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Questões demográficas na definição, monitoramento e planejamento de Reservas Extrativistas da Amazônia Legal Brasileira

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Academic year: 2021

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ÁLVARO DE OLIVEIRA D’ANTONA

Questões demográficas na definição, monitoramento e planejamento de Reservas Extrativistas da Amazônia Legal Brasileira.

Apresentado no XII Encontro Nacional de Estudos Populacionais - Brasil, 500 Anos: mudanças e continuidades, G.T.- População e Meio Ambiente - Sessão Temática 3 : A questão demográfica nas análises de impacto ambiental e nos instrumentos de planejamento e política ambiental : o regional versus o local

Caxambu Outubro, 2000

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1. Apresentação

A expansão das fronteiras agrícolas para o norte do Brasil nos anos 70 e 80 caracterizou-se por um ineficaz modelo de ocupação da Amazônia. Os projetos de assentamento mostraram-se inadequados do ponto de vista social e ambiental; a transformação de seringais em áreas de pastagem e plantio foi nociva ao ecossistema e trouxe questionável êxito econômico.

Reagindo a essa tendência de ocupação, a mobilização das comunidades extrativistas na segunda metade da década de 80 foi decisiva para a consolidação da proposta do modelo das Reservas Extrativistas como alternativa para o desenvolvimento humano e preservação da biodiversidade florestal. Criadas a partir do início da década de 90, tais reservas tornaram-se também uma alternativa para o modo de assentamento na Amazônia uma vez que as áreas de propriedade da União são geridas coletivamente pelas comunidades residentes.

A aliança do IBAMA – responsável por tais unidades – com as populações extrativistas implica na criação de condições para a permanência das comunidades na floresta, na melhoria das estruturas e serviços ligados à saúde, educação, transporte e às atividades geradoras de receitas. Por outro lado, precisa garantir que o uso dos recursos não destrua a natureza, o que exige o monitoramento das atividades humanas. Nesta relação entre ocupação do espaço, uso de recursos, desenvolvimento e preservação ambiental; variáveis demográficas, econômicas e sócio-culturais vêm sendo consideradas com ênfases variadas pelas autoridades competentes.

Baseado nos dados utilizados no processo de criação e monitoramento das reservas extrativistas situadas na Amazônia Legal Brasileira1, sobretudo aquelas unidades do Projeto Resex, apresento como componentes demográficos são considerados pelo IBAMA. Tal leitura revela que, de modo geral, não há expressiva ênfase nos aspectos diretamente relacionados com a dinâmica demográfica e que isso é coerente com a postura da Instituição para uma perspectiva de curto e médio prazos (criação e definição das unidades) mas é preocupante numa perspectiva de longo prazo.

1

Região que ocupa aproximadamente 5.000.000 km2 ao norte do paralelo 16oS do Mato Grosso e do paralelo 13oS de Goiás, à oeste do meridiano 44oW no Maranhão (Becker, 1990: 18).

(3)

2. Reservas Extrativistas: informações gerais

A proposta de Desenvolvimento Sustentável, cuja base já estava expressa no Relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (“Nosso futuro comum”) de 1987, firmou-se como um novo paradigma de desenvolvimento (Hogan & Vieira, 1992). Respeitando a diversidade cultural e ecológica, busca harmonizar o desenvolvimento econômico com a proteção ambiental, garantindo o atendimento das necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gerações futuras. Tal premissa rompe com o antagonismo entre preservação e desenvolvimento: a) critica o desenvolvimento insustentável, voraz consumidor de recursos (D’Olne Campos 1994; Tiezzi 1988; Conti 1986)2 e; b) abala o conceito e as práticas de preservação ambiental fundamentadas no afastamento humano3.

A possibilidade de existência de comunidades em unidades de conservação transformou-se em questão corrente do debate ambientalista, ocasionando mudanças nos modelos preservacionistas4. Não é possível pensar em uma natureza "selvagem e intocável", como argumenta Diegues (1994); nem é desejável estabelecer planos de manejo ambiental que ignorem as pessoas e modos de vida tradicionais – cujos conhecimentos acumulados sobre os recursos que manejam podem trazer influências positivas sobre o meio5. Daí a importância de iniciativas onde se combine preservação da biodiversidade a modelos de desenvolvimento alternativos como é o caso das Reservas Extrativistas quea legislação federal considera como unidades de conservação de uso direto, onde se permite o aproveitamento sustentável dos recursos.

2

As crises econômicas, a penúria de muitas populações e a degradação ambiental caracterizam o “desenvolvimento insustentável” baseado em inovações tecno-científicas que elevam a produtividade do trabalho e a disponibilidade de bens, mas que consomem muita energia e são incapazes de generalizar seus benefícios.

3

A relação entre desenvolvimento e degradação estabeleceu, historicamente, a necessidade de preservação ambiental. Parques Naturais resultaram da insatisfação com as transformações da Revolução Industrial (Thomas 1988). Diante da crescente degradação ambiental, o modelo de Parques Nacionais norte-americano - cujo marco é o Parque de Yellowstone, criado em 1872 - prevaleceu desde o final do século XIX sendo largamente difundido como instrumento de preservação ambiental através do afastamento dos seres humanos das porções naturais tidas como "intocáveis". No Brasil, unidades de preservação foram reações aos processos de intensa degradação causada pelo desenvolvimento regional: a industrialização do eixo Rio - São Paulo e o Parque de Itatiaia (1937); a construção de Brasília e os parques da Chapada dos Veadeiros, Emas e Brasília (1961); a abertura da BR 101 no litoral de São Paulo e o parque da Serra da Bocaina (1971); a expansão da fronteira agrícola e os parques amazônicos na década de 80, por exemplo (D'ANTONA, 1997).

4

Iniciativas internacionais como o Programa Intergovernamental da UNESCO “O Homem e a Biosfera - MAB”, dentre outros esforços, influenciaram muitas propostas de gerenciamento ambiental como o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) – que reformula as unidades de preservação no Brasil (Brasil, 1996).

5

BALEE (1999) mostra como a ação dos indígenas, no passado, contribuiu positivamente para a biodiversidade na Amazônia.

