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O FURTO DE ENERGIA E UMA PROPOSTA DE INTERPRETAÇÃO PENAL-CONSTITUCIONAL-AMBIENTAL

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Academic year: 2021

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O Furto de Energia e uma Proposta de Interpretação Penal-

-Constitucional-Ambiental

The Power Theft and a Proposal for Constitutional Interpretation

of Criminal – Environmental

LuIz guSTAvO gOnçALvES RIBEIRO

Graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1996), Mestrado (2005) e Doutorado (2008) em Direito pela mesma Universidade, Pós‑Doutorando pela Universitá degli Studi di Messina/IT, Professor de Direito Penal do Curso de Graduação e de Direito Penal Am‑ biental do Curso de Mestrado em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara, Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Assessor Especial do Procurador‑Geral de Justiça, Membro do Conselho Científico e Acadêmico do Ministério Público, Examinador de Direito Penal e Direito Processual Penal (GT II) do LII, LIII e LIV Concursos para ingresso na carreira do Ministério Público de Minas Gerais, Membro Avaliador da Revista Jurídica da Escola Superior do Ministério Público de São Paulo e do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós‑Graduação em Direito – Conpedi. Autor de obras jurídicas de Direito Penal, Processual Penal, Criminologia e Direito Ambiental.

CAROLInA CARnEIRO LIMA

Graduada em Direito pela PUC‑Minas, Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes, Mestranda em Direito Ambiental e Desen‑ volvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara.

Submissão: 13.07.2016 Decisão Editorial: 18.05.2017

RESUMO: O artigo aborda o crime de furto de energia, popular “gato”, e sua relação com o direito fundamental à eletricidade e os impactos ambientais. O estudo apresenta o viés da cooperação e solidariedade entre os cidadãos. Trabalha aspectos escondidos nos meandros da vida social e que podem passar despercebidos ou desconectados quando se analisam aspectos criminais. Objetiva‑se apontar, genericamente, que esse delito contra o patrimônio dificulta o cumprimento do princípio do acesso universal à energia. Pretende‑se, especificamente, descrever os impactos oriundos da impossibilidade de se precisar o gasto energético, bem como o direito e dever do indivíduo no que tange ao meio ambiente e aos direitos fundamentais. O alicerce teórico é o ecodesenvolvimento, que permite o amálgama do avanço tecnológico na sociedade contemporânea, as responsabilidades da geração do presente com a necessidade de uma nova interpretação do direito penal, mais atenta às realidades sociais plúrimas, bem como com a maneira de gerenciar tais nuances. O método é o analítico‑dedutivo por meio de pesquisas bibliográficas e normativas para responder ao problema so‑ bre as implicações do furto de energia para o ambiente e para o acesso à eletricidade. Desenvolve‑se nova perspectiva sobre as repercussões dos delitos reputados comuns sobre o ambiente, surgidos

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das inovações do mundo atual. Não se alcançam, entretanto, conclusões exatas, fomentam‑se dis‑ cussões para pensar as condutas típicas sob novos referenciais.

PALAVRAS‑CHAVE: Furto de energia elétrica; universalização do acesso à energia; produção energé‑ tica; impactos ambientais; direitos difusos.

ABSTRACT: The article discusses the power theft crime, popular “cat”, and its relation to the fun‑ damental right to electricity and environmental impacts. The study shows the bias of cooperation and solidarity among citizens. Works hidden aspects in the intricacies of social life and that may go unnoticed or disconnected when analyzing criminal aspects. The objective is to point out, generally, that this crime against property hinders compliance with the principle of universal access to energy. It is intended to specifically describe the impacts arising from the impossibility of need energy expen‑ diture, as well as the right and duty of the individual in relation to the environment and fundamental rights. The theoretical foundation is the eco‑development allowing the amalgamation of technological advancement in contemporary society, the present generation of responsibilities with the need for a new interpretation of criminal law, more attentive to varied social realities, as well as how to manage these nuances. The method is the analytical‑deductive through bibliographic and normative research to address the problem on the implications of theft of energy to the environment and access to elec‑ tricity. Develops new perspective on the impact of common reputed offenses on the environment, arising from the current world innovations. Is not reached, however, exact conclusions, fosters dis‑ cussions is to think about the typical behavior under new standards.

KEYWORDS: Electricity theft; universal access to energy; energy production; environmental impacts; diffuse rights.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Nuances sobre o delito de furto de energia: novas perspectivas de interpre‑ tação; 2 A universalização do acesso à energia e o meio ambiente na ótica do delito de furto; 3 O furto de energia sob novos parâmetros interpretativos; Considerações finais; Referências.

SUMMARY: Introduction; 1 Peculiarities on energy larceny: new perspectives of interpretation; 2 Universal access to energy and the environment from the viewpoint of larceny; 3 Theft of energy in new interpretative parameters; Final considerations; References.

INTRODuÇÃO

O direito penal precisa de um novo olhar. Não precisa, necessariamente, de novas leis. Carece, sim, de uma visão mais ampliada acerca da interpretação dos tipos penais existentes, vinculando-a à realidade social atual, sua repercus-são em um mundo dinâmico, veloz e tecnológico. As circunstâncias em que se praticam os fatos típicos devem conter um viés integrativo com os direitos mais recentes, pois são eles que destacam os bens e valores jurídicos mais relevantes para a sociedade do momento presente.

Diante do cenário apontado, destaca-se a responsabilidade difusa, pre-vista constitucionalmente (art. 225, caput, da CRFB), pela proteção do meio ambiente e a observância desse comando normativo em todos os aspectos ju-rídicos. Não há ilícitos penais ambientais somente nos fatos descritos na Lei

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nº 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais), mas, sim, em toda e qualquer con-duta que atinja bens jurídicos ambientais relevantes de maneira intensa ou que o sujeito passivo seja o próprio meio ambiente.

O furto de energia elétrica denominado comumente de “gato” é um de-lito contra o patrimônio que se configura na subtração do bem móvel, energia, da concessionária responsável por sua distribuição. A energia é produzida e sua geração resulta em impactos ambientais que devem ser analisados, estudados e mitigados. Como calcular e compreender tais externalidades e, ao mesmo tempo, cumprir a determinação de acesso universal à eletricidade, se há perda ou desvio irregular do produto gerado? Vislumbra-se, consequentemente, que o ato de subtração de energia elétrica vai mais além do prejuízo patrimonial das concessionárias de energia.

O estudo objetiva demonstrar o reflexo de ilícitos comuns1 no meio am-biente, trazendo à baila a responsabilidade de cada cidadão e da Administração Pública em os perceber e garantir o controle da situação sem comprometer direitos fundamentais. Com isto, genericamente, percebe-se que o furto no caso em estudo dificulta ou obstaculiza o acesso universal à energia. Especificamen-te, mostrar-se-á a repercussão do furto de energia nos impactos ambientais e a relação de cada indivíduo no exercício de seus direitos e deveres.

Pretende-se, também, cumprir a função da academia de ampliar a visão social em relação à rede encadeada de convivência, ou seja, das ações indivi-duais e sua relação com a coletividade.

O problema que se busca responder consiste, como já explanado, nas implicações do furto de energia para o meio ambiente e para a ampliação e generalização do uso da eletricidade.

