIMEIRA PASSAGEM... 35

3.3 ORGANIZAÇÃO DOS DADOS DA SEGUNDA PASSAGEM...45

3.4 ORGANIZAÇÃO DOS DADOS DA TERCEIRA PASSAGEM...51

4.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS...57

REFERENCIAS...62

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1.0 INTRODUÇÃO

O presente trabalho decorre da necessidade de realizar uma monografia para a conclusão da graduação do Curso de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina e do crescente interesse em compreender de forma mais aprofundada o contexto que envolve os adolescentes/jovens em conflito com a lei. Esse interesse surgiu com as experiências vivenciadas durante minha inserção como estagiária no Plantão de Atendimento Inicial - PAI - de Florianópolis/SC, que está diretamente vinculado à Política da Criança e do Adolescente.

A inserção no campo de estágio permitiu uma aproximação com os adolescentes/jovens autores de atos infracionais e despertou meu interesse em pesquisar sobre os possíveis motivos que levam os adolescentes/jovens a reiterarem no cometimento de ato infracional e sobre as implicações desse ato, ocasionando o retorno deles à Unidade de Atendimento Socioeducativo.

Neste período de acompanhamento dos atendimentos realizados aos

adolescentes/jovens ingressos na Unidade, chamou minha atenção o fato de na mesma não haver dados já sistematizados que permitissem ter uma dimensão do perfil e do número que compõe o universo dos adolescentes/jovens que reiteraram no cometimento de atos infracionais. Surgiu, assim, o interesse em fazer esse levantamento, na tentativa de mostrar, em números, tal universo, e também montar um perfil aproximado desses adolescentes/jovens para conhecer a gama dos prováveis motivos que os levam a reiterarem no Sistema Socioeducativo via PAI. Recorro, aqui, a Gil (1991), que defendeque a pesquisa é necessária sempre que não houver informações suficientes para responder a alguma questão ou, quando de suas respectivas existências, não estejam sistematizadas de forma a dar respostas ao problema.

Buscamos compreender quais as reais condições em que esta reiteração acontece e analisar qual a resposta que o Poder Público vem dando à problemática, uma vez que no período que compreendeu a inserção no campo de estágio, foi possível observar que a rotatividade dos adolescentes/jovens pelas instituições ocorre com alto grau de frequência e muitas vezes, em decorrência de conflitos instaurados pelos próprios adolescentes/jovens, o que faz com que a Unidade, em vez de trabalhar com o conflito, transfira o adolescente/jovem na intenção de facilitar o trabalho, buscando sempre que o adolescente/jovem se molde aos

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parâmetros instituídos por ela, em vez de aprender a lidar com a singularidade de cada adolescente/jovem.

O principal objetivo deste estudo foi o de analisar, mediante o instrumental utilizado na Unidade para identificação dos adolescentes/jovens, o número e os respectivos motivos pelos quais houve a reiteração por parte dos mesmos, desde o ano de 2008 até o presente ano de 2012. Para alcançar nosso intento, estabelecemos alguns objetivos específicos, como, por exemplo, recuperar brevemente elementos da trajetória do Atendimento dado aos Adolescentes Autores de Ato Infracional; identificar os fatores que podem influenciar na reiteração desses adolescentes/jovens; e verificar qual o trato ou resposta que vem sendo dada a essa demanda por meio das Políticas Públicas voltadas para esse segmento da população. Assim, a questão norteadora refere-se às causas e consequências da reiteração do adolescente/jovem e às respostas que o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente vem dando a essa problemática.

A construção metodológica deste trabalho deu-se através de uma pesquisa documental exploratória de caráter quantitativa. Segundo Gil (1991, p.19), pode-se definir pesquisa como: “[...] o procedimento racional e sistemático que tem como objetivo proporcionar respostas aos problemas que são propostos”.

Os procedimentos utilizados para coletar os dados contidos no presente trabalho incluíram fontes secundárias, mediante a análise de documentos, dos arquivos da Unidade, denominados Ficha de Identificação dos adolescentes/jovens ingressos, e o levantamento bibliográfico sobre a temática. Foram analisadas 592 Fichas de Identificações, sendo possível verificar que 72 adolescentes/jovens reiteraram compondo a segunda entrada, 19 reiteraram compondo a segunda entrada, e, somente 01 reiterou compondo a quarta entrada, concretizando várias passagens no Sistema Socioeducativo via PAI, e deste universo, obteve-se um total de 68 adolescentes do obteve-sexo masculino e 04 do obteve-sexo feminino. Richardson (2008, p.71), em seu estudo sobre metodologia quantitativa, afirma: “Esse tipo de estudo deve ser realizado quando o pesquisador deseja obter melhor entendimento do comportamento de diversos fatores e elementos que influem sobre determinado fenômeno”.

A pesquisa abrangeu o período compreendido entre 02/07/2008 e 09/03/2012, tendo como data do início do levantamento de dados 05/03/2012 e do seu término, 09/03/2012. Foram analisadas as seguintes categorias presentes na Ficha de Identificação: idade, escolaridade, ato infracional, entradas e saídas por meses e anos, medidas decretadas pela Vara da Infância e Juventude, encaminhamentos dados, comarca que originou o processo,

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local de residência e com quem residia. Entretanto, algumas das categorias analisadas, entre elas, idade, escolaridade, local de residência e com quem reside, só constavam quando da primeira inserção dos adolescentes/jovens na Unidade, não sendo atualizadas nas demais passagens. Ressalto que as informações relacionadas à data do cometimento do ato infracional e à abertura do processo tiveram baixo índice de aparecimento nas Fichas de Identificação analisadas, não sendo possível mantê-las sistematizadas com os demais dados coletados. Gil (1991, p.45) ajuda a compreender as etapas necessárias para a elaboração de pesquisas, ratificando que as pesquisas de cunho exploratório têm como objetivo:

[...] proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. Pode-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de ideias ou descoberta de intuições. Seu planejamento é, portanto bastante flexível, de modo que possibilite a consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato estudado [...].

Sendo assim, o presente trabalho foi organizado em três seções. A primeira seção contempla a problematização dos conceitos utilizados para a definição de adolescência, ato infracional e reiteração, recuperando brevemente elementos da histórica trajetória da criança e do adolescente. Aborda também as legislações atuais no que tange às medidas destinadas aos adolescentes/jovens reiterantes na prática de atos infracionais, resultando para os mesmos os conflitos com a lei. E busca compreender, através das categorias analisadas, retiradas dos dados obtidos da Ficha de Identificação, os possíveis motivos que levam estes adolescentes/jovens ao cometimento de atos infracionais e/ou a permanecerem nestas práticas, ocasionando as suas reiterações no cometimento e, concomitantemente, suas inserções no Sistema Socioeducativo via PAI.

