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Vista do Péricles Eugênio da Silva Ramos, tradutor de Villon

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Academic year: 2021

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Péricles Eugênio da Silva Ramos, tradutor de Villon

João Francisco Pereira Nunes Junqueira

Doutor em Estudos Literários pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP/Araraquara. Professor do Centro Universitário Teresa D’Ávila –UNI FATEA/Lorena. E-mail: jfpnjunqueira@yahoo.com.br

Resumo

O presente artigo pretende explorar o trabalho tradutório de Péricles Eugênio da Silva Ramos (1919-1992) em relação à poesia do poeta francês François Villon. Com isso, queremos colocar em circulação aspectos e técnicas do procedimento de tradução de Péricles Eugênio, além de características da obra e da vida do poeta francês. Esperamos, assim, levantar questões relevantes aos estudos literários e poéticos, e colaborar com a divulgação do trabalho literário do poeta paulista Péricles Eugênio da Silva Ramos.

Palavras-chave

Péricles Eugênio da Silva Ramos; François Villon; Tradução; Poesia.

Abstract

The present article intends to explore the translator work of Péricles Eugênio da Silva Ramos (1919-1992) in relation to the poetry of the French poet François Villon. With this, we want to put into circulation aspects and techniques of the translation procedure of Péricles Eugênio, as well as characteristics of the work and life of the French poet. We hope, therefore, to raise issues relevant to literary and poetic studies, and to collaborate with the dissemination of the literary work of the “paulista” poet Péricles Eugênio da Silva Ramos.

Keywords

Péricles Eugênio da Silva Ramos; François Villon; Translation; Poetry.

Introdução

A incursão do poeta paulista Péricles Eugênio da Silva Ramos (1919-1992) na tradução das letras francesas não foi tão profícua quanto na literatura em língua inglesa, da qual destacamos suas traduções de peças e sonetos de William Shakespeare. Em livro, Péricles Eugênio deixou apenas um volume, a tradução de poemas de François Villon. Algumas outras traduções, estas esparsas, são encontradas em artigos de jornal, como em sua coluna “Antologia” do Jornal de São Paulo, em que identificamos várias traduções, como: o capítulo 12 do “Apocalipse”, via tradução francesa de Paul Louis Couchood; o poema “Salmo do Rei de Beleza”, de O. V. de L. Milosz; dois poemas em prosa de Aloysius Bertrand, “A chuva” e “Jean des Tilles”; o poema “El Desdichado”, de Gérard de Nerval; o capítulo VII do poema “Anabase”, de Saint-John Perse. Além destes, existe a tradução do poema de Stéphane Mallarmé “O Túmulo de Edgar Poe”, traduzido e publicado por Péricles Eugênio como homenagem aos cem anos de morte de Edgar Allan Poe, em 1949. Outra tradução de Mallarmé feita por Péricles Eugênio é a do poema “A tarde de um fauno”, publicado no jornal

O Estado de São Paulo, em 1971.

No presente artigo, pretende-se explorar o trabalho tradutório de Péricles Eugênio da Silva Ramos em relação à poesia do poeta francês François Villon.

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François Villon, vilão e poeta

As traduções dos poemas de François Villon, que receberam o título de Poesias de

François Villon, foram publicadas em 1986 pela Art Editora de São Paulo. A edição é bilíngüe

e consta de uma rápida notícia introdutória sobre Villon, e da tradução de 34 poemas e 6 trechos do longo e conhecido poema “Le Testament” (“O Testamento”), além de notas de rodapé que acompanham os poemas.

A introdução ao volume, ao contrário de outras publicações de Péricles Eugênio, é bem curta, porém mantém o padrão geral: dados biográficos do poeta; um comentário sobre as obras; e informações sobre o processo de tradução.

François de Montcorbier ou des Loges (1431-1463/desaparecido) embora tenha vivido no século XIV, final da Idade Média, e possua vínculos com “a tradição realística do século XII”, é considerado por muitos, como afirma Péricles Eugênio, “o primeiro poeta moderno da França” (RAMOS, 1986, p. 7).

