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A INTERVENÇÃO PSICOLÓGICA EM UM CASO DE ADULTA COM SÍNDROME DE TURNER E SUSPEITA DE TRANSTORNO ALIMENTAR.

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A INTERVENÇÃO PSICOLÓGICA EM UM CASO DE ADULTA COM SÍNDROME DE TURNER E SUSPEITA DE TRANSTORNO ALIMENTAR

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Breno Lara Beraldo, Gabriela Sabino, Silvia Aparecida Fornazari, Renata Grossi, Fabiano Koich Miguel, Eneida Silveira Santiago, Tânia Longo Mazzuco

RESUMO

A Síndrome de Turner é uma monossomia parcial ou total do cromossomo X que atinge apenas mulheres. Esta síndrome pode causar alterações no organismo, como baixa estatura e desenvolvimento atípico, assim como desdobramentos futuros, como questões de autoestima, autoconfiança e até transtornos psiquiátricos. Este trabalho apresenta o acompanhamento psicológico de uma adulta com Síndrome de Turner e desenvolvimento atípico que apresentava comportamentos como parar de comer e ameaças de autolesão, chegando a ser internada por deficiência nutricional. No período de junho à dezembro de 2017, foi feito o acompanhamento da paciente e de sua cuidadora. Os resultados foram considerados satisfatórios, uma vez que demonstraram aumento na alimentação e diminuição de comportamentos autolesivos. Entretanto, considera-se necessário ampliar discussões sobre o tema, visto que a quantidade de trabalhos sobre aspectos psicológicos de mulheres com Síndrome de Turner é escassa.

Palavras chave: Psicologia da Saúde; Síndrome de Turner; Transtorno Alimentar;

Desenvolvimento atípico.

INTRODUÇÃO

A Síndrome de Turner (ST) é uma alteração no número ou na morfologia dos cromossomos sexuais, havendo a presença de um X e a ausência parcial ou total de outro X. Esta síndrome é a única monossomia viável para os seres humanos e afeta, exclusivamente, meninas (GRAVHOLT, JUUL, NAERAA e HANSEN, 1996). A incidência na população é em média 1 caso para 2130 meninas nascidas, frente a uma alta taxa de mortalidade fetal, e pode resultar em uma série de anomalias congênitas, assim como, alterações no funcionamento de diversos órgãos (NIELSEN e WOHLERT, 1991).

Entre órgãos afetados estão as gônadas, causando uma deficiência estrogênica crônica que atinge de 95% a 98% das pacientes (PROJETO DIRETRIZES, 2006). Apenas 10% a 20% destas mulheres conseguem produzir uma quantidade de estrógeno suficiente para seu desenvolvimento sexual, levando a maioria a repor hormônios em algum momento da vida e,

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consequentemente, aos profissionais da Endocrinologia, que, muitas vezes, acompanham as histórias destas pacientes.

Ainda na vida intrauterina, esta monossomia acarreta em um desenvolvimento mais lento do feto. Logo após o seu nascimento, as crianças apresentam baixo peso, assim como pouco crescimento durante a infância e puberdade, gerando um dos principais problemas da síndrome que é a baixa estatura (SYBERT e MCCAULEY, 2004). Além de a estatura ser, significativamente, abaixo do esperado, muitas possuem desenvolvimento atípico e apresentam baixo rendimento escolar no ensino regular ou necessitam de educação especial, fatores que podem levar à infantilização destas mulheres (GODOY, 2016).

O desenvolvimento atípico, segundo a Association on Intellectual and Developmental Disabilities (AAIDD, 2010 apud SOUZA, 2014), é um termo utilizado para caracterizar indivíduos cujo desenvolvimento é considerado afastado da média geral, com um atraso em relação à sua idade cronológica nas áreas de aprendizagem, comportamento e relacionamento (SOUZA, 2014). Entretanto, cada indivíduo possui sua própria cronologia de desenvolvimento e de preferência com acompanhamento de intersetorialidade constantes.

Para compreender o modo em que as relações do indivíduo são estabelecidas, é importante identificar as variáveis ambientais que estão envolvidas com este organismo e, na presença de comportamentos-problema, é necessário compreender a função deste comportamento, uma vez que o mesmo pode ser uma resposta relacionada a eventos ambientais (SOUZA, 2014) e não necessariamente ser característica da síndrome. Entre os profissionais capacitados para tal análise, está o analista do comportamento, que avalia estas contingências.