A segunda seção deste trabalho buscou sistematizar os dados investigados e colhidos na Ficha de Identificação, de forma a alcançar uma aproximação do perfil dos adolescentes/jovens que ingressaram na Unidade e retornaram mediante a reiteração no cometimento de atos infracionais. Estes dados são aproximados, uma vez que o percentual quantificado também não teve um alcance de 100% do real, pois não foi possível o acesso às Fichas de Identificação daqueles adolescentes/jovens que passaram pela Unidade, porém, no momento da sistematização/levantamento de dados já tinham alcançado a maioridade (21anos) prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, não constando mais suas Fichas de Identificação nos arquivos investigados, o que permitiu apenas colher dados aproximados do universo real dos ingressos.

A terceira e ultima seção teve como objetivo tecer algumas considerações conclusivas sobre o que foi proporcionado alcançar com a pesquisa e dar algum retorno para a Unidade,

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que possibilitou a coleta dos dados que compõem a base central do estudo para que este se concretizasse.

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2.0 UMA REFLEXÃO ACERCA DA RELAÇÃO DA QUESTÃO SOCIAL E AS

CONDIÇÕES SOCIAIS QUE CONTRIBUEM PARA O COMETIMENTO

REITERADO DE ATOS INFRACIONAIS POR PARTE DOS

ADOLESCENTES/JOVENS

Neste capítulo, teceremos algumas considerações acerca das condições sociais como fatores que contribuem para o cometimento reiterado de atos infracionais, por parte dos adolescentes/jovens, e acerca das consequências da inserção desses adolescentes/jovens no Sistema Socioeducativo.

Compreendemos que os fatores que contribuem para a reiteração no cometimento de atos infracionais pelos adolescentes/jovens compõem a gama das expressões da ‘questão social’ que, segundo Pastorini (2004, p.45), na contemporaneidade, “[...]apresenta novas determinações em relação às que existiam anteriormente”, tendo em vista que “as mudanças vividas nas últimas décadas relacionam-se com as condições impostas pela ‘globalização’ financeira”.

Em suas reflexões sobre a situação brasileira relacionada à questão social, Tejadas (2007, p.88) diz o seguinte:

A partir da década de 1930, tem-se no Brasil uma maior expansão industrial, havendo uma transição do modelo agrário-exportador para o urbano industrial e, com isso, uma importante migração de populações rurais para as grandes cidades, visando à sua inclusão na emergente indústria nacional. Com isso a questão social brasileira passou a ser redesenhada, já não mais focada na relação escravocrata, mas no surgimento do proletariado, nas precárias condições de trabalho, na exploração intensiva da mão-de-obra, com baixos salários e o uso do trabalho infantil e feminino. Ao mesmo tempo, uma maior concentração populacional nas cidades trouxe consigo problemas, tais como: precárias condições de saneamento, déficit habitacional e de infra-estrutura de serviços públicos. Dá-se início ao processo de favelização das populações urbanas nas grandes cidades, o qual veio ao longo do tempo, favorecendo um recrudescimento da questão social.

Sendo assim, a questão social, como uma consequência atual do desenvolvimento industrial, “[...] é indissociável da forma de organização da sociedade capitalista, e diz respeito ao conjunto das expressões das desigualdades sociais nela engendradas, impensáveis sem a intermediação do Estado”. Iamamoto (2002 apud SALES, MATOS e LEAL, 2006 p.268).

Também dando sua contribuição acerca da compreensão da questão social, José Paulo Netto (2009, p.226) argumenta:

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A pobreza não é exclusivamente um fenômeno de natureza econômica. Ela tem dimensões culturais, ela tem dimensões de sociabilidade, ela tem dimensões ligadas ao lazer, à saúde, à estrutura familiar, mas não se pode afastar de cena a sua elementariedade econômica.

No que tange às expressões da questão social, Sales (2007, p. 27) desenvolve um trabalho acadêmico sobre a visibilidade/ invisibilidade dos adolescentes que cometeram ato infracional, como metáfora da violência e como reforço da histórica criminalização da pobreza, a partir dos aparatos jurídicos estatais que atuam de forma seletiva. A autora afirma:

[...] Trata-se, portanto, de uma condição de visibilidade perversa, seletiva e reprodutora de discriminações históricas contra os setores mais pauperizados e insubmissos das classes trabalhadoras urbanas, promovida, dentre outros, pela ideologia jurídica hegemônica, com seu viés positivista de interpretação e prática do direito, fomentador do racismo nos encaminhamentos da justiça criminal.

Resgatando a dimensão da questão social, o trabalho, além de ser uma fonte para o provimento do sustento material, é entendido também como um meio de inserção social dos indivíduos, de reconhecimento e pertencimento dos mesmos. O que ocorre é que a sociedade contemporânea vivencia alterações constantes nas relações de trabalho quanto a sua flexibilização, precarização e desregulamentação. Sendo assim, devido ao atual processo de reestruturação produtiva e ao estágio de precarização da força de trabalho, está cada vez mais comprometida a possibilidade de inserção dos adolescentes/jovens no mercado de trabalho. Tal fato, para Tejadas (2007, p.77), tem implicações negativas na construção da identidade dos adolescentes/jovens, pois o trabalho tem um significado social de extrema relevância, reconhecendo-se, através dele, o caráter do sujeito. Entretanto, quando alcançado pelos adolescentes/jovens, é “precarizado, descontínuo, distante dos moldes do trabalho estável”. Dessa forma:

Apresenta-se claramente um dilema: como planejar o futuro, construir um projeto de vida, se as ferramentas conhecidas não estão disponíveis? Como prever os acontecimentos da vida e planejar estratégias e metas, já que se deve viver o dia-a-dia? Parece que as expectativas sociais frente à juventude não se coadunam com as condições que estruturam a contemporaneidade (TEJADAS, 2007, p.78).

Levando em consideração a diversidade social das condições de existência juvenil em nosso país, percebemos que há alguns fatores que adiam a emancipação dos adolescentes/jovens, ocasionando um “prolongamento da juventude”. De fato, conforme Brandão e Heilborn (2006, p.1421):

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nas últimas décadas, o percurso entre a infância e a idade adulta foi profundamente alterado nas sociedades ocidentais modernas. As mudanças no estatuto infantil, o redimensionamento da autoridade parental, as novas normas educativas, as transformações nas relações de gênero e entre gerações compõem novo cenário social e familiar. A extensão da escolarização e dificuldades de inserção e permanência no mercado de trabalho acentuam a dependência do jovem em relação aos pais.