(4)

Sob a responsabilidade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) através do Centro Nacional para o Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais (CNPT), Reservas Extrativistas (Resex) passaram a ser criadas na década de 90, tendo como principal foco a Amazônia Legal Brasileira6. A proposta das Resex, inspirada em reivindicações do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) ao INCRA na década de 807, prevê a participação ativa das comunidades tradicionais no manejo sustentável e na preservação de recursos renováveis de florestas tropicais úmidas.

Um Contrato de Concessão Real de Uso assinado pela entidade representativa dos moradores dá o acesso coletivo à terra e as ações do IBAMA, voltadas não apenas para a conservação de recursos naturais mas também para garantir a possibilidade de manutenção de atividades tradicionais dos moradores das reservas (organização e capacitação dos moradores, melhoria das condições de vida e de produção, por exemplo), sinalizam para a importância da implementação do modelo: as unidades constituem-se em uma experiência alternativa para a preservação ambiental, a ocupação e o desenvolvimento na Amazônia pois, ao garantirem direitos jurídicos àqueles que tradicionalmente habitam a floresta, são instrumentos para uma política governamental de fixação da população com estímulo à produção familiar (Carvalho, 1998) num plano jamais visto antes8.

A criação de novas unidades na Amazônia e a expansão do modelo para outras porções do Território, assim como o seu fortalecimento no próprio IBAMA e até mesmo

6

Em 1990 foram criadas as Reservas Extrativistas do Alto Juruá – AC (decreto Nº 98.863 de 23 de janeiro), de Chico Mendes – AC (decreto Nº 99.144 de 12 de março), do Rio Cajari - AP (decreto Nº 99.145, de 12 de março) e a do Rio Ouro Preto – RO (decreto Nº 99.166, de 13 de março). Em 1992, foi organizado o CNPT/IBAMA, para o gerenciamento das RESEX.

7

Reagindo à desapropriação e à degradação ambiental motivadas pelos incentivos ao desenvolvimento regional (dos grande projetos e da pecuária), seringueiros se organizaram em defesa da floresta e de seu modo de vida. Os conflitos nas décadas de 70 e 80, os "empates" realizados para impedir o desmatamento da floresta, foram as primeiras etapas da organização formal das populações locais. A defesa do extrativismo e o fortalecimento do sindicalismo, chamou a atenção da opinião pública para o conflito de interesses que levou à morte de vários líderes dos seringueiros, como Wilson Pinheiro em 1978 e Chico Mendes em 1988 (Rueda & Murrieta, 1995).

8

Para Becker (1990: 11), desde a colonização o povoamento da Amazônia ocorreu em “surtos devassadores vinculados à expansão capitalista mundial” que se marcam na busca das drogas do sertão, no ciclo da borracha, nas frentes agropecuárias e minerais e na ocupação orientada pelo Estado. Na histórica integração com o sistema capitalista, o desenvolvimento amazônico após 1950, ocorreu em prejuízo das comunidades extrativistas, de seus modos de vida e da floresta onde vivem. Por oposição, o Decreto 98.897 de 30.01.90 define as Reservas Extrativistas como espaços territoriais destinados à exploração auto-sustentável e conservação dos recursos naturais, por população extrativista.

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no INCRA – através dos Projetos de Assentamento Agroestrativistas9 – são evidências do sucesso do CNPT, ainda que seus trabalhos sejam mais efetivos nas 4 reservas que fazem parte do Projeto Resex, apoiado pelo Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil PP-G7: Alto Juruá e Chico Mendes, no Acre; Rio Cajari no Amapá e Rio Ouro Preto em Rondônia.. Para tais unidades dispõem-se de maior volume de informações sistematizadas e de séries de dados mais extensas10.

Ao final da década de 90 eram as seguintes reservas regularizadas11

9

Este modelo de assentamento do INCRA, que incorpora elementos das Resex, resulta do contato de seus técnicos com os do IBAMA. São projetos de assentamento voltados para a "Reforma Agrária Ecológica" (INCRA 1997: 13); neles a regularização fundiária se dá de forma coletiva e a gestão é responsabilidade de associação de moradores, conforme plano de utilização aprovado pelo Incra e referendado pelos órgãos ambientais.

10

O objetivo do projeto é testar nas quatro Resex modelos de gerenciamento sócio-econômico e ambiental, aperfeiçoar métodos tradicionais de uso dos recursos naturais, administração “co-gestão”, além da implementação de ações (infraestrutura, capacidade produtiva, apoio administrativo). (IBAMA (1) 199X: 1)

11

Em 1999, além das reservas existentes, 15 estavam em diversos estágios do processo de criação e 2 em desativação.

(6)

Reservas Extrativistas no Brasil – Amazônia Legal Brasileira

RESEX UF Municípios Criação* Área (ha) Pop.

estimada

Principais Recursos Alto Juruá AC Cruzeiro do Sul, Marechal

Thaumaturgo de Azevedo

98.863

23/01/90 506.186 3.600 Seringueira

Chico Mendes AC

Rio branco, Xapuri, Brasiléia, Assis Brasil, Sena Madureira, Plácido

de Castro, Capixaba 99.144 12/03/90 970.570 7.500 Castanha Copaíba Seringueira Médio Juruá AM Carauarí S/N

04/03/97 253.226 700

Seringueira Pesca Rio Cajari AP Laranjal do Jarí, Mazagão 99.145

12/03/90 481.650 3.800 Castanha Copaíba, Açaí Seringueira Ciriaco MA Imperatriz 534 20/05/90 7.050 1.150 Babaçu Agricultura de subsistência Quilombo do Frexal MA Mirinzal 20/05 9.542 900 Babaçu Pescado Agricultura de subsistência Rio Ouro

Preto RO Guajará Mirim

99.166

12/03/90 204.583 700

Castanha Seringueira

Copaíba

* Decreto e data de criação

Fonte: CNPT/IBAMA

3. Criando Reservas Extrativistas – etapas e variáveis consideradas.

Os diversos tipos de documentos do IBAMA sobre as Reservas Extrativistas destacam a importância da participação dos moradores, os futuros responsáveis pela reserva, no processo de criação de uma unidade. A expressão “condição indispensável” é usada para qualificar a importância da pré-existência de uma Associação local –a qual será concedida o Direito Real de Uso – como reflexo da “harmonia” e “colaboração” entre seus participantes. A presença humana e a participação de comunidades locais são elementos que diferenciam este tipo de Unidade de Conservação, uma indicação de que o processo de criação inclua elementos demográficos e sócio-econômicos detalhados além dos já tradicionais estudos biológicos-geográficos que marcam outros modelos de unidades de conservação.