O nome Villon foi adotado por causa do cônego Guillaume de Villon, que foi para ele uma espécie de pai, uma vez que François Villon ficara órfão muito cedo. Ingressou na Faculdade de Artes da Universidade de Paris em 1443, e formou-se bacharel em 1449. Teve uma vida muito acidentada. Em 1455, feriu o sacerdote Philippe Chermoye, que o teria provocado, o ferimento acabou causando a morte do sacerdote. Villon fugiu de Paris, apenas podendo voltar no ano seguinte, “quando obteve duas cartas de remissão por esse homicídio” (RAMOS, 1986, p. 7). Também, como nos relata Péricles Eugênio, Villon esteve envolvido no roubo do tesouro do Colégio de Navarra. Ao que consta, um dos comparsas, Guy Tabarie, “deu com a língua nos dentes” (1986, p. 7), levando Villon a ter que fugir mais uma vez de Paris.

Por suas andanças participou de um concurso de poesias em Blois, na corte de Charles d’Orléans, escrevendo a balada “Je meurs de soif auprès de la Fontaine”. A balada foi traduzida por Péricles Eugênio sob o título de “Balada do Concurso de Blois” (“Ballade du Concours de Blois”). Este título foi estabelecido por Auguste Longnon, em 1892. Provavelmente, “Je meurs de soif auprès de la Fontaine” foi um mote dado por Charles d’Orléans para que os poetas escrevessem suas próprias composições. Em nota, diz Péricles Eugênio que “a curiosidade do poema é que é todo composto em antilogias” (VILLON, 1986, p. 147). A antilogia, como lemos no Dicionário Caldas Aulete, é a “contradição que existe entre algumas idéias do mesmo discurso, ou entre diversas partes ou passos de um livro” (AULETE 1, 1980, p. 262), ou seja, uma contradição. Como ilustração, reproduzimos abaixo a décima inicial da balada traduzida por Péricles Eugênio:

Morro de sede junto à fonte desejada,

Tenho um calor de fogo e tremo dente a dente; Em meu país, sinto-me em terra distanciada; Junto a um braseiro eu me arrepio, embora ardente; Nu como um verme, em trajos vou de presidente, Rio chorando; e aguardo isento de esperança, E reconforto-me em cruel desesperança; Eu regozijo-me, prazer nenhum gozado; Possante sou, sem ter poder nem ter pujança, Bem acolhido, mas por todos rejeitado.

(VILLON, 1986, p. 145) É bem clara as contradições em cada verso, como morrer de sede junto à fonte desejada, ou sentir calor e tremer ao mesmo tempo, ou regozijar de nenhum prazer sentido. Este padrão mantém-se em todos os outros 25 versos da balada.

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59 Embora o texto original da “Balada do Concurso Blois” seja em versos com dez sílabas poéticas, a tradução de Péricles Eugênio foi feita em versos dodecassílabos, como na escansão dos versos 6 a 10 abaixo, desta mesma décima:

6 Ri/o/ cho/ran/do; e a/guar/do i/sen/to/ de es/pe/ran/ça, 1-4-6-8-10-12 7 E/ re/con/for/to/-me em/ cru/el/ de/ses/pe/ran/ça; 2-4-6-8-10-12 8 Eu/ re/go/zi/jo/-me/, pra/zer/ ne/nhum/ go/za/do; 2-4-6-8-10-12 9 Po/ssan/te/ sou/, sem/ ter/ po/der/ nem/ ter/ pu/jan/ça, 2-4-6-8-10-12 10 Bem/ a/co/lhi/do/, mas/ por/ to/dos/ re/jei/ta/do. 1-4-6-8-10-12 O trecho acima engloba versos dodecassílabos com a presença da alternância binária iâmbica, que sofrem alterações apenas nos primeiros pés do verso 6 e 10. Também destacamos no trecho acima a expressão “Rio chorando” (“je ris en pleurs”, “rio em lágrimas”), topos, que segundo Péricles Eugênio, remonta a Homero, e que “tem sido tomada, contudo, como definidora do estado de espírito de Villon no poema, ora alegre, ora triste, ora agressivo, ora cordato e bom conselheiro” (RAMOS, 1986, p. 10).

Ainda sobre a “Balada do Concurso de Blois”, como método comparativo, reproduzimos abaixo a tradução desta mesma décima, mas agora na tradução de Sebastião Uchoa Leite:

Morro de sede quase ao pé da fonte, Quente qual fogo, mas batendo os dentes; Em meu país vivo além do horizonte; Junto a um braseiro tremo e fico ardente; Nu como um verme. O traje: um presidente; Rio no pranto e espero sem esperança; Conforto acho na desesperança, E alegro-me sem ter prazer algum; Tenho o poder sem força ou segurança; E sou bem-vindo a todos e a nenhum.

