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O princípio da afetividade como fundamento para a multiparentalidade e a consolidação do provimento 63 do CNJ

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE DIREITO

JULIANA PANDINO LEONARDO PEIXOTO

O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE COMO FUNDAMENTO PARA A

MULTIPARENTALIDADE E A CONSOLIDAÇÃO DO PROVIMENTO 63 DO CNJ

Niterói 2019

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JULIANA PANDINO LEONARDO PEIXOTO

O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE COMO FUNDAMENTO PARA A

MULTIPARENTALIDADE E A CONSOLIDAÇÃO DO PROVIMENTO 63 DO CNJ

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Universidade Federal Fluminense.

Orientadora: Profª. Giselle Picorelli Yacoub Marques Niterói 2019

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JULIANA PANDINO LEONARDO PEIXOTO

O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE COMO FUNDAMENTO PARA A

MULTIPARENTALIDADE E A CONSOLIDAÇÃO DO PROVIMENTO 63 DO CNJ

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Universidade Federal Fluminense.

Aprovada em ______ de ______________________ de ___________.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________ Orientadora – Prof.ª. Dr.ª. Giselle Picorelli Yacoub Marques

UFF – Universidade Federal Fluminense

_______________________________________ Prof.ª. Drª. Fernanda Pontes Pimentel UFF – Universidade Federal Fluminense

_______________________________________ Prof. Dr. Delton Ricardo Soares Meirelles

UFF – Universidade Federal Fluminense

Niterói 2019

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Dedico este trabalho à minha avó Delma (in

memoriam), que me ensinou, em meio a sua

simplicidade e doçura, o que é o afeto e como este pode transformar vidas.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, ao meu Deus por seu amor inexplicável e por ser o meu sustento e a minha fortaleza em todos os dias da minha vida.

Agradeço à minha família: meus pais, minha irmã e meu cachorrinho Joe, por serem minha casa, meu porto-seguro e por sempre me ampararem com carinho, afeto e cuidado, mesmo em meio às tempestades.

Agradeço ao meu namorado Matheus por ter embarcado comigo nessa jornada e por acreditar em mim, quando eu mesma não acreditava. Todas as minhas vitórias são suas e todos os seus sonhos são meus também!

Agradeço aos meus amigos por todo apoio, incentivo e por tornarem a minha caminhada muito mais leve e divertida: vocês são presentes de Deus na minha vida! Entre eles, agradeço de forma muito especial ao Israel, ao João Pedro, ao Wagner, à Lilia, a Belinha e a todos os demais jovens da minha igreja, por serem minha família do coração e meu suporte durante esse período.

Agradeço muito também à Bruna Sayão que, quando eu menos esperava, surgiu na minha vida para me auxiliar com o desenvolvimento deste trabalho. Você é demais, Bru!

Agradeço muito ao corpo docente que me guiou até aqui, principalmente aos professores Delton Meirelles, Giselle Picorelli e Fernanda Pimentel, que, mesmo em meio às tantas dificuldades enfrentadas pela universidade pública, me mostraram uma universidade plural, colaborativa e afetuosa, o que despertou em mim a paixão pela docência. Vocês foram a minha inspiração durante a faculdade: quando crescer quero ser igual a vocês!

Por fim, de forma especial, agradeço a orientação da professora Giselle Picorelli, que caminhou comigo e me ajudou a trilhar esse sonho. Obrigada, professora, por me permitir ser sua amiga e por todos os ensinos jurídicos e de vida que compartilhou comigo.

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A vida é muito maior e muito mais imprevisível do que a burocracia que cabe numa certidão.

As múltiplas formas de paternidade e as mais diversas manifestações de amor, se conjugadas, fortalecem uma sociedade mais democrática.

É, no fim, uma equação simples. Quanto mais afeto, maior a possibilidade de justiça. (Andréa Maciel Pachá)

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O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE COMO FUNDAMENTO PARA A

MULTIPARENTALIDADE E A CONSOLIDAÇÃO DO PROVIMENTO 63 DO CNJ

Juliana Pandino Leonardo Peixoto1

RESUMO

O presente estudo tem como objetivo a análise do instituto da multiparentalidade como uma consequência da consolidação do princípio da afetividade no ordenamento jurídico brasileiro. Ademais, o trabalho busca abordar os efeitos registrais extrajudiciais da multiparentalidade à luz do Provimento 63 do Conselho Nacional de Justiça. Para isso, a possibilidade de reconhecimento voluntário da parentalidade foi observada a partir de investigação das práticas desenvolvidas em cartórios de registros de pessoas naturais nas cidades de Niterói, São Gonçalo e Juiz de Fora. Entretanto, para realizar tal fundamentação, o presente artigo apresenta uma contextualização inicial sobre as transformações das entidades familiares e aborda a filiação socioafetiva, através de posições doutrinárias, jurisprudenciais e aparato legal, como um marco fundamental para o advento da multiparentalidade. Por fim, como último tópico de estudo, faz-se a descrição e análise de um caso concreto de tentativa de registro multiparental em um dos cartórios investigados.

Palavras - chave: Princípio da Afetividade. Multiparentalidade. Provimento 63 do

CNJ

ABSTRACT

The purpose of this study is to analyse the institute of multiparentality as a consequence of the constitutional consolidation of the principle of affectivity in the Brazilian legal system. In addition, the work seeks to address the extrajudicial registration effects of multiparentality under the light of Judicial Release 63 of the National Council of Justice. Hence, the possibility of voluntary recognition of parenthood was observed based on an investigation of the practices developed in registries of natural persons in the cities of Niterói, São Gonçalo and Juiz de Fora. Therefore, in order to make such a statement, this article presents an initial contextualization on the transformations of family entities and approaches the social-affective affiliation, through doctrinal positions, case law and legal apparatus, as a fundamental landmark for the advent of multiparentality. Finally, as the last topic of study, a description and analysis of a concrete case of attempted multiparental registration in one of the investigated registries is done.

Keywords: Principle of Affectivity. Multiparentality. Judicial Release 63 of the CNJ.

1 Graduanda do curso de Direito da UFF. Trabalho de Conclusão de Curso, na modalidade artigo

científico, apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), como requisito parcial para a obtenção do título de bacharel em Direito.

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Sumário: Introdução; 1. Princípio da afetividade; 2. Filiação socioafetiva; 3.

Multiparentalidade; 4. O provimento 63 do CNJ; 4.1. Investigação das práticas desenvolvidas nos cartórios extrajudiciais; 4.2. Um caso concreto: tentativa de registro multiparental em cartório com presença de filho incapaz; Considerações finais; Referências; Anexos.

INTRODUÇÃO

A multiparentalidade, instituto jurídico protagonista do presente estudo, se configura quando o indivíduo possui dois ou mais pais e/ou mães, legalmente reconhecidos e registrados, produzindo efeitos, responsabilidades, deveres, obrigações e direitos. A consolidação dessa nova perspectiva familiar se deu a partir da ampliação dos conceitos de filiação e parentalidade, em que estes não se baseiam apenas em um documento registral, mas sim, no vínculo afetivo como elemento basilar para a constituição dos novos arranjos familiares e pluriparentais. Segundo o autor Flávio Tartuce, a multiparentalidade é um caminho sem volta na modernização do direito de família e representa uma consolidação da afetividade como princípio jurídico em nosso sistema.2

Por isso, em primeiro momento, será analisado o princípio da afetividade à luz do Direito de Família, uma vez que tal fundamento tem ganhado força entre os pesquisadores, permitindo o surgimento e a concretização de novas formas de família, tal como a multiparental.

Diante disso, o instituto da multiparentalidade se conceitua a partir da alteração significativa dada a filiação, quando esta deixa de ser unicamente biológica e tem reconhecida e admitida a valorização dos laços afetivos construídos ao longo da história de cada indivíduo.