Importante salientar a necessidade da importância da conjugalidade do tratamento da saúde mental pós reforma psiquiátrica. Com as práticas de desospitalização e a criação de serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico, a pessoa em sofrimento psíquico tem como proposta mais autonomia em seus direitos. Assim, gradativamente, assume postura ativa em seu processo de tratamento, no contexto onde vive (MARINHO, 2010). E manter de forma contínua, a intersetorialidade com setores específicos da medicina, acompanhamento psiquiátrico conjugado com psicoterapia além do indispensável acompanhamento com biólogo geneticista para um aconselhamento genético sobre prognóstico de uma alteração cromossômica como dita anteriormente.

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Dentre os comportamentos-problema, está o comportamento autolesivo, que pode ser crônico e trazer danos para o indivíduo. Este tipo de comportamento é definido por Souza (2014) como “aquele que causa dano físico ao próprio indivíduo” (p. 24), sendo mantido pelo ambiente ou por consequências do próprio comportamento, que traz algum ganho para o paciente como a atenção familiar.

Outra classe de comportamentos que podem trazer danos ao próprio indivíduo, são aqueles considerados prejudiciais à saúde, como a indução ao vômito e períodos prolongados de jejum. Tais comportamentos estão presentes no diagnóstico de Transtorno Alimentar (TA), assim como outras estratégias para evitar o ganho de peso. Concordando com Nobre, Farias & Ribeiro (2010) e com Vale e Elias, 2011, os TAs são mais prevalentes em mulheres, sendo divididos em três diagnósticos: Anorexia Nervosa, Bulimia Nervosa e Compulsão Alimentar Periódica. A Anorexia Nervosa é resultante de uma abstinência alimentar voluntária, com a apresentação de estratégias de perda de peso, como vômitos e atividades físicas excessivas (NOBRE et al., 2010). Os TAs têm uma função e se desenvolvem a partir de fatores biopsicossociais, que levam a uma distorção da imagem corporal. Sendo assim, é importante que o terapeuta analise e descubra com o que este tipo de comportamento está envolvido. Considerando que queixas iguais podem ter funções diferentes, o interesse do terapeuta está no por quê de sua ocorrência. A partir da identificação destas variáveis, torna-se possível um planejamento de intervenção que modifique os comportamentos relacionados à queixa.

Em casos de desenvolvimento atípico, na literatura da educação especial como Martins (2010), estratégias envolvendo o treinamento de pais têm se mostrado eficazes. Nestes casos, os pontos básicos para a atuação do terapeuta são: “a redução de comportamentos contra produtivos, o treino de repertórios comportamentais adequados e a manutenção desses comportamentos adequados na vida social dos usuários” (p.156). Os benefícios de envolver os cuidadores no processo de intervenção são: a extensão do desenvolvimento das habilidades treinadas para outros contextos, como o domiciliar e a redução de custos, uma vez que reduz a necessidade de acompanhantes terapêuticos.

DADOS GERAIS

Lavínia (nome fictício), uma mulher, solteira, de 29 anos, com 1,42m de altura, que não trabalhava e frequentava o Instituto de Educação para crianças excepcionais (ILECE). Durante o

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ano de 2017, foi atendida de junho a novembro, totalizando 23 sessões de terapia, quando a mãe decidiu interromper o tratamento por considerar a paciente melhor. Os atendimentos ocorreram através do Serviço de Aconselhamento Genético da Universidade Estadual de Londrina (SAG-UEL), na Clínica-Escola de Psicologia da Universidade Estadual de Londrina (Clínica-UEL).

QUEIXAS INICIAIS E HISTÓRICO DE VIDA

Lavínia recebeu atendimento no Ambulatório de Especialidades do Hospital de Clínicas da UEL (AEHC) desde criança para o tratamento de Síndrome de Turner. O acompanhamento da Endocrinologia se faz necessário pois é feito seguimento sobre o crescimento, reposição hormonal, avaliações cardiovasculares, tireoidiana, alterações renais e auditivas.

Sua mãe a acompanhava nos atendimentos, por considerá-la inapta a vir sozinha. Durante seus exames médicos de rotina, foi notado que sua glicose estava alta e indicado que ela deveria perder 2 kg para evitar a diabetes. Naquele período, a paciente pesava 58 kg. Ao retornar a consulta, em outubro, a paciente estava pesando, aproximadamente, 45 kg. Em 2017, verificaram que o peso de Lavínia diminuiu para 39 kg e a mesma foi encaminhada ao SAG-UEL para atendimento psicológico.