(LEITE, 2000, p. 331)

Uma diferença da tradução de Sebastião Uchoa Leite é a medida utilizada, ele mantém a correspondência com o texto original traduzindo em versos decassílabos. Vejamos o resultado nos mesmos versos 6 a 10:

6 Ri/o/ no/ pran/to e es/pe/ro/ sem es/pe/ran/ça; 1-4-6-10 7 Con/for/to/ a/cho/ na/ de/ses/pe/ran/ça, 2-4-8-10 8 E a/le/gro/-me/ sem/ ter/ pra/zer/ al/gum/; 2-6-8-10 9 Te/nho o/ po/der/ sem/ for/ça ou/ se/gu/ran/ça; 1-4-6-10 10 E/ sou/ bem/-vin/do a/ to/dos/ e a/ ne/nhum/. 2-4-6-10

No aspecto geral, a tradução de Sebastião Uchoa Leite mantém um ritmo binário de base iâmbica, comum no verso decassílabo, e contém duas inversões de pés no verso 6 e 9, ambas no 1.o pé. Outro ponto que chama a atenção na tradução de Uchoa Leite é que os versos 6 e 7 são um pouco mais duros ou mais “forçados”, uma vez que para se satisfazer o decassílabo tenhamos que fazer uma contração entre “sem” e “es” de “esperança” no verso 6, uma vez que o contexto rítmico dos versos anteriores leva a este padrão, veja que para isto em toda décima os versos com tônica na 1.a sílaba levam um segundo acento na 4.a sílaba:

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60 1 Mo/rro/ de/ se/de ... 1-4- ...

2 Quen/te/ qual/ fo/go... 1-4- ... 4 Jun/to a um/ bra/sei/ro ... 1-4- ... 5 Nu/ co/mo um/ ver/me... 1-4 - ... 9 Te/nho o/ po/der/ 1-4- ...

Caso não se aceite esta solução que manteria certo padrão rítmico na estrofe, poderíamos fazer uma leitura de “rio” como uma sílaba apenas, deixando o verso da seguinte maneira:

6 Rio/ no/ pran/to e es/pe/ro/ sem/ es/pe/ran/ça; 1-3-5-7-10

Já no verso 7 existe este desconfortante encontro do “to” de “conforto” com o “a” de “acho” que não entendemos como uma sinalefa por estar o “a” numa posição tônica mantendo assim as sílabas vizinhas átonas, além do mais, uma sinalefa aí causaria um “tacho” que soaria muito mal. Contudo, o desafio de Sebastião Uchoa Leite em igualar a tradução no número de sílabas poéticas do texto original lhe dá uma dificuldade maior.

Também gostaríamos de problematizar o verso 3 das duas traduções, abaixo temos o original (retirado da edição bilíngüe de Péricles Eugênio) seguido das traduções:

F.Villon: En mon païs suis en terre loingtaine;

P.E.Silva Ramos: Em meu país, sinto-me em terra distanciada; S.Uchoa Leite: Em meu país vivo além do horizonte;

A versão de Uchoa Leite tem que ser lida de forma mais abstratizante para surgir o efeito desejado, pois este viver “além do horizonte” parece estar mais para um local longe ou na borda do próprio país, enquanto o sentido original parece dizer que mesmo em seu país, até mesmo no centro ou na borda dele, o eu-lírico se vê fora, a nós parece que o verso de Péricles Eugênio satisfaz mais esta interpretação conflitante da antilogia.

Seguindo em sua atribulada vida, no ano de 1463, François Villon foi condenado à morte por se envolver com alguns companheiros em uma rixa contra os escreventes de mestre Ferrebouc, a condenação era o enforcamento. Embora o Parlamento tenha mudado a sentença com o desterro do poeta por dez anos de Paris, donde nunca mais se soube notícias de Villon, inclusive onde e quando morreu. Como dizíamos, embora houvesse ocorrido a mudança da sentença, o poeta compôs uma “Balada dos Enforcados” (“Ballade des Pendus”), que acabou por ser tornar um de seus poemas mais conhecidos. Este dado é percebido nas várias capas de publicações de suas obras e antologias que levam o motivo do enforcamento como apresentação pictórica.