O sustentáculo teórico da pesquisa é o ecodesenvolvimento, pelo qual se almeja a harmonização dos efeitos socioambientais com as respostas econô-micas de cada empreendimento ou ação. O desenvolvimento será um resultado da gestão equilibrada dos elementos envolvidos. O foco é a busca da integração entre os valores, sociais, ecológicos e humanos na interpretação do ordenamen-to jurídico, direcionado neste estudo para o furordenamen-to de energia elétrica.

Para tanto, utilizar-se-á do método analítico-indutivo por meio de pes-quisas bibliográficas e legislativas, além de uma reflexão transdisciplinar essen-cial pelas particularidades do tema.

Discorrer-se-á sobre o crime de furto previsto no art. 155 do Códi-go Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940) e sobre o furto de energia elétrica, 1 Ilícitos comuns, previstos no Código Penal. Diferenciando-os daqueles crimes específicos, especiais, previstos

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art. 155, § 3º, do CP, suas implicações criminais e sociais. Uma forma de inte-gração da norma será abordada para que se alcance uma interpretação e uma visão mais concatenada da realidade com o fato em comento. Segue-se para a universalização do acesso à energia como direito fundamental do indivíduo, sustentando que é responsabilidade de todos, em um Estado Democrático de Direito, fazer cumprir tais normas programáticas que mostram verdadeiros pre-ceitos em um núcleo de cerne fixo que não comporta retrocessos. Ato contínuo, apresentar-se-ão os impactos da geração de energia e a dificuldade de os mini-mizar quando o consumo não pode ser adequadamente calculado.

Nas derradeiras considerações, far-se-á um panorama geral do caminho percorrido, não se pretendendo alcançar uma resposta definitiva sobre a ques-tão apresentada. Almeja-se, ao revés, iniciar um novo olhar para este tipo de crime de furto que repercute na esfera coletiva e individual, no âmbito penal, ambiental, energético, administrativo e constitucional.

Buscam-se trazer ao cenário criminal parâmetros sociais novos, cujas consequências mostram-se pulverizadas em várias searas, sem olvidar que a parte especial do Código Penal é de 1940, as abordagens ambientais surgiram fortemente na década de 1970 e a Constituição da República Federativa do Brasil é de 1988, ou seja, contextos jurídicos e históricos que se entrelaçam e vão sendo alinhavados com as experiências vividas socialmente.

Não serão alcançadas soluções precisas, mas abordar-se-ão contingên-cias recentes e a necessidade de comprometimento do intérprete com a nova realidade.

1 NuANCES SOBRE O DELITO DE fuRTO DE ENERGIA: NOVAS PERSPECTIVAS DE INTERPRETAÇÃO

A tipificação do delito de furto de energia no Código Penal de 1940 foi uma inovação, pois trouxe para o bojo da norma a equiparação da energia elé-trica à coisa alheia móvel, passível de apoderação por outrem invito domino, ou seja, contrariamente à vontade do detentor do direito sob o bem, no caso, a con-cessionária de distribuição de energia. Foi um parâmetro novo, tanto que contou com esclarecimento na exposição de motivos do CP, em seu nº 56, in verbis:

Toda energia economicamente utilizável e suscetível de incidir no poder de dis-posição material e exclusiva de um indivíduo (como, por exemplo, a eletricidade, a radioatividade, a energia genética dos reprodutores etc.) pode incluída, mesmo do ponto de vista técnico, entre as coisas móveis, a cuja regulamentação jurídica, portanto, deve ficar sujeita. (Costa Jr., 2005, p. 619)

Assim, cessa-se, por completo, a questão acerca da controvérsia sobre ser ou não objeto passível de furto a energia elétrica ou outra que possa ser objeto

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de apoderamento e possua valor econômico. Trata-se de uma realidade contida na maioria das legislações contemporâneas.

Em relação ao tipo penal já inovador em seu nascedouro, observa-se, mas não só nele, a necessidade de uma visão metodológica diferente daque-la tradicionalmente adotada até então. É preciso que o operador do Direito proceda à interpretação com base em direitos fundamentais e difusos, que se utilize de uma hermenêutica aberta, holística, na qual os efeitos, consequências e resultados sejam percebidos de forma plúrima e não apenas focados para a localização “espacial” e de “classificação” em que o delito se encontra no Código Penal – Título II, Dos Crimes contra o Patrimônio; Capítulo I, Do Furto.

A análise do delito deve conter, por óbvio, os conceitos, a principiologia e os modelos do direito penal, sem, contudo, olvidar da integração entre as nor-mas e do respeito reverencial aos preceitos constitucionais. Deve, entretanto, coadunar-se com o desenvolvimento social e temporal do Direito, mantendo-se alerta ao tempo presente, trazendo para a norma individual os limites requeri-dos pelo Direito atual.

É o que acontece com o furto de energia elétrica, que foi editado para ser simplesmente um delito contra o patrimônio de um sujeito passivo determina-do, pois inexiste crime sobre coisa de ninguém, abandonada ou perdida (res,

nullius, res derelictae, res desperdita).

Todavia, a interpretação das normas, em casos concretos e abstratos, deve conciliar a consciência jurídica atual ao espírito do ordenamento jurídico. Por essa razão, o furto de energia necessita, peremptoriamente, ser analisado juntamente com os princípios do direito constitucional, do direito ambiental, do direito de energia e do direito administrativo. A integração dar-se-á na interpre-tação holística do fato jurídico perpetrado2. Eis, em analogia, a hermenêutica constitucional da sociedade aberta e pluralista em que todos indistintamente vivem a Constituição como legítimo intérprete (Häberle, 1997). Assim, o autor do fato, ao subsumir a sua conduta a um tipo penal, aceita infringir a norma criminal e reflexamente a outros princípios do Direito.

Não estando os outros parâmetros lesionados nas elementares do tipo legal, podem, por integração das normas, ser avaliados nas circunstâncias ju-diciais. Não se trata, repita-se, de fomentar a produção legislativa, mas de pre-tender um olhar mais “antenado” à realidade coletiva atual. Os resultados não alcançados nas elementares podem ser discutidos minuciosamente nas circuns-tâncias judiciais em cada caso concreto.

2 As decisões dos juízes devem estar em consonância com o conteúdo da consciência jurídica geral, com o espírito do ordenamento, que é mais rico do que a disposição normativa, por conter critérios jurídicos e éticos, ideias jurídicas concretas ou fáticas que não encontram expressão na norma de direito. (Diniz, 2004, p. 94)

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Por necessário, é oportuno salientar que não se atentará às discussões doutrinárias sobre se ocorre a subtração da energia ou o desvio, se a prática ocorre antes ou depois de aferido no medidor, se não se computa o gasto ou mede-o em menor proporção. Não é objetivo, no momento, perquirir sobre se estamos diante do delito de furto, estelionato ou furto qualificado pela fraude3. O cerne que se pretende atingir é a necessidade de um novo olhar sobre a in-terpretação dos ilícitos, evitando a proliferação legislativa e adequando-se as investigações, amplo senso, ao contexto social atual.

O furto de energia é o foco no momento, mas os argumentos de maneira genérica podem ser expandidos para outros tipos penais e outras contingências. Trata-se mais de um estudo sobre interpretação do direito penal, com reflexos ambientais e constitucionais pouco comuns e não usuais, mas que deveriam ser incentivados, do que sobre a exata subsunção do fato a elementares penais.