A filiação socioafetiva é um fenômeno existente nas relações familiares brasileiras, porém, o que se nota, atualmente, é a constante busca dos entes integrantes desses núcleos pela consolidação de seus direitos e pela regulamentação de sua existência. Assim, o ordenamento jurídico brasileiro passa a

2 TARTUCE, Flávio. Da extrajudicialização da parentalidade socioafetiva e da

multiparentalidade. Disponível em

https://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI256444,31047-Da+extrajudi cializacao+da+parentalidade+socioafetiva+e+da. Acesso em 20 mai. 2019.

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iniciar, de forma gradual e ainda primitiva, possibilidades de se resguardar e contemplar juridicamente as questões vinculadas a esses temas.

Com isso, o presente estudo visa analisar o instituto da multiparentalidade, tendo como ponto de partida a busca por entender o princípio da afetividade como grande fundamento das relações familiares, a sua consolidação no ordenamento jurídico e a abordagem sistêmica que este atribui a cada demanda familiar. Dessa forma, o primeiro capítulo abordará a Afetividade como princípio basilar para a estruturação social e solidificação da multiparentalidade.

O segundo capítulo deste trabalho cuidará da análise do instituto da Filiação Socioafetiva, isto é, do reconhecimento jurídico da parentalidade oriunda do afeto, principalmente através de julgados jurisprudenciais, tomando como núcleo dessa relação o filho: sujeito de direito que determina o surgimento do elo afetivo.

Ademais, o terceiro capítulo versará sobre o instituto da multiparentalidade, foco do presente trabalho, à luz do princípio da afetividade e seus desdobramentos registrais para a consolidação social e jurídica das entidades familiares pluriparentais. Por conseguinte, o quarto capítulo será destinado ao Provimento 63 do Conselho Nacional de Justiça, o qual reconhece a socioafetividade e o surgimento de famílias multiparentais diretamente registradas em cartórios de registro civil.

Assim, em conclusão, o presente trabalho busca entender o advento do provimento supramencionado, seu caráter extrajudicial e as controvérsias que o acompanham através de pesquisas, entrevistas e coletas de dados realizadas em cartórios de registros civil das pessoas naturais, sendo dois no estado do Rio de Janeiro e um no estado de Minas Gerais. É necessário validar que a escolha destes cartórios se deu através do interesse de acompanhar e analisar a divulgação e a eficácia do provimento 63 nos centros urbanos e, ao final, compará-las, dentro desse recorte investigatório, aos cartórios de cidades interioranas.

1. O PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE

As organizações familiares são organismos vivos, sistêmicos e dinâmicos permeadas, na maioria das vezes, por sentimentos. Entretanto, o afeto tem desempenhado um papel protagonista no Direito de Família e, de forma crescente,

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ganhado maior importância e, por consequência, se consolidado como valor jurídico. Apesar de não ter seu conceito expresso e garantido literalmente na Constituição de 1988, o princípio da afetividade surge após o seu advento e é resultante de suas diretrizes e fundamentos de redemocratização. A afetividade se conceitua como a capacidade individual de experimentar e vivenciar sentimentos, transferindo para as relações interpessoais os resultados desses fenômenos enternecedores.

Flávio Tartuce esclarece que “o afeto não se confunde necessariamente com o amor. Afeto quer dizer interação ou ligação entre pessoas, podendo ter carga positiva ou negativa. O afeto positivo, por excelência, é o amor; o negativo é o ódio. Obviamente, ambas as cargas estão presentes nas relações familiares.”3 Para

alguns autores e pensadores do direito familiar, como é o exemplo do autor supramencionado, apesar de não estar expresso em nosso ordenamento, o afeto adquiriu força de princípio sendo, portanto, delimitador e orientador das condutas e novos padrões familiares. Nesse mesmo sentido, a autora Maria Helena Diniz4

estabelece que o “princípio da afetividade, corolário do respeito da dignidade da pessoa humana, como norteador das relações familiares e da solidariedade familiar”. Vale ressaltar, que a afetividade não se origina racionalmente ou a partir de mera construção lógica. Ela traz sobre si o desenvolvimento do afeto ao longo das civilizações, dos marcos culturais e transformações sociais. Talvez seja, de forma analítica, o grande elo interdisciplinar entre o Direito de Família e outros campos de estudo, como a Filosofia, a Etnologia, a Antropologia, a Psicanálise e a História, promovendo a interdisciplinaridade necessária para compreender os novos arranjos familiares, guiá-los e garanti-los.

A partir disso, o presente estudo considera o princípio da afetividade como um novo fundamento jurídico e o analisa através da ótica constitucional das relações familiares contemporâneas, consolidando a moderna perspectiva do Direito Civil-Constitucional.

A leitura constitucional do Direito Privado permite a compreensão ampla das relações entre particulares e das construções humanas, alicerçado sobre a ótica do Direito Público, isto é, a partir dos interesses e valores sociais. Diante dessa

3 TARTUCE, Flávio: O Princípio da Afetividade no Direito de Família. Disponível em: https://

flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/121822540/o-principio-da-afetividade-no-direito-de-familia. Acesso em 03/12/2018

4 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família, vol. 5, 30 ed. São

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integração entre ramos do direito, o Direito Civil Constitucional é aquele que afasta a ideia de primazia do Código Civil para gerenciar unicamente as relações pessoais e passa a analisá-las sob a ótica da Constituição Federal de 19885.

O autor Gustavo Tepedino esclarece acerca do tema:

A preocupação central do ordenamento é com a pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, o elemento finalístico da proteção estatal, para cuja realização devem convergir todas as normas de direito positivo, em particular aquelas que disciplinam o direito de família, regulando as relações mais íntimas e intensas do indivíduo social.6

Diante disso, a tendência de constitucionalização do Direito Civil, reforça a ideia de que as legislações específicas devem estar em harmonia com os princípios e garantias constitucionais, em especial no que tange ao Direito das Famílias, cujo objetivo é a proteção do núcleo familiar a partir da tutela da própria pessoa humana7,

isto é, do ente integrante das relações familiares.

Seguindo o mesmo panorama, Luiz Fux esclarece:

Nas últimas décadas o processo da constitucionalização do Direito Privado não se restringiu à mera ressignificação de princípios, de regras, de institutos e de categorias conceituais próprias do microssistema civilista. Operou-se efetiva refundação da estrutura axiológica que baliza a Teoria Geral do Direito Privado. Relativamente ao Direito de Família, as concepções patrimonialista e autoritária das relações familiares cederam espaço para a noção de família como locus de construção da privacidade e do afeto entre seus diversos membros, seja diante de laços genéticos, seja mediantes laços socioafetivos.8

Nesse mesmo sentido, a constituição vigente permite que novos princípios gerais sejam introduzidos, ganhem força e se estabilizem no ordenamento jurídico, uma vez que a Carta Magna traz em seu texto solo fértil para tais aparições, como o princípio da dignidade humana, a consagração da igualdade dos cônjuges e dos filhos, a primazia dos interesses da criança e do adolescente, além de reconhecer, expressamente, formas de famílias não fundadas no casamento, às quais estendeu a proteção do Estado. Assim, o princípio da afetividade pode ser considerado um princípio constitucional implícito, decorrente da dignidade da pessoa humana, uma

5 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 2. 6 Cf. TEPEDINO, Op. cit., p. 326.