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Análise do manual “Como criar reservas extrativistas” (IBAMA 1998 (1): 9-27) confirma que o mais importante aspecto no processo de criação de uma unidade é a participação dos moradores – aqueles que têm a iniciativa da formação da reserva – e a interação destes com o IBAMA. De forma bastante sintética, são estes os momentos envolvidos:

1 - Solicitação dos Moradores

Os moradores da área, através de seus representantes (cooperativas, associações, sindicatos, ONGs) devem encaminhar solicitação ao CNPT/IBAMA para que a Unidade de Conservação seja criada.

2 - Vistoria do CNPT/IBAMA

O CNPT verifica as condições para a criação da Reserva Extrativista, existência de população extrativista, possibilidade de exploração auto-sustentável dos recursos, interesse ecológico e social na área proposta.

3 - Complementação de Dados

Ao parecer favorável de um colegiado técnico do CNPT e consultores, segue-se etapa de aprofundamento e complementação dos dados obtidos nas etapas anteriores.

4 - Aprovação e Criação da Reserva

O levantamento é submetido à Comissão das Populações Tradicionais do IBAMA. Uma vez aprovado, prosseguem os trâmites legais – desde a preparação da minuta do decreto de criação da reserva até o decreto presidencial.

5 - Regularização Fundiária

São identificados os imóveis e pessoas que estão dentro da Reserva e feita avaliação das terras e benfeitorias com vistas à indenização daqueles que deverão sair da área. Feita a desapropriação, é concedida à União (IBAMA) a posse da área.

6 - Contrato de Concessão de Direito Real de Uso

Feita a atualização do cadastro original dos moradores, é assinado o Contrato de Concessão de Direito Real de Uso pelo IBAMA e pela Associação dos Moradores da Reserva - que assina com cada morador o Contrato de Autorização de Uso, concedido gratuitamente e de forma não perpétua, com cláusula de rescisão em casos de descumprimento dos planos de utilização.

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Instrumento administrativo aprovado pelo IBAMA e pela Associação representativa dos moradores. Deve ser incluído no contrato de Concessão real de uso para garantir que a utilização dos recursos naturais respeitará a legislação ambiental vigente. De modo geral, ele regulamenta as intervenções humanas na área delimitada e define os parâmetros de fiscalização da Reserva – exercida pelo IBAMA e por todos os moradores.

8 - Plano de Desenvolvimento da RESEX

Simultaneamente às ações de consolidação das reservas deverão ser feitos estudos complementares com a finalidade de elaborar um Plano de Desenvolvimento, que inclusive aprimore e detalhe o Plano de Utilização,

“Estes estudos versarão sobre a quantíficação de estoques de recursos naturais, tecnologias de produção, impacto ambiental etc., e servirão para quantificar no Plano de Desenvolvimento, as intervenções do homem na RESEX. (p.24)

Outro aspecto importante a incluir são os Termos de Referência para os estudos que se fizerem necessários objetivando a diversificação e o aumento da produção.

É preciso também dimensionar as atividades de artesanato e de produção caseira que possam aumentar a renda dos moradores.

Tendo em vista que o objetivo principal da Reserva é melhorar as condições de vida dos moradores, o Plano deverá expressar as atividades e estratégias que serão realizadas no âmbito da habitação, transporte, saúde, e educação.”

Da solicitação dos moradores (1) até o plano de desenvolvimento (8), as referências a fatores populacionais (tamanho da população e número de famílias, por exemplo) parecem servir para o estabelecimento da Concessão Real de Uso. Menos óbvia é sua utilidade para a definição dos limites das reservas pois não se definem com clareza as relações entre densidade demográfica (número de famílias e/ou habitantes numa reserva), subjacente à toda a análise técnica, com outros fatores pertinentes ao estabelecimento da capacidade de suporte de uma área, num tempo12.

12 Nos termos colocados por Hogan (1993: 70), a idéia de capacidade de suporte do modo de vida, organização social

e produtiva de uma população, assume “Uma definição abrangente... incluindo não apenas o abastecimento alimentício, mas outras necessidades humanas básicas e não-básicas – uma definição que leve em conta critérios culturais, e que admita o aumento ou a redução da capacidade de suporte pelo progresso tecnológico, pelo aumento da igualdade social, pelo aumento nos níveis de educação e saúde, por descobertas de novos recursos minerais ou por forças políticas ou ideológicas – pode mapear o campo de relações entre população e meio ambiente. O avanço na nossa capacidade de entender essas relações e de planejar para o desenvolvimento sustentável requer estudos locais comparativos e específicos ao ecossistema.”

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Esta falta de clareza dificulta a compreensão da percepção do IBAMA sobre horizontes temporais mais amplos, sobretudo na interrelação de fatores demográficos com não demográficos. Qual a relação ótima entre recursos disponíveis (incluindo o espaço) e número de famílias de acordo com a organização social vigente? Se as exigências de aumento de produção e melhoria das condições de vida consideram demandas atuais, como (e a que custo ambiental) elas se redimensionarão diante de um crescimento populacional? Quais os impactos das melhorias das condições de vida (saúde e educação, redução na taxa de mortalidade, aumento da expectativa de vida) sobre o uso de recursos? Novas técnicas e novos produtos introduzirão novas necessidades, a que custo?

Entendo que isto decorra, também, da falta de séries de dados mais extensas e precisas sobre o passado das populações que habitam (e habitavam) os lugares onde se criam as RESEX. Mas, se a análise dos “estoques” (tamanho da população, dimensões da reserva, disponibilidade de espécies animais e vegetais) pode ser suficiente para a criação da reserva e sua orientação de curto e médio prazo, no longo prazo a existência das unidades pode sofrer impactos decorrentes de dinâmica populacional não prevista, não considerada.