Consta que no ms. Fauchet e da edição príncipe o título do poema seja “L’épitaphe Villon”, mas com o correr do tempo “Ballade des Pendus” tornou-se a denominação mais comum. A balada contém 35 versos divididos em três décimas e uma estrofe com cinco versos. Os versos são dodecassílabos com rimas nas décimas em ababaccdcd e no quinteto

dcdcd. Abaixo o poema em tradução de Péricles Eugênio:

Balada dos enforcados

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61 Não tenhais duro contra nós o coração,

Porquanto se de nós, pobres, vos condoeis, Deus vos concederá mais cedo o seu perdão. Aqui nos vedes pendurados, cinco, seis: Quanto à carne, por nós demais alimentada, Temo-la há muito apodrecida e devorada, E nós, os ossos, cinza e pó vamos virar. De nossa desventura ninguém dê risada: Rogai a Deus que a todos queira nos salvar! Chamamo-vos irmãos: disso não desdenheis, Apesar de a justiça a nossa execução

Ter ordenado. Vós, contudo, conheceis Que nem todos possuem juízo firme e são. Exculpai-nos – que mortos, mortos nos sabeis – Com o filho de Maria, a nunca profanada; A sua graça, para nós, não finde em nada, No inferno não nos venha o raio despenhar. Ninguém nos atormente, a vida já acabada. Rogai a Deus que a todos queira nos salvar! A chuva nos lavou, limpou-nos, percebeis; O sol nos ressequiu até à negridão;

Pegas, corvos cavaram nossos olhos – eis! -, Tiraram-nos a barba, a bico e repuxão.

Em tempo algum tranqüilos nos contemplareis: Para cá, para lá, o vento de virada

A seu talante leva-nos, sem dar ousada; Mais que a dedal, picam-nos pássaros no ar. Não queirais pertencer a esta nossa enfiada. Rogai a Deus que a todos queira nos salvar! Príncipe bom Jesus, de universal mandar, Guardai-nos, ou o inferno então nos arrecada: Lá nada temos a fazer, nada a pagar.

Homens, aqui a zombaria é inadequada: Rogai a Deus que a todos queira nos salvar!

(VILLON, 1986, p. 15-17) Na sua Teoria Literária, Hênio Tavares apresenta-nos dois tipos de baladas, uma de fundo narrativa mais característica dos países nórdicos, entre elas Tavares cita a conhecida balada o “Rei de Tule”, de Goethe. O outro tipo seria a balada francesa de forma fixa, que coloca como principais “estilizadores”: Froissart, Villon, Deschamps, Bainville e François Coppée. Segundo Tavares este tipo de balada apresenta as seguintes características:

a) Estrutura estrófica: 3 oitavas e uma quadra (às vezes, uma quintilha no lugar da quadra). Esta última estrofe menor recebe o nome de “oferenda” ou “ofertório”; b) estrutura métrica: versos octossílabos; c) estrutura rímica: 3 rimas cruzadas, ou ainda, variáveis; d) paralelismo: a repetição de um mesmo conceito ou idéia ao fim de cada estrofe. (TAVARES, 1969, p. 281) Na balada acima a estrutura estrófica tem três décimas ao invés das oitavas, além de

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62 uma quintilha e não uma quadra. Embora seja melhor definir como um quinteto, já que a quintilha é mais atribuída a versos de arte menor, ou seja, de sete ou menos sílabas poéticas, e o quinteto final contém versos com 12 sílabas poéticas, se seguirmos assim o que é apresentado por Hênio Tavares. No quesito do paralelismo, a balada encerra cada estrofe com o mesmo verso, “Rogai a deus que a todos queira nos salvar!”.

No aspecto rítmico, gostaríamos de traçar alguns comentários sobre as duas primeiras estrofes do poema, de forma a ver como Péricles Eugênio compõem seu verso dodecassilábico:

Ir/mãos/ hu/ma/nos/ que/ de/pois/ de/ nós/ vi/veis/, 2-4-6-8-10-12

Não/ te/nhais/ du/ro/ con/tra/ nós/ o/ co/ra/ção/, 1-4-6-8-10-12

Por/quan/to/ se/ de/ nós/, po/bres/, vos/ con/do/eis, 2-6-7-9-12

Deus/ vos/ con/ce/de/rá/ mais/ ce/do o/ seu/ per/dão/. 1-4-6-8-10-12

A/qui/ nos/ ve/des/ pen/du/ra/dos/, cin/co/, seis/: 2-4-6-8-10-12

Quan/to à/ car/ne/, por/ nós/ de/mais/ a/li/men/ta/da, 1-3-6-8-10-12 Te/mo/-la há/ mui/to a/po/dre/ci/da e/ de/vo/ra/da, 1-4-6-8-10-12