Em abril de 2017, Lavínia e sua mãe foram atendidas pelos colaboradores da Psicologia vinculados ao SAG-UEL para avaliação com objetivo de caracterizar a queixa da paciente e da família, considerando a Síndrome de Turner, o atraso no desenvolvimento intelectual e a perda significativa de peso. Como parte dessa avaliação, em junho, foi feita uma visita domiciliar com o objetivo de observar o ambiente familiar, como as relações interpessoais ocorriam e avaliar quais os recursos presentes nesse meio que pudesse auxiliar no tratamento.

DESCRIÇÃO DA HIPÓTESE DIAGNÓSTICA

No primeiro contato com a paciente e a mãe, foi conversado sobre o relacionamento de Lavínia com a família, os atendimentos recebidos no ILECE e possíveis queixas. Durante a primeira visita domiciliar, a mãe apresentou a casa e foi conversado sobre redes de apoio na região, para a família, e alguns comportamentos-problema da filha. As primeiras sessões tiveram como objetivo fortalecer o vínculo e investigar novas informações. Em seguida, foi feito um piquenique para observar os hábitos alimentares de Lavínia. As sessões posteriores tiveram como objetivo: promover a interação entre a paciente e a mãe; propor alternativas para

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comportamentos inadequados; levantar informações sobre a alimentação e a internação da paciente; e avaliar o seu desenvolvimento cognitivo. Também houve uma nova visita domiciliar, visando a investigação das interações sociais da paciente, sua alimentação e a adaptação da família às instruções da terapeuta.

Ao longo dos atendimentos, Lavínia relatou que começou a perder peso e gostou. As pessoas lhe diziam que ela estava ficando bonita. Contou que quer continuar emagrecendo, porque gostou de ser magra e as pessoas perguntam como ela está e se ela está comendo. Nas últimas sessões, comentou que talvez não haja problema em ganhar um pouco de peso, entretanto, permaneceu ignorando as consequências da falta de alimentação para o organismo e preocupando-se, principalmente, com a estética de seu corpo. Além disso, relatou que sente náuseas ao comer, não conseguindo ingerir muita comida.

Mais de 10% dos pacientes com transtornos alimentares acabam morrendo, sendo importante dar atenção às possíveis complicações físicas do cliente e manter um diálogo entre endocrinologistas e psicoterapeutas (FARIA e SHINOHARA, 1998; VALE e ELIAS, 2011). Portanto, considerando o encaminhamento da Endocrinologia, a abrupta perda de peso e consequências como dores de estômago e fraquezas, relatadas por Lavínia e pela mãe, o comportamento-alvo durante o ano foi a alimentação inadequada da paciente.

De acordo com Killeen & Jacobs (2016), pequenas operações motivacionais podem ter efeitos significativos no comportamento humano. Portanto, apesar de a fome poder ser considerada aversiva e das consequências físicas que a falta de alimentação tem provocado no organismo de Lavínia, desenvolveu-se a hipótese de que ela possui ganhos em manter este comportamento inadequado, uma vez que, ao começar a emagrecer, pessoas de seu convívio passaram a elogiá-la e demonstrar preocupação com relação a sua saúde, mantendo sua busca por perder peso.

Para atingir o objetivo de aumentar o comportamento da paciente se alimentar, foi necessário avaliar suas interações, sua rotina, suas fontes de sentimentos positivos e a relação com sua mãe. Notou-se, ao longo das sessões, que as interações de Lavínia se limitavam à família, aos colegas do ILECE e alguns amigos da família, além disso, a paciente passa quase todos os dias em casa somente com a mãe e a irmã. A diminuição da frequência na instituição (ILECE) pode ser considerada uma perda para a paciente, uma vez que tanto a filha quanto a mãe afirmam que Lavínia gosta muito da escola, havendo a diminuição de contato com os colegas

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com perda de interações sociais. Ainda relacionado à perda, em sessão, a paciente relatou que não há quem a leve para sair.

