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Vista do Uma análise dos elementos constitutivos do conto “The Verger” à luz do interacionismo sociodiscursivo

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Academic year: 2021

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Uma análise dos elementos

constitutivos do conto “The

Verger” à luz do interacionismo

sociodiscursivo

Daniel de Souza França

Vagner Matias da Silva

Graduado em Letras Português/Inglês pelo Centro Universitário Teresa D'Ávila (2011) e mestrando em Educação pela Universidade da Região de Joinville. Professor de Inglês e coordenador pedagógico de escola de idiomas.

Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade de Taubaté (2007). É professor do curso de Letras do UNIFATEA. Professor titular de Inglês e de Português da Rede Pública do estado de São Paulo.

E-mail: vagner_matias@hotmail.com

Resumo

O uso da linguagem como mediadora das atividades sociais é caracterizado por propriedades específicas de cada tipo de texto, de acordo com os objetivos que este pretende atingir. Tais propriedades são estabelecidas de forma coletiva e os textos são agrupados por possuírem características comuns. O objetivo deste trabalho de pesquisa foi analisar, por meio de pesquisa bibliográfica qualitativa, os significados dos elementos constitutivos do tipo de discurso narração no conto “The Verger”, do autor inglês Somerset Maugham, à luz da teoria do interacionismo sociodiscursivo bronckartiano. Concluiu-se que a ausência de mecanismos argumentativos no conto “The Verger” é uma base sólida para supor que o autor quis omitir suas opiniões e, assim, retratar os paradigmas da sociedade inglesa de seu tempo de forma imparcial.

Palavras-chave:

interacionismo sociodiscursivo; gênero textual; narração; The Verger; Somerset Maugham.

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INTRODUÇÃO

Todas as ações de linguagem estão ligadas aos interesses e necessidades dos meios sociais nos quais são produzidas. Portanto, são estabelecidos, coletivamente, modos de produção para cada tipo de texto, os quais são agrupados por apresentarem características comuns (BRONCKART, 1997/2007). A ação de linguagem, segundo Bronckart, “constitui o resultado da apropriação, pelo organismo humano, das propriedades da atividade social mediada pela linguagem” (BRONCKART, 1997/2007, p.42). O indivíduo, então, como agente verbal, faz uso das propriedades coletivas da atividade social, o que, ainda segundo o autor “produz formas semiotizadas veiculadoras dos conhecimentos coletivos e/ou sociais (...)”

Com base nessa constatação, o presente trabalho propôs um estudo sob os elementos constitutivos do tipo “discurso narração” à luz dos estudos acerca do interacionismo sociodiscursivo bronckartiano, com o objetivo de compreender como se articula a criação desse uso da linguagem tão difundido.

Para tanto, limitaremos o nosso trabalho a analisar o conto The Verger, do escritor britânico Somerset Maugham. A história, ambientada em Londres, conta como Foreman, sacristão da St. Peter’s Cathedral por dezesseis anos, foi desligado de suas funções e, consequentemente, expulso de onde então morava quando o vigário descobre que o referido sacristão era analfabeto, embora tivesse exercido seu trabalho impecavelmente durante o tempo em que aí viveu. Sem possibilidade de retorno, Foreman, movido por um espírito empreendedor, abre uma tabacaria numa viela de Londres. Tal foi o sucesso de

sua loja que, dentro de poucos anos, ele viria a se tornar proprietário de dez tabacarias espalhadas pela cidade e possuidor de uma grande fortuna.

A escolha desta obra foi suscitada por seu atípico tema e, sobretudo, pela forma mordaz com que o autor critica o estudo acadêmico como óbvia forma de ascensão social, ideia que vai contra a consagrada premissa de nossa sociedade, portanto, faz-se uma útil ferramenta de análise social.