7 LEITE, Ana Carolina Villaboim da Costa. Direito civil constitucional: famílias contemporâneas na

legalidade civil-constitucional. In: Aperfeiçoamento de Magistrados da Escola de Magistratura

do Estado do Rio de Janeiro, vol. I, n. 13, p. 25

8 FUX, Luiz.Prefácio. In: POVOAS, Mauricio Cavallazzi. Multiparentalidade, a possibilidade de

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vez que este valor constitucional emana luzes sobre todo o ordenamento, sendo o norte definidor das relações construídas e dos efeitos produzidos por elas. Em suma, a Constituição Federal em seu artigo 227 § 6º acaba por ampliar o conceito de família e passa a não admitir qualquer tratamento discriminatório quanto à origem da filiação, quer biológica, quer havida de outras formas, reconhecendo e garantindo direitos e qualificações iguais a toda prole9.

O Código Civil (Lei nº 10.406/2002) em seu artigo 1.593, estabelece que o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem e, por sua vez, guarda íntima relação com o artigo 227, § 6º da Constituição Federal, os quais estabelecem as múltiplas e variáveis origens do parentesco, incorporando, segundo a autora Maria Berenice Dias, o conceito de socioafetividade e garantindo a equiparidade entre os laços afetivos e biológicos10.

O conceito de família sofreu diversas mudanças ao longo dos anos e, atualmente, a formação familiar se desvinculou da herança patriarcal e se baseia na autonomia da vontade dos indivíduos envolvidos. Assim, surgem, afloram e se mostram com uma maior dignidade as uniões livres e afetivas.

Rodrigo da Cunha Pereira descreve que

A família hoje não tem mais seus alicerces na dependência econômica, mas muito mais na cumplicidade e na solidariedade mútua e no afeto existente entre seus membros. O ambiente familiar tornou-se um centro de realização pessoal, tendo a família essa função em detrimento dos antigos papéis econômico, político, religioso e procriacional anteriormente desempenhados pela ‘instituição’.11

Isto é, a despatrimonialização do direito civil traz consigo o caráter subjetivo fundamentado na igualdade e na liberdade, os quais vêm acometendo o Direito de Família e representa, também, uma mudança social, uma vez que a entidade familiar tende a ser o reflexo da sociedade onde está inserida. Dessa maneira, quando se abdica da constituição familiar a partir da subordinação econômica, dos arranjos parentais, das influências religiosas e culturais, jorram, em resultante, novos

9 Constituição da República Federativa Brasileira de 1988, art. 227, § 6: “Os filhos, havidos ou não da

relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

10 DIAS, Maria Berenice. Multiparentalidade: uma realidade que a Justiça começou a admitir.

Disponível em: http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq/(cod2_13075)MULTIPARENTALIDA DE__Berenice_e_Marta.pdf. Acesso em: 29 mai. 2019.

11 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípio da afetividade. In DIAS, Maria Berenice (coord.).

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modelos familiares e, consequentemente, novas demandas jurídicas que, por sua vez, ainda não são amparadas pelo nosso ordenamento.

Isso permite (e obriga) ao Direito se adaptar às novas demandas, levando o seu operador a tratar cada nova lide, especificamente no âmbito do Direito de Família, de maneira artesanal e sistêmica em virtude da contemporaneidade de cada fato apresentado. Por conseguinte, faz com que a formalidade do direito brasileiro seja relativizada e os Tribunais ganhem relevância ao tratar do assunto, passando a orientar e delimitar as novas composições familiares, através das interpretações extensivas e mutações constitucionais, gerando consequências progressistas, principalmente, na esfera jurisprudencial12, sendo, por fim, notável o

distanciamento da época na qual o legislador estabelecia presunções unicamente calcadas no matrimônio13.

Segundo o autor Ricardo Cálderon,

O direito, permeável à realidade que lhe é subjacente, sofreu o influxo dessa mudança, sendo cada vez mais demandado por conflitos indicadores desse outro cenário que se apresentava. A cultura jurídica brasileira, entretanto, ainda está baseada em um direito de matriz moderna, precipuamente formal, com forte relevância da lei na definição do que se entende por direito, em vista do que o diálogo com essa pulsante realidade em movimento não foi tranquilo.14

Assim, as entidades familiares ora existentes têm sido reformuladas e renovadas a partir da afetividade, permitindo por sua vez, o surgimento de novos padrões familiares.

Nota-se, portanto, uma evolução gradual do sistema jurídico brasileiro para amparar e entender as novas dinâmicas familiares e sociais, o que, por sua vez, ocorre através da miscigenação jurídica entre o Direito Privado, seus efeitos e paradigmas, e o Direito Público: que demonstra a necessidade de reconhecer a

12 Em acórdão do STJ de 2014, RE nº 1.328.380 - MS (2011/0233821-0), nota-se no voto do relator a

influência dessa linha de compreensão. O Ministro Marco Aurélio Belizze, a certa altura, diz que “em atenção às novas estruturas familiares, baseadas no princípio da afetividade jurídica (a permitir, em última análise, a realização do indivíduo como consectário da dignidade da pessoa humana), a coexistência de relações filiais ou a denominada multiplicidade parental, compreendida como expressão da realidade social, não pode passar despercebida pelo direito”.

13 GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil: Direito de Família: as famílias em

perspectiva constitucional, vol. 6. 5 ed. São Paulo: 2015, p. 642.

14 CALDERÓN, Ricardo Lucas. Princípio da Afetividade no Direito de Família, Disponível em:

http://www.egov.ufsc.br:8080/portal/sites/default/files/principio_da_afetividade_no_direito_de_familia .pdf. Acesso em 26 mai. 2019.

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efetividade dos direitos fundamentais nas relações oriundas da autonomia privada e passa a permeá-las.

Então, conclui-se que, apesar de trazer progressos em seu processo de estabilização no Direito de Família, o afeto ainda é muito tormentoso na esfera jurídica. Apesar do caráter personalíssimo que tem sido atribuído às relações de família, onde objeto tutelado consiste, cada vez mais, na conexão interpessoal entre as partes, o reconhecimento do princípio da afetividade ainda não é unânime na doutrina.

Por sua ausência no texto constitucional, muitos operadores acabam por banalizar o princípio da afetividade quando o amparam unicamente no princípio da dignidade da pessoa humana que, possui extensa abertura para análises e interpretações diversas. Ocorre que, essa mesma fenda interpretativa, acaba por vulnerabilizar a afetividade, reduzindo sua força de aplicação.

Dessa maneira, alguns autores, como José Weidson de Oliveira Neto e Antônio Jorge Pereira Júnior15, evidenciam em seus textos o intenso paradoxo entre

a importância dada à dimensão afetiva do indivíduo e a suportabilidade do ordenamento jurídico brasileiro para tais transformações.

Essa vertente é especificada, de forma muito clara no texto “(In)viabilidade do Princípio da Afetividade”16, enfatizando essa contraposição ao dizer que:

Por outro lado, cabe ainda questionamento acerca das limitações à sua aplicabilidade. Para tanto seria necessário enunciar o próprio conceito e suas especificidades. Aqueles que advogam pela existência de tal princípio partem de uma definição do “princípio da afetividade” como simples consideração da dimensão afetiva do indivíduo, enquanto integrante da sua dignidade. A partir desta conceituação, questiona-se: o ordenamento jurídico brasileiro vigente comportaria, nesse molde, o ‘princípio da afetividade’? Sendo a afetividade elemento da interioridade, como dar-lhe status de princípio jurídico, sendo que o Direito prima pela dimensão objetiva das relações sociais? Nenhum princípio jurídico se refere a algo da dimensão interna do indivíduo, exatamente porque isso escapa ao Direito.17

Diante disso, o autor afasta a ideia de que a afetividade se tornou o elemento central-basilar do Direito de Família, uma vez que estes consideram o afeto como uma realidade individual, passível de falhas e boicotes. Contudo, também não

15 OLIVEIRA NETO, Jose Weidson de; PEREIRA JUNIOR, Antonio Jorge. (In)viabilidade do princípio

da afetividade. Universitas Jus, [s.l.], v. 27, n. 2, p.00-00, 15 dez. 2016. Centro de Ensino Unificado de Brasilia, p. 114.