Ultrapassado o entendimento histórico da existência do delito de furto, uma melhor abordagem sobre o reconhecido “gato” faz-se imprescindível, pois o fato que o envolve passa por uma compreensão do limite entre o ilegal, o informal e o ilícito para que seja possível adentrar a seara pretendida de uma análise mais complexa do cenário envolvido (Yaccoub, 2010, p. 3).

O furto de energia é muitas vezes compreendido como um “jeitinho” “para a conta de luz chegar mais barata” e não como algo ilegal. Realidade mais grave ocorreu no início das atividades das concessionárias que não possuíam reconhecimento popular de sua atuação e existência, tornando comum a ideia de que a energia não tinha dono. A energia era reputada como algo natural, a “naturalização da energia elétrica”. “O usuário não vê a energia como bem finito e um produto” (Yaccoub, 2010, p. 19).

Hoje, a consciência de que a prática do “gato” é ilícita é amplamen-te difundida, principalmenamplamen-te em razão da crise hídrica, da democratização da informação e da própria característica e estilo de vida. A vivência atual vai de encontro à denominada “cultura do povo”, que deseja ter acesso aos bens de consumo, mas não consegue arcar com o valor da energia por eles consumida, por isso a responsabilidade tem que ser ampliada, adequando-se às caracte-rísticas sociais. O agente não pode ser analisado no contexto da sociedade de consumo atual somente em relação a sua pretensão e direito ao bem-estar, mas deve ser entendido como cidadão, sujeito de direitos e deveres. As vertentes analíticas não são segmentadas, estão totalmente conectadas.

3 A energia elétrica, é certo, tanto pode configurar o crime de furto como o de estelionato. [...] Tal entendimento, porém, é contestado por Paulo José da Costa Júnior, sustentando este último que, “no estelionato, a vítima, ludibriada, entrega a coisa ao agente; e, na espécie apresentada, o que se verifica é o furto qualificado pela fraude” (Franco; Stocco (Org.), 2007, p. 786).

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A frugalidade da sociedade de consumo trouxe consigo problemas que se pulverizam em diversas áreas da vida, pois o indivíduo coloca no consumo (ou no consumismo) o princípio para a satisfação de seus interesses, vendo-se aprisionado por regras de vida que não são suas, mas que foram aceitas como se fossem (Fornasier, 2012). “Por ser heterônoma a criação de tal necessidade e, ainda mais, por ser necessária a continuidade dessa ordem, para que as insti-tuições criadoras se reproduzam, é estimulada a insaciabilidade do indivíduo” (Fornasier, 2012, p. 198). Trata-se da imagem da liberdade, do acesso irrestrito a bens e produtos que, no final das contas, é uma forma de aprisionamento di-reto e indidi-reto. Didi-reto, pois altera a vida do cidadão individualmente; indidi-reto, porque atinge toda a sociedade que precisa de equilíbrio para se manter estável ambiental e economicamente4.

Vê-se, assim, com mais preocupação o meio ambiente, uma vez que precisamos dele para reparar ou restaurar o equilíbrio das outras esferas, sem contar que sua estabilidade depende de fatores fisiológicos e ciclos que o avan-ço tecnológico não consegue suprir.

O desenvolvimento industrial, o progresso tecnológico, a urbanização desenfrea-da, a explosão demográfica e a sociedade de consumo, entre outros fatores, têm tornado atual e dramático o problema da limitação dos recursos do nosso planeta e da degradação do ambiente natural – fonte primária de vida. (Prado, 2001, p. 16) Diante do contexto apresentado, vislumbra-se a existência de uma mirí-ade de características envolvidas no furto de energia, motivo pelo qual não se pode abandonar os aspectos norteadores da vida em sociedade que conduzem às responsabilidades, solidariamente colocadas, diante de todas as ações indi-vidualmente praticadas.

À ética imperativa da solidariedade sincrônica com a geração atual somou-se a solidariedade diacrônica com as gerações futuras e, para alguns, o postulado éti-co de responsabilidade para éti-com o futuro de todas as espécies vivas na Terra. Em outras palavras, o contrato social no qual se baseia a governabilidade de nossa sociedade deve ser complementado por um contrato natural. (Sachs, 2009, p. 49)

4 Os fins e os meios do desenvolvimento exigem que a perspectiva da liberdade seja colocada no centro do palco. Nessa perspectiva, as pessoas têm de ser vistas como ativamente envolvidas – dada a oportunidade – na conformação de seu próprio destino, e não apenas como beneficiárias passivas dos frutos de engenhosos programas de desenvolvimento. O Estado e a sociedade têm papéis amplos no fortalecimento e na proteção das capacidades humanas. São papéis de sustentação, e não de entrega sob encomenda. A perspectiva de que a liberdade é central em relação aos fins e aos meios do desenvolvimento merece toda a nossa atenção (Sen, 2010, p. 77). [...] O desafio ambiental faz parte de um problema mais geral associado à alocação de recursos envolvendo “bens públicos”, nos quais o bem é desfrutado em comum em vez de separadamente por um só consumidor. Para o fornecimento eficiente de bens públicos, precisamos não só levar em consideração a possibilidade da ação do estado e da provisão social, mas também examinar o papel que pode desempenhar o desenvolvimento de valores sociais e de um senso de responsabilidade que viessem a reduzir a necessidade da ação impositiva do Estado. Por exemplo, o desenvolvimento da ética ambiental pode fazer parte do trabalho que a regulamentação impositiva se propõe a fazer (Sen, 2010, p. 343).

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As responsabilidades são determinadas constitucionalmente e devem estar contidas em todas as searas analíticas da vida em coletividade. Com o furto de energia não pode ser diferente. É um delito de natureza permanente em que a le-são perpetua-se no tempo atingindo um bem específico (energia elétrica) que pos-sui titular de direito, mas que contém amplo espectro, repercutindo, também, na dificuldade de se universalizar o seu acesso e na obstaculização da divisão equâ-nime dos riscos e impactos de sua produção. Estes são liames de conectividade que faltam para uma hermenêutica correta do delito em destaque na dinâmica social e jurídica hodierna – “o desenvolvimento é realmente um compromisso muito sério com as possibilidades de liberdade” (Sen, 2010, p. 378).

Para que uma política energética forte e sustentável se desenvolva, e para que ela ocorra, os cidadãos precisam se dar conta de que todos terão de se sujeitar a mudanças: altos preços da energia, abertura de determinadas áreas geográficas para a exploração energética e aceitação tanto dos benefícios quanto dos riscos da tecnologia. A energia não é um fim em si mesma, mas um meio para se atingir os objetivos de uma economia e um ambiente saudáveis. (Hinrichs; Kleinbach; Reis, 2014, p. 736)

A repercussão do delito de furto de energia, a responsabilidade social por melhor qualidade de vida e acesso a serviços essenciais, bem como a conserva-ção do meio ambiente e a sua utilizaconserva-ção eficiente, é direito e dever em todos, em todas as esferas da vida civil, mormente diante da assunção do contrato social.

