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INVESTIGAÇÃO DAS PRÁTICAS DESENVOLVIDAS NOS CARTÓRIOS EXTRAJUDICIAIS

4. PROVIMENTO 63 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

4.1. INVESTIGAÇÃO DAS PRÁTICAS DESENVOLVIDAS NOS CARTÓRIOS EXTRAJUDICIAIS

Diante dos aspectos anteriormente abordados, foi desenvolvida uma pesquisa que, desde o início, teve como objetivo a verificação da aplicação do Provimento 63 do CNJ nos cartórios de Registro de Pessoas Naturais.

A investigação foi realizada em três Cartórios Extrajudiciais de Registro de Pessoas Naturais, sendo dois no estado do Rio de Janeiro, nas cidades de Niterói e São Gonçalo, e o terceiro na cidade de Juiz de Fora, interior de Minas Gerais66.

No Cartório de Registros de Pessoas Naturais de Niterói, a investigação se deu através de visitas ao cartório e contato pessoal com a escrivã, além da análise de documentos e conversas informais com a substituta e com as funcionárias do cartório. Já no Cartório de Registro de Pessoas Naturais de São Gonçalo, a pesquisa se deu através de questionário respondido pela escrivã responsável pelos registros de nascimento e socioafetivos. Por fim, o contato com o Cartório de Registros de Juiz de Fora aconteceu também por meio de contato com a escrivã responsável e a utilização de questionário e entrevista, mas sem a visita pessoal ao cartório.

A análise se deu a partir dos seguintes aspectos: frequência de demandas sobre o tema desde o surgimento do provimento (2017) até a presente data, documentos exigidos, prazos e custos cartorários, posição dos funcionários acerca da extrajudicialização da multiparentalidade e questionamento sobre a existência de treinamentos para a recepção integral do provimento 63 nos cartórios de registro.

66 A escolha dos cartórios mencionados se deu em virtude de dois aspectos: a proximidade territorial

Sobre o primeiro aspecto, os cartórios localizados no estado do Rio de Janeiro, apesar de estarem inseridos em cidades mais populosas, informaram não receber com frequência requerimentos de reconhecimento de filiação socioafetiva, totalizando apenas três casos concretos registrados em ambos desde o surgimento do provimento (2017) até a data da entrevista: junho de 2019. Estes alegaram que isso ocorre exatamente por conta do local onde estão introduzidos, pois se tratam de regiões centrais e comerciais destinadas, segundo eles, unicamente ao objetivo laboral. O cartório sediado em Minas Gerais informou ainda não ter recebido demandas registrais contempladas pelo provimento 63, uma vez que se trata de comarca interiorana e a medida adotada pelo CNJ é bastante recente, o que dificulta mais a divulgação da possibilidade registros.

Foi verificado que os documentos exigidos pelos cartórios analisados são os mesmos determinados pelo provimento 63 do CNJ, isto é, declaração das partes através de um termo de reconhecimento de filiação socioafetiva (termo anexo ao provimento 63), registro geral e cadastro de pessoa física do requerente e da mãe/pai que já constar na certidão de nascimento, certidão de nascimento do filho socioafetivo, declaração de anuência do outro genitor (a), se o filho for menor. O cartório de São Gonçalo foi o único a exigir a presença de duas testemunhas que comprovem o vínculo afetivo entre o filho e o requerente. No que se refere a presença testemunhal, o que se nota é que essa exigência confere maior segurança jurídica ao órgão de Registro, atribuindo a este uma maior probabilidade de se evitar fraudes67, uma vez que a relação afetiva é apenas autodeclarada, sem qualquer

exigência de comprovação documental. Assim, se presume que a presença das testemunhas assegura a realidade da filiação de fato diante do oficial de Registros, conferindo a esta relação reconhecimento social.

67“Principalmente para evitar a realização da “adoção à brasileira” em cartórios extrajudiciais, uma

vez que a socioafetividade é ato construído, se diferindo do instituto da adoção” (Referência obtida a partir da palestra sobre multiparentalidade, em 30/08/2018, promovida pelo FÓRUM PERMANENTE DE DIREITO DE FAMÍLIA E SUCESSÕES DA EMERJ, 1., 2018, Rio de Janeiro. Com diferentes

pontos de vista, advogados debatem a multiparentalidade. Rio de Janeiro, 2018. Disponível em:

http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/noticias_todas/com-diferentes-pontos-de-vista-advogados- debatem-a-multiparentalidade.html. Acesso em: 05 jul. 2019).

Provimento Nº 63 de 14 de novembro de 2017, art. 12: “Suspeitando de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade, simulação ou dúvida sobre a configuração do estado de posse de filho, o registrador fundamentará a recusa, não praticará o ato e encaminhará o pedido ao juiz competente nos termos da legislação local”.

Entretanto, a exigência de testemunhas pode, também, ser considerada um retrocesso diante da liberdade e da autonomia da vontade que envolvem o registro multiparental extrajudicial. Ao clamar pelo comparecimento de testemunhas, o cartório confere à averbação supracitada características judiciais sistemáticas, contratuais e, até mesmo, patrimoniais, uma vez que, desde o Código de Processo Civil (Lei 5.869 de 1973) já estabelecia, por exemplo, em seu artigo 585, inciso II, que o documento particular deveria ser assinado pelo devedor e por duas outras testemunhas68.