Para que se avalie o tipo de informação tida como relevante para a criação de uma resex, segue, do mesmo manual, alguns elementos:

A solicitação dos moradores (1) deve ser acompanhada pelas seguintes informações que servem para dimensionar o tamanho da unidade:

“a) Número de extrativistas residentes na área;

b) Quantidade de produtos de origem extrativista por safra / ano

C) Linhas de comercialização dos produtos e preços;

d) Limites propostos para a reserva (acidentes geográficos,municípios, distritos);

e) Manifestação dos moradores das intenções de utilização dos recursos naturais;”

Trata-se de um conjunto de informações que pode ser sistematizado em dois blocos: demanda de recursos (dada a partir do número de residentes); disponibilidade de recursos (suas características e limites), o que permite uma primeira aproximação de tamanho e de viabilidade da unidade proposta.

Da parte do CNPT/IBAMA, sua primeira vistoria (2) deve levantar

(10)

b) O uso dos recursos naturais: ocupação principal da população e fontes de renda. Quantidade dos produtos extraídos e preços obtidos. Potencial de exploração futura;

c) A existência de atividades não extrativistas na área: fazendas, madeireiras, comércio, indústria, etc.;

d) A situação fundiária da área;

e) A infra-estrutura existente: transporte, educação, saúde, comunicação, habitação, etc..”

enquanto que a complementação de Dados para Criação da Reserva (3), mais detalhada, implica na elaboração de

“a) Dados Planimétricos, e Geográficos (basicamente a confecção de mapas)

b) Laudo Biológico da Área (caracterização de espécies, informações sobre viabilidade de manejo)

c) Levantamento Socioeconômico

Perfil da população existente;

No. de famílias;

Condições culturais e econômicas;

Inventários das benfeitorias existentes (órgãos Públicos e iniciativa privada);

Caracterização de posse;

Formas de Manejo do uso dos Recursos Naturais;

Antecedentes de ocupação da área.

d) Registro Fotográfico (aspectos fisiográficos e antropológicos - econômicos)

e) Justificativa Legal (mapas fundiários, abaixo-assinados, certidões) f) Levantamento bibliográfico consistente sobre a área”

À princípio, não há aprofundamento da investigação dos dados populacionais tais como estimativas de crescimento populacional e expectativa de vida, o que faz parecer que a análise demográfica não merece o mesmo detalhamento ou atenção do que a biológica e geográfica, e até mesmo do que fatores tidos como sócio-econômicos – aqueles relacionados à produção, sobretudo. O mesmo detalhamento que se dá à tipologia dos solos de uma reserva e suas implicações não é dada à composição familiar ou à estrutura etária da população.

Em entrevistas com a equipe do CNPT pude perceber que toda a exposição disponível nos textos traz implícita – quase como um pressuposto – a idéia que nas reservas criadas há abundância de recursos disponíveis face as necessidades humanas atuais, havendo certa margem para crescimento natural da população. Ou seja, as reservas são criadas como uma área superior àquela atualmente necessária para a

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manutenção das famílias ali residentes, considerando-se as condições de vida e os níveis de produtividade atuais. Isto se traduz, nos dizeres dos técnicos do IBAMA, numa baixa densidade demográfica, numa abundância de estradas de seringa, numa disponibilidade de recursos. Acredita-se que, através das medidas que vêm sendo adotadas, a melhoria da produtividade, a introdução de novos produtos, as melhores formas de escoamento e venda do que é coletado e produzido, garantirão um maior aproveitamento dos recursos disponíveis sem que se eleve a degradação ambiental – mesmo que as necessidades e demandas relativas e absolutas se elevem em função de eventuais modificações dos modos de vida, da diminuição da taxa de mortalidade, crescimento populacional, formação de novas famílias (matrimônios) dentre outras também resultantes das intervenções motivadas pelas Resex.

Além disso, é corrente a idéia de que nas reservas existe um “crescimento populacional relativamente controlado” pois, apesar de não existir uma política de controle da natalidade, impõem-se limites à fixação de novas famílias nas unidades. Nas palavras do chefe do CNPT, o senhor Rafael Rueda:

“... esse ‘controlado’ não se refere ao controle da natalidade, se refere ao controle da entrada de estranhos... isso está no Plano de Utilização de cada reserva. Consta por decisão deles que ninguém pode morar na Reserva Exstrativista sem a anuência da associação que a controla. Então, geralmente o que eles decidem é que só pode entrar uma pessoa que saiu, um parente que saiu e quer voltar para a reserva”.

Diante da proposta de manutenção de modo de vida, o aumento da produtividade e a disponibilidade de terras (“colocações” para novas famílias) de um lado, e o crescimento populacional restrito ao “natural”, de outro, são garantia de estabilidade. A densidade demográfica é o aspecto demográfico privilegiado mas não explícito no processo de criação das reservas extrativistas.

4. Monitoramento das Reservas Extrativistas

Segundo o Manual de Monitoramento de Reservas Extrativistas (IBAMA 199X: 3, Introdução),

O monitoramento é conduzido pela execução dos planos periódicos, desenvolvidos pelo CNPT e Associação de Moradores, no intuito de manter as atividades bem disciplinadas.

Entretanto, a elaboração de planos corretos depende de índices socioeconômico e ecológico, que assegurem o conhecimento da realidade.

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Os índices normalmente são obtidos dos dados dos trabalhos de levantamento, principalmente de campo, sendo usados nos planos, nas regressões e nos estudos de tendências.

O Monitoramento Sócio Ambiental foi estruturado no CNPT com o objetivo de acompanhar a interferência, das populações das reservas extrativistas, sobre os recursos naturais existentes, especialmente sobre a caça e pesca. É importante a opinião das lideranças comunitárias e dos moradores sobre questões de qualidade de vida como educação, saúde, ocorrência de doenças, aumento ou diminuição da renda, etc.