Quanto à família da paciente, nos primeiros atendimentos, a mãe relatou querer “sumir” (sic) e que não estava “aguentando mais” (sic), demonstrando cansaço e falando de forma ríspida e agressiva com a terapeuta e, principalmente, com Lavínia. Considerando os relatos, pode-se afirmar que haviam vários elementos aversivos inseridos no ambiente da paciente e de sua mãe, visto que as duas ficavam o tempo todo juntas, aumentando o estresse e a hostilidade na interação das duas. Este ambiente foi considerado eliciador de sentimentos de irritação e de raiva, fator que mereceu atenção, uma vez que o comportamento foi associado aos estados emocionais de ambas, como sugere Poling, Lotfizadeh & Edwards (2017) e podem ter influenciado nas atitudes da paciente.

Considerando os dados levantados, a hipótese avaliada foi que, em busca de aprovação social, a paciente se apresentava em um quadro semelhante ao de Anorexia Nervosa, uma vez que os principais sintomas deste TA são: a perda excessiva de peso, a convicção de estar gorda, a preocupação com determinadas partes do corpo, jejuns prolongados, a indução ao vômito e a alimentação de forma ritualizada (FARIA e SHINOHARA, 1998; VALE e ELIAS, 2011).

Para o tratamento, fez-se necessário o estabelecimento de uma boa relação terapêutica, o esclarecimento das consequências do comportamento da paciente (FARIA e SHINOHARA, 1998; VALE e ELIAS, 2011) e treinamento de sua mãe como sua cuidadora.

5. Procedimento

Concordando com Faria e Shinohara (1998) e com Vale & Elias (2011), é importante que o tratamento do paciente seja multidisciplinar, incluindo os profissionais da Psicologia, da Nutrição, da Endocrinologia e da Psiquiatria. Buscando esta comunicação entre diferentes áreas, antes do inicio do tratamento foi realizada uma consulta com a Endocrinologia e ao longo do tratamento, houve uma discussão do caso com a Endocrinologia, para esclarecimento sobre o impacto da síndrome no desenvolvimento físico da paciente. Também foi realizado o encaminhamento e acompanhamento pelo ambulatório da Psiquiatria (HC-UEL), até o final do atendimento não havia um diagnóstico psiquiátrico fechado, mas foi receitado um ansiolítico. As indicações da nutricionista também foram repassadas para a terapeuta pela mãe de Lavínia durante as sessões.

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Os atendimentos de Lavínia e da mãe ocorreram de forma alternada de junho a dezembro de 2017. Durante os atendimentos com a paciente, discutiu-se:

● a importância da alimentação para a saúde;

● os riscos que a paciente corre pela falta de alimento;

● formas de interação mais adequadas, como perguntar e conversar sem agredir; ● autopercepção, observando os próprios sentimentos diante de determinados eventos; ● formas adequadas de demonstrar afeto, como pedir carinho e abraçar e

● alternativas para se sentir bonita independente do peso, desviando a atenção da paciente para elementos como cabelo, unhas, acessórios e vestimenta.

Também foram aplicadas a Forma A da prova de Raciocínio Abstrato (RA) da BPR-5 (Bateria de Provas de Raciocínio) e a Escala de Maturidade Mental Columbia para uma avaliação cognitiva.

Já nos atendimentos com a mãe, foi discutido:

● o que é comportamento para a Análise do Comportamento;

● os momentos em que a mãe dava atenção à paciente, seus antecedentes e consequências; ● os comportamentos da mãe diante dos inadequados da filha;

● as interações entre Lavínia e outros familiares na presença e na ausência da mãe;

● as atividades prazerosas da mãe e a busca por novas atividades, como viagens e passeios com a família;

● as interações sociais da paciente e da mãe;

● a validação do sofrimento da mãe diante das responsabilidades com a filha;

● alternativas encontradas pela mãe para aumentar a probabilidade da filha se alimentar, como utilizar colheres maiores, fazer acordos e

● a utilização de um jogo desenvolvido pela terapeuta com o mesmo objetivo de facilitar a ocorrência desses acordos.

O jogo, apresentado a seguir, teve como objetivo incentivar a alimentação da paciente a partir da apresentação diária de um reforço (momento de interação com a mãe ou fazer algo que gosta + 1 smile e 1 peça para a boneca) quando Lavínia come toda a comida do prato. Ao completar as 5 peças da boneca (cabeça, parte de baixo, parte de cima e 2 sapatos), o que equivale a 5 dias da semana, a paciente tem direito a escolher uma premiação maior, como um passeio no final de semana. Este jogo consistiu em um quadro rosa de E.V.A. contendo os dias

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da semana escritos à caneta, com um pedaço de velcro colado ao lado de cada dia, uma boneca de E.V.A., com velcro nos lugares do rosto, das roupas e dos sapatos, e uma bolsa anexada ao quadro, contendo 7 smiles, 1 rosto, 1 calça, 1 biquíni, 1 camiseta de manga comprida, 1 regata, 3 blusinhas, 3 saias e 5 pares de sapato.