Por outro lado, Sales (2007, p.26) afirma que “[...] o contato com o mundo da criminalidade, sem dúvida, implica uma piora da qualidade de vida para o grupo doméstico como um todo, o qual combinado à exploração do mundo do trabalho e ao desemprego conduz a uma fatal perda de Horizontes.” A autora aponta relevantes fatores que contribuem para a inserção e reiteração dos adolescentes na prática do cometimento de atos infracionais, consistindo em atitudes violentas. Nas suas palavras:

Os adolescentes gostam de ser vistos [...], e, querem ser vistos associados à beleza, à irreverência e ao reconhecimento e prestígio social que ícones do mundo da cultura (música, teatro, cinema, etc.) e do esporte desfrutam; Na impossibilidade de gratificação imediata em termos de consumo, prazer, lazer, reconhecimento social (estimulados pela cultura de massas), devido às dificuldades de acesso a oportunidades sociais (escola, trabalho, remuneração digna, etc.), muitos jovens aderem aos apelos da criminalidade em seus diversos matizes: furtos, assaltos, tráfico, etc.; Os adolescentes compreendem o poder e a força da imagem que os associa à rebeldia, a comportamentos transgressores e à violência, e tiram partido dela; [...]. (SALES, 2007, p.28-29).

Concordamos também com Tejadas (2007, p.80) quando ela discute, em seu estudo, sobre as várias implicações do fato do adolescente/jovem reiterar no cometimento de atos infracionais. Segundo a autora: “pode-se afirmar que o binômio construído historicamente, o qual articula pobreza e criminalidade, aqui se referindo à prática do ato infracional, não pode ser considerada uma ‘verdade’ em si, uma vez que também se articulam ao fenômeno outras questões de natureza distinta”. Dentre os fatores que, segundo a autora, são responsáveis pela reiteração, está a não permanência em instituição de ensino. Com efeito, quando investigamos as Fichas de Identificação dos adolescentes/jovens ingressos no Plantão de Atendimento Inicial de Florianópolis – PAI, constatamos que a maioria deles não se encontrava inserida em instituição de ensino no momento de suas respectivas inserções no Sistema Socioeducativo. Na Ficha de Identificação, consta como justificativa para a não permanência na instituição de ensino, o desinteresse pelos estudos, o que remete à interpretação de uma rejeição à escola. Camacho (2004, p. 330), em sua pesquisa sobre a vida escolar da juventude atual, levanta alguns aspectos que podem influenciar na construção, por parte dos adolescentes/jovens, desta rejeição à vida escolar. Segundo a autora: “[...] como o aluno pode se interessar pelo trabalho

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escolar quando ele é fragmentado, caótico e desconexo, indaga-se, também, como esse aluno pode se interessar [...] se ele é tratado nas instituições educativas, como um ser fragmentado, separado e desarticulado?”. Compartilhando da ideia defendida por Camacho, Libâneo (1994 apud TEJADAS, 2007, p.251) afirma:

Quando um aluno não consegue aprender, abandona os estudos ou se interessa pouco pela escola, considera-se que são problemas individuais dele, descartando-se outras explicações, como as condições sócio-econômicas, a desigualdade social e a responsabilidade da própria escola. Esta é a visão conservadora da escola. Na verdade, entendê-la como meio de adaptação à sociedade vigente é acreditar que esta é boa, justa, que dá oportunidades iguais a todos; que o sucesso na vida depende somente das aptidões e capacidades individuais; que o aproveitamento escolar depende exclusivamente do esforço individual do aluno. Esta idéia não corresponde à realidade.

Igualmente outros autores nos ajudam a pensar no real alcance do Sistema Socioeducativo para não cairmos no discurso de marginalização da pobreza, uma vez que a formatação do Sistema tende aenquadrar apenas as classes menos favorecidas, cultural, social e economicamente. Mas isso não significa que somente os adolescentes/jovens que se encontram inseridos nas camadas mais “empobrecidas” cometem atos infracionais. Portanto, segundo Veronese, Quandt e Oliveira (2001, p.34):

Na realidade, nossas crianças já não têm infância em razão de sua miséria, o que conduz a uma análise séria: a adolescência envolvida com a criminalidade se constrói a partir da negação de direitos – escola, saúde, família, profissionalização... Ainda que não possamos esquecer a criminalidade das classes A e B, estas marcadas por uma “prática social” que a lei não os alcança.

Levando em conta o que foi exposto, é necessário enunciar de quais adolescentes/jovens estamos tratando quando falamos de fatores que contribuem para a reiteração na prática de cometimento de atos infracionais, pois conforme Foucault (1987, p. 243),

[...] seria hipocrisia ou ingenuidade acreditar que a lei é feita para todo mundo e em nome de todos. È mais prudente reconhecer que ela é feita para alguns e se aplica a outros; que, em princípio, ela obriga a todos os cidadãos, mas se dirige principalmente às classes mais numerosas e menos esclarecidas.

Julgamos importante observar que esse segmento da população que se encontra vivendo em condições sociais precárias é levado a reforçar, em seu cotidiano, a falta de pertencimento ao usufruto dos bens produzidos socialmente, ao espaço público, e por isso sofre preconceito. Como ressalta Tejadas (2007, p.18), falta, para esses adolescentes/jovens, “[...] espaços de acolhimento (como a escola, por exemplo), de identificação (enquanto membro da sociedade), de construção de perspectivas de vida orientadas por projetos socialmente aceitos (o desemprego, por exemplo) [...]”.

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Na verdade, essa população de adolescente/jovem enquadra-se, muitas vezes, naquele estereótipo de pobre, negro, semianalfabeto e morador de comunidades pobres, sendo este o único espaço que a sociedade lhes oportuniza, um espaço que os expõe a riscos sociais e os impossibilita de ressignificar sua identidade, como sujeitos que fazem parte da sociedade. E esse adolescente/jovem só alcança visibilidade na mídia quando se insere no Sistema Socioeducativo, que historicamente o trata como se ele acabasse de nascer no momento em que cometeu o ato infracional, sem levar em consideração o seu processo histórico pessoal e a falta de estrutura social para a sua inserção como partícipe da cena social construída cotidianamente. Na concepção de Sales (2007, p.226),

[...] de modo geral, a violência envolvendo crianças e adolescentes esgota-se como um caso de polícia. Faltam históricos (o recurso a histórias de vida, por exemplo), que os consultores chamam de “per se” da causa, que contribuam para explicar os motivos da violência, e também não há um foco nas soluções. [...] a maioria dos jornais apresenta o fato violento com crianças e adolescentes restrito à descrição do delito desfocado da conflitualidade que o engendrou. [...] os Boletins de Ocorrência (BOs) são adotados como parâmetro da verdade e suas informações publicizadas como se se tratassem de sentenças judiciais, quando servem apenas para o registro inicial para a abertura de um processo.