Os dados sócio econômicos disciplinarão as ações, direcionando os investimentos, descobrindo potencialidades econômicas, orientando os técnicos extencionistas, alertando os moradores sobre o perigo de desaparecimento de espécies animais e vegetais e outros impactos ambientais.

Tal manual, um documento bastante detalhado que se baseia nas unidades do Projeto Resex, enfatiza que é preciso que os trabalhos nas comunidades atendam suas necessidades sem prejuízo ambiental (IBAMA 199x: 3, Propósitos):

A função do Monitoramento é evitar o antropismo, que prejudique o desenvolvimento sustentável das Reservas (...) seguindo o estado natural das Reservas pelo desempenho das metas do Projeto Resex.

Mas se a função do monitoramento é evitar o antropismo, a extinção de recursos naturais em última instância, “fatores demográficos” não são priorizados como geradores ou possível geradores de antropismo; não aparecem com destaque nas definições do Monitoramento (controle, acompanhamento, avaliação). Certamente são considerados determinados tipos de dados populacionais (tamanho e distribuição da população, composição segundo faixas etárias, número de famílias, por exemplo) mas estes não são o objeto principal das análises e ações, aparecendo sempre em função de outras variáveis mais diretamente relacionadas ao “antropismo” ou degradação ambiental. Não há “questões demográficas” centrais, não há “variáveis” demográficas que sejam metas ou parâmetros fundamentais das funções do Monitoramento e de seus indicadores. Conseqüentemente, o volume e detalhamento dos dados não demográficos (como no caso do monitoramento da ictiofauna) supera os dos dados demográficos (pg 29-30):

“O monitoramento da ictiofauna será feito a partir de duas metodologias: com base em informações dos moradores ribeirinhos, recolhidas pelos agentes comunitários e, a partir de levantamentos periódicos pelas equipes de pesquisa. O recolhimento das informações dos ribeirinhos registrará a ocorrência de espécies, a época de migração e de desova, aparelhos de pesca utilizados, quantidade capturada, a freqüência do pescado na dieta

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alimentar e o escasseamento de espécies observadas ao longo do tempo. O levantamento, executado em trabalho de biologia pesqueira, deverá ser feito em quatro períodos distintos do ano: na cheia, na vazante (início da seca), na seca e na enchente (início das chuvas).

Serão anotados: quantidade capturada por espécie, conteúdo estomacal, estágio de maturação gonadal, pesos e tamanhos e outras informações que possibilitarão a aplicação das medidas adequadas, para evitar excesso de pressão sobre as espécies, tais como: período de defesa de algumas espécies, restrições a tipos de aparelhos de pesca, tamanhos mínimos das malhas e outras informações que forem especificadas conforme características locais.”

Em função da preocupação com a manutenção das características naturais, prevalecem os componentes geomorfológicos e biológicos das Reservas Extrativistas (composição dos solos, a cobertura florestal...). Dentre as informações sócio-econômicas – onde se incluem as demográficas – prevalecem os dados relacionados à produção (os resultados do extrativismo, os cultivos temporários, produção agrícola...). O cruzamento com dados populacionais são feitos de modo que se obtenha, por exemplo, percentuais de plantações dos domicílios por cultura agrícola, dentre outros – na verdade as tabulações indicam a preocupação com a avaliação do uso do ambiente.

Os Quadros 11 e 12 do Manual (IBAMA 199X: 89) “oferecem alguns dados sobre o desenvolvimento demográfico, que origina ocupação de área e a necessidade de aumento da produção, exigindo assim terra que gere trabalho para a mão-de-obra que cresce”. Ilustra como se dá o cruzamento de dados – neste exemplo, o total de domicílios e tipos de usos do solo – para que se avalie o uso do ambiente:

QUADRO 11- Totais de domicílios e áreas médias, por tipo de uso, por domicílio e por

Reserva Extrativista, nos anos de 1995 e 1998.

ÁREAS MÉDIAS E TIPO DE USO POR DOMICÍLIO TOTAL DE

DOMICÍLIOS CAPOEIRA LAVOURA PASTAGEM RESERVA EXTRATIVISTA 1995 1998 1995 1998 1995 1998 1995 1998 ALTO JURUÁ 643 647 4,2 3,0 2,0 2,3 1,5 1,0 CHICO MENDES 1097 1092 7,8 7,0 1,6 1,5 4,0 5,0 DO RIO CAJARI 398 604 3,7 5,0 2,1 1,6 1,9 0,6

DO RIO OURO PRETO 114 102 7,7 4,5 1,4 1,4 2,8 0,8

Fonte: RESEX -CNPT /IBAMA - Manual de Monitoramento de Reservas Extrativistas

QUADRO 12 - Diferença entre médias, das áreas em uso, por domicílio e por Reserva

Extrativista, nos anos de 1995 e 1998.

ÁREAS MÉDIAS E TIPO DE USO AGRÍCOLA POR DOMICÍLIO

RESERVA EXTRATIVISTA

TOTAL DE DOMICÍLIOS

(14)

ALTO JURUÁ 4 -1,2 0,3 -0,5 CHICO MENDES -5 -0,8 -0,1 1,0 DO RIO CAJARI -206 1,3 -0,5 -1,3 DO RIO OURO PRETO -12 -3,2 00 -2,0

Fonte: RESEX -CNPT /IBAMA - Manual de Monitoramento de Reservas Extrativistas

Em comentários ao longo do texto, a utilidade deste tipo de tabela fica, então, clara:

“A lavoura cresceu um pouco somente em Alto Juruá, pastagem cresceu só em Chico Mendes e capoeira só no Cajari. Tudo isso indica que as comunidades das reservas estão voltadas mais para o extrativismo, mantendo a preservação permanente, porque a tendência numérica indica diminuição no uso de áreas desmatadas”. (pg11)

Não há questionamentos, nestas tabelas nem em outras, para a variação dos totais de domicílios. E esta é uma questão importante, sobretudo se consideramos a migração (êxodo) de moradores apontadas pelo relatório técnico “Levantamento Sócio-Econômico da Reserva Extrativista do Rio Ouro Preto” (IEA 1994: 22) que mostra, ao logo dos anos, sucessiva redução do número de famílias na RESEX do Rio Ouro Preto:

“(...) De maneira geral, a diminuição do número de famílias na RESEX do Rio Ouro Preto reflete as dificuldades que os seringueiros tem enfrentado para manter uma qualidade satisfatória de vida, bem como a percepção da possibilidade de melhores condições de vida em outros locais e profissões.”