Figura 1: Jogo desenvolvido com o objetivo de aumentar o comportamento da paciente de se alimentar.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com relação ao vínculo, Lavínia demonstrou ser comunicativa desde o primeiro atendimento individual. Contudo, desviava de assuntos como a alimentação e as brigas com familiares. Inicialmente, respondia às perguntas da terapeuta com gestos, balançando a cabeça afirmativa ou negativamente. Na sessão 12, após a terapeuta fazer diversas perguntas, a paciente relatou uma briga que ocorreu em casa, mas ao longo dos atendimentos passou a descrever, espontaneamente, os motivos de seus comportamentos e as situações de não ter montado o jogo durante a semana, de ficar de castigo e de brigar com o sobrinho. Na sessão 21, a terapeuta recebeu o primeiro pedaço de bolo trazido para comemorar seu aniversário e na sessão seguinte a paciente, espontaneamente, contou

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A demonstração de afeto da paciente confirma o estabelecimento do vínculo entre as duas, elemento importante para a continuidade do tratamento, uma vez que, de acordo com Marinotti (2012), tornar-se reforçador para o paciente e os pais é a primeira tarefa do terapeuta para manter o atendimento e “os resultados da terapia analítico‑comportamental dependem, intrinsecamente, da relação que se estabelece entre um cliente e seu terapeuta” (WIELENSKA, p. 160, 2012).

Assim, durante as sessões, a terapeuta perguntava para a paciente sobre sapatos, maquiagem e outros temas relacionados à beleza que independem do peso e na sessão 6, ao ser elogiada, Lavínia conversou sobre sua bota e seu tênis de educação física. Já a partir da sessão 17, ela passou a falar menos de sua barriga e a trazer assuntos como: combinar roupas e acessórios com sapatos, cuidados com o cabelo (ex: usar arquinho para o cabelo não “armar”), pintar as unhas e passar maquiagem.

Durante a sessão 9, Lavínia se alimentou bem, surpreendendo sua irmã e sua mãe. Entretanto, a mãe relatou que, ao ir embora, a paciente se irritou, dizendo que estava sentindo enjoo e que não deveriam fazê-la comer. Na sessão 15, a paciente passou a relatar para a terapeuta o que comeu durante a semana, na sessão 16, sua mãe relatou que “as vezes parece que Lavínia quer entender” (sic), na sessão 20, a paciente trouxe que se alimentou adequadamente por 3 dias durante toda a semana e comeu o dia todo em seu aniversário. Poling, Lotfizadeh & Edwards (2017) e Killeen & Jacobs (2016) comentam que mudanças ambientais podem alterar a importância de objetivos do indivíduo. Considerando o aumento no comportamento da paciente de se arrumar e sua alimentação adequada, pode-se afirmar que as mudanças obtidas através da terapia provavelmente alteraram a importância de “perder peso”, diminuindo este comportamento e aumentando outros mais adequados.

Fernandes, Luiz, Miyazak & Marques Filho (2009) afirmam em seu trabalho que habilidades de interação melhoram a relação, reduzem o conflito e aumentam os comportamentos adequados dos filhos. Ao longo das sessões com a mãe, mudanças na demonstração de afeto entre mãe e filha foram notadas. Inicialmente, a mãe trazia reclamações sobre a filha, sem identificar momentos prazerosos para as duas. Durante a sessão 13, a mãe trouxe que, às vezes, senta no sofá com Lavínia e lhe dá carinho, apesar do sofá machucar suas costas, e diz para a paciente que “ela é muito bonita, mas poderia ficar mais se engordasse um pouco” (sic). Ainda segundo os relatos da mãe, a filha leva água para ela quando mãe está

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trabalhando na horta e, em algumas situações, leva bolachinhas para comerem e lhe faz companhia. Já na sessão 18 e 19, as duas abraçaram a terapeuta e se abraçaram, sendo esta a primeira demonstração física de afeto entre as duas ao longo de todo o tratamento.