Ademais, vale ressaltar, que, caso o filho seja menor de idade, porém maior de 12 anos, este deve emitir declaração de próprio punho concordando com o reconhecimento socioafetivo. Este fato importante demonstra, mais uma vez, a tese abordada anteriormente de que o filho é o ente determinante e direcionador da relação socioafetiva-multiparental.

Uma das questões suscitadas durante a entrevista foi a comparação realizada entre o registro de nascimento e o chamado registro de reconhecimento de filiação socioafetiva. Apesar de apresentarem nomenclatura semelhante, estes se diferenciam em termo de procedimento. O primeiro é realizado no livro de registros. Já o segundo, é chamado de registro, porém se trata de um procedimento de averbação de modificação ao registro principal. A averbação é a formalização da manifestação da autonomia das partes, isto é, trata-se da declaração dos indivíduos envolvidos no registro inicial para realizar neste alguma alteração ou modificação69.

O terceiro aspecto da pesquisa abordou os custos cartorários envoltos ao provimento em análise. O trâmite do registro de multiparentalidade acontece a partir da cobrança de emolumentos, que são os valores cobrados pelas serventias extrajudiciais. O cartório localizado em Niterói informou que o custo inicial é de R$ 238,52, sendo cobrado ao final um valor adicional para a emissão da segunda via de certidão de nascimento com a alteração registral. Segue o mesmo rito o cartório de São Gonçalo, porém com o valor inicial de R$ 121,00. O cartório de Juiz de Fora não informou o valor do procedimento, apenas as etapas cobradas durante o trâmite,

68 BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Código de

Processo Civil de 1973. Brasília, DF, 17 jan. 1973. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869impressao.htm. Acesso em: 03 jul. 2019. Atualmente, a mesma regra encontra correspondência no artigo 784, III do Código de Processo Civil de 2015, Lei 13.105/2015, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 03 jul. 2019.

69 CARTÓRIO 24 HORAS. Averbação no Cartório de Registro Civil. Disponível em: http://blog.

sendo essas: o procedimento administrativo interno, a averbação do nome dos pais e a certidão de nascimento com a alteração requerida.

No que tange ao prazo procedimental, ambos informaram não existir no Provimento 63 do CNJ e nas normas de regulamentação de registro civil específicas de cada estado a determinação de um prazo específico para a realização do trâmite. O que ocorre é uma especificação de entrega da certidão elaborada pelas próprias serventias, que gira em torno de cinco a dez dias úteis.

Os profissionais entrevistados foram questionados, no decorrer da pesquisa, sobre a diminuição dos processos judiciais a partir do surgimento do provimento 63 do CNJ, isto é, se a nova medida poderia ser considerada um avanço ou se esta poderia trazer novos conflitos judiciais futuros, a partir do reconhecimento da filiação socioafetiva de forma extrajudicial. A representante do cartório de Niterói informou que esses conflitos futuros dependerão da boa-fé de quem realizará o registro, uma vez que a desjudicialização do instituto abre margem para que outros interesses justifiquem a alteração registral, como por exemplo, a motivação econômica, afastando a essência afetiva do provimento. A escrevente do Cartório de Registros de São Gonçalo informou não vislumbrar novas demandas judiciais que possam surgir em função do provimento 63 do CNJ, pois o tabelião, responsável por averbar o requerimento de registro das partes, é dotado de conhecimento jurídico e selecionado mediante aprovação em concurso público. A representante do cartório de Juiz de Fora declarou considerar o provimento 63 do CNJ como um grande avanço para a diminuição de processos judiciais na área de família, uma vez que a desjudicialização é um fenômeno que se utiliza dos serviços notariais e de registro realizado pelas serventias extrajudiciais, em virtude da fé pública que seus profissionais estabelecem. Segundo ela, o munus desenvolvido pelos notários e registradores, ao ter fé pública, garante que o processo administrativo seja realizado de forma técnica e fidedigna, afastando a necessidade do Poder Judiciário e trazendo mais celeridade às demandas.

O último aspecto abordado foi a existência de instruções prévias, através de palestras, cartilhas ou treinamentos, para que os cartórios recepcionassem de maneira integral o provimento 63 do CNJ. Todos os cartórios submetidos à investigação informaram que não houve treinamento, divulgação ou distribuição prévia de materiais que instruíssem os registradores civis acerca do provimento. Entretanto, a representante do cartório de Minas Gerais, declarou que o provimento

63 do CNJ é autoexplicativo, não havendo qualquer dificuldade para sua implementação.

Por fim, o que se nota é que os dados recolhidos representam, dentro do recorte analisado preestabelecido, o ainda longínquo conhecimento social acerca do Provimento 63 do CNJ. Apesar da existência de famílias socioafetivas ser indubitável, o reconhecimento jurídico extrajudicial das mesmas ainda é raro no cenário investigado. Assim, estes dados contribuem para a seguinte conclusão: apesar de trazer celeridade, facilidade de reconhecimento e menores custos, quando comparados aos judiciais nesse contexto investigado, os registros extrajudiciais socioafetivos e multiparentais ainda são incomuns.

4.2. UM CASO CONCRETO: TENTATIVA DE REGISTRO MULTIPARENTAL EM

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