À questão do êxodo rural soma-se outra relacionada à mobilidade dos seringueiros que, historicamente, mudavam constantemente de colocação mas que tendem a se mudar menos com a criação das reservas.

“O fenômeno de mudança de colocação tem origens históricas, relacionadas à dependência e instabilidade dos seringueiros na época dos ‘patrões’e no período de arrendamento dos seringais. Entre os motivos para a mudança de colocação, incluem-se a busca de locais mais produtivos em termos de recursos naturais, conflitos entre vizinhos, morte na família, separação de casais, laços de parentesco, etc.” (IEA 1994: 21)

Apesar de reconhecida, a mobilidade da população não é objeto de um indicador, nem é parâmetro que estabeleça níveis desejados de “imobilidade” ou que balize outras variáveis.

Dentre as informações sócio-econômicas, os dados sobre a população derivam de questionários específicos e do cadastro de moradores (ver item 5 deste trabalho), conforme o exemplo:

(15)

No quadro 34 abaixo vêem-se que Alto Juruá possui a maior média de moradores por domicílio sendo também a reserva que apresenta a média de idade mais baixa, indicando um potencial humano apto a receber treinamento, que melhore a força de trabalho. Em Ouro Preto a média de moradores foi que mais cresceu no período, mas assim mesmo é a de média de moradores por domicílio mais baixa e com idade média dos indivíduos mais alta, dentre as quatro reservas, que mostram maior estabilidade tradicional.

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QUADRO 34 - Informações do cadastro de moradores das Reservas Extrativistas.

RESERVA EXTRATIVISTA

ALTO JURUÁ CHICO MENDES DO RIO CAJARI DO RIO OURO PRETO INFORMAÇÃO DOS DOMICÍLIOS 1995 1998 1995 1998 1995 1998 1995 1998 Nº TOTAL DE DOM. CADAST. 643 647 1.097 1.092 398 604 114 102 Nº TOTAL DE MORADORES 4.099 4.170 6.255 5.976 2.691 3.282 420 431 IDADE MÉDIA DOS INDIV. 17,5 17,7 19,5 19,6 20,5 20,3 23,9 24,3 INDIVÍDUOS DO SEXO ç 2.144 52,5% 2.175 52,5% 3.464 55,4% 3.313 55,2% 1372 51,1% 1753 53,4% 225 53,6% 241 55,9% INDIVÍDUOS DO SEXO ‚ 1942 47,5% 1.969 47,5% 2.763 44,2% 2.692 44,8% 1313 48,9% 1529 46,6% 195 46,4% 190 44,1% MÉDIA DE MORADORES POR DOM. 6,4 6,4 5,6 5,4 6,5 5,4 3,7 4,2

Fonte: RESEX -CNPT /IBAMA - Manual de Monitoramento de Reservas Extrativistas

O quadro 35 é importante para se saber a média de área por tipo de uso nas reservas. Nota-se que pastagem ocupa área considerável em Cajari, em relação as demais reservas e capoeira vem logo em seguida. Isso mostra que Cajari tende a optar por outra tradição, que se for a que apresenta deverá ser bem monitorada para evitar antropismo drástico.

QUADRO 35- Dados per capta das áreas de uso dos moradores das Reservas Extrativistas.

RESERVA EXTRATIVISTA

ALTO JURUÁ CHICO MENDES DO RIO CAJARI DO RIO OURO PRETO INFORMAÇÃO DOS DOMICÍLIOS 1995 1998 1995 1998 1995 1998 1995 1998 MÉDIA ÁREA DE LAVOURA 2,2 2,3 1,7 1,6 2,2 1,9 1,4 1,4 MEDIANA ÁREA DE LAVOURA 2,0 2,0 1,0 1,0 1,2 1,2 1,0 1,2 MÉDIA ÁREA DE PASTAGEM 1,8 2,6 4,2 5,6 7,0 10,2 6,7 0,8 MEDIANA ÁREA DE PASTAGEM 1,0 00 2,0 3,0 4,0 3,5 2,5 00 MÉDIA ÁREA DE CAPOEIRA 4,3 3,7 8,0 7,3 4,5 6,1 7,7 6,0 MEDIANA ÁREA DE CAPOEIRA 4,0 3,0 5,0 5,0 2,6 4,0 4,0 2,0

Fonte: Questionários do CNPT/IBAMA

O Sistema de Monitoramento (acompanhamento sistemático dos planos de manejo em andamento) se utiliza de indicadores para avaliar ações pretéritas e estimar resultados de metas em andamento. “São esses índices que permitem o controle das atividades ou o monitoramento sócio ambiental no sítio.” (pg29). A manipulação destes indicadores pressupõe o acompanhamento de fatores socioeconômicos (é evidente a

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consciência de que o crescimento populacional, por exemplo, gera maior demanda, e da importância da organização social e condições de vida sobre o modo de produção) mas, dentre estes, não são privilegiados os “indicadores demográficos”. Afinal, “cada ajuste tem a tarefa de evitar danos, esgotamento dos componentes do meio, especialmente fauna e flora, desperdícios e outros, e a garantia da produção sustentável” (IBAMA 199X: 29), o que acaba por gerar uma ênfase no desenvolvimento da produção como forma de desenvolvimento da RESEX - e na geração de recursos monetários como meio de obtenção de bens considerados como necessários para os moradores13. Daí o destaque das variáveis que informam sobre a conservação ambiental (incluindo os índices de utilização dos recursos / monitoramento de atividades humanas).

Não são estabelecidas restrições nem orientações (normas) sobre planejamento familiar, deslocamento das famílias nem formação de novos domicílios, ainda que algumas interferências ocorram. Tal é o caso dos efeitos que as melhorias da condição de vida nas reservas (saúde, educação e geração de recursos) proporcionadas pelas ações do IBAMA devam ter – por suposição, posto que não encontrei dados a este respeito – sobre a expectativa de vida e a mortalidade (infantil, principalmente)14.