Os documentos que organizam e norteiam a educação básica em nosso país mencionam a importância de textos literários na construção não só do conhecimento do aprendiz, mas como meio de constituição identitária do cidadão que ele se tornará (BRASIL 2002; BRASIL 2006; SÃO PAULO, 2010). As Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (BRASIL, 2006), por exemplo, contemplam em seus textos que o produto literário possibilita ao educando a reflexão e, consequentemente, a criação de uma postura crítica frente à sociedade. Para tanto, o documento pontua que o trabalho com o gênero literário deve acontecer por meio de três contextualizações: a sincrônica, que se relaciona diretamente ao período de produção do texto; a diacrônica, que toma as características e conteúdos temáticos do texto em um outro momento a sua produção e; a interativa, a qual possibilita uma reflexão sobre o conteúdo temático, colocando-o nas experiências do aprendiz. E é com base nessas orientações educacionais, que vimos a importância e uma análise do conto em questão, tendo como fundamento teórico uma perspectiva da linguística, uma

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vez que esta oferece subsídio necessário para que um trabalho pedagógico que contemple as contextualizações mencionadas seja realizado.

Embora haja inúmeros trabalhos de análise textual, particularmente, no que se refere à caracterização de gêneros textuais de diferentes esferas sociais, dentro de uma perspectiva interacionista sociodiscursiva (MATIAS DA SILVA, 2007; DAMIANOVIC, 2007; ESTEVAM, 2006), há ainda o que investigar no que diz respeito a que mecanismos linguísticos podem contribuir na interpretação e significação do discurso literário.

Com base nessas colocações, esta pesquisa tem como objetivo responder a seguinte pergunta: quais os significados discursivos dos enunciados constitutivos do conto “The Verger”?

Para alcançar o objetivo desta pesquisa, realizou-se uma análise do conto “The Verger” sob a visão do interacionimo sociodiscursivo, além de uma pesquisa historiográfica de Somerset Maugham, autor do referido conto, como parte essencial para a categorização do conto dentro dos gêneros textuais. Por fim, a discussão dos resultados obtidos pela análise, bem como os possíveis efeitos que os aspectos particulares desse conto podem causar tanto na significação da história, quanto no objetivo do autor no ato de sua produção.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 O interacionismo sociodiscursivo

A ação de linguagem, segundo Bronckart, “Constitui o resultado da apropriação, pelo organismo humano, das propriedades da atividade social mediada pela linguagem” (BRONCKART, 1997/2007, p.42). Portanto, o indivíduo, como

agente verbal, faz uso das propriedades coletivas da atividade social, o que, ainda segundo o autor “Produz formas semiotizadas veiculadoras dos conhecimentos coletivos e/ou sociais (...)” (BRONCKART, 1997/2007, p.42). Do ponto de vista sincrônico, todo agir verbal, embora arbitrário, é julgado pelas formas da interação social que se estabelecem como normas reguladoras. E é através destas normas que, são construídas ao longo tempo, que se dá o controle da atividade da linguagem. Bronckart salienta que essas formas estão divididas em três “mundos representados”, que definem o agir humano:

As leis ou teorias codificadoras dos conhecimentos elaborados no meio físico (mundo objetivo), sobre as normas valores e símbolos elaborados para regular as interações entre grupos ou entre indivíduos (mundo social), assim como expectativas construídas em relação às qualidades requeridas de um agente humano (mundo subjetivo) (BRONCKART, 1997, p.42).

Estas proposições mostram que os mundos representados constituem o quadro de avaliação da participação dos agentes, cujas ações estão sob julgamento de validade, com base nas próprias normas que foram estabelecidas coletivamente, sendo os agentes passíveis de avaliação de suas ações.

Bronckart preconiza que toda ação humana é realizada dentro desses três mundos e está sujeita à “eficácia da intervenção o mundo objetivo”, “conformidade em relação às regras sociais” e “autenticidade daquilo que um agente mostra de seu mundo subjetivo”. Portanto, a participação individual está sujeita à validação pelos “construtos coletivos que constituem os mundos” (BRONCKART, 1997/2007, p.43), embora

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os próprios construtos mencionados sejam mediados pela comunicação verbal, o que torna as ações humanas “porções de atividade social imputáveis a um organismo humano particular” (BRONCKART, 1997/2007, p.43).

Assim, o agir particular de cada ser humano é julgado, pelos outros indivíduos, de acordo com as regras dos mundos representados. Assim cada indivíduo “ Não só contribui para a delimitação externa das ações que acabamos de abordar, mas também, e sobretudo, atribui aos congêneres determinadas propriedades particulares , que os erigem como agentes.” (BRONCKART, 1997/2007, p.42).