Diferente não seria para o intérprete da lei, seja ele o titular da ação penal, o detentor do poder jurisdicional ou cada cidadão em seu dia a dia. É imperativa uma nova abordagem para os delitos que atingem, mesmo que indi-retamente, direitos ambientais, difusos e fundamentais. “Para obtermos sucesso, temos que nos envolver. É urgente adotar um posicionamento proativo. Deve-mos ser cidadãos informados e ativos” (Hinrichs; Kleinbach; Reis, 2014, p. 736). As consequências analíticas do ilícito na nova visão não requerem a edi-ção de leis, mas clamam por um estudo das circunstâncias judiciais mais detido e profundo, com o objetivo de, realmente, perceber em que contingências fáti-cas o delito foi perpetrado. Para tanto, é fundamental entender os reflexos per-cebidos nos direitos ambiental e fundamental para depois adentrar na pretensão de novo padrão analítico nos casos concretos.

2 A uNIVERSALIzAÇÃO DO ACESSO à ENERGIA E O MEIO AMBIENTE NA ÓTICA DO DELITO DE

fuRTO

O entendimento que se apresenta sobre o crime de furto de energia mos-tra uma perspectiva inovadora sobre o delito, mos-trazendo para o seu contexto ana-lítico uma gestão ecologicamente prudente dos recursos ambientais utilizados

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para a geração da energia. No ecodesenvolvimento, sustentáculo sob o qual se alicerça a discussão, objetiva-se uma gestão mais eficiente de todos os níveis de sustentabilidade – social, econômica, ecológica, geográfica e cultural.

O ecodesenvolvimento é reputado, doutrinariamente, quase como um sinônimo de desenvolvimento sustentável. A diferença entre ambos encontra-se no campo político: o primeiro adequa-se a cada caso, em busca da tecnologia e da solução para cada situação, vai de aspectos simples aos mais complexos; o segundo visa ao comprometimento global e à responsabilidade com as gerações futuras. Em razão dessa particularidade é que o sustentáculo das argumentações desenvolvidas faz-se sobre o ecodesenvolvimento, uma vez que cada localida-de tem ciência localida-de suas localida-deficiências energéticas e da necessidalocalida-de localida-de expansão do atendimento das redes.

Mais que isso, cada fato analisado pormenorizadamente e refletido nas circunstâncias judiciais merecerá uma discricionariedade própria para que se compreenda com lucidez os contornos de culpabilidade e da conduta social do agente no cenário apresentado para reflexão.

Os fatos serão analisados no contexto social em que surgiram. Cada mi-cro ou mami-crocoletividade tem a responsabilidade por desenhar o destino que se pretende... “a humanidade terá que enfrentar a si mesma” (Leitão, 2015). Os assuntos ambientais fazem parte das escolhas democráticas a serem realizadas pela República Federativa do Brasil. A segurança e o bem-estar enunciados no preâmbulo da Constituição de 1988 pressupõem uma vida digna e para ela é imprescindível medidas de segurança ambiental (Castro, 2010) que se destacam em todas as esferas sociais.

A vida digna é objetivo, norma programática, que atinge o acesso amplo à energia que possibilitará consequentemente a redução da pobreza. A segu-rança do abastecimento constitui, por sua vez, a base de uma sociedade indus-trializada, como a atual, e garantia de uma vida com dignidade para os mem-bros (Parente, 2010). “O desenvolvimento da sociedade deve se dar de forma harmônica com a natureza, de maneira a representar um progresso sustentado, equilibrado entre a aquisição e gozo das benesses patrimoniais e a manutenção da qualidade de vida” (Castro, 2010, p. 66).

Em suma,

para a perspectiva humana, segurança energética pode surgir vinculada às preo-cupações desenvolvimentistas, em que o papel do setor energético voltado para o crescimento econômico e o desenvolvimento tecnológico se vincula ao fortale-cimento do ambiente no qual o indivíduo está inserido e pode adquirir cada vez mais bem-estar com o aumento e melhoria da oferta de infraestrutura pelo Estado. Nesse sentido, as atenções se direcionam tanto para os indivíduos quanto para a sociedade e o Estado. (Siqueira, 2015, p. 133)

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Assim, a universalização do acesso à energia ganha maior espectro, pois é levada à categoria de direito individual e humano, sendo garantida no âmbito da vida em coletividade por políticas públicas implementadas com auxílio de subsídios e metas de abrangência para as concessionárias, sob o foco de com-bate à “assimetria econômica”, objetivando “viabilizar determinados benefícios para a inclusão social de parcela significativa da população” (Sanches, 2011, p. 383)5. Eis aí mais um argumento acerca da censurabilidade mais potenciali-zada sobre a prática do furto de energia.

Oportuno observar que não é só a energia elétrica que se apresenta como direito individual e humano, mas, sim, todas as formas de energia, uma vez que são fundamentais para a satisfação das necessidades dos membros da sociedade que se pauta em uma vida marcada pelo consumo.

Desde siempre la energía há sido el centro de los pasos fundamentales de la civi-lización. De la era prehistórica a nuestros tiempos, del descubrimiento del fuego a la energia eléctrica, la sociedad ha evolucionado gracias a eventos históricos relacionados com la energía. Sim energia el hombre no podría existir. Por ello cabe cuestionarse cómo, hasta hoy, se há venido reconociendo el derecho a la vida, a la información, a la huega etc., despreocupándose de la cuestión energé-tica. (Parente, 2010, p. 255)6

Em função da importância que adquiriu socialmente a energia, destaca--se o compromisso advindo dos princípios da cooperação e da solidariedade. Ganha contornos mais precisos quando se verifica a inserção do meio ambiente na terceira dimensão dos direitos humanos com traços de fraternidade e, tam-bém, no momento que se vislumbra a abordagem do tema em uma Encíclica Papal, como na “Laudato Si – Louvado sejas sobre o cuidado da casa comum”7. 5 Objetivando a inclusão social por meio da acessibilidade à energia elétrica, os agentes políticos editaram diversos planos de ação governamental para melhor conduzir o gerenciamento deste objetivo. Entre eles, pode-se citar: Programa Nacional de Eletrificação Rural, denominado “Luz no Campo”; criação da Conta de Desenvolvimento Energético – CDE; Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica, “Luz para Todos”; Comissão Nacional de Universalização; Programa Energia Cidadã (Sanches, 2011).

6 Desde sempre a energia tem sido o centro dos passos fundamentais da civilização. Da era pré-histórica ao nosso tempo, do descobrimento do fogo à energia elétrica, a sociedade evoluiu graças a eventos históricos relacionados com a energia. Sem energia o homem não poderia existir. Por isto cabe questionar como, até hoje, reconheceu-se o direito à vida, à informação, à greve etc., sem se preocupar coma questão energética (tradução nossa).

7 São João Paulo II debruçou-se, com interesse sempre maior, sobre este tema. Na sua primeira encíclica, advertiu que o ser humano parece “não se dar conta de outros significados do seu ambiente natural, para além daqueles que servem somente para os fins de um uso ou consumo imediatos”. Mais tarde, convidou a uma conversão ecológica global. Entretanto fazia notar o pouco empenho que se põe em “salvaguardar as condições morais de uma autêntica ecologia humana”. A destruição do ambiente humano é um fato muito grave, porque, por um lado, Deus confiou o mundo ao ser humano e, por outro, a própria vida humana é um dom que deve ser protegido de várias formas de degradação. Toda a pretensão de cuidar e melhorar o mundo requer mudanças profundas “nos estilos de vida, nos modelos de produção e de consumo, nas estruturas consolidadas de poder, que hoje regem as sociedades”. O progresso humano autêntico possui um caráter moral e pressupõe o pleno respeito pela pessoa humana, mas deve prestar atenção também ao mundo natural

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Não há como não perceber a necessidade de assunção de um compromisso solidário em sua tutela, haja vista que intimamente ligado aos direitos básicos: vida, liberdade, propriedade e segurança.