16OLIVEIRA NETO, Jose Weidson de; PEREIRA JUNIOR, Antonio Jorge. Op. cit.. 17 OLIVEIRA NETO, Jose Weidson de; PEREIRA JUNIOR, Antonio Jorge. Op. cit., p. 119.

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configuram mais as relações familiares como patrimoniais, vinculadas à antiga ideia civilista, mas sim, estabelecem tais conexões a partir da solidariedade, isto é, unicamente à liberdade dada aos sujeitos ativos das relações.

Conquanto, o presente artigo não se direciona a partir dessa inclinação. O objeto deste estudo é a afetividade como princípio fundamentante e formador dos novos modelos de família, sendo amparado, inclusive, pela Carta Magna vigente.

A afetividade possui uma única fonte: o indivíduo. Ela emana exclusivamente de sua autonomia e, gera, a partir desta, múltiplos organismos familiares, representando a transformação social e, principalmente, o desenvolvimento do ordenamento jurídico, que, por sua vez, começa a buscar meios e caminhos para tutelar os padrões contemporâneos. Em suma, a afetividade é a raiz de uma árvore que é capaz de originar diversos frutos, que representam as múltiplas formas de família hoje existentes. A seiva que corre por seus galhos é o afeto, responsável por nutrir a estrutura daquela planta e, por fim, seus galhos, são as obrigações, responsabilidades e direitos, que conectam e sustentam os frutos, para que estes não caiam e se encontrem desamparados. Assim, os frutos estão sempre condicionados à origem afetiva.

Como visto, o princípio da afetividade não surge só, já que traz com ele efeitos intransponíveis, sendo responsável, também, por amparar não só o surgimento, como a manutenção e o desenvolvimento das relações familiares, atribuindo a esses núcleos deveres e garantias, podendo gerar vínculos contratuais e, até mesmo, pecuniários, como ocorre em casos de abandono afetivo que, quando constatado, gera a obrigação de indenizar moralmente o indivíduo abandonado em virtude do prejuízo psíquico causado18.

A partir disso, nota-se a ebulição de novos organismos familiares, agora chamados de famílias socioafetivas19, enaltecendo e criando novos vínculos de

18Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.159.242. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Publicado no DJe em: 10/05/2012. “A reparação por danos morais, no presente caso, não trata, então, de 'monetarização das relações familiares' para penalizar os infratores 'por não demonstrarem a dose necessária de amor', como entende o recorrente, mas de compensação imposta sobretudo pelo descumprimento dos deveres decorrentes do exercício do poder familiar e do dever de prestar assistência material à criança”. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/jsp/ revista/abreDocumento.jsp?componente=COL&sequencial=14828610&formato=PDF. Acesso em: 02 abr. 2019.

19 A autora Maria Berenice Dias destaca a seguinte fala do autor João Baptista Villela: “as

transformações mais recentes por que passou a família, deixando de ser unidade de caráter econômico, social e religioso para se afirmar fundamentalmente como grupo de afetividade e companheirismo, imprimiram considerável reforço ao esvaziamento biológico da paternidade”

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filiação e de parentesco, variando tão somente na sua intensidade e nas peculiaridades de cada caso concreto, muitas vezes imprevisíveis, mas sempre complexos e singulares. Assim, os vínculos consanguíneos não mais se sobrepõem aos enlaces afetivos20.

Apesar de mascaradas, as relações socioafetivas sempre estiveram presentes nos diversos modelos familiares brasileiros. Entretanto, em virtude da herança patriarcal e da antiga ideia de linhagem tradicional, o vínculo afetivo não era reconhecido e, muitas vezes, visto como ilegal ou paralelo ao núcleo familiar reconhecido como legítimo.

Guiado por esse contexto, os avanços jurídico-familiares permeados pelo princípio da afetividade permitem que novos institutos se legitimem, como é o caso da multiparentalidade: foco do presente estudo. Esta, por sua vez, se origina a partir da filiação socioafetiva e, se legitima no âmbito jurídico, quando permite a inclusão de pais/mães21 na certidão de nascimento, sem excluir o vínculo já preexistente.

A multiparentalidade efetiva a atuação do princípio da afetividade e sua concretização incorpora uma relevância histórico-social para o Direito de Família, uma vez que esta se tornou um marco para ordenamento jurídico contemporâneo, com remotas possibilidades de retroagir, consolidando ainda mais a afetividade como verdadeiro princípio jurídico do sistema nacional.

Diante disso, nota-se que reconhecimento jurídico da afetividade como princípio fundamental das relações familiares foi o elemento basilar para a apuração da filiação socioafetiva, além de abrir espaços no ordenamento jurídico para sua consolidação e efeitos.

(DIAS, Maria Berenice. Quem é o pai? Porto Alegre. 2009, p. 324. Disponível em: http://www.mariaberenice.com.br/uploads/2_-_quem_%E9_o_pai.pdf. Acesso em: 25 abr. 2019).

20 Supremo Tribunal Federal. RE 898.060. Relator: Ministro Luiz Fux. Publicado no DJe em: 21/09/2016. Julgamento da Repercussão Geral 622, o qual acolheu a tese de que a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios. A seguinte asserção será analisada em tópico seguinte.

21 A parentalidade socioafetiva é a expressão que abrange as duas hipóteses terminológicas:

paternidade e maternidade socioafetivas, ou seja, que abraça tanto as ações onde se discute quem é o genitor quanto quem é a genitora (POVOAS, Mauricio Cavallazzi. Multiparentalidade, a

possibilidade de múltipla filiação registral e seus efeitos. 2. ed, Porto Alegre: Conceito, 2017, p.

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2. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA

Anteriormente, a filiação se concretizava socialmente através do vínculo biológico, de forma mais específica, como fruto da procriação realizada no reduto do casamento. Ocorre que, atualmente, não mais se questiona a origem da filiação22,

uma vez que é percebido que o afeto pode gerar filhos.

De maneira introdutória, cabe salientar a aplicação do princípio da igualdade jurídica entre os filhos nas filiações socioafetivas. O legislador brasileiro registra no artigo 227 § 6º da Constituição Federal /88 que: “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”, ratificando a extinção da prática classificatória destinada anteriormente aos filhos, uma vez que o Código Civil de 1916 estabelecia categorias e distinções entre os chamados filhos legítimos, oriundos da relação conjugal, e ilegítimos: aqueles que não procediam do vínculo contratual matrimonial estabelecido23.

Dessa maneira, a filiação socioafetiva se dá quando o indivíduo se reconhece como filho a partir de um vínculo de afetividade recebido por aqueles que estão a exercer a função parental. Logo, nota-se que origem genética não é mais o único pressuposto de filiação.

Cabe evidenciar que o presente estudo visa analisar a socioafetividade e suas vertentes a partir da ótica do filho: sujeito de direito que exerce simultaneamente a função de iniciador e receptor do afeto. O professor José Fernando Simão, em 30 de agosto de 2018, durante palestra na Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, proferiu questionamento a partir da natureza dos filhos. Segundo ele, todos são filhos da presunção, exceto aqueles gerados a partir das relações adotivas, de inseminação artificial ou verificação da paternidade através de exame de DNA e que possuem conhecimento sobre estas ligações. Isto é, ele mostra que o vínculo socioafetivo sempre foi presente e que a comprovação genética é prova técnica recente, sendo pouco relevante para a construção social de filiação. O presente estudo acompanha esta tese.