Nessa perspectiva, cada ser humano particular, sendo avaliador das ações dos outros seres humanos, acaba por ter ciência de si mesmo, aplicando os mesmos critérios sobre si, e adquire a capacidade de representar-se como agente de suas ações no mundo social, entretanto, assim como as ações alheias são meras tentativas de validação, as ações do próprio indivíduo são também passíveis de avaliação. Ainda segundo Bronckart, “A ação humana em geral se apresenta, do ponto de vista externo, como um recorte da atividade social operado pelas avaliações coletivas e, do ponto de vista interno, como o produto da apropriação, pelo organismo transformado em agente dos critérios dessa avaliação.” (BRONCKART, 1997/2007, p.45)

Cabe dizer que, diferentemente dos postulados piagetianos, Bronckart afirma que a aquisição da capacidade comunicativa não é inteiramente cognitiva e não depende exclusivamente da capacidade biológica do agente. Ela é o resultado da interação do indivíduo e as dimensões históricas e sociais que o cercam, bem como as representações historicamente estabelecidas para a representação dessas relações.

2. 2 A análise de textos

Através da interação social ao longo da história, são estabelecidos meios de se realizar os objetivos de uma ação de linguagem, os quais são chamados de gêneros A escolha do tipo de gênero adequado para alcançar os objetivos propostos é papel do agente, portanto, “Sendo os valores do contexto sociossubjetivo e do conteúdo temático de uma ação de linguagem, pelo menos em parte, sempre novos, o agente que adota um modelo de gênero deve também, necessariamente, adaptá-lo a esses vaadaptá-lores particulares”.(BRONCKART, 1997/2007, p.102).

Com base nisto, é válido afirmar que o agente efetua a adequação do gênero às suas necessidades, entretanto, sua escolha é influenciada pelo leque de gêneros que ele conhece. Por isso, a apropriação dos gêneros é um “mecanismo fundamental de socialização” (BRONCKART, 1997/2007, p.103).

Seguindo a perspectiva bronkhtiana, os gêneros textuais utilizados pelos agentes da ação de linguagem são constituídos por três fatores: a infraestrutura geral do texto, os mecanismos de textualização e os mecanismos enunciativos, os quais são determinados pelas condições de produção.

Para a produção de um texto, o autor deve “mobilizar algumas de suas representações do mundo” (BRONCKART, 1997/2007, p.92), por isso, é de extrema importância a análise da situação de ação de linguagem no período de sua produção, isto é, das características os mundos físico, social e subjetivo, os quais influenciam a produção textual.

Sendo toda produção textual o resultado de uma ação de um agente que se encontra situado no espaço e tempo, podemos dizer que todo texto é “a finalidade de um ato no mundo físico”, o qual

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é determinado por quatro parâmetros, a saber: lugar de produção, extensão de tempo durante o qual o texto foi produzido, a pessoa que produz o ato, e os receptores, isto é, as pessoas que podem receber o texto.

Além do mundo físico, a produção de um texto também está inserida nos contextos social e subjetivo, que são respectivamente, as normas e valores sociais, e a imagem que o agente dá a si mesmo. Este mundo sociosubjetivo também pode ser decomposto, segundo Bronckart, em quatro parâmetros principais: lugar social, posição social do autor, posição social do receptor, e objetivo da interação.

Segundo a teoria bronckartiana, este é o nível mais profundo do texto, e é constituído pelo plano geral do texto, isto é, pelos tipos de discurso e as modalidades de articulação entre eles. Este plano geral é o esquema temático e de acontecimentos pelo qual o texto flui, e pode ser depreendido do texto facilmente na forma de um resumo dos eventos.

Os tipos de discurso, também chamados de mundos discursivos, acima mencionados, referem-se às diferentes formas de ação de linguagem que se baseiam em dois subconjuntos de operações: coordenadas gerais do texto e instâncias de agentividade.