O que não se pode perder é a noção de que as sociedades têm direito de melhorarem suas condições de vida constantemente, adaptando e suprindo suas condições materiais, desabrochando capacidades e potenciais nos mais variados campos da vida humana (Pádua, 2009), sem, contudo, cercear o aces-so dos demais aos bens naturais, nem esgotá-los de maneira a comprometer definitivamente a produção energética, pois ela inexiste naturalmente no estado em que consumido, precisando de transformações tecnológicas para se tornar energia elétrica.

A energia elétrica, portanto, é um produto tecnológico advindo de trans-formações de fonte energéticas primárias (petróleo, gás natural, carvão, incidên-cia solar, vento, água, urânio, tório, marés marítimas, entre outras). É também um serviço, pois precisa ser armazenada e conduzida por linhas de transmissão até seu destino final para que seja consumida e modifique a vida das pessoas.

O caminho percorrido da fonte primária até o destino final também deve ser refletido nas consequências da prática do furto de energia, uma vez que se deve atentar ao fato

de que a energia elétrica não “vem da natureza”, não é resultado de um simples extrativismo. Grande parte da energia consumida no Brasil vem de usinas hidre-létricas, que têm como condição básica grandes volumes de um recurso natural: água. É imprescindível um sistema complexo como represamento, construção de hidrelétricas, cabeamentos, redes e torres e transmissão etc. para que a energia chegue até os transformadores, postes e as tomadas de nossas casas. A energia é fruto de um advento científico, de pesquisas laboratoriais e investimento tecnoló-gico. Não é um recurso infinito, muito menos natural: é resultado de um sistema produtivo possui uma cadeia produtiva. Portanto, é um produto, um bem, um artefato, um objeto técnico-científico. (Yaccoub, 2010, p. 25/26)

Toda ação humana gera impactos: alguns são maiores e mais significati-vos, outros são menores, mas não há atividade antrópica desprovida de impac-tos. As externalidades negativas na produção energética apresentam-se mais intensas nas fontes fósseis, entretanto existem, igualmente, só em menor pro-porção, nas denominadas energias limpas8. Os impactos ambientais são descri-tos na Resolução do Conama nº 01, de 1996, como sendo qualquer alteração

e “ter em conta a natureza de cada ser e as ligações mútuas entre todos, num sistema ordenado (Francisco, 2015, p. 10/11).

8 O consumo de energia pelo homem é, porém, a principal origem de grande parte dos impactos ambientais, em todos os níveis. Em uma escala micro, desencadeou, por exemplo, doenças respiratórias, com o uso primitivo de lenha. Num nível macro, é a principal fonte das emissões de gases de efeito estufa, que intensifica as mudanças climáticas e causa perda de biodiversidade. Em algumas situações, a energia não tem papel

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das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio, oriundas de qualquer forma de matéria ou energia proveniente de ação, direta ou indireta, dos seres humanos afetando: a saúde, a segurança e o bem-estar da população; a biota; a qualidade dos recursos ambientais; as atividades sociais e econômicas e as con-dições estéticas e sanitárias do meio ambiente. Assim, é nítido que a geração de energia elétrica ocasiona impactos ambientais.

Essa é mais uma razão ou motivo para demonstrar que a censurabilidade do delito em destaque há que ser maior, pois enseja perdas, supressões de or-dem difusa e não apenas decréscimo patrimonial.

Oportuno frisar que o objetivo na atualidade é a diversificação da matriz energética, optando-se por fontes menos impactantes, mas, como mencionado, que não se pode confundir com ausência de impactos como objetivado pela denominação – energias limpas. Limpa é a energia desprovida de impactos ou com externalidades ínfimas. O que existe de real é uma “produção mais limpa” (Custódio; Valle, 2015), coadunando, ainda mais, com a responsabilização par-ticularizada do adepto à prática do conhecido “gato”.

Não é possível acreditar que o crescimento econômico possa dar-se de maneira ilimitada e seu uso seja livre e desprovido de consequências. Pensar assim é ignorar “a realidade biofísica do planeta, seja em termos de sua oferta limitada de recursos naturais, seja em virtude da sua capacidade limitada de absorver os impactos ambientais da ação humana” (Pádua, 2009, p. 18). Não se pode, portanto, coadunar, silenciando a responsabilidades visíveis e patentes, inclusive em ações já tipificadas.

Os recursos ambientais são de toda a população e podem ser usufruídos por qualquer indivíduo “dentro dos limites constitucionais de qualquer ‘aldeia global’” (Montolli, 2014, p. 312). Não se pode permitir que uma pessoa apode-re-se irregularmente dos bens, sem se responsabilizar, na medida e nos critérios dispostos anteriormente acerca das ações.

A ideia é estender para todas as searas analíticas a vertente do ecodesen-volvimento, na qual se procura uma tríplice vitória:

No social, porque os objetivos de desenvolvimento são sempre sociais; no ambien-tal, porque não temos direito de legar aos nossos filhos e netos um planeta inabitá-vel; e no econômico, porque sem viabilidade econômica as coisas não acontecem. Esse tripé de ecodesenvolvimento é sustentado por um duplo conceito ético: de solidariedade sincrônica com todos os passageiros da nave espacial Terra e de solidariedade diacrônica coma as gerações futuras. (Sachs, 2009, p. 14)

dominante, mas ainda assim é importante: é o caso, por exemplo, da degradação costeira e marinha, devida, em parte, a vazamentos de petróleo e outros desastres ambientais. (Goldemberg, 2010, p. 37)

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O foco precípuo é a busca do bem-estar da geração presente e o não comprometimento da geração futura com uma gestão prudente do meio am-biente, cobrando-se de cada um a ética com os bens difusos e o cumprimento de suas responsabilidades.

Cada indivíduo faz suas opções e, caso opte por transitar nos meandros da ilicitude, deve arcar com a mais completa avaliação da tipicidade, ilicitude e cul-pabilidade alcançando a avaliação da punibilidade em idênticos parâmetros de atenção e proteção da paz social, assim como a preservação da dignidade humana.

A compreensão acerca da importância do sistema penal e o que deve ser protegido por ele diante da restrita amplitude que possui é essencial para a ob-servância e cobrança de responsabilidades por efeitos paralelos ao objeto cen-tral de análise. Por isso, as questões apontadas não se inserem nas elementares do tipo penal, e, sim, em efeitos circundantes, que, se sanados, não eliminam o delito. É uma proteção mais ampliada do bem ambiental e uma cobrança de exercício de cidadania ao agente.

O direito penal é, acima de tudo, uma medida de proporcionalidade em todas as suas inserções.

3 O fuRTO DE ENERGIA SOB NOVOS PARÂMETROS INTERPRETATIVOS

Em uma análise simples ou mesmo minuciosa sobre a existência de de-litos acerca do furto ou desvio de energia vinculado a alguma lei ambiental ou mesmo na lei penal ambiental mais clássica, a Lei nº 9.605, de 12 de feve-reiro de 1998, nada será encontrado. O dispositivo é apenas localizado no já comentado art. 155, § 3º, do CP. A criminalização existe desde 1940 e a sua interpretação permanece ao longo destes 76 (setenta e seis) anos praticamente imutável – é compreendido como um delito contra o patrimônio, desprovido de violência, sem qualquer impacto social ou coletivo adicional.