O adolescente é exposto também à “vulnerabilidade penal”, que o enquadra como infrator pelo simples fato de sua presença nas ruas de comunidades pobres. Na realidade, ele passa a utilizar-se da violência para se “inserir” de alguma forma na sociedade, mesmo que seja através da reiteração no cometimento de atos infracionais. Como bem explicam Soares, Bill e Athayde (2005, p.215): “Há uma fome mais funda que a fome, mais exigente e voraz que a fome física: a fome de sentido e de valor; de reconhecimento e acolhimento; fome de ser – sabendo-se que só se alcança ser alguém pela mediação do olhar alheio que nos reconhece e valoriza”.

Sensibilizados com a situação adversa em que se encontram esses adolescentes/jovens, Veronese, Quandt e Oliveira (2001, p.35) advertem:

Faz-se necessário suscitar uma nova opinião pública, no sentido de desmistificar, de romper com o instituído, de que a criança ou o adolescente oriundos das classes sociais desprovidas materialmente não são os “pivetes”, os “trombadinhas”, os tão estigmatizados “menores”. É contra esse discurso já “aceito” pelo senso comum que devemos nos insurgir.

Diante dessas considerações acerca de alguns fatores que contribuem para a reiteração na prática do cometimento de atos infracionais, compreendemos que o Sistema de Garantias de Direitos da Criança e do Adolescente/jovem está organizado de forma a evitar, quando da

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prática do cometimento de atos infracionais, que a reiteração se faça presente na realidade do adolescente/jovem, da família, da comunidade e do Estado em si. Entretanto, percebemos a não efetivação desse objetivo no cotidiano da sociedade brasileira. Segundo Santos (2012, 125):

A criminalização primaria produz a criminalização secundária, conforme o modelo sequencial do labelling aproach: a rotulação como infrator produz carreiras criminosas pela ação de mecanismos pessoais de adaptação psicológica à natureza do rótulo, combinada com a expectativa dos outros de que o rotulado se comporte conforme a rotulação, praticando novos crimes.

Sendo assim, a inserção dos adolescentes/jovens reiterantes na prática de atos infracionais no Sistema Socioeducativo implica em algumas consequências que podem se tornar desastrosas e marcantes na vida dos mesmos, pois esse sistema pode atribuir ao adolescente/jovem etiquetas, estigmas e status em virtude da sua reiteração na prática do cometimento de atos infracionais, reforçando o que lhes é atribuído. Conforme ratificado por Tejadas (2007, p. 264):

Apresenta-se a perspectiva do etiquetamento do adolescente no Sistema, provocado pela reincidência e reforçador de sua continuidade. O adolescente reincidente ocupa lugar específico no Sistema, com unidade de internação própria, na qual os controles e a perspectiva prisional são acentuados. [...]. Dessa forma, ao adolescente reincidente é atribuído um status: o do reincidente, que passa a defini-lo como pessoa, carregando o estigma de ser alguém que não é mais passível de mudança, como portador de maior periculosidade.

Para o adolescente/jovem que está “predestinado” (aquele pobre, negro, semianalfabeto, em precárias condições sociais) ao Sistema Socioeducativo, reforçar essas atribuições significa submetê-lo à aceitação do que lhe é imposto, uma vez que, como discutimos anteriormente, em muitas situações, falta a esses adolescentes/jovens o sentimento de pertencimento, de identidade. Sem dúvida, a atribuição de um estigma acaba por internalizar, nesses adolescentes/jovens, a identidade de alguém, não importando a eles a negatividade que é atribuída à mesma.

De igual modo, Moraes (2010, p.112) ratifica as implicações negativas que podem ocorrer no etiquetamento desses adolescentes/jovens: “A etiqueta cria expectativas porque produz uma conduta conforme as expectativas sociais existentes em relação àquela conduta, ou seja, o adolescente vai se comportar conforme a etiqueta posta.”

Nas análises da pesquisa de Tejadas (2007), pudemos verificar que não se conseguiu provocar algum impacto nos adolescentes/jovens que ingressaram no Sistema Socioeducativo, de forma a causar uma ruptura com a prática do cometimento de atos infracionais. Ou seja, os

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resultados que estão propostos a alcançar com a imposição de medidas socioeducativas têm sido inversamente proporcionais ao esperado. Dessa forma, para conseguir tais resultados,

[...] as medidas socioeducativas deveriam ter oferecido intervenções que agregassem elementos novos à identidade, que valorizassem as potencialidades e proporcionassem, por intermédio da experiência social, a vivência de valores na vida dos adolescentes. O Sistema priva o adolescente do direito à liberdade ou o limita, em razão do ato infracional cometido, e, em decorrência o mantém privado dos demais direitos. (TEJADAS, 2007, p. 263).

Finalmente, após algumas considerações acerca das condições sociais como fatores que contribuem/implicam para a prática reiterada do cometimento de atos infracionais pelos adolescentes/jovens e acerca das consequências da inserção destes no Sistema Socioeducativo, passaremos ao próximo subitem, para abordar o conceito de reiteração do ato infracional, mais voltado à “prática” dos adolescentes/jovens.

2.1 ADOLESCÊNCIA/JUVENTUDE E ATO INFRACIONAL: REITERAÇÃO DO ATO INFRACIONAL

Abordaremos, de forma sintética, neste capítulo, os conceitos de

adolescência/juventude, com vistas a subsidiar a análise empírica, objeto da próxima seção do presente trabalho.

Os autores que compõem a bibliografia utilizada na construção deste trabalho: Volpi, Saraiva e Júnior (2006); Silva (2011); Rosa, Júnior e Rangel (2007); Fernandes (1998); Tejadas (2007), concordam que, mesmo com os retrocessos e os avanços que o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA - trouxe, mediante a Constituição Federal de 1988, foi a partir deste documento que as crianças e os adolescentes/jovens no Brasil alcançaram o direito de serem reconhecidos como sujeitos de direitos perante a sociedade.

Para tratar da reiteração do cometimento de atos infracionais como fator a ser estudado no cotidiano desses adolescentes/jovens, é necessário entendermos que o adolescente/jovem se encontra em situação peculiar de desenvolvimento, conforme normatiza o artigo 5º do ECA: “Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”.(BRASIL, 1990).

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O termo adolescência, no dicionário da Língua Portuguesa significa, segundo Bueno (2007), “o período da vida entre a puberdade e a vida adulta (dos 14 aos 18 anos, aproximadamente); juventude”. Já o termo juventude quer dizer: “mocidade; adolescência; moçada”.