Sobre as coordenadas gerais que organizam o conteúdo temático de um texto, seguindo essa teoria, distinguem-se em dois tipos: coordenadas disjuntas, isto é, coordenadas que diferem daquelas do mundo real; e coordenadas conjuntas, quando as coordenadas do texto não são explicitamente distanciadas das reais. A disjunção é explicitada por fórmulas temporais (um dia, ontem, no ano 2058) e/ou por fórmulas espaciais (era uma vez, em um país longínquo). Além disso, os textos que seguem e que se organizam a partir dessa característica “são

narrados como se fossem passado.” Se os fatos são conjuntos às coordenadas do mundo real, eles não são narrados, mas mostrados, ou expostos. Desta forma, o primeiro subconjunto é dividido em textos da ordem do NARRAR e do EXPOR (BRONCKART, 1997/2007).

Analisado segundo a teoria bronkartiana, as instâncias de agentividade de um texto podem ser ligadas aos parâmetros materiais de ação de linguagem (agente–produtor, interlocutor eventual e espaço-tempo de produção), ou podem ser independentes em relação a esses parâmetros. De acordo com essa distinção, diz-se que o texto é implicado ou autônomo. Se implicado, é necessário ter acesso às condições de produção para que o texto seja interpretado. Fica, assim, estabelecida uma divisão entre os mundos discursivos, que é ilustrada pela seguinte tabela:

Coordenadas gerais dos mundos Conjunção Disjunção

EXPOR NARRAR

Relação ao ato Implicação Discurso interativo Relato interativo

de produção Autonomia Discurso teórico Narração

3.METODOLOGIA

3.1 Análise do Corpus

Como este trabalho tem o foco na análise de um conto, será feito um estudo mais detalhado acerca da seqüência narrativa, uma vez que é o tipo de planificação predominante no gênero em questão. A tabela abaixo mostra as divisões propostas para a análise dos constituintes:

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Análise Divisão proposta Elementos textuais Mecanismos de textualização 1 – Mecanismos de conexão 2 – Mecanismos de coesão nominal 3 - Mecanismos de coesão verbal - Advérbios ou locuções adverbiais temporais - Conjunções coordenativas - Referenciação anafórica - Temporalidade e contraste Mecanismos enunciativos 1 – Posicionamento enunciativo e vozes 2 – Modalizações

Marcas linguísticas e/ou elementos implícitos

Partindo dos mecanismos de sintaxe global do texto até os mecanismos de conexão frasal, os mecanismos de textualização podem ser divididos em três categorias: mecanismos de conexão, de coesão nominal e de coesão verbal.

Desta forma, os mecanismos de conexão auxiliam a criação da coerência textual, como ilustrado abaixo.

“Durante os dezesseis anos que ele havia sido o sacristão dessa igreja, ele teve uma sucessão de tais vestimentas.” (em tradução livre).

“Certa manhã, quando ele estava lá pagando em um maço de notas e um saco pesado de moedas...” (em tradução livre).

Extraídos do texto, os exemplos acima vêm corroborar a teoria de que os mecanismos de conexão da narração são geralmente formados por advérbios ou locuções adverbiais temporais, e estão dispostos numa planificação do tipo segmentação, típica do discurso narrativo. Ao que tudo indica, esses elementos coesivos fornecem ao texto em questão uma maior dramaticidade dos eventos subsequentes, uma vez que em consonância com o propósito avaliativo do conteúdo temático – de uma avaliação das questões sociais da época – contribuem com os significados subjacentes no texto.

Aprofundando-se mais a análise, esses elementos fazem, também, a modalização na integração das frases, isto é, coordenam as relações entre as frases. Portanto, são o conjunto das conjunções coordenativas, podendo aparecer na forma simples ou em forma de locução.

“Ele caminhou lentamente  de volta à sacristia  e pendurou no cabide apropriado seu sua vestimenta.” (em tradução livre)

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“Ele poupou uma boa soma, mas não o suficiente para viver sem fazer alguma coisa, e a vida parecia custar mais cada dia.“ (em tradução livre).

Por fim, internamente às frases, os mecanismos de conexão ligam frases sintáticas, compondo frases subordinadas. Eles são, então, o conjunto das conjunções subordinativas. Estes assumem necessariamente uma função de encaixamento (subordinação).