O que mudou foi a percepção das concessionárias sobre o fato e as me-didas conjuntas com a Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel para con-ter o problema que obstaculiza o exercício adequado da função de distribuir o produto da fonte geradora até as empresas e residências, garantindo-se um acesso igualitário.

Segundo a Aneel, em 2015, “incluindo impostos, [...] o furto de energia representa um prejuízo de mais de R$ 8 milhões por ano ao país, ou 13,5% do total da energia gerada” (Vieira, 2015). Ademais, há gastos, e grandes, das con-cessionárias para a perseguição dessa prática, isso para não se falar no custo do processo penal quando a prática do crime é apurada.

Frente ao contexto descrito e cônscios da íntima ligação entre o delito em comento, os impactos ambientais advindos da produção energética e a

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obsta-culização do acesso universal a ela, além dos outros gastos com a perseguição da atividade, não há outra possibilidade que não o perceber sob outros matizes.

Para uma adequada análise de um tipo penal específico, não podemos prescindir de entender a sua classificação doutrinária, ou seja, objeto material e bem juridicamente protegido, sujeitos passivo e ativo, consumado ou tentado, elemento subjetivo, modalidade comissiva ou omissiva e causas de aumento ou diminuição de pena. Nesses aspectos já é possível perceber distinções entre o furto de energia até então concebido e o furto de energia que se pretende apresentar. No primeiro modelo, o sujeito passivo era exclusivamente a pessoa jurídica (concessionária) possuidora da energia elétrica a ser distribuída e o elemento subjetivo, denominado animus furandi, vontade do agente dirigida à subtração da coisa alheia móvel para si ou para outrem, visualizado no seu especial fim de agir (Greco, 2008)9. Nessa descrição já se tem distinções. A sua intenção subjetiva sempre foi obter a energia elétrica sem o devido pagamento. Agora se pode verificar que, na ausência do pagamento, tem-se, ainda, a omis-são quanto à diviomis-são em solidariedade do custo da produção, da edificação das linhas de transmissão, da melhoria do sistema e da ampliação da rede, que são igualmente computadas no valor da tarifas pagas pelos consumidores que não se utilizam de captação clandestina.

Na vertente descrita, nada é alterado no mundo acerca do cometimen-to do delicometimen-to. Ocorreram mudanças exclusivamente na seara de verificação da existência ou não ilícito e de seu sujeito passivo. Para que o fato seja verdadeira apurado sob novas concepções, é essencial que a nova análise seja percebida no mundo exterior. Assim como o delito produz impactos no mundo real, a abordagem atual sobre o tipo penal começa a exigir reflexos na devida apura-ção da reprimenda a ser adotada.

No momento em que se percebe que o delito possui maior abrangência e lesão social, maior será a culpabilidade stricto sensu do agente, pois maior o impacto e o sofrimento gerado por sua ação, mais gravosa será a sua conduta social, elementos integrantes das circunstâncias judiciais (art. 59 do CP) defini-doras da pena a ser impingida no caso concreto.

O tipo penal,

além dos seus elementos essenciais, sem os quais a figura típica não se completa, pode ser integrado por outras circunstâncias acidentais que, embora não alterem a sua constituição ou existência, influem na dosagem final da pena. Essas circuns-9 A energia é um bem e, ao mesmo tempo, um serviço. Um bem que não vemos ou tocamos; encontra-se,

portanto, no campo do intangível. Paga-se por esse “produto” que nos é oferecido. As empresas concessionárias atuam justamente fazendo a distribuição (serviço) desse bem para cada residência mediante o pagamento de uma taxa flutuante: quanto mais se consome esse produto, mais caro é o serviço, mais alta é a conta a ser paga a cada mês (Yaccoub, 2010, p. 25).

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tâncias são, como firma Aníbal Bruno, “condições acessórias, que acompanham o fato punível, mas não penetram na sua estrutura conceitual e, assim, não se confundem com os seus elementos constitutivos. Vêm de fora da figura típica, como alguma coisa que se acrescenta ao crime já configurado, para impor-lhe a marca de maior ou menor reprovabilidade”. Circunstâncias, na verdade, são dados, fatos, elementos ou peculiaridades que apenas circundam o fato princi-pal. Não integram a figura típica, podendo, contudo contribuir para aumentar ou diminuir a gravidade. (Bitencourt, 2008, p. 588)

É compreensível que ninguém queira deixar de compartilhar e viver o “paradigma da sociedade de consumo californiana” (Rivero, 2002, p. 200), mas não se pode distanciar as responsabilidades gerais em relação a este estilo de vida. A geração de energia é altíssima e produz impactos que a longo prazo serão cobrados da sociedade pela natureza. Mais ainda, todos indistintamen-te têm deveres, são corresponsáveis pelo gasto energético e devem arcar com ele. É inadmissível que um dos maiores problemas da humanidade comporte exceções de interpretação e responsabilidade. Quem pratica furto de energia elétrica não atinge apenas a empresa de distribuição desse produto, mas toda a sociedade, gerando reflexos, inclusive, para o futuro no que tange às questões ambientais. Todas as ações geram reações (Terceira Lei da Física), e não seria diferente com as questões sociais.

“Não há compartimentos estanques na vida real” (Leitão, 2015, p. 313); as ações de cada cidadão, as opções políticas e gerenciais – tudo está interliga-do. O Direito, por óbvio, ciência que busca regular as relações da vida social, mantendo a paz e a harmonia da convivência, não pode furtar-se a organizar os elementos essenciais de cada conjuntura, a fim de não desconectá-lo da estrutura.

A questão energética, além de complexa pelas características ambien-tais e de direitos fundamenambien-tais, conectada a um mínimo existencial, ainda, tem relação com políticas de governo que, no Brasil, nem sempre foram acertadas, transformando-a em algo mais tortuoso, demandando atenção de responsabili-dades acentuadas no presente momento10.

A responsabilidade difrata-se por toda a sociedade, encontrando-se as esferas administrativa, civil e penal localizadas em suas especificidades, com 10 Deu tudo errado. Incentivou-se o consumo na véspera da escassez. A intervenção foi feita com regras que distorceram o mercado. As distribuidoras não conseguiam comprar toda a energia que forneciam aos consumidores, porque o governo forçou preços muito baixos. Elas tiveram então que comprar o que faltava no mercado livre, no qual o preço disparou. No fim, as geradoras estavam sem dinheiro pela redução do peço e as distribuidoras tiveram que pagar energia quase oito vezes mais cara do que vendiam. Quebraram. O Tesouro socorreu as empresas e ainda foram negociados empréstimos bancários tendo como aval um documento autorizando o repasse do custo ao consumidor. Ao todo, elas precisaram de R$ 30 bilhões e entraram em 2015 pedindo mais recursos. A Eletrobras, no final de 2014, precisava pagar R$ 9 bilhões à Petrobras pelo combustível fornecido pelas térmicas e não tinha como fazê-lo. Em 2015, fechadas as urnas, veio o tarifaço. Poucas vezes se viu um erro de gestão tão penoso ao consumidor (Leitão, 2015, p. 304/305).