22 DIAS, Maria Berenice. Quem é o pai? Porto Alegre. 2009, p. 05. Disponível em:

http://www.mariaberenice.com.br/uploads/2_-_quem_%E9_o_pai.pdf. Acesso em: 25 abr. 2019.

23 Código Civil de 1916 (Lei 3.071/1916), art. 332: “O parentesco é legítimo, ou ilegítimo, segundo

procede, ou não de casamento; natural, ou civil, conforme resultar de consangüinidade, ou adoção”.

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Deste modo, o filho é o objeto da posse do estado de filiação, representando a consolidação do afeto, como observa o autor Paulo Lôbo:

A posse do estado de filiação constitui-se quando alguém assume o papel de filho em face daquele ou daqueles que assumem os papéis ou lugares de pai ou mãe ou de pais, tendo ou não entre si vínculos biológicos. A posse de estado é a exteriorização da convivência familiar e da afetividade, segundo as características adiante expostas, devendo ser contínua24.

Sobre a posse do estado de filho, a autora Maria Berenice Dias o conceitua no seguinte trecho:

Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar, não do sangue. Assim, a posse de estado de filho nada mais é do que o

reconhecimento jurídico do afeto, com o claro objetivo de garantir a

felicidade, como um direito a ser alcançado.25

Nesse sentido, ao ser analisado diante da vivência prática das composições familiares, o estado da posse de filiação é aquele que dá publicidade à relação construída entre os pais e o chamado filho de criação26. Assim, a filiação

socioafetiva é resultado da construção estabelecida na posse de estado de filho, ou seja, a partir do vínculo afetivo entre a classe parental e seus faticamente estabelecidos descendentes em primeiro grau.

Tendo a noção de posse supramencionada como base, o autor Paulo Lôbo classifica filiação da seguinte forma:

Filiação é conceito relacional; é a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, uma das quais nascida da outra, ou adotada, ou vinculada mediante posse de estado de filiação ou por concepção derivada de inseminação artificial heteróloga27.

Assim, se conclui que o filho é quem determina a relação parental socioafetiva, mesmo quando menor, uma vez que é sujeito de direito capaz de invocar princípios que o amparem. Em cenário processual, como em uma ação de alimentos, por exemplo, é notável a característica de primazia do filho, uma vez que,

24 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Posse do estado de filiação. Disponível em: https://www2.camara.

leg.br/agencia/noticias/113435.html. Acesso em: 28 mai. 2019.

25DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 09 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2013, p. 73.

26 SALOMÃO, Marcos Costa. A Filiação Socioafetiva pela Posse de Estado de Filho e a

Multiparentalidade no Provimento 63 do CNJ. Disponível em:

https://www.conjur.com.br/dl/marcos-salomao-norma-cnj-mostra.pdf. Acesso em: 30 mai. 2019.

(20)

quando menor, este é representado por seu responsável28, mas não deixa de figurar

na ação, já que o direito de ser alimentado é seu. Logo, o presente estudo considera o filho, incapaz ou não, como núcleo sociológico do exercício da função29 de pai e

mãe.

Há quase três décadas a filiação socioafetiva vem sendo estudada por autores brasileiros, como Paulo Lôbo30 e João Baptista Villela31 e sendo consolidada

no ordenamento jurídico. Esta filiação concreta é percebida na vida das partes por uma situação fática, onde a criança passa a manter, durante um lapso temporal, uma referência paterna ou materna que não advém da ascendência biológica e se consolida socialmente a partir de uma relação de afeto e afinidade, normalmente oriunda de uma recomposição familiar.

Nesse sentido, vale ressaltar que a família recomposta32 é um reflexo das

mudanças sociais enfrentadas pela entidade familiar. Esta surge, necessariamente, a partir de um desmembramento da família primitiva (em sua maioria: hierárquica, matrimonial, patriarcal e patrimonial) e passa, normalmente, por um estágio monoparental33.

Ainda convém lembrar, que a filiação socioafetiva se dá através do reconhecimento social das manifestações concretas de afeto, isto é, quem desenvolve o poder familiar é quem cria; o ascendente não é mais, exclusivamente, quem gera. Nesse sentido, Paulo Luiz Netto Lôbo assevera:

O estado de filiação, que decorre da estabilidade dos laços afetivos construídos no cotidiano de pai e filho, constitui fundamento essencial de atribuição de paternidade e maternidade. Nada tem a ver com o direito de cada pessoa ao conhecimento de sua origem genética. São duas situações distintas, tendo a primeira natureza de direito de família e a segunda, de

28 Ao julgar o REsp 1.046.130, o STJ considerou o direito da mãe em requerer alimentos em nome

próprio em favor dos filhos. Entretanto, a Ministra Nancy Andrighi afirma que "naturalmente o direito aos alimentos, reconhecido pelo acórdão não é titularizado pela mãe, mas por cada um dos filhos a quem ela representou”, considerando a questão como má-técnica processual (Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.046.130. Relator: Ministro João Otávio de Noronha. Publicado no DJ em: 14/03/2011. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/18458507/eresp-1046130. Acesso em: 04 jun. 2019).

29 BARBOZA, Heloisa Helena. Entrevista. Informativo IBDFAM, n. 74, maio/jun. 2012, p. 3.

30 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Paternidade Socioafetiva e o Retrocesso da Súmula 301. Disponível

em: http://www.ibdfam.org.br/_img/congressos/anais/37.pdf, p. 05. Acesso em 16 mai. 2019.

31 VILLELA, João Baptista. A Desbiologização da Paternidade. Revista da Faculdade de Direito da

Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, UFMG, ano XXVII, n. 21, maio 1979, p.

403.

32 VALADARES, Maria Goreth Macedo. Famílias Recompostas. Disponível em: http://www.ibdfam.

org.br/_img/congressos/anais/50.pdf, p. 01. Acesso em: 06 jun. 2019.

33 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Art. 226, § 4º: “Entende-se, também, como

(21)

direito da personalidade. As normas de regência e os efeitos jurídicos não se confundem nem se interpenetram.34

O autor João Baptista Villela foi pioneiro ao tratar do tema, em sua obra

Desbilogização da Paternidade, ao afirmar que a paternidade é elemento cultural, ou

seja: que ser pai ou ser mãe não está tanto no fato de gerar quanto na circunstância de amar e servir.35 Assim, ele ratifica a primazia do melhor interesse do menor e do

bem-estar do filho, sobrepondo-os aos elos do sangue.

O que se nota, portanto, é que o ordenamento jurídico continua reconhecendo a importância da filiação de natureza biológica, porém, não mais a sobrepõe sobre as oriundas de laços afetivos. Ocorre que, como já visto no início do presente estudo, o atual Código Civil (Lei nº 10.406 de 2002) não trata disso com especificidade, cabendo aos tribunais o reconhecimento do presente instituto. Em 2017, o Superior Tribunal de Justiça – STJ passa a tratar a socioafetividade nas filiações a partir da demanda ajuizada por um pai registral e afetivo36, que, após o

fim de sua relação com a mãe do menor, pleiteia a desconstituição da paternidade, com a retirada do vínculo de registro. Em 2003, através do REsp 119346/GO37, o

STJ também enfatizou o reconhecimento da filiação socioafetiva oriunda de adoção à brasileira, apesar da ilicitude deste instituto.

Assim, ao julgar o recurso especial 161364138, o STJ reconhece a filiação

socioafetiva ao conceder a manutenção do vínculo de filiação supramencionado, tanto em âmbito registral, como socioafetivo, apesar de ausente a descendência biológica.

34 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção

necessária. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Org.). Anais do IV Congresso Brasileiro de

Direito de Família, Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 523.

35 VILLELA, João Baptista. A Desbiologização da Paternidade. Revista da Faculdade de Direito da

Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, UFMG, ano XXVII, n. 21, maio 1979, p.