Entretanto, o ECA define que, juridicamente, são considerados crianças aqueles sujeitos com até 12 anos incompletos e adolescentes aqueles sujeitos entre 12 e 18 anos, podendo ser prorrogada a sua responsabilização, mediante este regimento, até os 21 anos, se o cometimento de ato infracional tiver ocorrido no período que compreende a fase da adolescência.

Porém, segundo a Lei 4.529, de 2004, que trata do Estatuto da Juventude, são considerados jovens aqueles sujeitos que têm idade entre quinze e vinte e nove anos, conforme o artigo 1º do § 1º, que diz: “I – Jovem-adolescente, entre quinze e dezessete anos; II – jovem - jovem, entre dezoito e vinte e quatro anos; III – jovem - adulto, entre vinte e cinco e vinte e nove anos”. Assim, concordamos que essa definição é mais ampla e, por conseguinte, utilizaremos, neste trabalho, o binômio adolescência/juventude, por compreendermos que a juventude engloba grande parte da adolescência e que ambas não podem ser analisadas separadamente.

No entanto, essa definição de adolescência/juventude não se pauta apenas na faixa etária. Para Calliari (2009, p.29), a problematização da juventude é tarefa difícil em virtude das discordâncias teóricas existentes. Com efeito, “[...] Num primeiro momento, ela parece associada à ideia de idade, logo, com características biológicas acentuadas. No entanto a significação de juventude se revela complexa”.

Ainda conforme a mesma autora, esta situação atual, em que os componentes da categoria juvenil são considerados “sujeitos de direitos”, foi uma construção que se adquiriu ao longo de décadas de lutas para garantir seus direitos, que foram efetivados a partir da década de 1990, como uma população alvo de políticas públicas. Concluindo, a autora citada, em seu estudo sobre a juventude, declara:

[...] consideramos prudente entender a existência de ‘juventudes’, que se diferenciam por possuírem demandas e expectativas singulares, relacionadas à territorialidade, ao gênero, à cor; que sofrem interferência tanto de classe para classe, quanto de geração para geração, e são determinadas, tanto por aspectos biológicos e etários, quanto pela interferência cronológica, sócio-cultural e psicológica. (CALLIARI, 2009, p. 60).

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Desse modo, para tentar compreender o adolescente, é necessário que façamos uma análise com perspectivas amplas, devido ao fato de que, segundo Becker (1999, p.11), “[...] não existe uma adolescência, e sim várias. O próprio conceito de que ela é um fenômeno universal é muito duvidoso”. Efetivamente, este processo se dá em contextos em que atuam fatores sociais, culturais, familiares e pessoais, possibilitando vivências diferentes dessa fase para cada adolescente/jovem1.

Para Zagury (1996, p. 24), a adolescência é caracterizada por uma fase de transição entre a infância e a juventude, período este que possibilitará à criança tornar-se um adulto. É possível observar, nesse espaço de tempo, como característica mais visível, o acentuado desenvolvimento físico, com fortes transformações internas e externas, e também as mudanças nos campos intelectual e afetivo.

Entretanto, Rosa, Júnior e Rangel (2007), ao estudar a adolescência, ressaltam que esta não deve ser resumida a uma fase de transição, devendo receber a valorização devida de suas “características específicas no marco do desenvolvimento humano”. Estão presentes nesta fase, como em todas as outras fases da vida, mudanças e transformações que contribuem para a construção de uma forma de ser presença no mundo, com suas afirmações e seus comportamentos. Para os autores, “[...] seria mais prudente nomearmos “adolescências” a esta etapa da vida marcada por enormes disparidades sociais e econômicas no Brasil.” (ROSA, JÚNIOR E RANGEL, 2007, p. 54).

Nesse sentido, também Moraes (2010, p.36 apud MARGULIS E URRESTI, 2000, p. 05), em seu viés sociológico, pressupõe que há algumas implicações que configuram diferentes juventudes, não se podendo, então, classificar esta categoria como única, homogênea, e sim a partir de dois fatores denominados de moratória vital e moratória social. A moratória social compreende o período da vida do jovem em que lhe são permitidas vivências sem a preocupação com as responsabilidades que permeiam o mundo dos adultos, o que, entretanto, não é alcançado por todas as classes sociais. Já a moratória vital, segundo esses autores, “[...] diz respeito ao aspecto energético do corpo próprio da juventude. [...]”, sendo comum a todos os sujeitos que se encontram na condição de adolescentes/ jovens.

1 Na nossa concepção, a adolescência faz parte da juventude, uma vez que a faixa etária que comporta a

adolescência, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, é aquela que vai dos 12 aos 18 anos, podendo ser prorrogada até os 21 anos. Está, em grande parte, compreendida dentro da juventude, pois o Estatuto da Juventude abrange como categoria juvenil aqueles que têm de 15 a 29 anos de idade.

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Fazendo referência a esta fase da vida, em sua obra La juventude es más que una

palabra, Margulis e Urresti (2000; p. 5) assim se expressam:

Em consecuencia, incorporamos también em la definición de juventud esa faceta dura,vinculada com el aspecto energético del cuerpo, com su cronologia. Por outra parte, consubstancial a la definición de la categoria, hay um nivel que podríamos llamar “significativo”, que se mueve en el plano sociocultural. Ambos niveles están absolutamente integrados y no existen por separado, salvo a los efectos del análsis y de la crítica. Esta última se dirige, en este aspecto, a poner de maifiesto algunos discursos sobre la juventude, a los que llamamos culturalistas, que restringen la condición de juventude a los sectores médios y altos al centrar su definición exclusivamente em los elementos característicos de la moratoria social ( de modo tal que los sectores pobres lejanos a esa moratoria social nunca llegarían a ser jóvenes), oscureciendo u olvidando la base fáctica (energia, moratória vital, inserción institucional y también todo lo ya mencionado sobre el tema generacional), comunes a todas las clases.

Concluindo suas reflexões, Moraes (2010, p. 37) entende que o conceito de juventude traz em si mesmo uma “concepção de transitoriedade, e de que não há uma pertença definitiva dos indivíduos a grupos etários e sim uma passagem por eles”. E esta passagem é diferente, de acordo com a classe social em que está inserido cada adolescente/jovem. Ou seja, para os adolescentes/jovens das classes subalternas, que transitaram nestes grupos e que cometeram ato infracional neste período, esta se torna uma fase que poderá vir a marcá-los muito, pois dentro do contexto de envolvimento em atos infracionais há um etiquetamento que trará sérios prejuízos ao jovem e/ou adolescente. O etiquetamento a que foi sujeito, quando do período em que esteve tutelado, resultará na construção de um estereótipo de adolescente/jovem

“perverso, inadaptado, perigoso, hediondo” conforme Tejadas (2007), fator que poderá implicar em marcas que serão carregadas pelo resto de sua trajetória na vida adulta.