E/ nós/, os/ o/ssos/, cin/za e/ pó/ va/mos/ vi/rar/. 2-4-6-8-12 De/ no/ssa/ des/ven/tu/ra/ nin/guém/ dê/ ri/sa/da: 2-4-6-10-12 Ro/gai/ a/ Deus/ que a/ to/dos/ quei/ra/ nos/ sal/var/! 2-4-6-8-10-12 Cha/ma/mo/-vos/ ir/mãos/: di/sso/ não/ des/de/nheis/, 2-6-7-12 A/pe/sar/ de a/ jus/ti/ça a/ no/ssa e/xe/cu/ção/ 3-6-8-12

Ter/ or/de/na/do/. Vós/, con/tu/do/, co/nhe/ceis/ 1-4-6-8-12

Que/ nem/ to/dos/ po/ssu/em/ juí/zo/ fir/me e/ são/. 3-6-8-10-12 Ex/cul/pai/-nos/ – que/ mor/tos/, mor/tos/ nos/ sa/beis/ – 3-6-8-12 Com o/ fi/lho/ de/ Ma/ri/a, a/ nun/ca/ pro/fa/na/da; 2-6-8-12 A/ su/a/ gra/ça/, pa/ra/ nós/, não/ fin/de em/ na/da, 2-4-8-10-12 No in/fer/no/ não/ nos/ vê/nha o/ rai/o/ des/pe/nhar/. 2-6-8-12 Nin/guém/ nos/ a/tor/men/te, a/ vi/da/ já a/ca/ba/da. 2-6-8-12 Ro/gai/ a/ Deus/ que a/ to/dos/ quei/ra/ nos/ sal/var/! 2-4-6-8-10-12

O trecho contém várias inversões, principalmente nos 1.os e 2.os pés. Além disto, contém encontros tônicos que entendemos ser possíveis decompondo o verso dodecassílabo em dois hemistíquios hexassílabos, como nos dois casos abaixo:

Porquanto se de nós, pobres, vos condoeis

Por/quan/to/ se/ de/ nós/, po/bres/, vos/ con/do/eis, 2-4-6-7-9-12 Por/quan/to/ se/ de/ nós/, || po/bres/, vos/ con/do/eis, 2-4-6 || 1-3-6 Chamamo-vos irmãos: disso não desdenheis

Cha/ma/mo/-vos/ ir/mãos/: di/sso/ não/ des/de/nheis/, 2-6-7-9-12 Cha/ma/mo/-vos/ ir/mãos/: || di/sso/ não/ des/de/nheis/, 2-4-6 || 1-3-6

O interessante nos dois casos é a presença do andamento binário nos primeiros hemistíquios, e as duas inversões de iambos em troqueus nos dois primeiros pés do segundo hemistíquio. O que demonstra certo silabismo no contexto geral do poema, mas com mudanças recorrentes, o que, aliás, ocorre na própria poesia de Péricles Eugênio.

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Crítica à tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos

A publicação do volume de poemas de François Villon traduzidos por Péricles Eugênio gerou alguns artigos críticos nos jornais da época, num destes artigos, “Villon, nosso contemporâneo”, publicado no “Caderno 2” do jornal O Estado de S. Paulo, em 10 de agosto de 1986, o poeta Antonio Fernando De Francheschi elogia o lançamento por se dar em edição bilíngüe, “o que permite ao leitor acompanhar as liberdades da versão e eventuais ligeiros desvios, mas inevitáveis sobretudo quando se pretende preservar metro e rima, como no caso” (FRANCHESCHI, 1986). Ainda segundo Francheschi, esta dificuldade de tradução aumenta no caso de Villon, pela incessante busca por parte do poeta francês da mot juste, “a palavra exata, que utiliza a partir de um variado repertório: o do letrado afeito às sutilezas da poesia provençal até, e freqüentemente, o jargon, gíria dos vagabundos parisienses da época (FRANCHESCHI, 1986). O que necessita em várias edições das poesias de Villon um glossário no final do volume, adiciona Francheschi. “O mais difícil, o mais autêntico, o mais absoluto poeta da França”, Francheschi utiliza esta definição de François Villon, dada por Ezra Pound, para estabelecer o lugar de importância do poeta francês no cânone da literatura ocidental, e assim estabelecer um ponto de ligação com a tradução de Péricles Eugênio, pois acrescenta: “François Villon, poeta delinqüente, freqüentador das ruelas de Paris por volta da metade dos anos quatrocentos. Mas deixou de acrescentar: o mais intraduzível, também” (FRANCHESCHI, 1986). Por isso, segundo Francheschi:

[...] a edição brasileira de sua poesia, é duplamente bem-vinda. Primeiro, por resgatar uma antiga dívida de nossas editoras com Villon, cuja obra, com exceção de alguns excertos e poemas avulsos, ainda não havia sido publicada no Brasil. Segundo, pela seriedade do esforço de tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos, que recebeu o Prêmio Machado de Assis 1986, da Academia Brasileira de Letras. (FRANCHESCHI, 1986)

Outro artigo, também escrito por um jornalista poeta, Álvaro Alves de Faria, foi publicado na época de lançamento do volume de poemas de Villon. Publicado no Jornal da

Tarde, em 22 de agosto de 1986, com o título “Para entender Villon, quinhentos anos depois”,

o artigo de Alves de Faria, descreve o resultado do empreendimento como um “livro sério. Saindo devagar, sem alarde. Talvez pelo temperamento de Péricles Eugênio da Silva Ramos” (FARIA, 1986). O restante do artigo consta de alguns dados biográficos de Villon, além dos aspectos utilizados por Péricles Eugênio no processo de tradução, todos eles retirados da introdução do próprio volume da tradução, que veremos com mais detalhes abaixo.

O método empregado por Péricles Eugênio na tradução dos poemas, em grande medida retirados de edições anotadas por Pierre Michel, foi respeitar a forma do texto francês, embora afirme que nem sempre foi respeitada a medida dos versos. Segundo Péricles Eugênio, em suas traduções:

Há baladas octossilábicas traduzidas em decassílabos, decassílabos postos em dodecassílabos. As ordens de rimas foram seguidas, embora a maior parte das vezes em consoantes pobres, para resguardarem o mais possível o

sentido original. Encontrar-se-ão decassílabos de acentuação

deliberadamente não padronizada, em raras oportunidades: nosso apoio, nesses casos, é a métrica trovadoresca de Portugal, onde o verso era puramente silábico. (RAMOS, 1986, p. 10-11)

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64 “espelha a Paris de Luís XI, com a maior parte dos legatários – pessoas ligadas às finanças, à justiça e à Igreja, e também alguns companheiros do poeta, maus rapazes – identificados, embora não se possa afirmar que com eles Villon houvesse tido efetivas relações” (RAMOS, 1986, p. 9). No aspecto formal, o poema contém quarenta oitavas octossilábicas com rimas

ababbcbc.

Outro poema importante na obra de Villon é o seu “Testamento” (Le Testament). São 1488 versos em 183 oitavas, com o mesmo esquema de rimas de “Lais”. Por entre as oitavas estão 16 baladas e 3 rondós, cerca de um terço do poema. Sobre este poema, comenta Péricles Eugênio que

Não é uma obra de pensamento original, mas de grande intensidade de vida e de enorme felicidade na expressão de certos versos, que parecem lapidares, muitos dos quais se tornaram proverbiais. É essa qualidade de vida, de realidade, que injeta força no poema de Villon e o erige numa das grandes peças da literatura francesa. Seu autor, por isso mesmo, desde que descoberto no Romantismo por Théophile Gautier, vem sendo crescentemente admirado e estudado; pouco importa que ele tenha tido uma vida aventurosa ou mesmo marginal: sua poesia é das maiores que subsistem em língua francesa e pode ser grande, mesmo traduzida. Assim é que se diz de Swinburne que foi tradutor infiel, mas apesar disso sua anglicização de Villon foi o que ele nos legou de melhor em toda a sua obra. Tal a força do original. (RAMOS, 1986, p. 10)

Separamos alguns trechos do poema “O Testamento”, como exemplo do tom da obra, e do uso das várias medidas utilizadas por Péricles Eugênio em sua tradução,

O Testamento (I-VII, vv 1-8)

No ano trigésimo de minha idade, Traguei já todas as humilhações; Nem sábio, nem de tanta necedade, Tenho sofrido muitas punições

- E todas vieram-me, essas provações, De Thibaut d’Aussigny, de sua mão -: Se bispo ele é, e benze em procissões, Que seja meu contesto a afirmação.