“O gerente ficou tão surpreso que saltou da cadeira.” (em tradução livre)

“Descobri, para meu espanto, que você não sabia ler nem escrever.” (em tradução livre)

Tais conjuntos de conjunções subordinativas e coordenativas tornam-se cruciais para que o leitor possa compartilhar das inúmeras avaliações sobre o seu conteúdo temático, uma vez que fornecem informações descritivas das ações ou do caráter das personagens.

Os mecanismos de coesão nominal explicitam a relação entre argumentos co-referenciais, e aparecem na forma de pronome ou sintagma nominal. Chamamos este processo de referenciação anafórica, o qual forma cadeias coesivas.

As anáforas, de forma geral, podem ser divididas em duas categorias: não-referenciais e referenciais. A primeira, como mostra o exemplo abaixo, não fornece ao leitor quaisquer instruções de sentido, mas apenas uma instrução de conexão (KOCH,1989):

Albert Edward ficou um pouco surpreso ao encontrar os dois funcionários lá. Ele

não os tinha visto entrar. Deram-lhe

um agradável aceno com a cabeça.” (em tradução livre)

A segunda categoria, que diz respeito às anáforas referenciais, fornece instruções de concordância e sentido. Ainda segundo Koch (1989, p.45), “a escolha das características a serem ativadas na expressão nominal definida tem valor essencialmente argumentativo”.

A ausência desse tipo de anáfora no conto “The Verger”, ou seja, a omissão da referenciação argumentativa faz supor que o autor não pretendeu fazer quaisquer ligações entre elementos do texto e instruções de sentido, evitando criar preconceitos. Além disso, a falta de argumentações pessoais do autor indica que, possivelmente, ele quis mostrar, também, que ambos, autor e leitor, partilham da mesma visão da sociedade, uma vez que o que dá sentido ao texto não são os valores pessoais, mas a visão da sociedade, bem como os valores nela implícitos.

E por fim, o terceiro grupo de mecanismos de textualização, a coesão verbal, pauta o eixo de referência temporal, sobre o qual ações são psicologicamente construídas em um tipo de discurso. Além disso, convém salientar que os aspectos analisados neste estudo referem-se ao tipo de discurso NARRAR, uma vez que elementos coesivos podem adquirir diferentes valores quando utilizados em diferentes tipos de discurso.

Além disso, Bronckart identifica quatro funções da coesão verbal: temporalidade primária, temporalidade secundária, contrate global e contraste local. A temporalidade baliza a relação de um primeiro processo com um segundo que, em geral, está situado numa temporalidade primária, e pode expressar anterioridade, simultaneidade, ou ainda, posterioridade relativas à localização isocrônica

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da oração principal. Esta, portanto, organiza os fatos numa linha temporal por meio de uma oposição de tempos verbais.

“Quando o vigário havia percorrido o corredor por certa distância que ele pudesse se dirigir ao sacristão sem levantar sua voz mais do que seria o adequado num local de oração, ele parou.” (em tradução livre) “Ele esteve em serviço antes de ter sido

indicado ao escritório eclesiástico, mas apenas em casas muito boas, e seu comportamento era irrepreensível.” (em

tradução livre)

Nos exemplos acima, as locuções verbais “havia sido” e “ter sido” tem valor de pretérito mais-que-perfeito podem ser substituídas pelas formas “percorrera” e “fora”, e fazem oposição aos pretéritos perfeitos “parou” e “disse”, indicando que os eventos no tempo verbal pretérito mais-que-perfeito ocorreram num tempo anterior relativo ao outro par de verbos, respectivamente. Como a moral da história está diretamente relacionada à situação anterior de sacristão da personagem principal, é crucial que o autor fizesse menção às situações ou mesmo ações anteriores à história em progressão, para que o leitor possa fazer avaliações acerca do conteúdo temático e, consequentemente, entender a moral da história que é uma comparação de situações da vida da personagem principal.

A simultaneidade relativa é caracterizada unicamente pelo encaixamento de orações, e qualquer variação dos tempos verbais é relacionada às funções de contraste.