O monitoramento, controle e regulamentação recaem sobre a cobertura vegetal (espécies exploradas, forma de exploração, desmatamento), fauna, níveis de manipulação de determinadas fontes (por exemplo, a prática de pousio das terras agricultáveis) e produtividade (em patamares que atendam a demanda e permitam ganhos aos produtores) – sempre mantendo o princípio do desenvolvimento sustentável: as reservas não pertencem apenas à geração atual. “Na hipótese de ser verificada alteração significativa na vegetação e ou na fauna, imediatas providências deverão ser tomadas para corrigir as alterações provocadas pelas falhas comprovadas” (pg26).

13

Sobre o desenvolvimento da comunidade, informa o manual: “O desenvolvimento prevê também a elaboração de projetos comunitários, cujas responsabilidades estarão a cargo da Associação Comunitária, que participará da implantação, execução, controle e resultados a atingir por projeto de educação. Para isto, os grupos deverão estar definidos e treinados para desempenhar as operações de execução dos projetos (...) Toda atividade agendada e desenvolvida em termos de organização da Comunidade e da Associação Comunitária , prevê o bem dos membros comunitários e o desenvolvimento regional ou local. A intenção é que haja um desenvolvimento regional ou local que angarie acúmulo de capital, emprego, formação de mão-de-obra, melhorias da educação e cultura locais, a um nível que possibilite uma vida independente e sustentável da população da reserva”. (IBAMA 199X: 89)

14

A criação e manutenção de postos de saúde e escolas e o intenso programa de capacitação – além da melhoria das condições de acesso e de produção – tem caracterizado a ação do CNPT/IBAMA nas RESEX.

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Coerente com a lógica expressa no Manual, relatório sobre as Reservas Extrativistas do Projeto RESEX (IBAMA 1998) apresenta os seguintes indicadores de monitoramento:

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a) Cobertura Florestal % do total da Superfície Reserva / Estado 1990 1996 Alto Juruá 1,00 1,00 Chico Mendes 0,55 0,65 Ouro Preto 0,30 0,80 Total Admissível 10,00 10,00 Estado do Acre 6,73 8,97 Estado de Rondônia 14,05 20,40 Estado do Amapá 0,91 1,24 b) Uso do Solo

% Famílias e área x dom.* Atividade

1994 1997

Roça 100% / 1 ha 91% / 1 ha

Pastagem 100% / 2 ha 85% / 2 ha

Capoeira 100% / 5 ha 96% / 6 ha

Limite admissível segundo o

Plano de Utilização 20-30 ha x dom. * área por domicílio representada pela mediana

c) Caça e Pesca

Caça Pesca

Está mais fácil ou difícil caçar: - Fácil: 50,3% - Difícil: 21,3% - Igual: 27,5% - NS/NO: 0,9%

Está mais fácil ou difícil encontrar peixe: - Fácil: 53,6%

- Difícil: 10,1% - Igual: 36,3% Caça mais consumida (97/96)

- Paca: 43,4% / 40,2% - Veado: 18,4% / 33,2% - Porquinho: - / 32,2% - Caititu: 32,0%

Espécies mais consumidas - Mandi: 25% - Acará: 14% - Traíra: 10% - Piaba: 12% - Cascudo: 6% Freqüência de caça (por mês)

- 2: 32,5% - 1: 26,3% - 3: 22,5% - 4: 16,3% - NS/NO: 2,4% Freqüência de pesca - 1 por semana: 37,7% - 1 por mês: 31,9% - 2 por semana: 13,0%

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d) Recursos Florestais Borracha 1994 1995 1996 1997 % Produtores 70% 70% 77% 78% Quant. Produto - 643kg 598kg 588kg Castanha 1995 1996 1997 % Produtores 66% 72% 73%

Quant. Produto 100lat. 100 588kg d) Produção de Subsistência Lavoura Lavouras Consorciadas % de produtores e área utilizada Produção (kg) Produto 1994 1997 1994 1997

Mandioca 78% / 1ha 76% / 0,5ha 831 500

Arroz 80% / 1ha 87% / 0,5ha 1088 900

Milho 81% / 1ha 85% / 1ha 1106 900

Feijão 68% / 1ha 66% / 0,5ha 451 300

Máximo Permitido 20 – 30ha não se aplica

Animais

% da população que possui e mediana do número de cabeças Animal 1994 1995 1997 Galinhas 90% / 43 95% / 35 95% / 20 Porcos 56% / 11 75% / 7 66% / 5 Patos 37% / 10 56% / 6 51% / 5 Gado 24% / 6 47% / 5 51% / 5 Cavalo / Burro 14% / 3 29% / 3 32% / 2 Cabras 1% / 3 6% / 4 8% / 4 e) Condições de Vida

Percepção por domicílio (%):

Situação Alimentação Saúde Educação Renda

Igual 55 18 45 45

Melhor 29 66 45 26

Pior 15 16 7 29

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5. Disponibilidade de Dados

No processo de criação das RESEX e consolidação do modelo, o CNPT/IBAMA, através do Projeto RESEX, procurou estabelecer métodos e procedimentos aplicáveis a todas as reservas. Próprio do processo de construção de uma metodologia, ao longo dos anos nem todos os levantamentos seguiram os mesmos instrumentos ou parâmetros, de tal modo que não se dispõe hoje de séries completamente comparáveis. Além disso, os estudos são mais detalhados e profundos para as 4 reservas do Projeto Piloto, o que gera considerável abismo entre estas e as demais. Ainda sim, o trabalho de cadastramento e os periódicos levantamentos sócio-econômicos são valioso suporte para novos trabalhos e propostas.

Os dados cobrem desde a criação das reservas, conforme momentos já esboçados no item 2 deste trabalho (o cadastramento dos moradores, os primeiros levantamentos sócio-econômicos), até resultados do monitoramento, passando por estudos mais detalhados, especificamente voltados para cada reserva. Dispõe-se de “dados brutos”, resultantes de coleta de dados primários; de relatórios de atividades de monitoramento; de estudos técnicos e acadêmicos. Dentro do universo de variáveis disponíveis é possível, portanto, retrabalhar as informações a partir de enfoques e relacionamentos ainda não explorados – sobretudo no caso de dados populacionais.