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seus traços característicos particulares, mas que se interpenetram, objetivando resoluções adequadas para todas as questões, mantendo-se o equilíbrio funda-mental para a vida em coletividade.

“O direito não é mero pensamento, mas força viva” [...].

O direito é um labor contínuo, não apenas dos governantes, mas de todo o povo. A vida inteira do direito, vista de relance, mostra-nos o mesmo espetáculo sem descanso e o trabalho de uma nação, que se baseia no que oferece a produção econômica e intelectual. Cada um que se encontra na situação de precisar defen-der seu direito participa desse trabalho nacional, levando sua contribuição para a concretização da ideia de direito sobre a terra. (Ihering, 2001, p. 27)

Observa-se ser imprescindível “transformações, tanto de caráter indivi-dual, no que diz respeito ao comportamento ecologicamente correto das pessoas, como também coletivo, no que concerne a implementação de políticas públi-cas eficazes no combate ao (sic) uso inadequado dos recursos naturais” (Moraes; Santos; Baldissera, 2013, p. 619). Para tanto, deve o Estado, em suas diversas fun-ções, incrementar a conscientização e exigir comportamentos condizentes com o padrão gerencial atual que conjuga proteção ambiental com desenvolvimento tecnológico e social. “Não existe norma jurídica, senão norma jurídica interpre-tada, ressaltando que interpretar um ato normativo nada mais é do que colocá-lo no tempo ou integrá-lo na realidade pública” (Mendes, 1997, p. 10).

Diante dos comportamentos pretendidos socialmente, não se encontra a prática do “gato” que deve ser repensado frente ao direito de acesso à energia e ao meio ambiente equilibrado.

Assim, as circunstâncias judiciais devem fazer uma avaliação de ampla abordagem, principalmente porque o delito de furto de energia possui como elemento anímico a vontade deliberada e livre do agente em praticar a conduta, pois existe somente na modalidade dolosa.

A culpabilidade, em sentido estrito, avalia a censurabilidade do ato, prin-cípio maior da individualização. Trata-se um critério de proporcionalidade a ser construído para se verificar a reprovabilidade da conduta, sendo, na abordagem realizada neste estudo, muito elevada.

A conduta social, por sua vez e em idêntico sentido, aponta para o com-portamento do agente perante a sociedade que, no caso concreto, mostra a des-consideração com o coletivo/difuso e a busca de uma realização unicamente individual.

As consequências do delito, também presente nas circunstâncias judi-ciais, por sua vez, influenciam no estudo do delito, mas se apresentam como corolário lógico ou desdobramento das duas anteriores, podendo ser reputada

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em um bis in idem, vetado juridicamente. Esta última pode ser identificada de maneira particularizada em casos, v.g., do “gato” gerar um incêndio, pois redundará em uma maior intensidade da lesão jurídica causada pela infração penal, porque nas outras a intensidade da lesão é grave, mas estão adstritas às características exigidas nas elementares legais do tipo.

Tais critérios demonstram a diferença de análise sobre este furto especí-fico e aquele preceituado no caput do art. 155 do CP, ensejando uma elevação da pena base, por demonstrar maior censurabilidade do ato praticado. A eleva-ção dá-se por se perceber que a conduta atinge um sujeito passivo identificado, como sempre foi entendido, mas apresenta resultados reflexos na seara ambien-tal, atingindo toda a geração presente, repercutindo, possivelmente, na geração futura11. Isso para não se falar, consoante revelam Bastos, Romano e Lobão (2012), que o próprio governo federal, por meio do programa “Luz para Todos”, considerou – o que deve ser ponderado para os deletérios fins da subtração de energia – que esta deve ser quista como vetor de desenvolvimento social, exi-gindo, portanto, um novo olhar sobre a conduta de subtração de energia.

A interpretação judicial que se objetiva vem de uma analogia à interpre-tação aberta da Constituição, já mencionada neste texto. A interpreinterpre-tação da norma não deve ser geral, não se atendo a norma constitucional. As normas pe-nais, mesmo de caráter subsidiário, quando necessária a sua aplicação, devem, igualmente, espelhar uma “perspectiva funcional-processual” (Häberle, 1997, p. 52), levando a uma diversidade de interpretações, sem perder a segurança e o caráter de ultima ratio, porém adequando à sociedade dinâmica, plúrima, complexa e mutante da atualidade.

11 A repercussão social do furto de energia está estampada em julgados do Superior Tribunal de Justiça, que, refutando, em sede de habeas corpus, alegação de insignificância de conduta, assim entendeu: “Habeas corpus. Furto triplamente qualificado tentado. Fios de energia elétrica subtraídos, avaliados em, aproximadamente, R$ 38, 00. Desvalor social da conduta. Patrimônio público. Graves consequências. Reprovabilidade da conduta. Inutilização do sistema de energia elétrica deixando várias famílias sem energia por alguns dias. Inaplicabilidade, na espécie, do princípio da insignificância. Parecer do MPF pela denegação do writ. Ordem denegada. 1. O princípio da insignificância, que está diretamente ligado aos postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal, tem sido acolhido pelo magistério doutrinário e jurisprudencial tanto desta Corte, quanto do colendo Supremo Tribunal Federal, como causa supralegal de tipicidade. Vale dizer, uma conduta que se subsuma perfeitamente ao modelo abstrato previsto na legislação penal pode vir a ser considerada atípica por força deste postulado. 2. Entretanto, é imprescindível que a aplicação do referido princípio se dê de forma prudente e criteriosa, razão pela qual é necessária a presença de certos elementos, tais como (I) a mínima ofensividade da conduta do agente, (II) a ausência total de periculosidade social da ação, (III) o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e (IV) a inexpressividade da lesão jurídica ocasionada, consoante já assentado pelo colendo Pretório Excelso (HC 84.412/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 19.04.2004). 3. No caso em apreço, inaplicável o postulado permissivo, eis que evidenciada a relevância do comportamento perpetrado pelo paciente, principalmente porque o referido delito não se identifica como indiferente penal, visto que além da situação provocada (várias famílias ficaram sem energia por alguns dias até que a concessionária de serviço público restaurasse os fios cortados), o que demonstra a reprovabilidade da conduta, as consequências para o patrimônio público são gravíssimas e estão além do mero prejuízo monetário ou financeiro, devendo atrair para si adequada reprovabilidade. 4. Ordem denegada, em conformidade com o parecer ministerial” (STJ, HC 139711/SP, 2009/0118984-3, 5ª T., Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 09.10.2009, DJe 30.11.2009).

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Propõe-se de uma gestão judiciosa do meio ambiente, visão de um de-senvolvimento racional do ponto de vista ecológico. É o ecodede-senvolvimento aplicado a todas as searas coletivas, adequando o vínculo de responsabilidade, ao desenvolvimento e ao direito ao bem-estar. “Surge, então, a proposição de uma visão holística. Encarar o conjunto dos aspectos econômicos, políticos, culturais, sociais, ambientais... E, numa abordagem sistêmica, analisar como as várias dimensões se interpenetram e interdependem” (Montibiller Filho, 1993, p. 131).