“Ele, a princípio, não viu nenhuma e caminhou um pouco mais.” (em tradução

livre)

“Ele suspirou enquanto pensava em todos

os grandes funerais e casamentos que este lugar tinha visto.”(em tradução livre)

No segundo exemplo extraído do texto, figura a palavra “enquanto”, que reitera a ideia de simultaneidade dos verbos “suspirou” e “pensava”, embora estejam conjugados em tempos pretéritos diferentes. Diferentes situações ou ações acontecendo simultaneamente contribuem, neste conto particularmente, com as avaliações feitas acerca do conteúdo temático, visto que o autor do conto, ao descrever diferentes situações simultâneas, alarga a visão sobre os acontecimentos, tornando-os parte de um contexto maior do que simples eventos pontuais e desconexos uns dos outros, ou mesmo imbuindo eventos dinâmicos e estativos com o mesmo valor para a história, não fazendo distinção quanto à importância deles.

Ainda segundo Bronckart, acontecimentos aparentemente importantes para a progressão temática da história podem ser relegados a segundo plano, enquanto acontecimentos de importância menor são expostos em primeiro plano. Para o autor, esta função de contraste, “Não consiste em opor séries de processos em função de sua importância intrínseca para a progressão da história, mas sim, que essa função procede sempre de uma decisão, tomada pelo narrador, de colocar alguns elementos em destaque, em prejuízo de outros.” (BRONCKART 1997/2007, p. 291).

É papel do narrador dar ênfase a determinados processos dentro da progressão da história como, por exemplo, processos dinâmicos dos personagens em detrimento dos processos estáticos, psicológicos ou mesmo

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de personagens secundários; ou o narrador pode, também, realçar estes últimos e relegar ao segundo plano os processos dinâmicos. Além disso, os processos do primeiro plano são caracterizados pelo pretérito perfeito e os processos do segundo plano, pelo pretérito imperfeito.

Levando em consideração que numa sequência narrativa as fases iniciais e finais apresentam estados relativamente estáveis, enquanto as fases de ação e resolução apresentam processos dinâmicos, é cabível esperar que nas fases inicial e final os verbos estativos e durativos estejam em primeiro plano, ao passo que nas fases de ação e resolução, sejam alocados no segundo plano.

Houve um batismo naquela tarde em St.

Peter’s, Neville Square, e Albert Edward Foreman ainda vestia seu traje de sacristão.

Ele guardava o novo, com suas dobras tão

marcadas e rígidas como se fosse feito não de alpaca mas de bronze, para funerais e casamentos (St. Peter’s, Neville Square, era

uma igreja muito procurada pelas pessoas de bom gosto para essas cerimônias) a agora ele vestia apenas seu segundo

melhor. Ele o vestia com complacência,

pois o símbolo de dignidade do seu ofício e, sem o qual (quando ele o tirava quando

ia para casa) ele tinha uma desconcertante

sensação de estar de alguma forma insuficientemente vestido.

Ele se incomodava com isto. Ele mesmo ajeitava e passava seu traje. Durante os

dezesseis anos que tinha sido sacristão

daquela igreja, ele teve uma sucessão de

tais trajes, mas nunca foi capaz de

jogá-los fora quando ficavam velhos; a completa

série, esmeradamente embrulhada em papel pardo, jazia no fundo das gavetas do guarda-roupa do seu quarto.“ (em tradução

livre)

Observa-se que os verbos no primeiro trecho destacado estão no pretérito imperfeito ou pretérito mais-que-perfeito, indicando que

esses eventos foram alocados no segundo plano. Haja vista que o trecho acima comentado é o primeiro parágrafo do conto “The Verger” e, como faz parte da descrição da situação inicial, é esperado que esteja saturado de verbos estativos e durativos.

“Ele ponderou o assunto de cada ponto de

vista. No dia seguinte, ele percorreu a rua

e, por sorte, encontrou uma pequena loja

para alugar, loja que parecia se ajustar-se exatamente ao seu interesse. Vinte e quatro horas mais tarde ele a tinha alugado e, após um mês, deixou a St. Peter’s, Neville Square

para sempre. Albert Edward Foreman

abriu um estabelecimento como tabacaria

e banca de jornal. Sua esposa disse que

isso era uma terrível queda, depois de ser sacristão da St. Peter’s, mas ele respondeu

que era preciso mudar com os tempos, que a igreja já não era o que costumava ser e que ele iria dar a César o que é de César.”