Para as unidades do Projeto Resex dispõe-se de dados tabulados e compatíveis com base cartográfica (sistema digital geo referenciado) que registra informações ambientais e sócio-econômicas tais como: antropismo, assentamento, clima, florestas, geologia, geomorfologia, hidrologia, pedologia, fauna e flora, infraestrutura. As informações sócio-econômicas (que incluem as populacionais) procedem do “Cadastro de Moradores” – sistematizado num banco de dados pelo ISPN em 1997 – e de questionários aplicados periodicamente em levantamentos de monitoramento. Tais questionários, de 4 tipos, registram informações sócio-econômicas e ambientais coletadas junto aos moradores. São os formulários:

• Cadastro de Moradores

• Questionário 1: Levantamento de Caça na Reserva Extrativista

• Questionário 2: Levantamento da Pesca na Reserva Extrativista

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• Questionário 4: Percepção de liderança comunitária sobre as Condições da Reserva

(23)

O cadastro de moradores permite que se estabeleça o vínculo entre uma família (através do chefe do domicílio) e a RESEX, posicionando-a numa “colocação” e dimensionando-a. É a fonte de dados usada para calcular o tamanho da população e sua composição por sexo e idade. Há algumas lacunas, como a falta de informação sobre o lugar/“colocação” de origem e o lugar de nascimento – essenciais para a análise da mobilidade na reserva e sua relação com outros lugares/regiões – mas estudos complementares aos poucos as suprirão pois a existência do banco de dados e a referência nominal aos indivíduos permitem a constante atualização e retificação dos dados.

O Questionário de Percepção de Melhorias traz informações complementares, também organizadas em função do chefe de família. Algumas questões são de avaliação (por exemplo: “Vocês tiveram problemas de doenças ou de assistência médica?”) que oferecem resposta de múltipla escolha (“ficou igual”, “melhorou”, “piorou”). Outras são mais objetivas

8. Quantas crianças (7 a 14 anos) moram aqui na casa?___

9. Das crianças (7 a 14 anos) que moram aqui, quantas estão indo sempre a escola?___

10. Quantas pessoas maiores de 14 anos moram aqui?___ 11. Quantas pessoas maiores de 14 anos sabem ler e escrever___ 12. No último ano, nasceu alguma criança na casa? Quantas___ 13. E nesse mesmo ano, morreu alguma criança? Quantas?___ 14. Que idade tinham as crianças que morreram?

Enfim, existe uma rotina implementada de coleta e sistematização de informações, o que possibilita a disponibilidade de um volume considerável de dados – à partir dos quais novos estudos e propostas possam se desenvolver. Igualmente notável é a abertura do CNPT/IBAMA a estes estudos e à troca de experiências.

(24)

6. O Futuro das Reservas Extrativistas.

Convém deixar claro que o presente texto decorre de uma investigação preliminar ao meu trabalho de campo para elaboração de tese de doutorado15; trata-se de uma leitura dirigida, um recorte do vasto material disponibilizado pela IBAMA, para avaliar o que existe sobre as populações das reservas. Apresentei elementos sobre 3 constatações: a) em comparação com outros elementos necessários para a criação e monitoramento das RESEX não há ênfase aos aspectos demográficos; b) a profundidade dos dados demográficos é compatível com o momento de consolidação do modelo e de formação das reservas; c) em função da proposta do modelo, “questões demográficas” existem (ou deveriam existir), principalmente sobre as variáveis ligadas à capacidade de suporte, mas por questões contextuais não estão entre os principais objetos do IBAMA.

Não está claro para este pesquisador – e provavelmente nem para o CNPT/IBAMA – quais serão os impactos sobre aspectos populacionais, ambientais e do próprio "desenvolvimento" de comunidades extrativistas diante das novas exigências e possibilidades proporcionadas pela proposta do modelo sustentável, no longo prazo.

Como a dinâmica demográfica afetará o uso dos recursos? No futuro será viável ser extrativista?16

Equacionados os problemas fundiários, demarcados os perímetros, orientadas as associações existentes, criados e fortalecidos os núcleos comunitários, implantados os planos de utilização e monitoramento, preparados os fiscais, construídas escolas e postos de saúde, organizada a produção e construída a infraestrutura necessária, organizada a produção, levantados e sistematizados os dados, vencidas as barreiras dentro do próprio IBAMA, enfim, criadas as condições para a existência e gerenciamento das reservas, é importante que o CNPT busque respostas a este tipo de inquietação pois, se de fato

“A existência de todo grupo social pressupõe a obtenção de um equilíbrio relativo entre as suas necessidades e os recursos do meio físico, requerendo, da parte do grupo, soluções mais ou menos adequadas e completas, das quais depende a eficácia e a própria natureza daquele equilíbrio. As soluções, por sua vez, dependem da quantidade e qualidade da necessidades

15

Doutorado em Ciências Sociais – área de Estudos de População. IFCH/Unicamp ....

16

Já na primeira década de existência das RESEX é evidente o crescimento de atividades agrícolas em detrimento das extrativistas.

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a serem satisfeitas. São estas, portanto, o verdadeiro ponto de partida, todas as vezes que o sociólogo aborda o problema das relações do grupo com o meio físico.” (Candido 1971: 23)

não é possível investigar como, numa proposta de desenvolvimento sustentável, se equacionam necessidades, técnicas, meios e modos de vida sem que se aprofundem as análises demográficas – que permitirão uma mais abrangente compreensão da capacidade de suporte das RESEX.

Esta é a riqueza e o desafio desse modelo de conservação ambiental que, na prática, enfrenta questões teóricas interessantes (dadas pelas relações entre variáveis geralmente estudadas separadamente) e uma questão “existencial” fundamental: a possibilidade de relação intencionalmente harmoniosa entre os seres humanos e a natureza.

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7. Referências

bibliográficas

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