Faz-se opção por um desenvolvimento econômico de qualidade, capaz de proporcionar qualidade de vida e bem-estar social. São as escolhas sociais, seus direitos fundamentais e os objetivos da República Federativa do Brasil uni-dos e direcionauni-dos para touni-dos os setores da vida comum. Nada mais necessário do que interligar a prática de um ilícito a seus efeitos indiretos, já que não podem ser desvinculados de suas consequências. Ademais, os direitos funda-mentais são intangíveis e não podem ser reduzidos ou mitigados nunca e o direito ambiental refere-se à própria existência do ser humana com uma sadia qualidade. Então, são circunstâncias das quais o intérprete não pode abster-se de analisar.

A manutenção do diálogo e o constante repensar das questões sociais são importantes para que o direito seja, a todo tempo, reconstruído, solidificado e cumpra a sua função perante a sociedade do tempo presente.

O direito penal, mesmo subsidiário e fragmentário, quando clamado a atuar, deve render atenção à nova dimensão analítica que se destaca. Confi-gura-se um comprometimento social e científico do mundo moderno que se relaciona de maneira mais próxima e interligada do que em outros momentos já vividos. É a realidade moldando a ciência que se apresenta com padrões sem-pre a posteriori para atuar aonde for necessário, sem retirar a possibilidade da condução harmônica e indicação social da solução de suas próprias demandas. O que se verificou aqui é a solução de um ponto controverso, rascunhada na Constituição da República de 1988, em razão da sociedade ambientalista que se destacava desde a década de 70 com o preceito criminal estabelecido nos anos 1940, oriundo da evolução tecnológica e o desenvolvimento das técnicas de produção energéticas. Nada mais do que a interligação de fatores históricos e sociais na interpretação concreta de um fato típico.

CONSIDERAÇÕES fINAIS

O furto de energia elétrica, conhecido comumente como “gato”, é anali-sado juridicamente, seja em âmbito jurisdicional ou doutrinário, como um ilícito perpetrado exclusivamente contra a concessionária autorizada a distribuir a coisa

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alheia móvel por equiparação (energia elétrica). É delito permanente, pois sua execução prolonga-se no tempo, enquanto houver o desvio ou enquanto houver o consumo sem a devida aferição do medidor, haverá consumação do crime.

Nenhuma questão até então foi apontada, de forma ampla, para tal rea- lidade. A interpretação e o estudo da ciência do Direito, contudo, precisam de novo olhar. Não carecemos de produção legislativa; necessitamos de nova her-menêutica e de outra maneira de se proceder à integração das normas dentro do ordenamento jurídico. Os ramos do Direito e as leis possuem especificidades e muitas vezes são reconhecidas por nomes – “Lei de Crimes Ambientais” ou “Lei da Biossegurança”; entretanto, mesmo com suas particularidades, não podem ser analisadas distanciadas da realidade social e da coletividade à qual se dirige diretamente.

Esse é o parâmetro abordado no presente estudo. O delito de furto de energia elétrica há que ser compreendido em suas consequências ambientais, a todos oponíveis, por se tratar de direito difuso, assim como pelo reflexo na dificuldade de se garantir a universalidade do acesso ao bem móvel, energia, descrito como direito fundamental de cada um.

Observa-se que as vertentes apresentadas apontam para uma interpreta-ção relativa a questões jurídicas de maior relevância, se comparadas apenas a um delito contra o patrimônio. Enfatiza-se uma lesão reflexa que não pode ser olvidada ou desconsiderada contra o meio ambiente e contra direitos funda-mentais individuais.

Elencam-se características do delito de furto, caminhando para as pecu-liaridades do popular “gato” para a correta compreensão do fato e a subsunção às elementares do tipo legal. Segue-se para a responsabilidade das concessioná-rias e dos agentes políticos em laborar para o acesso universal à energia elétrica, bem como dos empecilhos gerados pela prática irregular descrito.

Posteriormente, com argumentos de base, faz-se o amálgama da relação do consumo energético não computado e não dividido solidariamente na res-ponsabilidade advinda dos impactos derivados da produção de energia e da disponibilidade do produto (bem jurídico) na rede pública.

As externalidades ambientais são dirigidas a todos, sem exceção. Mas, em razão do delito em comento, alguns tentam locupletar-se do consumo da energia sem arcar com o valor financeiro decorrente dos gastos para a geração da energia, da tecnologia para minimizar efeitos indesejados e do aparato para incrementar as redes de transmissão.

Não se pretende punições mais severas, por si sós. Pretendem-se análises mais precisas sobre as questões penais que envolvem as esferas energética e ambiental.

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A questão posta em debate pode ser resolvida com fatos típicos, em casos concretos, melhor apurados e circunstâncias judiciais mais concatenadas com a realidade tecnológica, ecológica, social e humana hodierna. Não só o direito ambiental é holístico; multifacetada é a vida e a vida em sociedade, por isso uma nova hermenêutica mostra-se imprescindível.

Visa-se a uma abordagem metodológica sobre as repercussões dos deli-tos não só em relação às vítimas diretas, como também o reflexo para as demais pessoas, para a coletividade e para o meio ambiente. Eis um alerta sobre as necessidades sociais do tempo presente e as consequências na esfera penal que atua somente em caso de lesão ou risco a bens importantes e que possam gerar efeitos graves ou intensos.

O estudo fomenta o debate e a abertura para outras interpretações, mais adequadas à realidade atual. Não se encerra a discussão, mas dá-se um start para a pluralidade de efeitos e reflexos de uma conduta, a princípio, de fácil análise, interpretação e julgamento, mas que clama por uma modificação nas bases jurídicas de sustentação, precipuamente para integrar a avaliação ao mar-co de cidadania dos indivíduos e ao princípio mar-constitucional da solidariedade ambiental.

Nenhuma conduta pode ser desconectada dos referenciais sociais e am-bientais. Os tipos penais devem ser percebidos, dentro de suas elementares legais, mas intimamente adstritos às questões da atualidade. O delito não pode manter uma análise idêntica à do período em que foi definido; precisa ser en-tendido conforme as contingências atuais.

Os direitos fundamentais e o direito ambiental não podem ser esqueci-dos ou desconsideraesqueci-dos nas condutas típicas postas em juízo, sob pena de se descumprir o verdadeiro acesso à justiça que protege a todos subjetiva e objeti-vamente; direta e indiretamente.

Perceber a completude que envolve as práticas ilícitas em um mundo de situações cada vez mais intrincadas é fundamental para um critério justo de en-tendimento sobre a existência ou não de crime e da aplicação da pena no caso concreto. Os direitos e deveres fundamentais, os bens, direitos e deveres difusos não podem ser postergados ou distanciados dos critérios penais, simplesmente, por não afetarem diretamente ou pontualmente esses valores jurídicos.

Com o presente estudo ficam anotações importantes para uma nova compreensão analítica do direito penal em uma proposta penal-constitucional--ambiental.

Cada delito deve ser esmiuçado em todas as suas nuances sociais, por meio das circunstâncias judiciais, e não apenas no foco essencial de criação

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do tipo penal. O furto de energia elétrica foi o exemplo paradigma para este trabalho, mas a premissa apresentada deve ser difundida para todos os demais que se enquadrem no mesmo sentido.

A ideia foi lançada – direito penal é fragmentário e subsidiário, inequivo-camente, porém nada impede que tenha um viés analítico multitudinário.

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Referências

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