(em tradução livre)

Destacados no trecho acima estão os verbos dinâmicos no pretérito perfeito. Isto indica que as ações dos personagens foram postas em primeiro plano, ou seja, questão os eventos mais importantes da diegese da fase na qual se situam. Tal trecho foi extraído das fases de ação e resolução da história, logo, pode-se esperar que esteja saturado de verbos no pretérito perfeito ou pretérito mais-que-perfeito.

Sob o ponto de vista temático do conto em questão, a escolha do autor em colocar as ações dos personagens em primeiro plano, ou seja, em dar ênfase a tais eventos dinâmicos, parece bastante pertinente, uma vez que o tema aborda questões relativas à proatividade do protagonista, e uma menor atenção é dada às descrições físicas e psicológicas, isto é, processos relativamente estáticos.

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A seguir, verifica-se no segundo trecho retirado do conto que os verbos no pretérito perfeito “fechou”, “pode”, “caminhou”, “pendurou” e “tremeram” se situam no primeiro plano, em contraste local com a locução verbal “havia suportado”.

“Mas quando Albert Edward, com sua costumeira polidez, fechou a porta da igreja

atrás do vigário e dos dois funcionários, não pode manter o ar de serena dignidade

com o qual ele havia suportado o golpe

infligido sobre ele , e seus lábios tremeram.

Ele caminhou devagar até o vestiário e pendurou, no cabide apropriado. seu traje

de sacristão.” (em tradução livre)

Nota-se, então, que os mecanismos de coesão verbal, embora divididos em duas categorias, temporalidade e contraste, são indissolúveis, pois os verbos carregam consigo, quando inseridos em um contexto, aspectos temporais e contrastantes simultaneamente.

No caso específico deste conto, nota-se que tanto os verbos que expressam eventos dinâmicos quanto os que expressam eventos estativos fazem parte de um mesmo contexto e, embora se oponham por tempo ou contraste, compõe a mesma significação geral. Se o autor está preocupado com a ordem dos acontecimentos, isto é, com a temporalidade relativa entre os fatos da história, é também verdade que o contraste da importância entre esses mesmos eventos nunca cessa de existir. Portanto, é visível a preferência do autor por enfatizar este ou aquele aspecto, mesmo que a preocupação principal seja a ordem dos acontecientos, o que nos leva a entender as significações que o autor do conto pretendeu alcançar.

Por fim, os mecanismos enunciativos são elementos configuracionais que contribuem para a coerência do texto, sendo estes quase que independentes da progressão do conteúdo temático. Como Bronckart afirma, estes mecanismos se dividem em duas categorias: posicionamento enunciativo e vozes, e modalizações. Observa-se em primeiro plano a voz do narrador, como no exemplo extraído do texto.

“Quando o vigário havia percorrido o corredor por certa distância que ele pudesse se dirigir ao sacristão sem levantar sua voz mais do que seria o adequado num local de oração, ele parou.” (em tradução livre)

Outros dois tipos de vozes são também observados, as vozes das personagens e das instituições sociais. As vozes das personagens são procedentes dos agentes dos acontecimentos e ações ao longo texto.

“– Não, senhor. Sinto dizer que eu não poderia. Não agora. Entenda, eu não sou tão jovem quanto eu era e, se parece que eu não pude enfiar as letras na minha cabeça quando era uma garoto, eu acho que não há muita chance agora.” (em tradução livre)

Por outro lado, as vozes sociais são externas às ações do conteúdo e expressão a opinião de grupos ou instituições sociais. Elas funcionam como instâncias externas de avaliação, como exemplifica o trecho a seguir:

“St. Peter’s, Neville Square, era uma igreja muito procurada pelas pessoas de bom gosto para essas cerimônias.”

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No caso acima citado, pode-se inferir do enunciado a preferência do grupo social das pessoas de bom gosto pela tal igreja, consequentemente, o valor positivo na avaliação desse grupo.

É possível, também, que a voz do próprio autor esteja presente no texto, na forma de comentário ou avaliação do que é enunciado, embora no conto The Verger esta voz não seja encontrada.

O segundo grupo de mecanismos enunciativos diz respeito às modalizações. Elas têm a finalidade de estabelecer uma coerência pragmática, transmitindo, por meio das vozes do texto, os comentários e avaliações sobre elementos do conteúdo. Portanto, podemos identificá-los como orientadores na interpretação do texto.