(VILLON, 1986, p. 23) No a/no/ tri/gé/si/mo/ de/ mi/nha i/da/de, 4-8-10 Tra/guei/ já/ to/das/ as/ hu/mi/lha/ções/; 4-8-10

O trecho de fundo biográfico mostra a aversão de Villon pelo bispo de Orléans (1452-1473). O poema octossílabo no original francês é traduzido aqui em versos decassílabos, sendo os dois escandidos sáficos.

No próximo trecho, os versos octossílabos em francês foram traduzidos pela mesma medida em português, a passagem vincula-se ao livro do Eclesiastes (Capítulo XI, versículos 9-10):

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O Testamento (XVII-XXVIII, vv 81-88)

Do Sábio o dito eu bem mo fiz Favorável (eis-me adiantado!): “Goza, meu filho” – assim o diz – “Na adolescência.” De outro lado Prato diverso é apresentado, Pois “Juventude e adolescência” - Tal qual, por ele isto é afirmado – “Não passam de erro e de insciência”.

(VILLON, 1986, p. 35) Do/ Sá/bio o/ di/to eu/ bem/ mo/ fiz/ 2-4-6-8 Fa/vo/rá/vel/ (eis/-me a/dian/ta/do!): 3-6-8

Separamos como derradeiro exemplo, o trecho de uma balada, a intitulada “Balada a sua Amiga”, presente n’O Testamento, ela foi traduzida com 12 sílabas poéticas, o interessante dela é que as duas primeiras estrofes formam dois acrósticos:

O Testamento (vv. 942-969)

Falsa beleza, caro vens a me custar; Rude efetivamente, hipócrita dulçor, Amor mais duro do que ferro ao se mascar, Nomear-te posso irmã de minha grande dor, Cessar de um pobre coração, charme traidor, Orgulho oculto que se põe ao perecer; Ímpio olhar, não quer Direito, em seu rigor, Se tudo vai piorar, um pobre socorrer? Muito melhor ter-me-ia sido procurar Além socorro, o que viria em meu honor; Rumo nenhum do amor podia me afastar. Trotar, tal se me impõe, em fuga e desonor. Heu, heu, socorro, o grande ajude-me, e o menor! E que é isto? Sem nem golpear hei de morrer?

Ou a Piedade quer, por todo este teor, Se tudo vai piorar, um pobre socorrer?

(VILLON, 1986, p. 91)

Fal/sa/ be/le/za/, ca/ro/ vens/ a/ me/ cus/tar/; 1-4-6-8-10-12 Ru/de e/fe/ti/va/men/te, hi/pó/cri/ta/ dul/çor/, 1-4-6-8-10-12

Na primeira estrofe o acróstico formaria o primeiro nome de Villon, “François”, e na segunda o nome “Marthe”, que, segundo aponta Péricles Eugênio em nota, seria um amor transitório de Villon.

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Considerações finais

Concluímos com este exemplo nossa exposição da tradução de Péricles Eugênio da poesia de François Villon, ressaltamos que seu trabalho exegético dos poemas é o mesmo apresentado em várias de suas outras traduções, principalmente nas que envolvem um grande número de poemas traduzidos. Há todo um cuidado de pesquisa histórica, necessária para uma tradução segura, que se não agradar nas escolhas estéticas servem como uma boa base de pesquisa e conhecimento da obra do autor envolvido.

Referências

AULETE, Caldas. Dicionário contemporâneo da língua portuguesa. Revista por Hamílcar de Garcia. 3.a ed. Rio de Janeiro: Delta S.A., 1980. 5 volumes.

FARIA, Álvaro Alves de. Para entender Villon, quinhentos anos depois. Jornal da Tarde, São Paulo, 22 ago 1986, s/p.

FRANCHESCHI, Antonio Fernando de. Villon, nosso contemporâneo. O Estado de S. Paulo, 10 ago 1986, São Paulo, “Caderno 2”, s/p.

VILLON, François. Poesias de François Villon. Tradução, notícia e notas de Péricles Eugênio da Silva Ramos. São Paulo: Art Editora, 1986.

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