Derrame pleural de aspecto escurecido
Autores
Thiago Thomaz Mafort
Residente do Serviço de Pneumologia e Tisiologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/HUPE-UERJ.
Rogério Rufino
Professor adjunto do Serviço de Pneumologia e Tisiologia do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/HUPE-UERJ.
Fernando Mota de Carvalho
Médico Residente do Serviço de Diagnóstico por Imagem do HUPE/UERJ
Rafael Barcelos Capone
Médico R2 do Hospital da Força Aérea do Galeão/HFAG.
Domenico Capone
Professor adjunto de Pneumologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Hospital Universitário Pedro Ernesto. Chefe do Serviço de Diagnóstico por Imagem do HUPE- UERJ.
Relato do Caso
ID: masculino, 47anos, pardo, natural e residente no Rio de Janeiro, auxiliar de serviços gerais.
HDA: Há dez meses diagnóstico de tuberculose confirmada por baciloscopia positiva, tendo seguido o
tratamento por quatro meses e abandonado. Há um mês passou a apresentar dispnéia, tosse seca e dor torácica ventilatório dependente à esquerda, associada à dor abdominal leve, principalmente na região epigástrica, de caráter eventual. Foi realizada radiografia de tórax que mostrou volumoso derrame pleural esquerdo (FIGURA 1). A medicação tuberculostática foi reintroduzida e o paciente foi encaminhado ao ambulatório de doenças pleurais do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) para realização de toracocentese. Ao ser realizado o procedimento houve saída de líquido escurecido que foi enviado ao laboratório (FIGURA 2).
FIGURA 1
Radiografia do tórax em PA demonstrando opacidade parenquimatosa no lobo superior direito e derrame pleural esquerdo.
FIGURA 2
Amostra de derrame pleural obtida por toracocentese esquerda.
A análise do líquido evidenciou: amilase de 11.133 UI/L, DHL de 29.874 U/L, glicose de 18 mg%, proteína total de 8,3 mg/dL, hematócrito de 1% e pH de 6,9. A celularidade foi de 7500 leucócitos/mm3 com 85% de polimorfonucleares e 15% de mononucleares. O valor da adenosina deaminase (ADA) foi de 109 U/L. A pesquisa de BAAR foi negativa. No soro a amilase era de 705 UI/L, o DHL de 838 mg/dL e a proteína total de 8,0 g/dL.
HPP: etilista de 51g de álcool por dia há 20 anos. Não tabagista. Nega outras patologias.
Exame físico:
- Emagrecido, hipocorado ++/4+, anictérico. - Hemodinamicamente estável.
- MV abolido em 2/3 inferiores a esquerda com macicez à percusão e FTV abolido nesta região.
- Abdomen plano, peristáltico, levemente doloroso à palpação profunda, sem descompressão dolorosa.
Questão 1: São causas de derrame pleural com amilase elevada todas as abaixo, EXCETO:
a. ( ) - Pancreatite aguda b. ( ) - Adenocarcinoma de pulmão c. ( ) - Perfuração do esôfago d. ( ) - Fístula pancreaticopleural (FPP) e. ( ) - Tuberculose pleural Discussão:
Derrames pleurais consequentes à pancreatite aguda, perfuração esofagiana e certos processos
neoplásicos incluindo adenocarcinoma de pulmão, linfoma, e carcinoma de ovário, reto, mama ou pâncreas também podem cursar com amilase elevada no líquido pleural. No entanto, nestes casos o valor da amilase não costuma ultrapassar 4.000 UI/L. Os derrames pleurais decorrentes da FPP costumam ser volumosos e recorrentes a despeito de toracocenteses repetidas. Frequentemente, o diagnóstico é feito de maneira tardia e é necessário que se tenha uma forte suspeição clínica através de dados da história e do exame físico do paciente que possam sugerir pancreatite. Além disso, o derrame pleural decorrente da FPP deve ser diferenciado do derrame pleural secundário à pancreatite aguda que ocorre em cerca de 3 a 17 % dos casos. Nestes casos, o derrame normalmente é reacional, pequeno, autolimitado, e localizado mais freqüentemente à esquerda.
Análise do quadro:
Com a análise dos valores, concluiu-se que o líquido era um exsudato (pelos critérios de Light), com predomínio de polimorfonucleares e com níveis extremamente elevados de amilase e LDH, o que torna o
diagnóstico de derrame pleural tuberculoso pouco provável. Os dados foram altamente sugestivos de FPP. Foi realizada tomografia computadorizada de tórax e abdome que mostrou pancreatite crônica com presença de pseudocisto na cauda do órgão com provável FPP e pseudocistos pulmonares (FIGURAS 3, 4 e 5).