As modalizações estão divididas em 4 categorias: lógicas, deônticas, pragmáticas e apreciativas.

“- Eu poderia fazer isso direito, disse Albert

duvidosamente. – Mas como eu poderia

saber o que estava assinando? “ (em

tradução livre)

O trecho acima exemplifica a modalização lógica, que consiste na avaliação de um enunciado quanto a sua condição de verdade, apoiada nas coordenadas do mundo objetivo.

“– Bem, Foreman, eu conversei sobre o assunto com estes cavalheiros e eles concordam comigo que a situação é

impossível. Na igreja St. Peter’s nós não podemos ter um sacristão que não pode ler

ou escrever.”

Como está salientado no exemplo, as modalizações deônticas avaliam um enunciado apoiadas nas coordenadas do mundo social, tais como obrigações, deveres e normas sociais.

As modalizações pragmáticas atribuem aos agentes das ações responsabilidades, razões, ou capacidade de ação, como exemplificado no trecho abaixo:

“– Bem, meu senhor, é isso mesmo. Eu não posso. Eu sei que parece engraçado, mas ai está: eu não posso ler ou escrever, apenas

meu nome, e eu só aprendi a fazê-lo quando eu entrei para os negócios.” (em tradução

livre)

Ou ainda:

“– Nós não queremos ser duros com você,

Foreman, disse o vigário.” (em tradução

livre)

Por fim, as modalizações apreciativas são julgamentos dos enunciados do texto baseados no ponto de vista da voz que a profere. Nota-se, porém, no conto “The Verger,” a ausência desse tipo de modalizador, apreciativo, fato que proporciona ao seu autor imparcialidade quanto ao tema tratado no conto, uma vez que são esses os modalizadores que expressam os juízos de valor proferidos pelo autor ou narrador, assim, possivelmente, o autor do conto quisesse deixar a cargo do leitor a avaliação apreciativa dos fatos que se seguem na história, incitando o pensamento crítico, por parte do leitor, sobre o assunto tratado.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Somando-se a ausência de modalizadores apreciativos ao fato de que as anáforas referenciais, elementos coesivos que introduzem instruções de sentido e concordância tratados anteriormente, também não estão presentes no texto, reforça a possibilidade de que o autor do conto estivesse interessado em compartilhar com o leitor uma mesma visão, caracterizada pelos valores

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sociais que ambos, autor e leitor, partilham, ou ainda mostrar ao leitor que valores sociais, tanto do conto quanto do mundo real objetivo no qual está baseado, podem ser variáveis, uma vez que os indivíduos protagonistas dos fatos diferem-se uns dos outros. Assim, devido à ausência das ferramentas discursivas de argumentação no conto “The Verger”, Maugham cria uma progressão temática imparcial, isto é, ele mostra ao leitor fatos que encimam um quadro da sociedade de sua época.

Segundo as bases curriculares que norteiam a educação no Brasil (BRASIL, 2006; BRASIL, 2002), o estudo literário possibilita ao aluno a criação de um pensamento crítico frente à sociedade. E é neste ponto que a análise do conto “The Verger” se faz importante, visto que o aprofundamento dos estudos das características dos tipos de discurso – neste caso a narração – proporciona uma maior acurácia ao pensamento crítico, além, é claro, de clareza ao expressar-se.

Evidentemente, este trabalho foi pontual em essência, visto que tratou apenas do tipo de discurso narração e apenas um texto foi submetido à análise sociointeracionista. Entretanto, para que haja um alargamento do entendimento das possibilidades de linguagem, outros tantos trabalhos são indispensáveis, bem como a análise de outros gêneros e tipos discursivos, ou mesmo textos inseridos em sociedades que tenham outros valores estranhos a nós.

Certamente este trabalho não se encerra aqui. Outros conhecimentos virão futuramente, acrescentados por mim ou por outros pesquisadores, tornando a temática mais rica na área da Linguística Aplicada.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Secretaria de Educação Básica. Orientações curriculares para o ensino médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. vol 1 Brasília:

MEC;SEMTEC, 2006.

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