408

36Caracteriza a chamada “Adoção à Brasileira”: adoção ilícita que não preenche os trâmites legais

previstos no ordenamento jurídico brasileiro, realizada ao registrar filho de outrem, sabendo que este não é seu, caracterizando crime, previsto no artigo 242 do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940).

37 Superior Tribunal de Justiça. REsp 119.346/GO. Relator: Ministro Barroso Monteiro. Publicado no

D.O.U. em: 23/06/2006. Disponível em:

https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipo

PesquisaNumeroRegistro&termo=199700101819&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=proces sos.ea. Acesso em: 17 mai. 2019.

38 Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.613.641/MG. Relator: Ministro Barros Monteiro. Publicado no

DJ: 23/06/2003. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/467861462/recurso-especial-resp-1613641-mg-2014-0291214-0/inteiro-teor-467861472?ref=juris-tabs. Acesso em 18/06/2019. Acesso em: 22 mai. 2019.

(22)

Diante deste precedente, o reconhecimento jurisprudencial da socioafetividade fez com que apontassem novos conflitos acerca do tema, principalmente no que tange a discussão de como iriam coexistir os vínculos parentais biológico e afetivo, sempre trazendo a ideia de prevalência entre um deles. Como forma de dirimir esses conflitos, estabeleceu-se como critério o registro de apenas um pai, sendo este de sangue ou não.

Vale ressaltar, que a paternidade socioafetiva não é única, sendo reconhecida, também, a maternidade socioafetiva, a qual afasta a ideia patriarcal da posse do estado de filiação, já que os pleitos são, em sua maioria, pelo reconhecimento de paternidades socioafetivas. A maternidade de fato demonstra o constante dinamismo das relações familiares contemporâneas e foi reconhecida pelo STJ através de, inicialmente, uma ação declaratória de maternidade, julgada posteriormente no RECURSO ESPECIAL Nº 1.291.35739, o qual reconhece a

possibilidade jurídica do pedido requerido, dando respaldo jurídico ao que já era público e notório. Não merecendo, portanto, ser acolhida qualquer distinção no tratamento desta, em virtude daquela já consagrada.

Em retomada, após 201640, a desvinculação da função parental da

ascendência biológica e da pluriparentalidade passam a ser reconhecidas. Assim, a possibilidade de coexistência de vínculos, a qual será abordada posteriormente como multiparentalidade, ratifica a ausência de hierarquia para os parâmetros de filiação e garante que não há justificativa legal para limitar o reconhecimento daqueles que desempenham o poder familiar.

O juiz e autor Mauricio Cavallazzi Póvoas assim observa:

A evolução natural das relações interpessoais fez aparecer várias formas de núcleos familiares na sociedade, possibilitando o reconhecimento de arranjos familiares que superam as hipóteses legalmente previstas. A família, em outras palavras, ultrapassa os limites da norma burocrática escrita por homens, frequentemente influenciados por ideias pessoais e influências religiosas.41

39 Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.291.357/SP. Relator: Ministro Ricardo Vilas Boas Cueva.

Publicado no DJe em: 17/10/2017. Disponível em:

https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/511209093/recurso-especial-resp-1356142-sp-2012-0161371-6/inteiro-teor-511209103?ref=juris-tabs. Acesso em 18/06/2019. Acesso em: 22 mai. 2019.

40 Superior Tribubal Federal. RE 898.060. Relator: Ministro Luiz Fux. Publicado no DJe em:

29/09/2016. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4803092. Acesso em 19 mai. 2019.

41 POVOAS, Mauricio Cavallazzi. Multiparentalidade, a possibilidade de múltipla filiação registral

(23)

Logo, atribui ao afeto e ao sangue autonomia equiparada para a formação das entidades familiares.

Dessa forma, este nivelamento entre os elementos formadores das famílias socioafetivas contemporâneas amplia o conceito de parentalidade e permite que a pluralidade destes vínculos seja reconhecida e consolidada no ordenamento jurídico brasileiro, sendo, então, a multiparentalidade o instituto abordado a seguir.

3. MULTIPARENTALIDADE

A multiparentalidade surge nos tribunais a partir do reconhecimento da filiação socioafetiva. Dessa maneira, o acolhimento da tese da multiparentalidade, se deu através da admissão de dois vínculos paternos em determinado caso concreto. A demanda processual chegou ao plenário da Suprema Corte, quando o pai biológico interpôs recurso extraordinário em face de decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o qual havia determinado responsabilidades ao genitor, ainda que a filha possuísse pai socioafetivo registrado. Nesse sentido, mediante o julgamento do caso narrado (RE 898.060/SC) e da fixação da Repercussão Geral 62242, o Supremo Tribunal Federal passou a admitir, considerando o princípio da

paternidade responsável43, de maneira histórica para o sistema jurídico brasileiro, a

paternidade socioafetiva, sem qualquer impedimento de vínculo concomitante, baseado na origem biológica.44

Com isso, ao garantir que o registro realizado pelo pai afetivo não impede o filho de buscar o reconhecimento do vínculo de filiação com o antecedente genético, atribuindo a este a paternidade responsável, a decisão supramencionada do STF

42 Superior Tribubal Federal. RE 898.060. Relator: Ministro Luiz Fux. Publicado no DJe em:

29/09/2016. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4803092. Acesso em 19 mai. 2019.

43 Constituição da República Federativa Brasileira de 1988, Art.226, § 7º: “Fundado nos princípios da

dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas”.

44“A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento

do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”. (Superior Tribubal Federal. RE 898.060. Relator: Ministro Luiz Fux. Publicado no DJe em: 29/09/2016. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4803092. Acesso em 19 mai. 2019)

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trouxe como aspectos centrais45 o reconhecimento jurídico da afetividade, o vínculo

biológico e socioafetivo em igual grau de hierarquia jurídica e a prevalência do princípio da paternidade responsável. Além desses, o julgamento anterior abriu as portas do ordenamento jurídico brasileiro para a consolidação dos novos significados atribuídos à filiação e parentalidade mas, principalmente, para a evidência e possibilidade jurídica da multiparentalidade e a consagração do princípio da afetividade, mas não do afeto. Este, por sua vez, é ato autônomo, químico, íntimo e pessoal. A partir deste marco histórico, o STF apenas passa a orientar e direcionar as relações socioafetivas, fundadas unicamente na exteriorização do afeto. Nesse sentido, o autor e procurador Anderson Schreiber expõe:

Em um campo tão delicado como o da família, cercado de ‘pré-conceitos’ de origem religiosa, social e moral (por vezes, moralista), o STF adotou um posicionamento claro e objetivo, em sentido diametralmente oposto ao modelo da dualidade parental, consolidado na tradição civilista e construído à luz da chamada ‘verdade’ biológica.46

Vale ressaltar que, assim como a existência da paternidade socioafetiva, registrada ou não, não impede o reconhecimento da biológica, a tese inversa também é admitida pela doutrina47. A parentalidade biológica não impede o

reconhecimento concomitante da socioafetiva, isto é, as decisões devem acolher tanto vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos quanto aqueles originados da ascendência biológica. Logo, conclui-se que a multiparentalidade possui duas vias de reconhecimento.

Apesar de não ser o primeiro caso concreto a respeito dessa matéria, o julgamento em tela ganhou visibilidade por seu caráter pioneiro e ousado, uma vez que a Corte Suprema se mostrou aberta a acompanhar a transformação social, rompendo, mesmo que de forma sutil, parte da película preconceituosa e

45 Referência obtida a partir da palestra sobre multiparentalidade promovida pelo Fórum Permanente

de Direito de Família e Sucessões da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro em 30 de agosto de 2018.