FIGURAS 3A e 3B
Corte tomográfico registrado em janela parenquimatosa e mediastinal demonstrando derrame pleural a esquerda.
FIGURA 3C
Corte tomográfico do andar superior do abdome demonstrando calcificações no corpo e cauda do pâncreas além de imagens hipodensas próximo da cabeça do pâncreas e junto à loja esplênica compatíveis com
pseudocistos (setas).
FIGURA 3D
Reformatação coronal do abdome demonstrando calcificações pancreáticas e imagens hipodensas com densidade líquida na região subdiafragmática esquerda (setas). Notar a proximidade dessas alterações com
Resposta Correta: E
Questão 2: Sobre a FPP marque a opção correta:
a. ( ) - A maioria dos casos se associa à pancreatite biliar b. ( ) - É uma complicação exclusiva da pancreatite crônica
c. ( ) - A maioria dos casos (80%) se relaciona com a pancreatite de origem alcoólica e a incidência é maior quando há associação com pseudocisto.
d. ( ) - A fistulização ocorre mais frequentemente pelo próprio diafragma.
Discussão
A FPP é uma complicação rara tanto da pancreatite aguda quanto da crônica, bem como do traumatismo abdominal com ruptura de ducto pancreático. A maioria dos casos (80%) se relaciona com a pancreatite de origem alcoólica e a incidência é maior quando há associação com pseudocisto (4,5% dos casos). A
patogênese da fístula pode ser decorrente de inflamação crônica e recorrente da glândula levando à ruptura ductal, no caso da pancreatite, ou então resultante da ruptura de um pseudocisto. Em
consequência, a secreção irá percorrer o espaço retroperitoneal até atingir o espaço pleural. A fistulização é mais frequentemente feita pelo hiato esofágico ou aórtico, no entanto, a passagem diretamente pelo diafragma também já foi relatada.
Resposta correta: C
Questão 3: São opções de tratamento da FPP todos os abaixo, EXCETO:
a. ( ) - Drenagem de tórax e uso de octreotide
b. ( ) - Abordagem endoscópica por colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) c. ( ) - Tratamento cirúrgico com cistogastrostomia
d. ( ) - Duodenopancreatectomia.
Discussão
Não há consenso a respeito do melhor tratamento para a FPF. O manejo inicial deve objetivar controle sintomático do derrame pleural com toracocentese e inserção de dreno de tórax em alguns casos. A supressão da secreção exócrina do pâncreas com somatostatina ou octreotide também deve ser considerada, havendo alguns relatos de boa resposta após 3 semanas de tratamento. A terapêutica
endoscópica através de colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) também pode ser utilizada em casos selecionados. Contudo, no contexto de obstrução ductal ou pseudocisto sintomático, o
tratamento cirúrgico é seguro e efetivo e deve ser usado na falha do tratamento clínico, endoscópico ou quando as condições subjacentes requerem este tipo de intervenção. São opções de tratamento a cistogastrostomia, a cistojejunostomia e a pancreatectomia segmentar distal ou mediana. Não há relatos na literatura de resolução espontânea da FPP.
Resposta correta: D
Seguimento do paciente
O paciente foi então encaminhado para o serviço de cirurgia geral para abordagem da fístula. O tratamento para tuberculose foi mantido uma vez que foi caracterizado abandono do primeiro ciclo de tratamento. Um mês após a abordagem inicial foi realizada nova tomografia de tórax e abdômen que mostrou
resolução espontânea da FPP. Desta forma, o paciente foi orientado a dar seguimento a seu tratamento de tuberculose até completar seis meses e continua sendo acompanhado no HUPE.
Referências Bibliográficas:
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2. Fulcher AS, Capps GW, Turner MA. Thoracopancreatic fistula: clinical and imaging findings. J Comput Assist Tomogr. 1999; 23(2):181-7.
3. Bedingfield JA, Anderson MC. Pancreatopleural fistula. Pancreas 1986; 1(3):283-90.
4. Shibasaki S, Yamaguchi H, Nanashima A, Tsuji T, Jibiki M, Sawai T, et al. Surgical treatment for right pleural effusion caused by pancreaticopleural fistula. Hepatogastroenterol. 2003; 50(53):1678-80. 5. Neher JR, Brady PG, Pinkas H, Ramos M. Pancreaticopleural fistula in chronic pancreatitis:
resolution with endoscopic therapy. Gastrointest Endosc. 2000; 52(3): 416-8.
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