Isso se explica, historicamente, porque no Brasil, a justiça se fundamentava no debate internacional do século XIX, com base nas ideias que se construíam na Europa e na América Latina2, de modo que nem todos os adolescentes/jovens se tornaram centrais ou alvo da competência do Estado. Rizzini (2008, p.129), quando trata daJustiça de Menores no Brasil, diz que foi:

[...] concebida com um escopo de abrangência bastante amplo, seu alvo era a infância pobre que não era contida por uma família considerada habilitada a educar seus filhos, de acordo com os padrões de moralidade vigentes. Os filhos dos pobres que se encaixavam nesta definição, portanto passíveis de intervenção judiciária, passaram a ser identificados como ‘menores’.

2

Não será tratada a história da trajetória da infância no Brasil, conforme o livro O século perdido, de Irene Rizzini (2008), entretanto, a obra da autora nos serviu como complemento para a construção do presente trabalho.

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Para satisfazer a diferenciação de classe, continua a autora citada, criou-se o conceito de menor “[...] que divide a infância em duas e passa a simbolizar aquela que é pobre e potencialmente perigosa; abandonada ou ‘em perigo de o ser’; pervertida ou ‘em perigo de o

ser’ [...]”, identificando-se esta como a criança filha da pobreza “[...] material e moralmente

abandonada [...]”. (RIZZINI, 2008, p.26).

Em seus estudos, Tejadas (2008, p.48) assim se manifesta: “O início da intervenção estatal e jurídica frente à juventude é demarcado por uma indiferenciação entre situações de cometimento de ato infracional e de desproteção. De certa forma, para que fosse ‘protegido pelo Estado, era necessário “acusar” o jovem de alguma contravenção”. O que, em nosso entendimento, vem a ser contraditório, pois era necessário estar à margem da sociedade, ou seja, cometer alguma infração para ser acusado e assim alcançar uma proteção que deveria ser usufruída pelos adolescentes/jovens e trabalhada pelo Estado seguindo a lógica de que esta situação não se concretizasse na realidade de nenhum adolescente/jovem.

Os autores: Saraiva, Júnior e Volpi (2006, p.41), concordando com as Regras Mínimas das Nações Unidas para a administração da justiça da infância e da juventude – Regras de Beijing, consideram que “infração é todo comportamento (ação ou omissão) penalizado com a lei, de acordo com o respectivo sistema jurídico” e que “jovem infrator é aquele a quem se tenha imputado o cometimento de uma infração ou que seja considerado culpado do cometimento de uma infração”.

Para Lima (2012), o cometimento do ato infracional, resguardado o direito da criança e do adolescente, é uma “referência para a mobilização do sistema de garantias de direito da criança e do adolescente, segundo o qual a família, a sociedade e o Estado devem compartilhar esforços para a superação do complexo fenômeno da violência”.

Sendo assim, não há possibilidade de tratar de adolescente/jovem, autor de ato infracional e com práticas reiteradas de condutas no cometimento de atos infracionais, sem mencionarmos em qual contexto social este se encontra inserido, assunto que aprofundaremos mais adiante. Com efeito, segundo Tejadas (2008, p.80):

O cometimento do ato infracional possui, certamente, inúmeras determinações, não sendo possível atribuí-lo a um único fator desencadeante, na medida em que é construído socialmente. Compõem o fenômeno aspectos estruturais relacionados ao contexto social mais amplo, às oportunidades de vida e acesso aos serviços sociais, aspectos subjetivos e familiares relacionados à constituição da identidade e à socialização do sujeito, bem como aspectos comunitários relacionados ao grupo de iguais, no qual o adolescente está vinculado e outras estruturas sociais que contribuam quanto à constituição da identidade. [...]

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Consideramos importante transcrever, aqui, a definição de atos infracionais segundo o ECA (BRASIL, 1990), que preconiza em seu artigo 103: “Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal”. Também são considerados relativos ao ato infracional os artigos 104 e 105. O primeiro deles preconiza: “São penalmente inimputáveis3 os menores de 18 (dezoito) anos, sujeitos às medidas privatistas nesta lei”. E o artigo 105 declara: “Ao ato infracional praticado por crianças corresponderão as mediadas previstas no artigo 101”. Consta ainda um parágrafo único do artigo 104: “Para os efeitos desta lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato”.

Segundo o levantamento realizado entre dezembro de 2009 e fevereiro de 2010, pela Secretaria de Direitos Humanos- SDH (SDH, 2010, p.154), em âmbito nacional, o universo dos adolescentes que ingressaram no Sistema Socioeducativo em razão de conflitos com a lei era constituído, no Brasil, por 16.940 adolescentes/jovens de ambos os sexos. Destes, 11.901 em internação, seguidos de 3.471 em internação provisória e de 1.568 em cumprimento de medida de semiliberdade. Foram identificados 732 do sexo feminino, o que corresponde a 4,32%, e do sexo masculino, correspondendo a 95,68%.

O ECA está dividido, basicamente, em dois eixos que compreendem: as medidas de proteção às crianças e aos adolescentes com direitos ameaçados e/ou violados pela família, pela sociedade, pelo Estado e por si mesmo; e as medidas socioeducativas que visam exclusivamente os adolescentes que cometeram ato infracional, os quais são responsabilizados estatutariamente pelo ato cometido. Pelo fato de serem inimputáveis, não recebem pena os menores de dezoito anos, ocasionando o recebimento de sanções que vão das mais leves às mais gravosas.

O cometimento de atos infracionais ocasiona, no direito da criança e do adolescente, a aplicação de medidas socioeducativas. Entretanto, para que se opte por qualquer uma dessas medidas, é necessário que se verifique à qual delas o adolescente tem maiores condições de adaptação e desenvolvimento. Conforme o artigo 112, do ECA:

3

O termo inimputabilidade penal refere-se a capacidade que têm a pessoa que praticou certo ato, definido como crime ( infração), de entender o que está fazendo e de poder determinar se, de acordo com esse entendimento, será ou não legalmente punida. Podendo ser absoluta ou relativa. Ver em Wikipédia: www.pt.wikipédia.org/wiki/imputabilidade_penal.

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Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I – advertência; II – obrigação de reparar o dano; III – prestação de serviços à comunidade; IV – liberdade assistida; V – inserção em regime de semi-liberdade; VI – internação em estabelecimento educacional; VII – qualquer uma das previstas no artigo 101, I a VI”. (BRASIL, 1990).