ESCOLA DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Com diferentes pontos de

vista, advogados debatem a multiparentalidade. Disponível em: http://www.emerj.tjrj.jus.br/

paginas/noticias_todas/com-diferentes-pontos-de-vista-advogados-debatem-a-multiparentalidade.ht ml. Acesso em: 30 mai. 2019.

46 TARTUCE, Flávio. STF, Repercussão Geral 622: multiparentalidade e seus efeitos. Disponível

em: https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/388310176/stf-repercussao-geral-622-multiparentali dade-e-seus-efeitos. Acesso em 30 mai. 2019.

47 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Informativo nº 840. 2016. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/

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tradicionalista que envolve o Direito de Família. A respeito do tema, destaca o autor Ricardo Cálderon:

Merece ser louvada a relevante tese aprovada pelo STF, que foi explícita em afirmar a possibilidade de cumulação de uma paternidade socioafetiva concomitantemente com uma paternidade biológica, mantendo-se ambas em determinado caso concreto, admitindo, com isso, a possibilidade da existência jurídica de dois pais (ou duas mães). Ao prever expressamente a possibilidade jurídica da pluralidade de vínculos familiares, a nossa Corte Suprema consagra um importante avanço: o reconhecimento da multiparentalidade, um dos novíssimos temas familiares.48

Como resultado, transbordam diversas consequências para o Direito de Família e também para outras áreas do Direito, que precisarão se adaptar às novas realidades, em virtude da multiplicidade de envolvidos nas futuras demandas, como, por exemplo, o Direito Sucessório49, o Direito Previdenciário e, até mesmo, o Direito

Imobiliário.

Nesse sentido, o IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família demonstra a decorrência de todos os direitos e deveres inerentes à autoridade multiparental ao aprovar, em novembro de 2013, durante o IX Congresso Brasileiro de Direito de Família50, o seguinte enunciado: “Enunciado 9: A multiparentalidade

gera efeitos jurídicos”.

Logo, a multiparentalidade garante a filiação plena e gera efeitos jurídicos próprios amparados pelo princípio da igualdade entre os filhos51, que garante a

estes, oriundos da relação afetiva, direitos e deveres iguais aos da filiação genética. A filiação pode ser conceituada como a “relação jurídica decorrente do parentesco por consanguinidade ou outra origem, estabelecida, particularmente, entre os ascendentes e descendentes de primeiro grau”, nas palavras de Tartuce e Simão (2010, p. 332), garantindo, dessa maneira, a tutela estatal sobre a filiação, para que os filhos sejam integrados às estruturas familiares protegidas pelo ordenamento.

48 IBDFAM. Supremo Tribunal Federal divulga ações da socioafetividade. Disponível em:

http://www.ibdfam.org.br/noticias/6405/Supremo+Tribunal+Federal+divulga+ac%C3%B3rd%C3%A3 o+da+socioafetividade. Acesso em: 22 jun. 2019.

49 Código Civil de 2002 (Lei 10.406/2002), art. 1.834: “Os descendentes da mesma classe têm os

mesmos direitos à sucessão de seus ascendentes”.

50 IBDFAM. IBDFAM aprova Enunciados. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/noticias/5819/

IBDFAM+aprova+Enunciados. Acesso em 03 jul 2019.

51 Constituição da República Federativa Brasileira de 1988, art. 227, § 6º: “Os filhos, havidos ou não

da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

(26)

Assim, a cumulação de filiações, como visto, não pode ser considerada uma simples invenção doutrinária, uma vez que esta foi consolidada na Suprema Corte como uma adequação jurídica frente à alteração fática das relações familiares, a qual o legislativo restou inerte, pois os desdobramentos humanos não se limitam tão só em moldes biológicos ou científicos pré-estabelecidos. Com isso, para garantir a efetividade dos institutos, o Direito contemporâneo necessita acolher as manifestações afetivas que se apresentam na sociedade, concretizando princípios e equiparando os vínculos socioafetivos aos biológicos.

Os arranjos familiares alheios aos textos legais omissivos e lacunosos, não podem restar ao desabrigo da proteção Estatal, principalmente quando se trata de situações pluriparentais, uma vez que é nítida a vulnerabilidade que enfrentam no ordenamento jurídico atual. Por isso, os vínculos parentais de origem afetiva e biológica merecem tutela jurídica síncrona, para todos os fins de direito, de modo que não há disputa nem supremacia entre estes, isto é, os genitores afetivos e o biológico são reconhecidos e responsáveis pelas consequências estabelecidas nas filiações firmadas.

Assim, a multiparentalidade é a possibilidade da múltipla filiação registral, em não detrimento das relações já existentes. Segundo a autora Maria Berenice Dias52,

para o reconhecimento da filiação pluriparental, basta flagrar a presença do vínculo de filiação com mais de duas pessoas. A pluralidade é reconhecida sob o prisma da visão do filho, que passa a ter dois ou mais novos vínculos familiares. Coexistindo vínculos parentais afetivos e biológicos, mais do que apenas um direito, é uma obrigação constitucional reconhecê-los, na medida em que preserva direitos fundamentais de todos os envolvidos, sobretudo o direito à afetividade.

Os autores Renata Barbosa de Almeida e Walsir Edson Rodrigues Júnior corroboram esse pensamento e afirmam:

Em síntese: parece permissível a duplicidade de vínculos materno ou paterno-filiais, principalmente quando um deles for socioafetivo e surgir, ou em complementação ao elo biológico ou jurídico preestabelecido, ou antecipadamente ao reconhecimento de paternidade ou maternidade biológica.53

52 DIAS, Maria Berenice. Multiparentalidade: uma realidade que a Justiça começou a admitir.

Disponível em: http://www.mariaberenice.com.br/manager/arq/(cod2_13075)MULTIPARENTALI DADE__Berenice_e_Marta.pdf. Acesso em: 04 jul. 2019.

53 ALMEIDA, Renata Barbosa de; RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. Direito civil: Famílias. Rio

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Com o advento da multiparentalidade, nota-se a ruptura do modelo binário heteronormativo de parentalidade, construído sobre o pilar matrimonial tradicionalista, isto é, família formada unicamente por dois cônjuges heterossexuais (pai e mãe) e seus filhos.

Contudo, a fratura ocasionada pela multiparentalidade no ordenamento tradicional representa a continuidade de novos paradigmas que têm surgido, sendo a primeira delas, o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, com igual tutela jurídica conferida às demais entidades familiares existentes. Apesar de manter o modelo binário, o julgamento da ADI 4277-DF54, abriu caminhos para a

consolidação da família socioafetiva e a concretização futura da multiparentalidade, uma vez que traz em seu texto a homenagem ao pluralismo como valor sócio-político cultural, o reconhecimento da família como categoria sociocultural e princípio espiritual, garantindo, por fim, o direito subjetivo de constituir família e consolidando o direito à diferença55.

Por sua vez, a multiparentalidade rompe o modelo binário e traz para o ordenamento jurídico brasileiro a admissibilidade de cumulação de paternidade ou maternidade, no registro civil, sem extrair, suprimir ou substituir o vínculo averbado anteriormente, mas, garantindo o acréscimo do parentesco por afinidade.

4. PROVIMENTO 63 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Dessa forma, é nítido o mosaico formado pelos variados resultados oriundos da Multiparentalidade e, como uma maneira de desjudicializar esses conflitos, o provimento 63 do CNJ, aprovado em novembro de 2017, surge para auxiliar os trâmites relacionados à profundidade dos procedimentos multiparentais, retirando

54 Supremo Tribunal Federal. ADI 4.277/DF. Relator: Ministro Luiz Fux. Publicada no DJe em:

05/05/2011. Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20627236/acao-direta-de-inconstitucionalidade-adi-4277-df-stf. Acesso em: 03 jul. 2019.