Além disso, a mãe foi variando seu comportamento com função de fazer a filha comer, fritando ovos no café da manhã (sessão 5), colocando comida com uma escumadeira (sessão 10), fazendo acordos com Lavínia, como permitir que ela brinque depois das refeições (sessão 13), e variando as opções de alimentos em casa (sessão 14). Ao longo das sessões com as duas, foi observado que o número de vezes que a mãe era agressiva com a filha diminuiu. Durante a triagem e as primeiras sessões, a mãe alterava o tom de voz quando Lavínia mexia nas próprias roupas (ex: puxar a camiseta para baixo) ou a interrompia. Na sessão 11, a mãe brigou com a filha uma vez, na sessão 18 e 19, não houve brigas e, na sessão 22 e 23, em uma situação de conflito em casa, a mãe relatou que não bateu na paciente, optando por deixá-la sem televisão, o que pode ser considerado um ganho importante na relação entre as duas, e na redução de atenção para comportamentos inadequados da filha e de comportamentos de agressões verbais da mãe. Poling, Lotfizadeh & Edwards (2017) apontam o efeito das emoções no comportamento, exemplificando que o medo e o estresse podem diminuir o interesse no alimento mesmo quando o organismo está privado de comida. Portanto, a mudança nas relações da paciente, com a diminuição de eventos estressantes, pode ter contribuído com a melhora em sua alimentação.

A paciente também possuía um ambiente pobre em atividades de lazer, visto que a mãe se recusava a sair de casa mesmo quando convidada (sessão 5) e não viajava há anos. Da mesma forma, o tratamento pode ter influenciado o comportamento da mãe e beneficiado a filha, visto que elas têm saído mais, fazendo viagens (sessões 7, 22 e 23), almoçando fora (sessões 13 e 16), participando de churrascos (sessões 16 e 20) e fazendo uma festa em seu aniversário.

Uma nova hipótese surgida ao longo do tratamento foi a inflexibilidade da paciente em seu comportamento de seguir regras, provavelmente pela sua limitação intelectual. “Muito do que as pessoas fazem depende daquilo que elas foram instruídas a fazer” (VEIGA e LEONARDI, 2012, p. 172) e a paciente permaneceu seguindo instruções da nutricionista mesmo quando a regra não se aplicava às situações (Ex: após a instrução de comer todos os dias a cada 3h, a paciente tomava café da tarde diariamente às 15h, mesmo quando o almoço foi às 14h). Mas não houve tempo para trabalhar essa hipótese, em função da desistência da mãe por considerar que sua filha estava melhor e que sua relação com ela estva mais tranqüila.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tratamento intersetorial e interdisciplinar se mostrou como melhor forma de tratamento para saúde mental pós reforma psiquiátrica. No caso de L, se mostrou fundamental para orientação e melhora da cliente. O trabalho conjunto emitido com os atendimentos da endocrinologia com suas avaliações hormonais e possíveis alterações orgânicas perante a alteração cromossômica; do biólogo geneticista com aconselhamento genético onde se mostrou necessário a explicação do alteração genética, das formações cromossômicas e devidos prognósticos; da Psiquiatria com devidas informações pertinentes e caracterização do TA e ansiedade de acordo com DSM-5; da nutricionista que a partir do diagnóstico, avaliou o controle alimentício e da psicoterapia com avaliações de contingências comportamentais.

Nas últimas sessões de terapia, a paciente manteve o discurso de que queria comer menos e emagrecer. Entretanto, ela parou de dizer que queria parar totalmente de comer, e engordou três quilos ao longo do tratamento, o que significa que ela não só parou de emagrecer, como também teve ganho de peso. Estes resultados demonstram que o tratamento teve um resultado satisfatório para os objetivos trabalhados.

O tratamento de pessoas com desenvolvimento atípico tem ganhado visibilidade, contudo, é uma área com pouco conteúdo teórico, principalmente, em casos específicos, como a Síndrome de Turner. Apesar dos desdobramentos da síndrome, há pouca literatura que discute as questões psicológicas e educativas destas mulheres, o que torna este trabalho relevante para os estudos acadêmicos e para a prática clínica.

Entretanto, é notável a necessidade de multidisciplinaridade para o tratamento, incluindo nutricionista, psicólogo, endocrinologista e psiquiatra, pois, a partir dessa junção, que vemos a real necessidade desse trabalho simultâneo entre as áreas e de como isso é benéfico para um melhor resultado e um melhor âmbito de melhora para a paciente. Desta forma, ressaltamos a importância da comunicação entre as áreas da saúde para promover uma real melhora de vida da paciente e consequentemente da saúde mental da mesma.

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