O artigo 115, do ECA, define que: “ a advertência consistirá em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada”. Para Silva (2008, p.25), “[...] esta medida tem como objetivo, a percepção do adolescente sobre sua conduta inadequada e adverti-lo sobre os riscos do envolvimento com o ato infracional, bem como prevenir a reincidência da prática de infrações”.

Já quando se refere à medida socioeducativa da obrigação de reparar o dano, o artigo 116 define que: “em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima”. Entretanto, caso o adolescente não tenha condições financeiras de restituir o bem subtraído, a medida poderá ser substituída por outra. No entender de Marques (2012, p.41):

Essa medida corre o risco de cair no vazio, uma vez que nem sempre o adolescente infrator terá como ressarcir os danos ou compensar o prejuízo causado à vítima. Um meio termo seria a chamada “solução mediada”, isto é, dar destaque à pedagogia da participação, tanto da vítima quanto do adolescente e de seu responsável, favorecendo uma compreensão dos fatos que transcenda o ‘meramente jurídico’ e o ‘meramente econômico’.

Por sua vez, o artigo 117 do ECA define a prestação de serviços comunitários, que “consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimento congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais”. O parágrafo único deste artigo recomenda: “As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a frequência à escola ou à jornada normal de trabalho”.

Expressando seu ponto de vista a respeito dessas medidas, Rosa, Júnior e Rangel (2007, p. 39) afirmam:

As medidas de advertência, obrigação de reparar o dano e prestação de serviço à comunidade indicam nítida prevalência do caráter educativo sobre o punitivo. Buscam, amparados nas técnicas educativas voltadas à autocrítica e à reparação do dano, produzir no infrator a possibilidade de reafirmação dos valores ético-sociais.

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Já no artigo 118 encontramos a seguinte proposição: “A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente”. Discorrendo sobre o assunto, Fernandes (1998, p. 131 e 132) assim se manifesta:

A medida de liberdade assistida se mostra bastante inovadora, aliás, como é o Estatuto em seu todo. Constitui um instituto jurídico sócio-educativo que deve ser escolhido, preferido, em todo caso concreto que se apresente como uma medida que encontre correspondência efetiva com suas finalidades: acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente infrator.

Externando um ponto de vista contrário ao de Fernandes, Silva (2011, p.184 e 185) entende que a liberdade assistida:

[...] prevista no ECA mantém claras características coercitivas, impositivas e sancionatórias, tendo em vista que se trata de uma medida imposta pela autoridade judicial em razão do cometimento de um ato infracional. Pressupõe a designação de um orientador, preferencialmente vinculado a programas de atendimento público governamental ou não governamental, com fins de acompanhar, fiscalizar, auxiliar, orientar e controlar o adolescente. Certamente por ser uma medida que exige um controle direto do orientador, se apresenta mais controladora, vigiada e coercitiva do que a PSC4, na qual o adolescente não mantém uma relação direta com o orientador, e sim com a instituição.

Já a semiliberdade é definida no artigo 120 “como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial”. Citamos mais uma vez Silva (2008, p. 27), porque esta autora adverte que “[...] a medida sócio-educativa de semiliberdade, apesar do evidente caráter pedagógico a que se propõe, em permitir que o adolescente trabalhe e estude durante o dia, não vem recebendo aplicabilidade na prática, pela ausência de programas específicos”.

Temos, ainda, no artigo 121, a definição de internação como: “medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”. Quanto a esses princípios, Gomes da Costa (2002 apud ROSA, JÚNIOR E RANGEL, 2007, p. 41) esclarece:

O princípio da brevidade enquanto limite cronológico; o princípio da excepcionalidade, enquanto limite lógico no processo decisório acerca de sua aplicação; e o princípio de respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, enquanto limite ontológico, a ser considerado na decisão e na implementação da medida.

4

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É relevante ressaltar que também são estabelecidas, nos artigos do ECA, garantias processuais para os adolescentes/jovens autores de atos infracionais, conforme podemos verificar a seguir:

- Artigo 110: “nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal”.

- Artigo 111: São assegurados aos adolescentes, entre outras, as seguintes garantias:

I – pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente; II – igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa; III – defesa técnica por advogado; IV – assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei; V – direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente; e, VI – direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento.

E segundo o ECA, qualquer das medidas socioeducativas citadas anteriormente pode ser aplicada exclusivamente para os adolescentes, isoladas ou cumulativamente com as medidas de proteção estabelecidas nos artigos 98 a 102, podendo ocorrer também a remissão da medida, de acordo com os artigos 126 a 128.

O Estatuto da Criança e do Adolescente ainda prevê a internação provisória ou cautelar, antes da sentença, pelo prazo máximo de 45 dias. Entretanto, esta não se constitui como medida socioeducativa, devendo ser efetivada em um Centro de Internação Provisório – CIP, conforme o artigo 108.

Apresentados os principais artigos do ECA que dispõem sobre ato infracional, considera-se importante situar a crítica feita por Silva (2011), no livro “Entre proteção e punição”, que faz aproximações comparativas entre os sistemas jurídicos penais dos adultos e dos adolescentes/jovens por entender que grande é a centralidade que o “crime/infração” ocupa na tramitação dos processos criminais. Para a autora:

O ECA tem como aporte a prevenção geral inscrita no Código Penal, que vai da comprovação do crime à aplicação das punições (medidas socioeducativas). Legitima as prisões para os adolescentes, posto que o encarceramento continua parte integrante do ideário jurídico, materializado pelos programas e pelas políticas socais de enquadramento desse segmento na sociedade de classes. O ECA ficou preso a amarras punitivas do Código Penal e não revogou o mecanismo de controle sociopenal contido nesse Código. Sendo assim, essa semelhança restringe o atendimento do adolescente ao campo da Justiça Penal Juvenil como questão de segurança social, e afastando o atendimento na área da proteção e da seguridade social. O adolescente passa a receber uma intervenção punitiva pelo ato que

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praticou, sem ser levada em consideração sua condição de pessoa em desenvolvimento. (SILVA, 2011, p.134).

Esta aproximação deveria se tornar inválida, uma vez que o ato criminoso cometido pelo adulto e o ato infracional cometido pelo adolescente/jovem, necessariamente, devem ter o processo penal organizado de forma diferente. Ou seja, a organização processual do adolescente “não pode partir da centralidade da categoria crime (investigação, julgamento e condenação do réu)”, como ocorre na organização processual do adulto.

Durante a inserção no Plantão de Atendimento Inicial – PAI, unidade de atendimento socioeducativo para adolescentes autores de ato infracional que cumprem medida cautelar de internação em Florianópolis, foi possível observar que a reiteração no cometimento de atos infracionais é uma prática que vem se transformando em algo muito comum quando se trata da trajetória do adolescente/jovem autor de ato infracional pelas instituições que atendem esse mesmo adolescente/jovem.