55 “Em um Estado democrático de direito, todos são merecedores da tutela jurídica. É o que diz a

Constituição Federal ao consagrar os princípios da liberdade e da igualdade e proclamar respeito à dignidade da pessoa humana. Já no seu preâmbulo, assegura uma sociedade pluralista e sem preconceitos. Também garante, como um dos objetivos fundamentais da República, uma sociedade livre e justa, que deve promover o bem de todos sem preconceito de origem, raça sexo, cor idade ou qualquer outra forma de discriminação”. (DIAS, Maria Berenice. O reconhecimento

do direito à diferença. Disponível em:

http://www.mariaberenice.com.br/uploads/o_reconhecimento_ do_direito_%E0__diferen%E7a.pdf. Acesso em 03 jul. 2019.)

(28)

desse instituto o caráter inalcançável e atribuindo a ele, em teoria, a possibilidade de celeridade e simplificação técnica, isto é, reduzindo o número de demandas judiciais relativas ao registro civil.

Inicialmente, cabe evidenciar que registro multiparental, quando oriundo de demanda judicial, é obrigatório e deve ser realizado através de ofício emitido pelo Juízo direcionado ao cartório de registro, mesmo sem requerimento das partes56.

Logo, conclui-se que o registro da multiparentalidade, nesta situação, se assemelha ao realizado na ação de investigação de paternidade, isto é, o registro é consequência do fato jurídico, através de um pedido implícito. Isso se deve a necessidade de segurança jurídica mínima, uma vez que a paternidade gera efeitos em diversas áreas do ordenamento jurídico, como por exemplo, o impedimento no casamento57e a ocorrência de nepotismo58.

O estado de Pernambuco foi pioneiro ao ascender a possibilidade de registro extrajudicial da paternidade socioafetiva, através do Provimento nº 09/2013, de 2 de dezembro de 2013 da Corregedoria Geral de Justiça de Pernambuco59. Esta medida

foi considerada um marco inicial no reconhecimento voluntário da filiação socioafetiva, ao levar em consideração fundamentos axiológicos da dignidade da pessoa humana e, principalmente, do princípio da afetividade. Logo após, outros estados acompanharam a decisão, como é o exemplo do Rio Grande do Sul60, que

concedeu, na comarca de Crissiuma, através de decisão administrativa, o registro de pai socioafetivo mediante procedimento extrajudicial, com base no artigo 10, inciso II do Código Civil (Lei 10.406/2002), o qual estabelece a averbação em Registro

56 Referência obtida a partir da palestra sobre multiparentalidade promovida pelo Fórum Permanente

de Direito de Família e Sucessões da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro em 30 de agosto de 2018.

FÓRUM PERMANENTE DE DIREITO DE FAMÍLIA E SUCESSÕES DA EMERJ, 1., 2018, Rio de Janeiro. Com diferentes pontos de vista, advogados debatem a multiparentalidade. Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/noticias_todas/com-diferentes-pontos-de-vista-advogados-debatem-a-multiparentalidade.html. Acesso em: 05 jul. 2019.

57 Código Civil de 2002 (Lei 10.406/2002), art. 1.521: “Não podem casar: I - os ascendentes com os

descendentes, seja o parentesco natural ou civil”.

58 Decreto nº 7.203/2010, art. 1º: “A vedação do nepotismo no âmbito dos órgãos e entidades da

administração pública federal direta e indireta observará o disposto neste Decreto. Art. 2º. Para os fins deste Decreto considera-se: III – familiar: o cônjuge, o companheiro ou o parente em linha reta ou colateral, por consanguinidade ou afinidade, até o terceiro grau”.

59 CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DE PERNAMBUCO. Provimento 09-2013. Disponível em:

http://www.tjpe.jus.br/web/corregedoria/normas-internas/2013/-/asset_publisher/uvh3LVt7WWTo/ document/id/1103248. Acesso em: 05 jul. 2019.

60 IBDFAM. Comarca riograndense autoriza reconhecimento extrajudicial de paternidade

socioafetiva. Disponível em: https://ibdfam.jusbrasil.com.br/noticias/221449756/comarca-riograndense-autoriza-reconhecimento-extrajudicial-de-paternidade-socioafetiva. Acesso em: 05 jul. 2019.

(29)

Público dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação.

O provimento de número 63 do CNJ traz, através de uma série de considerações iniciais em seu texto61, alterações significativas às possibilidades

registrais das pessoas naturais e dispõe sobre o reconhecimento e a averbação da parentalidade socioafetiva em cartórios extrajudiciais, através de manifestação voluntária e consensual das partes. Além disso, permite o registro de múltipla parentalidade, enfatizando a adequação dos órgãos forenses à realidade fática das famílias brasileiras, principalmente, no que tange a consolidação do instituto da multiparentalidade. Assim dispõe o artigo 14 do Provimento 63:

o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente poderá ser realizado de forma unilateral e não implicará o registro de mais de dois pais e de duas mães no campo filiação no assento de nascimento.62

Assim, o dispositivo supramencionado dispõe expressamente que o reconhecimento multiparental extrajudicial deve ser obrigatoriamente, unilateral63,

61 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.. Provimento nº 63, de 14 de novembro de 2017. Institui

modelos únicos de certidão de nascimento, de casamento e de óbito, a serem adotadas pelos ofícios de registro civil das pessoas naturais, e dispõe sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e maternidade socioafetiva no Livro “A” e sobre o registro de nascimento e emissão da respectiva certidão dos filhos havidos por reprodução assistida. Provimento N. 63, de 14 de Novembro de 2017. Brasilia, DF, 20 nov. 2017. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3380. Acesso em: 03 jul. 2019.

62 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Op. cit.

63 O Ministro João Otávio de Noronha, Corregedor Nacional de Justiça, prestou esclarecimento formal

e se manifestou sobre o adequado sentido do termo “unilateral” presente no artigo 14 do Provimento CNJ nº 63/2017, nos autos do Pedido de Providências nº 0003325-80.2018.2.00.0000, através da seguinte decisão: "Trata-se de pedido de providências instaurado pela CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA após a CORREGEDORIA-GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ encaminhar cópia de resposta à consulta sobre a correta interpretação do art. 14 do Provimento 63/2017-CNJ. Entendeu a Corregedoria local que a utilização da expressão “unilateral”, com o propósito de elidir a possibilidade de declaração de reconhecimento de paternidade e maternidade a um só tempo e no mesmo procedimento, não foi a melhor opção. Sustenta, ainda, que a leitura conjunta dos arts. 10 a 15, que disciplinam a paternidade socioafetiva, permite extrair a conclusão da admissão de situação de multiparentalidade que possa resultar do reconhecimento administrativo de paternidade/maternidade. Pontuou, por fim, que não há restrições quanto à adoção da via administrativa por casais homoafetivos com vistas ao reconhecimento da paternidade socioafetiva. É o relatório. Decido. Em que pese o acerto da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Ceará em tornar clara a possibilidade de reconhecimento de paternidade socioafetiva por casais de sexo semelhante, o mesmo não se pode dizer quanto à interpretação que conferiu a Corregedoria local quando aponta para permissivo que admite situação de multiparentalidade no registro da paternidade socioafetiva. Não é essa alternativa a que se volta o Provimento n. 63/2017-CNJ. Basta uma mera interpretação

autêntica para lançar luz sobre a questão. A adoção do termo “unilateral” se revelou necessária e adequada na medida em que o Provimento buscou promover o reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade socioafetiva de um modo menos burocrático, ante o princípio da igualdade jurídica e de filiação, sem, com isso, abrir mão da reserva à segurança jurídica e sem possibilitar a subversão do procedimento criado, não

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