Entretanto, Tejadas (2008, p.13), em sua pesquisa com adolescentes reiterantes autores de ato infracional, inseridos no Sistema Socioeducativo, na cidade de Porto Alegre, explica que o ato de reiterar, cometido pelo adolescente/jovem, faz com que essa categoria seja cada vez mais estigmatizada pela sociedade brasileira, sendo muito veiculada, pelos meios de comunicação, a “necessidade” de redução da idade penal como fator que pode vir a reduzir a reiteração e, consequentemente, a criminalidade.

Segundo a mesma autora, o tema é pouco discutido no meio acadêmico e não apresenta produções específicas a esse respeito, o que traz sérios prejuízos para uma aproximação e uma compreensão mais aprofundada de um tema que, segundo ela, “[...] constitui-se em uma caixa de ressonância das políticas públicas, pois remete a lacunas e limites do Sistema Protetivo proposto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA”. (TEJADAS, 2008, p.13).

Não resta dúvida de que o Estatuto da Criança e do Adolescente é a legislação que ‘rege’ a trajetória dos adolescentes autores de ato infracional, no sentido de ser a lei que fundamenta a necessidade ou não da aplicação das medidas socioeducativas mediante a constituição de provas da participação dos adolescentes/jovens em atos delituosos.

No entanto, podemos observar que a reiteração não é tratada com a relevância que lhe é devida, tendo em vista que constitui uma das razões pelas quais se aplica a medida mais ‘pesada’ ao adolescente quando do seguido descumprimento de outras medidas aplicadas anteriormente. Dessa maneira, o ECA aborda o tema da reiteração de forma muito superficial no artigo 122 da Seção VII, que trata da medida socioeducativa de Internação, a qual diz que a

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medida de internação só poderá ser aplicada “[...] II- por reiteração no cometimento de outras infrações graves; [...].” (BRASIL, 1990). Este artigo explicita uma contradição, pois o Sistema Protetivo, que engloba as instituições de atendimento socioeducativo para os adolescentes/jovens autores de ato infracional, direciona a prática profissional no sentido de ressocializar esses adolescentes/jovens, de forma que a reiteração não se faça presente na trajetória de vida dos mesmos. O que nos parece surtir um efeito contrário ao esperado pelo Sistema Socioeducativo, haja vista a crescente reiteração de adolescentes/jovens no cometimento de atos infracionais percebida na trajetória institucional desses.

Com a recente decretação da Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE, que regulamenta a execução das medidas socioeducativas, esperamos que se consiga dar a relevância necessária ao tema do cometimento reiterado de atos infracional pelos adolescentes/jovens, pois o art. 25 desse Sistema preconiza: “A avaliação dos resultados da execução de medida socioeducativa terá por objetivo, no mínimo: [...] verificar a reincidência de práticas de ato infracional [..]”. Entretanto, mesmo se tratando da legislação atual, que regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescentes/jovens que pratiquem atos infracionais, não houve mudança na nomenclatura, que deve ser diferenciada por se tratar de adolescentes/jovens, já que o termo reincidência5 é utilizado para se referenciar os sujeitos adultos, que são ‘regidos’ por legislações que regulamentam o Sistema Penal. O termo reiterado foi encontrado, neste regimento, no art. 43, no § 1º, que diz: “[...] II – a inadaptação do adolescente ao programa e o reiterado descumprimento das atividades do plano individual; [...]”, relacionado à reavaliação da manutenção, substituição ou suspensão das medidas.

No que tange a esse aspecto, a palavra reiteração vem sendo utilizada, historicamente, para relatar algo sobre a periculosidade do sujeito que passa pelo Sistema Penal, quando se trata dos adultos que cometem infrações, no sentido de medida do grau dessa periculosidade. De acordo com TEJADAS (2008, p.17), isso pode remeter a uma leitura com uma grande “[...] carga estigmatizante significativa sobre o indivíduo [...]”, implicando numa visão distorcida sobre as reais circunstâncias em que se apresenta a reiteração. Referindo-se à utilização desse termo, Carvalho (2001 apud TEJADAS, 2008, p.18) afirma:

5

O temo reincidência, no dicionário da Língua portuguesa, significa, segundo Bueno (2007): “teimosia; repetição; recaída”.

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O rótulo da reincidência estabeleceria papéis e estigmas – perverso, inadaptado, perigoso, hediondo -, gerando expectativas do público que consome o sistema penal. Tal expectativa atua nitidamente como influência, potencializando o comportamento futuro do “reincidente”. Criar-se-iam novos status nas relações em sociedade, e o “crime” é também um status (negativo), que tendem a negar a finalidade oficial da pena – ressocialização.

Em seu artigo sobre a mesma temática, Tejadas (2005, p.09) conclui, frisando: “[...] dessa forma, ao adolescente reincidente é atribuído um status: o do reincidente, que passa a defini-lo como pessoa, carregando o estigma de ser alguém que não é mais passível de mudança, como portador de maior periculosidade”. Ou seja, o fato de nomear um adolescente/jovem como reiterante pode ocasionar um atendimento que reforce esses papéis por parte do Sistema Socoieducativo de atendimento aos adolescentes/jovens autores de ato infracional.

Embora o Sistema Socioeducativo não tenha sido pensado no sentido de que seja igual ao Sistema Penal em geral, há aproximações que podem ser feitas, por se tratar de sujeitos de direitos que se encontram na condição da perda do direito de ir e vir em virtude da privação da sua liberdade por um espaço de tempo.

Como observa muito bem Zaffaroni (2001, p.60):

[...] Cada um de nós se torna aquilo que os outros veem em nós e, de acordo com esta mecânica, a prisão cumpre uma função reprodutora: a pessoa rotulada como delinquente assume, finalmente, o papel que lhe é consignado, comportando-se de acordo com o mesmo. Todo o aparato do sistema penal está preparado para essa rotulação e para o reforço desses papéis.

Fazemos novamente referência a Tejadas (2005), porque a autora conclui, em seu artigo sobre a mesma temática, que o sistema “[...] reforça a história de segregação e de baixa auto-estima, ou seja, as determinações da esfera privada e da ausência do Estado compondo engrenagens que se reforçam mutuamente na reprodução da reincidência”. (TEJADAS, 2005, p.19).

Após ter abordado o conceito de reiteração do ato infracional mais voltado à “prática” dos adolescentes autores de ato infracional, apresentaremos, na próxima seção, a sistematização dos dados coletados na pesquisa, por meio da Ficha de Identificação dos adolescentes/jovens que ingressaram no Sistema socioeducativo via Plantão de Atendimento Inicial – PAI – de Florianópolis/SC.

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